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JUL/DEZ 2008 57 A avaliação dos Conselhos Comunitários de Segurança Communities Security Councils’ evaluation project La evaluación de los Consejos Comunitarios de Seguridad L’ Évaluation des Conseils Communautaires de Sécurité Ana Paula Mendes de Miranda * ARTIGOS INÉDITOS Resumo: Os problemas na segurança pública tem enfatizado a necessidade de adoção da estratégia de policiamento comunitário em oposição às formas tradicionais assumidas por esta atividade. O presente artigo apresenta uma proposta de avaliação dos Conselhos Co- munitários de Segurança no Rio de Janeiro, visando criar indicadores adequados ao acom- panhamento deste projeto. O conselho foi es- colhido como objeto de análise porque é um projeto inspirado numa visão pragmática de policiamento comunitário, que se baseia na promoção da interação entre a sociedade, as polícias e diversas instituições públicas e pri- vadas na busca por soluções de problemas referentes à segurança pública. Os métodos propostos para a avaliação foram a pesquisa empírica e a metodologia quantitativa. Palavras-chave: avaliação; segurança pú- blica; Conselho Comunitário de Segurança. Abstract: The problems in public security demonstrate how urgent is to adopt policing community as an answer to the failure of traditional policing. This article intends to discuss the Communities Security Councils’ evaluation in Rio de Janeiro to create indica- tors adjusted to the follow-up of the project. The purpose of the Communities Security Councils is to improve the interaction between police forces and civil society. The main goal of these meetings is to discuss specific problems and elaborate an agenda for the community-oriented policing initiatives. The methods proposed were the qualitative and quantitative research. Keywords: evaluation; public security; Communities Security Councils. * Doutora em antropologia social pela Universidade de São Paulo – USP; professora adjunta da Universidade Cândido Mendes – UCAM. [email protected]

A avaliação dos Conselhos Comunitários de Segurança Security …§ões/8d/AnaPaulaMendes.… · policiamento comunitário, que se baseia na promoção da interação entre a sociedade,

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JUL/DEZ 2008 57

A avaliação dos Conselhos Comunitários de Segurança

Communities Security Councils’ evaluation project

La evaluación de los Consejos Comunitarios de Seguridad

L’Évaluation des Conseils Communautaires de Sécurité

Ana Paula Mendes de Miranda*

ARTIGOS INÉDITOS

Resumo: Os problemas na segurança públicatem enfatizado a necessidade de adoção daestratégia de policiamento comunitário emoposição às formas tradicionais assumidas poresta atividade. O presente artigo apresentauma proposta de avaliação dos Conselhos Co-munitários de Segurança no Rio de Janeiro,visando criar indicadores adequados ao acom-panhamento deste projeto. O conselho foi es-colhido como objeto de análise porque é umprojeto inspirado numa visão pragmática depoliciamento comunitário, que se baseia napromoção da interação entre a sociedade, aspolícias e diversas instituições públicas e pri-vadas na busca por soluções de problemasreferentes à segurança pública. Os métodospropostos para a avaliação foram a pesquisaempírica e a metodologia quantitativa.

Palavras-chave: avaliação; segurança pú-blica; Conselho Comunitário de Segurança.

Abstract: The problems in public securitydemonstrate how urgent is to adopt policingcommunity as an answer to the failure oftraditional policing. This article intends todiscuss the Communities Security Councils’evaluation in Rio de Janeiro to create indica-tors adjusted to the follow-up of the project.The purpose of the Communities SecurityCouncils is to improve the interaction betweenpolice forces and civil society. The main goalof these meetings is to discuss specificproblems and elaborate an agenda for thecommunity-oriented policing initiatives. Themethods proposed were the qualitative andquantitative research.

Keywords: evaluation; public security;Communities Security Councils.

* Doutora em antropologia social pela Universidade de São Paulo – USP; professora adjunta da Universidade

Cândido Mendes – UCAM. [email protected]

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58 JUL/DEZ 2008

Introdução

ARTIGOS INÉDITOS

A avaliação daqualidade de umserviço público éum tema que tem

suscitado debates em diferentes áreas do co-nhecimento. No cenário internacional, a avali-ação da qualidade de um serviço é considera-da uma dimensão obrigatória na formulaçãode políticas públicas, área que tem sido influ-enciada pelas seguintes premissas (Frey, 2000;Hochman, 2007):

· a adoção de um modelo de restrição

de gastos;

· a mudança na visão do que é um go-

verno, com a incorporação da ideia da

transformação das políticas sociais

universais em políticas focalizadas;

· a crença de que as políticas públi-

cas devem ser capazes de impulsio-

nar o desenvolvimento econômico e

promover a inclusão social;

· a accountability.

Atualmente, em função do agravamento dosproblemas que afetam a segurança pública nopaís, a atenção tem-se voltado para a tenta-tiva de definição de parâmetros do que seriaum desempenho policial adequado aos princí-pios democráticos. É preciso lembrar que es-tas questões não são novas, nem exclusivasda polícia no Brasil. Mas avaliar a qualidade doserviço policial não se limita a enfrentar a ques-tão de uma “boa ou má” conduta policial e suaregulamentação. É imprescindível também de-finir qual será o foco da avaliação:

a) Se a perspectiva for gerencial, deve-

se analisar o processo e o produto

do trabalho para se (re)pensar como

o trabalho é feito e o que o usuário/

beneficiário do serviço diz sobre ele.

Assim, a ênfase da avaliação recai-

rá sobre eficácia e eficiência.

b) Quando a perspectiva for de transfor-

mação da realidade, devem-se buscar

informações que demonstrem a supe-

ração de práticas tradicionais, consi-

deradas negativas pela instituição e/

ou pela sociedade e apontem para os

esforços de implementação de mudan-

ças nos processos organizacionais/

institucionais, mudanças nos proces-

sos decisórios e de interação com no-

vos atores. Aqui, a ênfase estará dire-

cionada para a efetividade e o impac-

to. Este tipo de avaliação deve ser

capaz de perceber a dimensão subje-

tiva do trabalho policial, o que não é

alcançado por índices, sejam eles de

produtividade ou de criminalidade.

O presente artigo propõe-se a apresentaruma proposta de avaliação dos Conselhos Co-munitários de Segurança (CCS)1, que têm sidopeças essenciais no processo de democrati-zação, universalização e descentralização daspolíticas públicas na área de segurança, jáque representam uma das estratégias de im-plantação do policiamento comunitário. O focoprincipal desta proposta de avaliação é esta-belecer critérios que permitam analisar se oCCS afeta as práticas tradicionais de inte-ração entre a polícia e a sociedade. Nestesentido, pretende-se discutir que fatos re-tratam a dimensão subjetiva da avaliação noque diz respeito às percepções de policiais ecidadãos acerca do CCS, bem como à ade-quação de seus princípios orientadores no de-senvolvimento de práticas inovadoras na se-gurança comunitária. Tal abordagem res-salta a importância do trabalho etnográficocomo método de pesquisa fundamental pararealização da avaliação.

A relevância desta proposta pode ser de-monstrada pelo fato de que há um discurso,vigente no meio policial, de que o policiamen-to comunitário não é eficaz porque não é pos-sível medir seus resultados. Tal raciocínio éestendido aos conselhos, que não poderiamser monitorados devido à subjetividade dasrelações sociais.

A esta argumentação é possível contraporuma literatura especializada (Bayley, 2001;Bayley e Skolnick, 2001; Brodeur, 2002;Monet, 2001; Monjardet, 2003; Walker, 1997;1998), que propõe a análise de três aspectosao tratar de um sistema de avaliação daqualidade do serviço policial:

· o que os policiais fazem de fato;

· quais são as estratégias policiais de

solução para os problemas apresen-

tados;

· qual é a percepção da sociedade so-

bre os diferentes tipos de trabalho

policial e seus efeitos.

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JUL/DEZ 2008 59ARTIGOS INÉDITOS

Os dois primeiros itens estão relaciona-dos à profissionalização da polícia, ou seja,a uma preparação explícita para a realiza-ção de funções exclusivas da atividade poli-cial, o que pressupõe o recrutamento pormérito, o treinamento formal, a evoluçãonuma carreira estruturada, a disciplina sis-temática e o trabalho em tempo integral.Assim, a avaliação do trabalho policial podepriorizar a relação entre o que a instituiçãoé designada a fazer, as “situações”2 com asquais os policiais têm de lidar cotidianamen-te e as ações efetivamente realizadas.

Ressalta-se que a “situação” não é umindicador3 da natureza do trabalho, e simuma fonte de dados que está empiricamenterelacionada com outras fontes, como, porexemplo, as atribuições organizacionais e asdecisões táticas. Outras fontes de dados sãoas “atribuições” (patrulhamento, investiga-ção criminal, controle do trânsito, adminis-tração interna, controle auxiliar – atividadesque poderiam ser realizadas por outras agên-cias governamentais) e os “resultados”. Em-bora, do ponto de vista metodológico, asatribuições, as situações e os resultadossejam separados para fins de análise, na prá-tica trata-se de instâncias interdependentesdo trabalho policial. A descrição e análisedestes elementos contribuem para a defini-ção de critérios de medidas objetivas.

Se as atribuições não constituem um in-dicador da atividade policial, já que, por exem-plo, a polícia faz patrulhamento em todo omundo, é necessário conhecer o contextono qual a atividade está inserida, levando-se em consideração a definição que o papelda polícia tem na sociedade4. Do mesmomodo, é preciso também identificar qual adiretriz política que orienta o trabalho poli-cial em consonância com a observação daatividade policial, a fim de que seja implan-tado um sistema eficiente de avaliação.

Na prática, para compreender as especi-ficidades das atribuições, situações e resul-tados do trabalho policial é necessário:

a) observar os policiais trabalhando;b) analisar os relatórios de atividades

(ou qualquer outra forma de regis-tro) mantidos pelas unidades policiais;

c) analisar os relatórios de chamadas

para atendimento público.

É importante salientar que, internacional-mente, o debate acerca da avaliação policialtem sido dominado por dois temas principais:a conduta policial adequada aos princípios doEstado Democrático de Direito e as barreirasinternas das corporações à regulamentaçãoda função policial. Tal perspectiva define limi-tes ao processo de avaliação, que se tornaainda mais complexo devido a obstáculosempíricos que se colocam ante a observaçãoda rotina policial, tais como a baixa visibilidadedas decisões, o alto nível de arbítrio dos poli-ciais e a dificuldade de perceber o ponto devista de quem recebe o serviço.

Assim, um sistema de avaliação deve levarem conta critérios objetivos, voltados paramensurar as principais responsabilidades5 dapolícia, e critérios subjetivos, que não servempara informar como os processos são realiza-dos, mas para compreender que representa-ções os policiais e o público têm sobre o fun-cionamento dos serviços. No Quadro 1 sãoapresentados alguns critérios objetivos e sub-jetivos para avaliação do trabalho policial, combase nas atividades e fontes de dados dispo-níveis no estado do Rio de Janeiro, bem comona incorporação de critérios considerados vá-lidos internacionalmente.

QUADRO 1 – CRITÉRIOS OBJETIVOS ESUBJETIVOS PARA AVALIAÇÃO DA

POLÍCIACritérios Objetivos

Efetivo policial X área Efetivo policial em policiamentogeográfica X população ostensivo

Efetivo em trabalho administrativo Efetivo em trabalho de investigação

Tempo de resposta Volume de recursos investidos

Multas aplicadas Elucidações de crimes

Prisões efetuadas Apreensões

Civis mortos X Civis feridos Policiais mortos X Policiais feridos

Atuação das corregedorias Nível de capacitação dos quadros

Qualidade dos registros de ocorrência Utilização de dados para traçarestratégias

Políticas específicas para áreas críticas Políticas específicas para gruposvulneráveis

Critérios Subjetivos

Autoestima dos policiais Percepção dos policiais acerca dasua imagem pública

Conhecimento dos policiais acerca Disposição para interagir com osde sua comunidade cidadãos

Conhecimento dos policiais acerca Conhecimento dos policiais acercade sua instituição da sua unidade

Percepção coletiva dos policiais Contato e interação com as vítimassobre o medo

Sentimento de insegurança da Mudança no comportamento dapopulação população provocada pela violência

/criminalidade

Confiança nas instituições Reuniões com comunidades epoliciais / órgãos públicos lideranças

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60 JUL/DEZ 2008 ARTIGOS INÉDITOS

Para construir um sistema de avaliaçãopolicial, é preciso que as informações tenhamqualidade, isto é, que existam estatísticasconfiáveis e disponíveis ao público de formaregular. Sem transparência, não há qualidadede informação (Miranda, 2008). Porém as es-tatísticas policiais não são adequadas paraavaliar o policiamento comunitário, sendo ne-cessário definir outros critérios.

Já o levantamento de informações que sereferem os critérios subjetivos passa pelaanálise das percepções do funcionário e dopúblico. Para tanto, pode-se contar comentrevistas com líderes comunitários, compoliciais de diferentes patentes, gestores daárea de segurança, empresários etc.; compesquisas de opinião e de vitimização; coma realização de grupos focais; e com o acom-panhamento das reuniões comunitárias paratratar dos problemas da segurança.

Para analisar as informações subjetivas,é preciso levar em conta que diferentes fa-tores afetam a percepção/satisfação dosusuários na área de segurança:

· a percepção do indivíduo está total-

mente marcada por sua experiência

pessoal com a polícia;

· a aprovação do público deve ser contex-

tualizada com referência ao respeito

aos limites estabelecidos pela legisla-

ção;

· deve haver um espaço equilibrado na

mídia para a repercussão de fatos ne-

gativos e positivos da atividade poli-

cial (Roché,1993).

Conselhos e políticas públicas

A utilização de conselhos como um fórumde participação social não é um fenômenonovo e pode ser associada a diferentes dis-cursos políticos. Nos chamados grupos “deesquerda”, os conselhos têm sido apresen-tados como ferramentas de transformaçãosocial, voltados para a democratização dasrelações de poder. Como exemplo, podemosrelembrar as comissões internas de fábricascomo a base da auto-organização operária(Gramsci e Bordiga, 1981).

Já os discursos “liberais” apresentam osconselhos como mecanismos de colabora-ção entre os diferentes setores da socieda-

de, que estimulariam o associativismo comoum espaço societário de deliberação e deci-são. Neste cenário, a democracia é direta-mente relacionada à participação política eao desenvolvimento de uma cultura cívica(Kerstenetzky, 2003), proporcionando a neu-tralização do privatismo e a ampliação da vi-sibilidade da esfera pública, favorecendo atransparência e a inteligibilidade. Deste modo,a sociedade civil, formada por associaçõesque respeitam esses princípios, funcionariacomo um “amortecedor” para as pressões ecooptações de setores não organizados dasociedade, tendo como resultados a reduçãodas desigualdades civis e da vulnerabilidadedos grupos sociais excluídos.

A partir dos anos 1990, as ciências sociaispassaram a utilizar a noção de governança de-mocrática para dar conta da interação entreinstituições governamentais, agentes do mer-cado e atores sociais, visando à ampliação daparticipação social nos processos decisórios daspolíticas públicas (Santos Junior; Ribeiro; Aze-vedo, 2004). A preocupação dos cientistas so-ciais não tem sido apenas relativa à capacida-de de governar, mas também à possibilidade deinclusão e participação social como elementosbásicos do exercício da cidadania.

Assim, a participação popular no desenhode políticas públicas tem servido para questio-nar o padrão centralizador, autoritário eexcludente que, historicamente, tem marca-do as relações entre as agências estatais eseus beneficiários, buscando articular a “de-mocratização do processo com a eficácia dosresultados” (Dagnino, 2002:47). Outro pontode destaque é o papel mais efetivo que asociedade poderia exercer na fiscalização daqualidade dos serviços públicos e na cons-trução de práticas mais democráticas na de-finição de prioridades de alocação de recur-sos, que se relacionam diretamente com adimensão subjetiva da avaliação de serviçospúblicos.

A luta pelo controle democrático do Esta-do é, hoje, uma das mais decisivas na críticaaos modelos vigentes de regulação social.Este “novíssimo movimento social” (Santos,2006) corresponde ao processo de reinvençãodemocrática do Estado, que deve estimularnovas formas de cidadania, coletiva e nãoapenas individual; incentivar a autonomia ecombater a dependência burocrática; perso-

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JUL/DEZ 2008 61ARTIGOS INÉDITOS

nalizar e localizar as competições interpessoaise coletivas, ao invés de sujeitá-las. Esta abor-dagem pressupõe que o Estado considere le-gítimas as reivindicações que visam ao aten-dimento das necessidades básicas, mas tam-bém aquelas que incidem sobre transforma-ção social emancipatória, que permitem alte-rar as relações de poder desigual em rela-ções de autoridade partilhada (Idem, 2005).

No Brasil, desde 1996, a legislação em vi-gor preconiza que o recebimento de recursospelos municípios para a saúde e educaçãoestá condicionado à existência de conselhosgestores (Gohn, 2000). No que diz respeito àsegurança, a vinculação de liberação de ver-bas somente começou em 2003, com a cria-ção do Sistema Único de Segurança Pública(SUSP), que propõe a implantação de conse-lhos comunitários de segurança como um ór-gão responsável, direta ou indiretamente, pelapolítica e pela gestão da segurança pública,reunindo representantes de instituições go-vernamentais e da sociedade civil. Emboraalguns vejam positivamente tal exigência, naprática ela pode comprometer a perspectivade reinvenção democrática, na medida emque a obrigatoriedade dos CCS seja interpre-tada como uma mera formalidade burocráti-ca. Se o CCS for tratado apenas como umaforma de obtenção de recursos, perderá seusentido e não permitirá que as reuniões se-jam uma fonte de informações sobre a quali-dade do serviço prestado pelas polícias.

Portanto, os CCS devem ser espaços pú-blicos com composição plural e paritária, cujosinstrumentos privilegiados de resolução deconflitos sejam o diálogo e a publicidade, paraque funcionem como uma estratégia de viá-vel do policiamento comunitário.

Se os conselhos funcionarem como ins-tâncias deliberativas, chamados de conse-lhos gestores, com competência legal paraformular políticas e fiscalizar a sua implanta-ção, suas decisões devem ter forma de reso-lução e ser publicadas em diário oficial parater validade.

De qualquer modo, as reuniões de um con-selho devem ser abertas à comunidade, mes-mo que não exista direito a voto. É necessá-rio ainda que cada conselho elabore seu regi-mento interno, o qual, depois de aprovado,deve ser submetido à autoridade competen-te do poder Executivo para aprovação6.

Quando se ressalta a dimensão comunitá-ria de um conselho é porque seu objetivo éservir de espaço “de apresentação de de-mandas da comunidade junto às elites políti-cas locais, numa relação que renova a tradi-cional relação clientelista entre Estado e so-ciedade” (Tatagiba, 2002:53-54). Assim, aprincipal característica de um conselho co-munitário seria o poder de mobilização e pres-são sem, necessariamente, apresentar umcaráter deliberativo.

Salienta-se que a discussão sobre a fun-ção deliberativa dos conselhos deve levar emconsideração alguns fatos que tornam com-plexa esta função, a saber: o baixíssimo graude participação social e representatividadedos movimentos sociais; as concepções queencaram os conselhos como instrumentos pararealização de objetivos particulares (lícitos ouilícitos); a (não) capacitação dos conselhei-ros; a publicidade e fiscalização das açõesdos conselhos (Miranda, 2007).

No caso específico dos CCS, há dois obs-táculos que merecem ser ressaltados. O pri-meiro corresponde ao fato de que estes con-selhos têm sido criados, no Brasil, por forçade instrumentos legais relacionados à distri-buição de recursos públicos, e não por umademanda de movimentos sociais7. E o segun-do tem a ver com a dimensão da conotaçãode “público”, que não é entendido como umproduto da coletividade, mas alguma coisaque não tem dono, algo que é apropriado par-ticularmente e controlado pelo Estado (Kantde Lima, 1997; Miranda, 2000; 2005).

A implantação de Conselhos Comunitáriosde Segurança é uma experiência que tem sidoanalisada no Rio de Janeiro e em São Paulo(Freire, 2008; Galdeano, 2007; Hussein, 2007;Miranda, 2007; Sento-Sé, 2005; Silva, 2005),objetivando verificar se é possível construirum espaço público de debate na área de se-gurança, que permitirá chegar à construçãode consensos e à formulação de agendas,que sejam atendidas pelo poder público.

Neste sentido, para dar conta das múlti-plas dimensões do fenômeno associativo, énecessário privilegiar sua dimensão microsso-cial, para observar como são construídas asformas de intervenção capazes de desenvol-ver dimensões cívicas e democráticas, colo-cando em xeque posturas clientelistas oucorporativas.

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62 JUL/DEZ 2008 ARTIGOS INÉDITOS

Proposta de avaliação dos

Conselhos Comunitários de

Segurança

A proposta de avaliação dos CCS surgiu apartir de minha participação no trabalho de(re)organização dos CCS8, criados formalmentepelo artigo 182, § 2o, da Constituição Esta-dual do Rio de Janeiro, de 5 de outubro de1989. Os CCS são canais de participação po-pular de caráter consultivo, organizados poruma diretoria eleita, que discutem e cobramsoluções para os problemas relativos à segu-rança de sua área. Aos policiais, cabe o papelde prestar contas e responder às demandas.O CCS é um fórum marcado por relações for-malizadas, ou seja, é regulado por uma legis-lação específica, com objetivos, funções e pro-cedimentos razoavelmente definidos, além depossuir um caráter permanente ou estável.

Sua implantação deu-se no Rio de Janeiro,a partir de 1999 , por iniciativa da Secretariade Estado de Segurança Pública, tendo sidoreestruturado em 20059 como parte de umapolítica de aproximação entre sociedade civile Estado para fins de melhoria da segurançapública10. Além da diretriz da participação de-mocrática, o projeto abrangia uma perspec-tiva gerencial, baseada nas seguintes pre-missas: a descentralização das decisões, ocontrole de resultados e não de procedimen-tos, a competição administrada e o controlesocial direto (Garotinho e Soares, 1998; Ga-rotinho e Silva, 2000; 2002).

O CCS deve promover a interação entre asociedade, as polícias e diversas instituiçõespúblicas e privadas, buscando a solução deproblemas referentes à segurança públicanuma determinada localidade. Sua propostafoi pensada para funcionar como uma dasestratégias de policiamento voltado para asolução de problemas, o que representa umaabordagem pragmática do policiamento co-munitário, segundo a qual as forças policiaise a sociedade devem solucionar seus proble-mas conjuntamente (Goldstein, 2003; Skolnicke Bailey, 2001; Moore, 2003).

Ressalta-se que o policiamento comunitá-rio é entendido como uma estratégia, volta-da para a eficácia policial na prevenção e

controle do crime, e não como uma filosofia.Sua premissa central é a participação ativada população na promoção da segurança. Nãohá consenso no mundo sobre o significado doconceito, o que dá margem a diferentes in-terpretações teóricas e a diversas possibili-dades de projetos classificados como policia-mento comunitário.

A presente proposta foi elaborada a partirda experiência no acompanhamento das reu-niões dos Conselhos Comunitários11. Partiu-se da identificação de três dimensões impor-tantes para que estes possam ser implanta-dos, permitindo a participação social eviabilizando seu funcionamento (Figura 1).

FIGURA 1 – DIMENSÕES DOFUNCIONAMENTO DOS CONSELHOS

COMUNITÁRIOS DE SEGURANÇA

Conselhos Comunitários de Segurança

Funcionamento Interação Participação Social

Existe ou não conselho

Periodicidade

Ata de reuniões

Cumprimento dos calendários

Tempo defuncionamento

Autonomia

% de participantes

Número de membrosnatos, eleitos e

participantes em gerale convidados

% de conselheiroscapacitados

% de participaçãono fórum

Polícia e Sociedade

Polícia e Órgãos

Públicos

Polícia e Polícia

SUBDIMENSÃO DA INTERAÇÃO

Conselhos Comunitários de Segurança

Funcionamento Interação Participação Social

Existe ou não conselho

Periodicidade

Ata de reuniões

Cumprimento dos calendários

Tempo defuncionamento

Autonomia

% de participantes

Número de membrosnatos, eleitos e

participantes em gerale convidados

% de conselheiroscapacitados

% de participaçãono fórum

Polícia e Sociedade

Polícia e Órgãos

Públicos

Polícia e Polícia

SUBDIMENSÃO DA INTERAÇÃO

A identificação das dimensões (funciona-mento, interação e participação social) esubdimensões da interação (polícia e socieda-de, polícia e polícia, polícia e órgãos públicos,tem como objetivo descrever sinteticamenteo que é um CCS. A partir desta descrição,torna-se possível identificar critérios objeti-vos e subjetivos que integrarão o sistema deavaliação do CCS.

Na Figura 1, observa-se que a dimensão“funcionamento” pretende identificar se de fatoo CCS existe e como é a sua dinâmica, ouseja, se as reuniões têm apenas um caráterformal ou são reuniões de trabalho; se háautonomia dos atores; se há uma pauta comas demandas; e se ela é executada.

Na segunda dimensão (interação), busca-se analisar como se dá a relação entre osdiferentes atores que participam do CCS (Fi-gura 2).

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JUL/DEZ 2008 63ARTIGOS INÉDITOS

Já na terceira dimensão (Figura 1), “parti-cipação social”, busca-se identificar se há di-versidade na composição dos conselhos e sehá mecanismos de estímulo à renovação dosgrupos, bem como de inclusão social.

FIGURA 2 – SUBDIMENSÃO DAINTERAÇÃO

Interação

Polícia e Sociedade

Polícia e Órgãos

PúblicosPolícia e Polícia

Preparaçãodos Policiais

Apoio dossuperiores

Conhecimentodos Conselhos porparte dos policiais

e superiores

Participaçãode grupos

minoritários

Agências Públicas

Prefeitura

Outros órgãosSociedade

CivilOrganizada

Embora seja necessário realizar a quan-tificação desses encontros, o principal ob-jetivo de coletar informações estatísticasnão é estabelecer um ranking de conselhos,mas utilizar a informação quantitativa paradiscutir a validade do CCS como um fórumde debates entre atores diferentes. Por exem-plo, uma reunião que só tenha representan-tes de um segmento social, seja ele qual for,não pode ser considerada representativa dosproblemas de uma determinada região. E ésabido que, muitas vezes, há uma “prefe-rência” dos policiais em interagir apenas comos representantes de segmentos comerciais/empresariais. É conhecida também a quasetotal ausência de espaço para participaçãode grupos minoritários e de outros órgãos dopoder público (Miranda, 2007).

A proposta de construção de uma avalia-ção dos CCS permite estimular a realizaçãode pesquisas empíricas sobre os conselhos.A falta destas pesquisas tem prejudicado averificação da efetiva capacidade de redu-ção das desigualdades políticas por partedestes conselhos. Dito de outra forma, é pre-

ciso analisar se o CCS tem provocado defato um avanço qualitativo para a democra-cia (Kerstenetzky, 2003).

Há ainda outra questão relevante: as pes-quisas sobre a participação da sociedade civilbrasileira em outros espaços públicos têmdemonstrado que o processo de construçãodemocrática não é linear, e sim contraditó-rio, setorial e fragmentado (Dagnino, 2002).Neste sentido, a avaliação de um conselhopode ser realizada para acompanhar a quali-dade das reuniões; seus resultados concre-tos; a frequência das reuniões; o número departicipantes e a representatividade das li-deranças; mas, principalmente, para reco-nhecer os limites e as potencialidades dosCCS.

Assim, esta proposta de avaliação (Qua-dro 2) busca resumir um grande universo deinformações provenientes das reuniões men-sais. Organizar as informações é fundamen-tal para se estabelecer uma troca recíprocaentre os membros da sociedade e os repre-sentantes da administração pública. Outravantagem é a possibilidade de estimular odesenvolvimento de uma outra cultura organi-zacional que redefina o papel da polícia, in-troduzindo a noção de serviço público(Cerqueira, 1999).

QUADRO 2 – AVALIAÇÃO DO CONSELHOCOMUNITÁRIO DE SEGURANÇA

A avaliação da qualidade das reuniões,de seus resultados e da representatividadedas lideranças pressupõe o uso do métodoempírico12 para que se tenha acesso às re-presentações dos grupos envolvidos (Qua-

Acesso aos relatórios e Atas das reuniões.Análise das Atas das reuniões.

Conceito / Numérica

Representatividade dos líderes

comunitários em relação a população

da área avaliada

Acesso aos relatórios e Atas das reuniões.

Tabulação do quantitativo de participantes através da análise das

Atas das reuniões.Numérica

Número de Participantes das

Reuniões

Acesso aos relatórios e Atas das reuniões.

Tabulação do quantita tivo de reuniões efetuadas através da análise das Atas

das reuniões.Numérica

Freqüência da Realização das

Reuniões

Custo da aplicação dos questinários; Acesso às Atas das reuniões; Custo da aplicação do

grupo focal.

Questionário aplicado aos líderes comunitários participan tes e aos policiais

envolvidos. Análise das Atas das reuniões. Realização de grupo focal.

ConceitoResultados Concretos das Reuniões

Custo da aplicação dos questionários; Acesso às Atas

das reuniões; -Custo da aplicação do grupo focal.

Questionário aplicado aos líderes comunitários participan tes e aos policiais

envolvidos. Análise das Atas das reuniões. Realização de grupo focal.

ConceitoQualidade das Reuniões

Reuniões Comunitárias

Desenvolvimento de Atividades Comunitárias

Interação Comunitária

DIFICULDADESFORMAAVALIAÇÃOQUESITO

Acesso aos relatórios e Atas das reuniões.Análise das Atas das reuniões.

Conceito / Numérica

Representatividade dos líderes

comunitários em relação a população

da área avaliada

Acesso aos relatórios e Atas das reuniões.

Tabulação do quantitativo de participantes através da análise das

Atas das reuniões.Numérica

Número de Participantes das

Reuniões

Acesso aos relatórios e Atas das reuniões.

Tabulação do quantita tivo de reuniões efetuadas através da análise das Atas

das reuniões.Numérica

Freqüência da Realização das

Reuniões

Custo da aplicação dos questinários; Acesso às Atas das reuniões; Custo da aplicação do

grupo focal.

Questionário aplicado aos líderes comunitários participan tes e aos policiais

envolvidos. Análise das Atas das reuniões. Realização de grupo focal.

ConceitoResultados Concretos das Reuniões

Custo da aplicação dos questionários; Acesso às Atas

das reuniões; -Custo da aplicação do grupo focal.

Questionário aplicado aos líderes comunitários participan tes e aos policiais

envolvidos. Análise das Atas das reuniões. Realização de grupo focal.

ConceitoQualidade das Reuniões

Reuniões Comunitárias

Desenvolvimento de Atividades Comunitárias

Interação Comunitária

DIFICULDADESFORMAAVALIAÇÃOQUESITO

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dro 2). A periodicidade das reuniões deveser adequada ao calendário dos encontros eà disponibilidade de recursos, tendo em vis-ta que o trabalho deveria ser feito por pes-quisadores independentes.

A operacionalização dos quesitos (Qua-dro 2) em conceitos ou índices representaum primeiro passo no processo de análise doimpacto do CCS na relação entre polícia esociedade. O aprofundamento posterior daanálise dessas informações referentes ao CCSpermite a construção de indicadores objeti-vos e subjetivos relativos ao policiamentocomunitário (Quadro 3).

QUADRO 3 – INDICADORES DOTRABALHO POLICIAL ADEQUADOS AO

POLICIAMENTO COMUNITÁRIO

Objetivos Subjetivos

Reuniões com Disposição paracomunidades e interagir com os

lideranças cidadãos

Efetivo policial em Percepção dos policiaispoliciamento ostensivo acerca da sua imagem

pública

Atendimento Conhecimento dosespecializado às vítimas policiais acerca dos

problemas do localonde atua

Atendimento às Redução do sentimentodemandas locais de insegurança

Ações integradas com Aumento da satisfaçãooutros órgãos com o serviço policial

Os indicadores propostos correspondem amedidas construídas a partir da avaliaçãodos indivíduos e não apenas com base emdados oficiais. Esta abordagem “proporcionasubsídios para correção e melhoria do pro-cesso de implementação dos programas, alémde dar indícios da efetividade social dos mes-mos, especialmente daqueles difíceis demensurar em escala quantitativa” (Jannuzzie Patarra, 2006:28).

Como o CCS é um projeto de política públi-ca, que pressupõe um nível de intervençãodo Estado na organização dos movimentossociais, é preciso ficar atento a se o resulta-do é apenas cooptação e o “disciplinamento”dos grupos envolvidos (Fonseca, 2006), ouse o enfoque é a busca da mudança de qua-lidade de vida dos participantes. No caso dasegurança pública, o cuidado deve se esten-

der à forma pela qual é tratado o “denun-cismo”, cuja consequência é a homogeneiza-ção dos discursos.

Assim, o papel da avaliação proposta écontribuir para a reflexão sobre os proces-sos sociais, de modo que os planejadores,gestores, agentes de intervenção e demaisatores atuem dialogicamente no enfrenta-mento das desigualdades.

Desse modo, a avaliação dos CCS devebuscar problematizar as representações so-ciais que concebem a sociedade civil comoum “polo de virtude” e os agentes do Estadocomo “encarnação do mal”; deve tambémapontar como ambos podem oferecer resis-tências ao processo de democratização, iden-tificando quais são elas.

Consequentemente, será possível ver seos agentes do Estado manifestam concep-ções políticas resistentes à democratização,se defendem posições tecnoburocráticas, setemem a instabilidade dos projetos e a faltade recursos, se agem sem transparência, comlentidão, ineficiência e “burocratização”.

Do mesmo modo, será possível observarse os representantes da sociedade civil têmdificuldades de conviver com uma multiplici-dade de atores e de reconhecê-los comointerlocutores legítimos, se manifestam prá-ticas autoritárias e conservadoras; se têmou não qualificação (técnica e política); sereproduzem o acesso privilegiado aos recur-sos do Estado; se criam obstáculos à rota-tividade das representações; se prejudicamo trabalho de mobilização da população; sesão ou não representativos dos interessescoletivos.

Outra característica importante está rela-cionada à formalidade dos encontros, o quedeve ser visto como um processo de sociali-zação, que explicita situações em que os líde-res comunitários fazem uma mescla de infor-mações e reivindicações “aparentemente forade lugar”. Como podem ser chamados de“neófitos” na linguagem e nos rituais burocrá-ticos, vários representantes buscam demons-trar que são capazes de reproduzir esses ritu-ais visando realizar a tradução dos pedidos/problemas em demandas/prioridades. Os líde-res comunitários sabem que a burocracia éuma tecnologia que pode ser usada para

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Referências bibliográficas

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envolvê-los ou aprisioná-los (Silva, 2005). Areprodução de formalidades pelas liderançasnão deve ser entendida apenas como uma for-ma de dominação ou cooptação acrítica, mascomo uma ressignificação do que seja a parti-cipação social num contexto onde o formalismojurídico-burocrático é valorizado.

Portanto, a avaliação do CCS deve bus-car descrever as contradições desse fórum,onde se confrontam ideias, para que se ob-serve se as discussões, os encaminhamen-tos e as deliberações representam a cons-trução de uma cultura mais democrática.Somente assim a composição plural e hete-rogênea, com representação da sociedadecivil e do governo em diferentes formatos,poderá transformar os conselhos em instân-cias de negociação de conflitos entre dife-rentes grupos. Isto posto, os conselhos po-derão funcionar como canais importantes departicipação coletiva se possibilitarem a cria-ção de uma cultura política de inclusão, va-lorizando positivamente as relações políti-cas entre os agentes do Estado e os cida-dãos, de modo a garantir a participação detodos na formulação e gestão das políticaspúblicas de segurança.

Considerações finais

A proposta de avaliação dos CCS tevecomo objetivo superar a ideia da impossibili-dade de acompanhamento de fenômenos so-ciais multidimensionais.

Embora ainda seja necessário aprofundar adiscussão acerca dos indicadores aqui sugeri-dos, é possível afirmar que a complexidade dofenômeno associativo, no caso específico, oConselho Comunitário de Segurança, não per-mite a adoção de alguns métodos tradicionaisde avaliação, tais como, o ranking ou a cons-trução de um índice para medir o policiamentocomunitário.

Este artigo procurou contribuir com o temada avaliação de políticas públicas, em espe-cial no que se refere à efetividade e ao im-pacto dos projetos, a partir de uma perspec-tiva formativa. Assim, a avaliação deve per-mitir a verificação dos rumos das políticas pú-blicas durante sua fase de implantação, a fimde que seja possível realizar intervenções cor-retivas em seu processo, e também criar ins-trumentos capazes de identificar se os efeitosde uma dada política pública são positivos.

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Resumé: Les problèmes en matière desécurité publique ont conduit au déploiementde la stratégie de police proximité enopposition aux formes traditionnelles de police.Cet article présente une proposition d’éva-luation des Conseils Communautaires deSécurité a Rio de Janeiro, en visant créer uneévaluation adéquate du projet. Les conseilsont été choisis objet d’analyse parce quereprésentent un programme de police deproximité, dont la philosophie est la promotionde l’interaction entre la société, la police etles diverses institutions publiques et privéesà la recherche de la solution des problèmesafférents à la sécurité publique. Les méthodesproposées pour l’évaluation ont été laethnographie et la méthodologie quantitative.

Mots clés: évaluation; sécurité publique;Conseils Communautaires de Sécurité.

Resumen: Los problemas en la seguridadpública han levado a la implantación de inici-ativas de policía comunitaria en oposición alas estrategias policiales tradicionales. Esteartículo presenta una propuesta de eva-luación del Consejo Comunitario de Seguridaden Rio de Janeiro para discutir indicadoresadecuados a la evaluación del proyecto. Elobjetivo del Consejo Comunitario de Seguridades conocer y proponer soluciones a los pro-blemas relativos a la seguridad, permitiendola interacción entre la sociedad civil, lospolicías y distintas instituciones públicas yprivadas. Los métodos propuestos en laevaluación fueran la etnografía y la meto-dología de pesquisa cuantitativa.

Palabras-clave: evaluación; seguridad pú-blica; Consejo Comunitario de Seguridad.

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1 Doravante, o Conselho Comunitário de Segurança será identificado pela sigla CCS.2 A classificação das situações proposta por Bayley (2001): emergência criminal; queixa e investigação crimi-

nal; emergência não criminal; prevenção ao crime; cuidado com pessoas incapacitadas ou incompeten-tes; briga ou disputa; aconselhamento; trânsito; controle de multidão; investigação não criminal.

3 Um indicador é um número padronizado que representa um determinado conceito mensurável, podendo sercalculado por meio de uma taxa, um percentual, uma razão ou por outros processos matemáticos. Servepara representar informações que permitem avaliar aonde vamos e onde estamos com relação a nossosobjetivos e valores. Tem como objetivos realizar o diagnóstico dos problemas, a mensuração e monitora-mento dos processos de mudança social e o estabelecimento de metas prioritárias. Sua construção é umato político, como não há indicador neutro, ele nunca é exato ou uma cópia fiel da realidade (Jannuzzi,2004; Schrader, 2002).

4 Na Inglaterra, o foco tem sido a manutenção da paz e da tranquilidade pública. Já nos Estados Unidos, elese volta para o controle do crime. No Brasil, tradicionalmente o foco tem sido a proteção do Estado (Kantde LIMA; Misse; Miranda, 2000; Silva, 2008).

5 De acordo com Bayley (2001), os critérios que definem as responsabilidades das polícias são: a prevenção docrime e melhoria da segurança pública; o respeito à lei; a ausência de comportamento imoral; a criação deconfiança pública; as demonstrações de simpatia e preocupação; a abertura ao controle qualificado; acapacidade para resolução de problemas gerais; a proteção da integridade dos processos políticos; o trata-mento igualitário das pessoas.

6 Com relação aos integrantes dos conselhos, com exceção dos membros do Conselho Tutelar, a função deconselheiro não deve ser remunerada por ser definida como atividade de “relevância pública”. Este ponto éaltamente polêmico entre os conselheiros no Rio de Janeiro, já que os mais pobres afirmam não poder arcarcom as despesas de locomoção e alimentação.

7 Por isso não podem ser chamados de conselhos populares. É preciso distinguir também o conselho comu-nitário do conselho de notáveis, que se caracteriza pela presença exclusiva de especialistas, como é ocaso do Conselho Nacional de Justiça.

8 Dirigi o Instituto de Segurança Pública entre 2004-2008. O projeto dos conselhos contou com a participa-ção de policiais militares e civis, de cientistas sociais e de bacharéis em direito, além de estagiários dedireito, ciências sociais, história e comunicação social.

9 A reestruturação foi feita a partir de um diagnóstico dos problemas dos Conselhos Comunitários de Seguran-ça e da realização de dois fóruns, nos quais se discutiram os seguintes pontos: necessidade de mobilizaçãodas comunidades; divulgação ampla e rodízio das reuniões; institucionalização dos conselhos; maiorparticipação de autoridades de órgãos municipais e estaduais nas reuniões; intercâmbio e integraçãoentre os conselhos; organização de pautas e estabelecimento de calendários fixos para as reuniões. VerResolução SSP nº 781/2005; Teixeira (2006).

10 No Rio de Janeiro também existe o “Café Comunitário”, que foi criado oficialmente em 19 de maio de 2003,pela Resolução da Secretaria de Segurança Pública n° 629. Funciona como um encontro menos formaliza-do entre a polícia e a sociedade, cuja organização cabe à Polícia Militar, possuindo formatos mais flexíveiscom objetivos, funções e procedimentos variáveis e permeáveis às correlações de forças vigentes emcada caso, principalmente no que se refere aos atores envolvidos. A informalidade do encontro dificulta aparticipação dos agentes do Estado que não sejam policiais (diferentes níveis do Executivo, o Legislativoe as agências estatais específicas), que não se vêem “obrigados” a participar. Com relação à dificuldadesde participação da sociedade civil, geralmente os indivíduos alegam não se sentir à vontade para entrarem unidades das polícias.

11 A proposta foi debatida em dois momentos: o Seminário Nacional de Polícia Comunitária, organizado pelaSENASP, em Salvador, 2007; e a 26ª Reunião da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), em PortoSeguro, 2008. Agradeço a Renato Coelho Dirk (ISP) por várias sugestões durante a confecção destetrabalho.

12 Apenas com a utilização desta metodologia pode-se identificar como as relações que se estabelecem entreos diferentes grupos participantes dos conselhos ocorrem; se são tensas, como se manifestam os confli-tos; se crescem ou reduzem na medida em que as decisões são compartilhadas entre as partes envolvi-das. A importância heurística do método etnográfico é a de colocar o pesquisador em interação direta comos outros sujeitos, de modo a descrever de modo ímpar os significados de suas ações.

Notas

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