Dazibao n.2

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    Editorial

    Declarao no solicitada ao Group Materialimothy Rollins

    Um ponto e duas cidadesCludio avares

    Reformismo ou Revoluo?H. G. Wells entrevista Josef Stalin

    No tempo e no espao: reflexes pessoais sobre a 29 bienal, de um ponto de vista pedestreAlberto Simon

    O museu Hlio Oiticica. Defesa contra seus admiradores (# 2)

    .gustavo motta

    O bom, o mal e o feioJames Elkins

    CartumFritz Behrendt

    Sol; Fa Mi Sol Do Re Mi; Do

    Mauricio De Bonis

    Te real Ronald Reagan stand upRonald Reagan

    Da impossibilidade crtica ou o negativo do produtivismoMarilia Furman

    Cultura ou Criatividade? Impasses Conceituais no PSEC/MinC/Brasil

    Cayo Honorato e Viviane Pinto

    dazibao suplica

    pg. 2

    pg. 4

    pg. 9

    pg. 10

    pg. 20

    pg. 28

    pg. 38

    pg. 51

    pg. 53

    pg. 68

    pg. 74

    pg. 88

    pg. 94

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    Umfunktionierung:do alemo, inverter o fun-cionamento, conferir uma nova funo ou

    simplesmente refuncionalizar.

    Alguns revlveres no disparam mesmo que a

    pessoa tenha enlouquecido, senhora Mllerov. H

    uma infinidade de sistemas de segurana, travas,coisas assim. Mas, para assassinar o arquiduque,devem ter comprado o que havia de melhor. Aposto

    o que a senhora quiser que o sujeito que fez isso esta-

    va impecavelmente vestido. No h quem no saibaque atirar em um arquiduque uma tarefa muitodifcil. No como quando um caador clandestino

    atira em um guarda-florestal. A questo comochegar perto da vtima, coisa que no possvelquando se est vestindo roupas andrajosas. Precisausar um chapu tipo cartola se no quiser que a

    polcia o apanhe antes. [] Imagino que o arqui-duque Ferdinand tambm se equivocou a respeitoda pessoa que atirou nele em Sarajevo. Certamente

    viu um senhor e pensou: se est gritando viva, spode ser um homem honesto. E, em troca, o sujeitolhe deu um tiro. Atirou uma ou vrias vezes?

    Segundo os jornais, senhor, o arquiduqueparecia uma peneira. Esvaziaram um pente inteiro

    em seu corpo. Essas coisas acontecem muito depressa,

    senhora Mllerov, terrivelmente depressa. Se eutivesse que fazer uma coisa dessas, compraria uma

    Browning. Parece um brinquedo, mas em doisminutos voc pode fuzilar vinte arquiduques, gor-dos ou magros. Embora, aqui entre ns, senhora

    Mllerov, deva dizer que mais fcil acertar umgordo do que um magro. Lembro que uma vez emPortugal fuzilaram um rei. ambm era gordo. Asenhora sabe que um rei nunca magro.

    Jaroslav Hasek, As aventurasdo bom soldado Svjek, 1921

    sabido que, com Brunelleschi no sculoXV, a figura do artis ta e, portanto, a concep-o moderna e ocidental da arte como esferaautnoma, despontou no palco da histriacom a honrosa funo de, malandramente, prfim a uma greve de artesos, trabalhadores daconstruo civil. Astcia da razo? Como uma

    espcie de fura-greve ideal, o artista indivi-dual, ou aquele que a partir de ento passava aser o autor de obras, foi alado aos cus das

    profisses liberais como vencedor. Este novoprofissional liberal encontrava-se livre, por-tanto, das mesquinhas preocupaes materiaisque afligem constantemente todos aqueles queforam alguma vez vencidos. A histria da arte,como ramo particular da hagiografia, acompa-nha o senso comum ao postular a ideia de que

    os trabalhadores no criaram a arte apenas,premidos pelas circunstncias, trabalharampara ela.

    Editorial

    Mas dessa situao emergiu tambm o con-traditrio projeto emancipatrio que perpassou,em grande medida, o ciclo histrico da arte mo-derna (que coincide, ao menos temporalmente,com o ciclo histrico do proletariado). Afinal,Brecht, com seu projeto de refuncionalizao dosmeios e instituies artsticas,se utilizou justa-

    mente de formas estticas (refuncionalizadas) paraformular a dupla pergunta: Quem construiu aebas de sete portas? / Nos livros esto nomes de

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    reis. / Arrastaram eles os blocos de pedra?. Noh dvida de que em diversos momentos as artesvaleram aos vencidos como projeto emancipat-rio, configurao imaginria ou potencial de umanova sociedade, elaborao negativa e elucidadorados problemas materiais: foi capaz de criar ima-gens praticveis do mundo.

    Contudo, esses momentos foram breves, re-lampejantes, e deixaram mais marcas no imagi-nrio da crtica do que nas condies materiais

    da classe trabalhadora. Se os vencidos se valeramdelas em momentos especficos, foi porque asatividades artsticas se constituram, nesses mes-mos momentos, to teis quanto as Browningsou os AK-47 para projetos revolucionrios mun-do afora. Mas as armas tambm mudam com oshbitos: a experincia mostra que hoje ningum

    mais usa cartola. E no preciso mais do que aexperincia para perceber claramente quando ostiros passam a sair incessantemente pela culatra.

    Nunca h um documento da cultura que no seja,

    ao mesmo tempo, um documento da barbrie. E,assim como ele no est livre da barbrie, tambmno o est o processo de sua transmisso, transmisso

    na qual ele passou de um vencedor a outro.

    Walter Benjamin, eses sobreo conceito de histria, 1940

    Em que deve concentrar esforos, ento, oengenho negativo da crtica? Nas obras das artesvisuais? Nos objetos ou aes artsticas? Na arte?Em qualquer coisa que se rogue sob este estatuto?Em todo esse constructo, que at os dias de hojelevou boa parte da prpria crtica, de esquerda

    inclusive, e desde o Iluminismo, a contribuir elhe prover alma?Como investir em um estatuto a arte se

    ele tambm foi gerido como um documento depoder e dominao? Assim, preciso deixar delado, ao menos por um momento, esse dispositivoastuto que sediou as expectativas de um horizonteemancipatrio, um projeto de futuro, e que tantologro gerou por dcadas. P-lo entre parnteses.

    Parece claro que a crtica de arte se manifestacomo mais um dos processos de transmisso, deum vencedor a outro, dos despojos da luta. E doponto de vista dos vencidos, portanto, ela deveser totalmente recriada. Para isso fundamentalque se compreenda onde a arte se encontra ago-ra. Para compreender tambm o papel de quema critica. E para definir o que , ou deve ser, aprpria crtica: definir seus novos meios e suanova utilidade.

    D

    Agora. Ao leitor das pginas que seguem adimenso temporal soar cnica. A revista, atrasa-da ao menos dois anos pelas (imperdoveis) con-tingncias materiais da auto-organizao (no seousa declarar esta uma revista independente: ela jdepende da existncia de um meio, que ela pro-

    cura negar, para sua circulao), apresenta objetosde reflexo j poeirentos, enterrados na sucessode manchetes, eventos, clippingse vernissages.

    O interesse por aquela busca da refuncio-nalizao da crtica o interesse pelo mtodo j seria justificativa suficiente. Mas, alm dis-so, premida pelas circunstncias de uma reali-dade (agora) em ebulio, esta edio junta osrestos noticiosos do longnquo passado recente

    para apresent-los crtica do hoje onde asdisparidades no sero menos importantes queas coincidncias.

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    Declarao no solicitada ao Group MaterialTimothy Rollins

    22 de Julho de 1980

    Uma proposta para aprender a desabafar:

    comportamento, disciplina e o nosso projeto.

    Gostaria de ser muito franco. Fiquei muitomagoado com a reunio da semana passada; adepresso decorrente foi exacerbada pelo queeu interpreto serem os sentimentos de outrosmembros de que eu pessoalmente fui responsvelpelos problemas no grupo, que eu deveria falarcom as pessoas, que eu deveria fazer algo quanto

    s relaes tensas que afligiram este grupo comum caso grave de hipertenso. Isto o que eutenho a dizer, e eu acho que no mais que justoe apropriado dirigir minha declarao ao Grupocomo um todo:

    No quero ser excessivamente dramtico,mas eu me preocupo e s vezes fico horrori-zado por causa do Group Material. A quan-tidade colossal de tempo, energia, conversa e

    dinheiro que j foi canalizada neste Grupo porseus membros transformaria qualquer cagadainterna na mais grave das tragdias. Para ser di-

    reto, esse Grupo EM QUE ser um sucesso um tipo de sucesso com o qual o Grupo comoum todo possa conviver. Eu nos vejo indo emdireo ao fracasso e preciso expressar minhaoposio s tendncias que operam j nesse es-

    tgio inicial.

    Comportamento

    A longo prazo as minhas crticas ao compor-tamento interno do grupo COMO UM ODOprovavelmente so as menos importantes. Masessa categoria de problemas certamente a maisenfurecedora, a mais dolorosa. Eu quero abordar

    a questo da intriga dentro do grupo o tipo decalnia raivosa pelas costas que eu detecto e queproduz apenas um resduo fedido e espumantequando relaes pessoais e de trabalho so mistu-radas em quantidades desproporcionais. Eu achoque o comportamento no camarada evidenteem encontros e (tenho certeza) em conversasprivadas sobre membros do Grupo patticoe inacreditvel nesse estgio inicial, entre pes-

    soas que supostamente so amigas. Aqui estoalguns dos significantes nessa semiose de merda:cochichar no ouvido de outro membro enquanto

    algum faz alguma declarao ao Grupo, umatotal perda de compostura e controle que culmi-na em insultos pessoais estpidos, desagradveissorrisos amarelos quando so feitas sugestes,piadinhas pedestres que sabotam discusses im-

    portantes, olhos rolando, piscando, cruzando efechando e um sem-nmero de outros contor-cionismos faciais exagerados feitos na tentativade produzir sentido, mas que apenas enchem osaco das pessoas. Quando temos reservas sobrealguma opinio dada, temos que aprender a ar-ticul-las numa linguagem a mais clara possvel.O ressentimento que est estampado em todas asnossas caras precisa ser decifrado de suas formas

    confusas e misteriosas para o bem das pessoasenvolvidas e para o bem e funcionamento geraldo Grupo.

    Eu acho que incomodo o Grupo, por issoofereo esta autocrtica: eu tendo a ser impa-ciente, pomposo, pedante, exigente, presuno-so e o mais perturbador para mim porqueno consigo controlar tenho uma tendncia ademonstrar o meu conhecimento em busca de

    um fora combativa. (Talvez eu esteja fazendoisso neste momento; vou falar sobre isso de-pois...) Mas, por outro lado, eu sinto que qual-

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    quer conhecimento ou informao que oferea automaticamente entendido como uma afronta inteligncia do Grupo, que informaes acad-micas so a priori inteis ou de nenhum interessepara o Grupo. Eu sei que isso vai ser negado

    tenazmente na teoria, mas ser que imaginaominha quando vejo pelo menos quatro pares deolhos rolando quando eu insisto que a histriaou a esttica ou a economia poltica sejam leva-das em conta? Estou sendo sincero quando digoque meus comentrios (exceto pelos momentosem que estou obviamente ocupado com fraseo-logias) e meus desenhinhos e minhas pequenaspropostas e meus pequenos escritos como este

    resultam de um entusiasmo com as pessoas eo projeto e o potencial desta porra de Grupo.J houve insinuaes de que eu sou ditatorial;no vou aceitar esse absurdo. Comportamentoditatorial acontece quando algum nega as pro-postas e decises do Grupo apenas com o in-teresse de promover seus caprichos subjetivos.Mas e se ningum tenta, nem de longe, fazeruma sugesto coerente, concreta, informada e

    MATERIAL (na forma de texto, diagrama ouqualquer outro tipo de apresentao que possaser examinada e analisada), mas, ao invs disso,

    simplesmente (muito simplesmente) arranca semcuidado ideias que brotam de suas cabeas???odos temos ideias mas o que precisamos de-sesperadamente so planos para atividades prti-cas. De um modo geral, nosso estilo de trabalho

    uma merda. Quando algum efetivamentetrabalha, traz uma ideia concreta, raramente apoiado ao invs disso todos fazem o papelde crtico. Mas mesmo isso teatro os crticosde verdade pelo menos produzem uma literaturaque apresenta uma posio clara, no importaquo equivocada. Vocs no podem imaginar afrustrao quando voc trabalha para propor algo pesquisa as possibilidades gasta tempo para

    articular sua sugesto, s para ser acusado (emgeral subliminarmente) de intimidar o grupo, deser absolutista, de tentar demais ou o maiscoxo de todos os insultos falar demais. Seao menos nossas bocas produzissem linguagemescrita j teramos grandes quantidades dematerial importante que poderia ser recolhido eusado por outros grupos interessados no tipo detrabalho que estamos tentando fazer. entando

    fazer. Vocs no veem o quo pattico isso?A confiana no uma emoo persona-lizada ela tem uma funo que deveria ser

    enfatizada nesse Grupo. Na realidade esse grupotem poucos inocentes; no tem nem Lobos nemOvelhas. Se vamos continuar ou no em nossaconfuso neurtica, acanhada e balida algoque s pode ser decidido por todos os mem-

    bros do Grupo DURANTE O PROCESSODE TRABALHO DO PRPRIO GRUPO.Temos diferentes reas de especializao (de-senvolvida ou emergente), nveis de proficinciaem uma vasta gama de assuntos e um pluralis-mo saudvel sempre que ele no desmorona emuma confuso de interesses. No deveramos ternada alm de entusiasmo pelo nosso projetoporque e se algum no se d conta disto

    porque realmente s tem olhos para o seuprprio cu NO TEMOS NENHUMAOUTRA OPO ACEITVEL. Me recuso aminimizar minhas atividades para fazer comque membros do Grupo se sintam como se es-tivessem participando. FAAM ALGO! Melhornos tornarmos um bando de amadores tagare-las, com as mos cheias de desenhos e propos-tas e as bocas cheias de referncias, do que um

    sanatrio de murmuradores acomodados comcadernos e canetas em uma mo e uma lata decerveja na outra.

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    tem histricos de crdito ridculos 3. ferramen-tas bsicas) esto perdendo dinheiro, perdendotempo no trabalho e, certamente, perdendo a

    confiana na capacidade deste grupo durar se-quer cinco anos. FATO: nem uma sugestosria para uma 3 (ou 4 ou 5) exposio foiapresentada apenas as mais vagas, evasivas efrvolas ideias para propostas de exposies. svezes me pergunto se uma cepa de mononucle-ose no foi artificialmente introduzida no grupopelo departamento de guerra biolgica da CIA.O interminvel gasto de saliva, a elaborao

    de polmicas que o senso comum deveria nosdizer que s podem ser resolvidas com a prxis tudo isso eu suspeito que nos deixa muitodeprimidos. Muitos dos pequenos problemasprticos que vejo no grupo seriam reclamaestriviais se no aparentassem ser prova irrefutvelda incompetncia coletiva do Grupo. Trivial?...se no podemos nem ligar para a companhia deluz, como caralhos vamos ser capazes de telefo-

    nar para a imprensa e fazer contatos para queas pessoas venham ao espao, para estabelecerum pblico que nos apoie, para promover nosso

    Disciplina

    O Group Material realmente precisa ser mais

    rigoroso, mais eficiente em nossos mtodos detrabalho e organizao, ser mais diligente comas prioridades se no quisermos decair numagaleria cooperativa, bagunada, arbitrria e in-distinta, que traveste falta de determinao comum traje de humildade, de p-no-cho e de umcomprometimento com o informal. Quando adisciplina no consistentemente adotada portodos os membros de um grupo, ento a auto-

    disciplina e autoiniciativa injusta e impossvel ela praticamente alimenta a preguia ou o des-leixo das responsabilidades dos outros membros.No Group Material j podemos ver que algunsindivduos tendem a carregar o grupo, s parasofrerem reprimendas por conspirarem alcanara hegemonia. Tudo isso leva a ressentimentospessoais que so difceis de desfazer.

    Os membros do grupo deveriam ser alta-

    mente conscientes de suas responsabilidades. Meespanta como os membros abordam a realidadedessa iniciativa. O Grupo deveria pelo menos

    proporcionar um mundo de compensao pelasfunes sociais que realizamos por dinheiro: fa-zemos designpara corporaes, ensinamos para o

    Estado, construmos loftspara pessoas respons-veis pela gentrificao, fazemos produtos inteise inspidos para o benefcio de algum babaca emalgum lugar. E mesmo assim sequer pensaramosem nos atrasar para o trabalho no escritrio trabalho que quase completamente contra osnossos prprios interesses , mas quando umasesso de trabalho no espao do Group Mate-rial agendada, as pessoas chegam se arrastando

    com mais de uma hora de atraso ou mesmo nemaparecem. E nos perguntamos por que o capita-lismo avanado sobreviveu com tanto vigor portodo esse tempo eles sabem como se organizarde modo eficaz! ESTA A HORA E LUGARERRADOS PARA SERMOS COMEDIDOS.Todo mundo est tratando o Grupo como sefosse uma atividade de lazer, enquanto determi-nadas pessoas (a saber Mary Beth e Patrick, sem

    os quais tenho certeza que no teramos 1. espa-o, porque ningum mais levantou a bunda paraprocurar 2. referncias, porque a maioria de ns

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    dual quanto coletivamente. Temos que FAZERcoisas por meio desta prtica que vamosalcanar uma competncia e instruo reais ao

    invs de meramente consumir informaes pravomitar nas vernissages dos outros.

    A Julie disse uma coisa interessante algumassemanas atrs, infelizmente no em uma reuniodo G.M. Ela estava na sua sala, preparando suasobras. No lembro o que a levou ao excelentecomentrio: Eu simplesmente vou fazer essascoisas e no vou mais me preocupar em pareceridiota. Enfim, o purismo derrotado! A Julie no

    nenhuma herona (ou ?!), mas esse um exem-plo de comprometimento ( produo cultural arte) e coragem. Isso provavelmente tambmfar com que ela consiga um monte de dinheiroa longo prazo. (Brincadeira, claro.)

    dagogia burguesa que diz a todos os membrosda classe trabalhadora: voc no pode fazernada alm de trabalhar para ns! Artistas ou

    pretensos artistas como ns tendem a sofrer deum complexo de inferioridade irracional quandose trata de colocar os nossos na reta da produocultural efetiva. Somos o Group MATERIALou no? Francamente... quanta insegurana...como podemos ousar nos sentirmos medo-cres ou hesitar fazer trabalho nesta era de JudyChicagos e de Times Square Shows??? Isto parano falar nada dos completos reacionrios que

    constituem a vanguarda americana de fachada!Nosso trabalho trata, essencialmente, da polticada esttica em um mundo onde a poltica cres-centemente estetizada. Ns certamente faremosmais mal do que bem por exemplo se noorganizarmos nossas cagadas na teoria e na prti-ca. (Vocs j no conseguem ouvir? Ento voc ingnuo e quer fazer arte socialmente engaja-da? Olhe o Group Material, veja quo longe eles

    chegaram...). A disciplina a base de qualquerativismo eficaz (neste mundo, pelo menos) e oGrupo precisa trabalhar mais duro tanto indivi-

    trabalho no apenas em benefcio prprio, mas,e isso srio, para o avano da histria da arte na

    Amrica. Nossa indefinio est se tornando en-

    louquecedora; alucinante tentar manter 1001assuntos e questes em mente sem nunca saberquando a opinio de grupo vai mudar ao capri-cho de um/uma que mudou de ideia, ou que nofoi ao ltimo encontro e no se preocupou emligar para algum para descobrir o que se passou.

    Nosso projeto

    O problema da disciplina, como o problemado comportamento, est ligado questo que,parece, todo mundo no Grupo est tentandoevitar: O QUE O GROUP MATERIAL VAIFAZER? S o coletivo pode discutir isso, maseu quero perguntar: seremos uma sociedadecooperativa de debate ou encabearemos ummovimento cultural politica e socialmente in-formado? claro que esses so os polos extremos

    das possibilidades, mas qualquer um que acheque mirar o padro elevado impraticvel ouambicioso demais foi vitimado pela velha pe-

    Carta de circulao interna publicada

    originalmente no livro Show & ell: AChronicle of Group Material editado porJulie Ault (Four Corners Book, 2010).

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    s vezes me pergunto se uma cepa demononucleose no foi artificialmente

    introduzida no grupo pelo departamento deguerra biolgica da CIA.

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    Na idade do ferroNada pode fugir do ferial

    Na idade do ferros ferir real.

    (Alberto Martins, 1992)

    Sua construo consumiu 89 vidas huma-nas, cerca de vinte anos e, terminada em agostode 1919, 25 milhes de dlares. Estrutura deao rebitado, possui 987 m de comprimento,29 m de largura e 104 m de altura. No seutempo foi a maior ponte cantilver (sustentadapor uma viga em balano) do mundo, e possui,at hoje, o maior vo, 576 m, entre um pilar

    e outro. Declarada monumento histrico em1987, sua proprietria a estatal Canadian Na-tional Railway. Por ela passam trs vias: pistasrodovirias, linha de trem e uma passagem depedestres. Ela possibilitou o trfego comercialno leste do Canad e estabeleceu a provnciado Quebc como um dos principais centroseconmicos da Amrica do Norte. Projetoexemplar, no possui nenhum nome que esteja

    fortemente ligado a sua concepo e desenho.A ponte de Quebc assim, um dos smbolosda modernizao econmica do Novo Mundono sculo XX.

    Guardadas as devidas propores, no detamanho fsico, mas de vulto simblico mui-to maior o desta segunda do que o daquelaprimeira , a orre Eiffel, em Paris, tambmexpresso da modernizao ocidental. Ao con-

    trrio de sua correlata canadense, o nome deseu construtor, Gustave Eiffel est intimamenteligado a ela. Com seus 300 metros de altura, foi

    construda em dois anos, com uma nica vtimahumana, para a Exposition Universelleem come-morao ao centenrio da Revoluo Francesaem 1889. Teria sido desmontada logo aps oencerramento das festividades, mas, tendo emvista recuperar o capital investido em sua cons-truo o prazo estendeu-se por vinte anos, efoi mais tarde, estendido infinitamente. A torre

    Eiffel, durante o sculo XX passa a ser entendi-da como parte importantssima do patrimnionacional francs (regulado, no sem uma dosede ironia objetiva, por uma fundao privada).

    Dois smbolos de suas respectivas cidades: oque aproxima e o que distancia esses dois mar-cos da engenharia da modernidade? A Ponte doQuebc tudo aquilo que a orre Eiffel deveriater sido concretamente e no foi: no apenas

    um monumento idade do ferro industrialque ela inaugura, mas ela mesma um objetode usufruto e circulao comercial. Se a TorreEiffel observa esta circulao (e os efeitos de suaprpria ao sobre a circulao turstica na ci-dade) do alto da imponncia de seu esqueleto, aponte canadense, deitada, integra-se ao prpriocircuito da sociedade qual ela representa: este seu significado profundo. So duas estruturas

    terrveis, voluntariamente antiestticas e impes-soais. O que as distancia? Enfim, a distnciamesma entre horizontal e vertical, entre x e y.

    Um pontoe duas cidades

    Cludio Tavares

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    23 de julho de 1934

    Wells: Fico-lhe muito grato, senhor Stalin, porter aceitado ver-me. Estive recentemente nosEstados Unidos. Mantive longa conversa com oPresidente Roosevelt e procurei saber quais eramsuas idias principais. Agora venho perguntar aosenhor o que est fazendo para mudar o mun-

    do...Stalin: Na verdade, no muita coisa...Wells: Vagueio pelo mundo e como um homemcomum, observo o que se passa em volta de mim.Stalin: Os homens pblicos importantes, comoo senhor, no so homens comuns. Evidente-mente, s a histria pode determinar quo im-portante foi este ou aquele homem pblico. Emtodo o caso, o senhor no v o mundo como um

    homem comum.Wells: No pretendi ser modesto. Quis dizer queprocuro ver o mundo com os olhos do homemcomum, e no como um poltico de partido ouum estadista. A minha visita aos Estados Unidosme causou forte impresso. O velho mundo fi-nanceiro est desabando, e a vida econmica dopas est sendo reorganizada sobre novas linhas.Lnin disse que era preciso aprender a fazer ne-

    gcios aprendendo com os capitalistas. Hoje,os capitalistas tem de aprender com os senhores,devem captar o esprito do socialismo. Parece-me

    que nos Estados Unidos se est levando a caboprofunda reorganizao a criao de uma eco-nomia planificada, isto , socialista.O senhor e Roosevelt partiram de dois pontosde vista diferentes. Porm, no h uma relaode idias, uma espcie de parentesco de idias,entre Washington e Moscou?Em Washington, impressionaram-me as mesmas

    coisas que se passam aqui: ampliao do aparelhode direo, criao de uma srie de novos orga-nismos reguladores do Estado, organizao deum servio pblico universal. Como os senhores,necessitam de habilidade na direo.Stalin: Os Estados Unidos buscam propsito di-verso do que buscamos na U.R.S.S. O propsitoque perseguem os norte-americanos surgiu dasdificuldades econmicas, da crise econmica. Os

    norte-americanos pretendem desembaraar-sedas crises base da atividade capitalista privadasem mudar a base econmica. Esto tratando dereduzir ao mnimo a runa, as perdas causadaspelo sistema econmico existente. Aqui, entre-tanto, como o senhor sabe, foram criadas, emlugar do velho sistema econmico destrudo,bases inteiramente diferentes; uma nova baseeconmica.

    Embora os americanos citados pelo senhor atin-jam parcialmente o seu propsito, quer dizer,reduzam ao mnimo tais dificuldades, no des-

    truiro as razes da anarquia que inerente aosistema capitalista.Esto preservando o sistema econmico que deveconduzir inevitavelmente e no pode senoconduzir anarquia na produo. De modoque, na melhor das hipteses, o que atingiremser, no a reorganizao da sociedade, no aabolio do velho sistema social que engendra a

    anarquia e as crises, mas a limitao de algumasde suas caractersticas negativas, certa restrioaos seus excessos. Subjetivamente, talvez os nor-te-americanos pensem que esto reorganizandoa sociedade; objetivamente, entretanto, estopreservando as bases atuais dela. por isso,objetivamente, que da no resultar nenhumareorganizao da sociedade.Nem haver absolutamente economia planifi-

    cada. Que economia planificada? Quais soalguns dos seus atributos? A economia planifi-cada cuida de abolir o desemprego. Suponhamosque seja possvel, enquanto se preserva o sistemacapitalista, reduzir o desemprego at certo mni-mo. Porm, nenhum capitalista aceitar jamais aabolio total do desemprego, a abolio do exr-cito de reserva dos desempregados, cuja razo deser fazer presso no mercado do trabalho para

    garantir a oferta de trabalho barato. A tem o se-nhor uma das fendas da economia planificadada sociedade burguesa. E ainda mais, a econo-

    Reformismo ou Revoluo?H. G. Wells entrevista Josef Stalin

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    mia planificada pressupe aumento da produonaqueles ramos da indstria que produzem asmercadorias de que o povo mais necessita. Maso senhor sabe que a expanso da produo, sobo capitalismo, se d por motivos inteiramentediferentes; sabe que o capital flui para aquelesramos da economia onde mais alta a taxa delucro. O senhor jamais conseguir que um ca-

    pitalista aceite uma taxa de lucro menor parasatisfazer as necessidades do povo. Por isso, semse desembaraar dos capitalistas, sem se abolir oprincpio da propriedade privada sobre os meiosde produo, impossvel criar-se uma economiaplanificada.Wells: Estou de acordo com muita coisa que osenhor disse, porm gostaria de insistir sobre ofato de que se um pas adota o princpio da eco-

    nomia planificada, se os governantes, de modogradual, passo a passo, comeam consequente-mente a aplicar esse princpio, a oligarquia fi-nanceira ser por fim abolida e se estabelecer osocialismo, no sentido anglo-saxo da palavra.O efeito das idias do New Deal de Roosevelt muito poderoso, e elas so, na minha opinio,ideias socialistas. Parece-me que, em vez de sepr em tenso o antagonismo entre os dois

    mundos, deveramos, nas circunstncias atuais,esforarmo-nos por estabelecer uma linguagemcomum para todas as foras construtivas.

    Stalin: Ao falar da impossibilidade de realizaros princpios da economia planificada enquantose conserva a base econmica do sistema capi-talista, no desejo, de forma alguma, diminuiras destacadas qualidades pessoais de Roosevelt,sua iniciativa, sua coragem e determinao. In-dubitavelmente, Roosevelt se projeta como umadas figuras mais fortes entre todos os capites do

    mundo capitalista contemporneo. Por isso gos-taria, ainda uma vez, de repisar que a minha con-vico de que a economia planificada imposs-vel sob as condies do capitalismo, no significaque tenha dvidas sobre a qualidade pessoal, otalento e a coragem do Presidente Roosevelt. Masquando as circunstncias so desfavorveis, nemo capito de maior talento pode atingir a meta aque o senhor se referiu.

    Para comear, teoricamente no est excludaa possibilidade de se caminhar gradualmente,passo a passo, sob as condies do capitalismo,at a meta pelo senhor chamada socialismo nosentido anglo-saxo da palavra. Mas que socia-lismo ser esse? Na melhor das hipteses, serum freio aos representantes mais obstinados dolucro capitalista, certo reforamento do princ-pio regulador na economia nacional. Tudo isso

    est muito bem. Porm, assim que Roosevelt,ou qualquer outro capito do mundo contem-porneo burgus, comece a empreender algo de

    srio contra os fundamentos do capitalismo, so-frer inevitavelmente sria derrota. Os bancos,as indstrias, as grandes empresas, as grandesfazendas, no esto nas mos de Roosevelt. Sotodas propriedades privadas. As estradas de ferro,a marinha mercante, tudo isso pertence a pro-prietrios privados. E, finalmente, o exrcito dostrabalhadores especializados os engenheiros, os

    tcnicos, no esto tampouco sob o mando deRoosevelt, mas dos proprietrios privados; todostrabalham para eles. No devemos esquecer asfunes do Estado, no mundo burgus. O Es-tado uma instituio que organiza a defesa dopas, organiza a manuteno da ordem: umaparelho para cobrar impostos. O Estado capi-talista no se ocupa muito com a economia nosentido estrito da palavra; a economia no est

    nas mos do Estado. Ao contrrio, o Estado que est nas mos da economia capitalista. Porisso, receio que, apesar de toda a sua energia ecapacidade, Roosevelt no alcance a meta a queo senhor se refere, se essa , em realidade, a suameta. Talvez, no curso de vrias geraes, sejapossvel aproximar-se um pouco dessa meta,porm pessoalmente considero que nem mesmoisso seja provvel.

    Wells: Talvez eu creia mais fortemente que osenhor na interpretao econmica da poltica.

    As invenes e a cincia moderna puseram em

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    Churchill, ruman e Stalin na conferncia de Potsdam, nos arredores de Berlim, ao fim da Segunda Guerra Mundial (23/7/1945).

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    movimento enormes foras dirigidas para a or-ganizao melhor, para o melhor funcionamentoda comunidade, isto , para o socialismo. A or-ganizao e a regulamentao da ao individualtornaram-se necessidades mecnicas, indepen-dentemente das teorias sociais.

    Se principissemos pelo controle estatal dosbancos e continussemos com o controle dostransportes, das indstrias pesadas, da indstriaem geral, do comrcio etc., tal controle universalequivaleria propriedade do Estado sobre to-dos os ramos da economia nacional. Este ser oprocesso da socializao. Socialismo e individu-alismo no se opem como o preto ao branco.H muitos estados de permeio entre eles. H o

    individualismo que roa no bandoleirismo, e ho esprito de disciplina e de organizao que soequivalentes ao socialismo. A introduo da eco-nomia planificada depende, em grau consider-vel, dos organizadores da economia, dos tcnicos,os quais, passo a passo, podem ser convertidosaos princpios socialistas de organizao. E isso da maior importncia, porque a organizaoprecede o socialismo. Sem organizao, a idia

    socialista no passa de mera idia.Stalin: No h, nem deve haver, contraste irre-concilivel entre o indivduo e a coletividade,

    entre os interesses individuais e os interesses dacoletividade. No deve haver tal contraste, por-que o coletivismo, o socialismo, no nega e simcombina os interesses individuais com os inte-resses da coletividade.O socialismo no pode se esquecer dos interes-

    ses individuais. Somente a sociedade socialistapode satisfazer completamente esses interessespessoais. Ainda mais: s a sociedade socialistapode salvaguardar firmemente os interesses doindivduo. Neste sentido, no h contraste ir-reconcilivel entre individualismo e socialis-mo. Porm, podemos negar o contraste entre asclasses, entre a classe dos proprietrios, a classedos capitalistas, e a classe dos trabalhadores, a

    classe dos proletrios? De um lado, temos a classedos proprietrios, que dona dos bancos, dasfbricas, das minas, do transporte, das plantaesnas colnias. Tais pessoas no veem seno seusprprios interesses, sua ambio pelos lucros.No se submetem vontade da coletividade;esforam-se, isso sim, por subordinar cada cole-tividade sua vontade. De outro lado, temos aclasse dos pobres, a classe explorada, a que no

    possui nem fbricas, nem usinas, nem bancos, aque obrigada a vender sua fora de trabalho aoscapitalistas e que carece de oportunidades para

    satisfazer as suas necessidades mais elementares.Como se podem conciliar interesses to opostos?Pelo que sei, Roosevelt no teve xito em encon-trar a senda da conciliao entre esses interesses.E impossvel, como j o demonstrou a expe-rincia. Afinal, o senhor conhece a situao dos

    Estados Unidos melhor do que eu, que nuncaestive l e observo os assuntos norte-americanossobretudo por meio do que se escreve sobre esseassunto. Porm tenho alguma experincia de lutapelo socialismo e esta experincia me diz que, seRoosevelt tentar satisfazer os interesses da classeproletria, custa da classe capitalista, esta poroutro Presidente no lugar dele. Os capitalistasdiro: os Presidentes passam, porm ns per-

    maneceremos; se esse ou aquele Presidente nodefende os nossos interesses, encontraremos umoutro. Pode o Presidente opor-se vontade daclasse capitalista?Wells: Oponho-me a essa classificao simplistada Humanidade em pobres e ricos. Evidente-mente h uma categoria de pessoas que visa olucro. Mas no so essas pessoas olhadas comoobstculos, tanto no Ocidente como aqui? No

    h no Ocidente muita gente para quem o lucrono um fim em si, gente que possui certa quan-tidade de recursos e que deseja inverter e obter

    E isso da maior importncia, porque aorganizao precede o socialismo. Sem organizao,

    a idia socialista no passa de mera idia.

    H. G. Wells

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    lucros com as suas inverses, porm que no fazdisso o seu objetivo principal? Para essa genteas inverses so uma inconvenincia necessria.No h grandes ncleos de engenheiros capazese estudiosos, organizadores da economia, cujasatividades so estimuladas por alguma coisa mais

    que o lucro? Na minha opinio, h uma classenumerosa de pessoas capazes que admitem sero sistema atual no satisfatrio e que esto des-tinadas a um grande papel na futura sociedadesocialista. Durante os ltimos anos tenho pen-sado muito na necessidade, tenho-me dedicadomuito tarefa de levar a cabo a propaganda emfavor do socialismo e do cosmopolitismo entreamplos crculos de engenheiros, aviadores, ele-

    mentos tcnicos militares etc. intil aproxi-mar-se desses crculos com a propaganda diretada luta de classes. Essas pessoas compreendema situao em que se encontra o mundo, que setransforma num pntano sangrento, mas paratais pessoas o antagonismo primitivo da luta declasses algo sem sentido.Stalin: O senhor se ope classificao simplistadas pessoas em ricos e pobres. E claro que h as

    camadas mdias, h a intelectualidade tcnica aque o senhor se referiu e, entre elas, h pessoasmuito boas e honradas. Entre elas h tambm

    pessoas desonestas e perversas, toda espcie degente. Porm, antes de mais nada, a Humani-dade est dividida em ricos e pobres, entre pro-prietrios e explorados; e abstrair-se dessa divisofundamental e do antagonismo entre pobres ericos significa abstrair-se do fato fundamental.

    No nego a existncia de camadas intermedirias,que podem ficar do lado de uma ou de outradessas duas classes em conflito, ou podem tomarposio neutra ou semineutra nessa luta. Toda-via, repito, abstrair-se dessa diviso fundamentalda sociedade e da luta fundamental entre as duasclasses principais significa ignorar os fatos. Estaluta continua e continuar. O resultado dela serdeterminado pela classe proletria, a classe dos

    trabalhadores.Wells: Porm, no h muitas pessoas que, nosendo pobres, trabalham produtivamente?Stalin: Para comear, h pequenos proprietriosde terras, artesos, pequenos comerciantes, masno so esses os que decidem da sorte de um pas,e sim as massas trabalhadoras que produzem to-das as coisas requeridas pela sociedade.Wells: Contudo h muitas classes diferentes de

    capitalistas. H capitalistas que s pensam noslucros; mas h tambm os que esto preparadospara fazer sacrifcios. omemos o velho Morgan

    por exemplo: s pensou nos lucros; foi um pa-rasita da sociedade. Acumulou riquezas simples-mente. Agora tomemos Rockfeller. um organi-zador brilhante, tendo dado o exemplo de comoorganizar a produo de petrleo, exemplo essedigno de ser imitado. Ou tomemos Ford. claro

    que Ford egosta: Porm, no um organizadorapaixonado da produo racionalizada, de quemos senhores tomaram lies?Desejaria insistir no fato de que recentemente sedeu importante mudana de opinio a respeitoda U.R.S.S. nos pases de lngua inglesa. A ra-zo da mudana est ligada, antes de mais nada, posio do Japo e situao da Alemanha.Mas h outras razes que no decorrem somen-

    te da poltica internacional. H uma razo maisprofunda: refiro-me ao reconhecimento, pormuita gente, do fato de que o sistema baseadono lucro privado est desmoronando. Sob estascircunstncias, parece-me que no devemos porem primeiro plano o antagonismo entre os doismundos, e sim devemos nos esforar para com-binar todos os movimentos construtivos, todasas foras construtivas, na medida do possvel.

    Parece-me que estou mais esquerda do que osenhor, pois considero que o mundo est maisprximo do fim do velho sistema.

    No h, nem deve haver, contraste irreconcilivel

    entre o indivduo e a coletividade, entre os interesses

    individuais e os interesses da coletividade.

    J. Stalin

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    Stalin: Quando falo dos capitalistas que se es-foram somente em obter lucros, somente emtornarem-se ricos, no quero dizer que sejam osltimos dos homens, incapazes de mais nada.Muitos deles, inegavelmente, possuem grandetalento de organizao que nem penso negar.

    Ns, o povo sovitico, temos aprendido muitocom os capitalistas. E Morgan, a quem o senhordescreveu de maneira to desfavorvel, foi semdvida um bom organizador, capaz. Porm, se osenhor se refere a pessoas que estejam prepara-das para reconstruir o mundo, no poder, paracomear, encontr-las nas fileiras daqueles queservem fielmente a causa dos lucros. Eles e nsestamos em campos opostos. O senhor mencio-

    nou Ford. Certamente que ele um eficienteorganizador da produo. Mas conhece o senhora atitude dele para com a classe operria? Sabeo senhor quantos operrios ele pe na rua? Ocapitalista est preso aos lucros, e fora algumano mundo poder separ-lo deles. O capitalismoser liquidado, no pelos organizadores da pro-duo, no pela intelectualidade tcnica, e simpela classe operria, uma vez que aquelas cama-das no desempenham um papel independente.O engenheiro, o organizador da produo, notrabalha como gostaria, mas como lhe ordenam,

    no sentido de servir aos interesses dos patres.H excees, claro; h pessoas nessa camadamdia que se libertaram do pio capitalista. A in-telectualidade tcnica pode, sob certas condies,fazer milagres e beneficiar altamente a Huma-nidade. Porm, pode tambm fazer-lhe muito

    mal. Ns, o povo sovitico, temos experincia, eno pouca, sobre a intelectualidade tcnica. De-pois da Revoluo de Outubro, certa parte daintelectualidade tcnica se recusou a participardo trabalho de construir uma nova sociedade.Opuseram-se a esse trabalho de construo e osabotaram. Fizemos o possvel para atrair a inte-lectualidade tcnica a este trabalho de constru-o; experimentamos vrios caminhos. No se

    passou pouco tempo para que a nossa intelectua-lidade tcnica acedesse em apoiar o novo sistema.Hoje, a melhor parte da intelectualidade tcnicaest nas primeiras fileiras dos construtores da so-ciedade socialista. Com esta experincia, estamoslonge de subestimar o lado bom e o lado mauda intelectualidade tcnica, e sabemos que umaparte pode causar o mal e a outra pode realizarmilagres. Contudo, as coisas seriam diferentes

    se fosse possvel, de um s golpe, arrancar espi-ritualmente a intelectualidade tcnica do mun-do capitalista. Mas isso utopia. Haver muitos

    tcnicos que se atreveriam a se desprender domundo burgus e pr-se a trabalhar para recons-

    truir a sociedade? Pensa o senhor que h muitagente dessa classe, digamos na Inglaterra ou naFrana? No, h poucos que se desprenderiamvoluntariamente dos seus patres e comeariama reconstruir o mundo.Alm disso, podemos perder de vista o fato deque, para transformar o mundo, necessrio ter-se o poder poltico? Parece-me, Senhor Wells,que o senhor subestima enormemente a ques-to do poder poltico, que fica excluda da suaconcepo. Que podem fazer os que, ainda quecom as melhores intenes do mundo, no esto

    foto:Carto de registro de 1922 da polcia imperial deSo Petesburgo sobre o lder sovitico Josef Stalin.

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    em condies de traar o problema da tomadado poder e no tm esse poder em suas mos?Quando muito, podero ajudar classe que tomao poder, porm no podem mudar o mundo.Isso s o pode fazer uma grande classe que tomeo lugar da classe capitalista e venha a ser senhor

    soberano, como esta o era. Tal classe a classeoperria. Certamente o apoio da intelectualidadetcnica deve ser aceito, e essa intelectualidade,por sua vez, deve receber ajuda, mas no se penseque ela representa papel histrico independente.A transformao do mundo processo compli-cado e doloroso. Para esta grande tarefa preci-sa-se de uma grande classe. Para viagens longas,grandes barcos.

    Wells: Sim, mas para uma longa viagem precisoum capito e um navegador.Stalin: E certo, porm o que se requer em pri-meiro lugar, para uma viagem longa, um gran-de barco. Que um navegante sem um grandebarco? Um homem ocioso.

    Wells: O grande barco a Humanidade, nouma classe.Stalin: O senhor parte da presuno de quetodos os homens so bons. Eu, entretanto, noposso esquecer que h muitos homens perversos.No creio na bondade da burguesia.

    Wells: Recordo-me da situao da intelectualida-de tcnica h vrias dcadas. Naquele tempo, eranumericamente pequena, porm havia muito afazer, e cada engenheiro, tcnico ou intelectual,encontrava a sua oportunidade. Por isso era aclasse menos revolucionria. Agora, entretanto,

    h excedente de intelectuais tcnicos e a menta-lidade deles mudou profundamente. Os tcnicos,que antigamente no faziam caso da linguagemrevolucionria, esto agora muito interessadosnela. Assisti recentemente a um banquete daRoyal Society (Sociedade Real), a nossa maiorsociedade cientfica inglesa.O discurso do Presidente foi um discurso a favorda planificao social e da gesto cientfica. H

    trinta anos atrs, no se poderia ter escutado algosemelhante. Hoje o homem que preside a RoyalSociety mantm pontos de vista revolucionriose insiste na reorganizao cientfica da socieda-de humana. As mentalidades mudam. A vossapropaganda de luta de classes no leva em contaestes fatos.Stalin: Sim, eu sei disso, e isso se explica pelofato de a sociedade capitalista se achar agora numbeco sem sada. Os capitalistas esto procurando,porm no podem encontrar uma sada deste im-passe que seja compatvel com a dignidade da sua

    classe, com os interesses da sua classe.Poderiam, at certo ponto, sair da crise arrastan-do-se nas quatro patas, porm no encontrarouma porta que lhes permita sair de cabea ergui-da. uma porta que no altere fundamentalmenteos interesses do capitalismo. Amplos crculos da

    intelectualidade tcnica bem que se do contadisso. Grande parte dela est comeando a com-preender a vinculao dos seus interesses aosinteresses da classe capaz de sair desse impasse.Wells: Senhor Stalin, melhor do que ningum osenhor sabe algo sobre as revolues, no lado pr-tico. As massas levantam-se? No uma verdadeestabelecida que todas as revolues so feitaspelas minorias?

    Stalin: Para levar-se a cabo uma revoluo ne-cessrio uma minoria revolucionria dirigente,porm a mais inteligente, apaixonada e enrgicaminoria seria impotente se no contasse com oapoio, pelo menos passivo, de milhes.

    Wells: Pelo menos passivo? alvez subconsciente?Stalin: Digamos semi-instintivo e semiconscien-te, mas sem o apoio de milhes de homens aminoria mais capaz ser impotente.

    Wells: Tenho observado a propaganda comu-nista no Ocidente, e parece-me que, nas con-dies atuais, tal propaganda soa muito fora de

    Que um navegante sem umgrande barco? Um homem ocioso.

    J. Stalin

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    os esmague, no permitam que lhes algememas mos, estas mesmas mos que demoliro osistema velho. Como o senhor v, os comunistasconsideram a substituio de um sistema socialpor outro, no simplesmente como processo pa-cfico e espontneo, e sim como processo com-plicado, longo e violento. Os comunistas nopodem ignorar os fatos.Wells: Contudo, observe o que se est passandono mundo capitalista. No um simples colap-so; o estouro da violncia reacionria que estdegenerando em gangsterismo. E parece-me que,quando se chega ao conflito com a violncia re-acionria e no inteligente, podem os socialistasapelar para a lei e, em vez de considerar a polcia

    um inimigo, devem apoi-la na luta contra osreacionrios. Penso ser intil trabalhar simples-mente com os rgidos mtodos da insurreio dovelho socialismo.

    Stalin: Os comunistas se baseiam na rica experi-ncia histrica, a qual ensina que as classes cadu-cas no abandonam voluntariamente o cenriohistrico. Lembre-se da histria da Inglaterra nosculo XVII. No eram numerosos os que diziamque o velho sistema social estava apodrecido? En-tretanto no foi necessrio um Cromwell paraesmag-lo pela fora?

    Wells: Cromwell agiu baseado na Constituioe em nome da ordem constitucional.Stalin: Em nome da Constituio recorreu vio-lncia, decapitou o Rei, dissolveu o Parlamento,prendeu uns e decapitou outros!ome tambm o exemplo da nossa histria. Nofoi evidente, durante muito tempo, que o regimetzarista estava decaindo, que estava desmoronan-do? Mas, quanto sangue se teve de derramar paraabat-lo!E a Revoluo de Outubro? Eram pouco nume-rosas as pessoas que sabiam que ns, os bolche-

    moda, por ser uma propaganda insurrecional.A propaganda a favor da derrubada violenta dosistema social soava bem quando dirigida contraas tiranias. Mas, nas atuais condies, quando osistema se desmorona de todas as maneiras seriapreciso dar mais destaque eficincia, compe-tncia, produtividade, do que insurreio.Parece-me que o tom insurrecional antiquado.Do ponto de vista das pessoas de mentalidadeconstrutiva a propaganda comunista no Ociden-te um obstculo.Stalin: Para comear, o velho sistema se desmo-rona, est em decadncia. Isso certo, Pormtambm certo que novos esforos se fazem,por outros mtodos, por todos os meios, para

    proteger, para salvar este sistema agonizante. Osenhor tira concluso errnea de premissa certa.O senhor estabelece, corretamente, que o velhomundo se afunda. Mas o senhor est enganadopensando que se afunda por si mesmo. No. Asubstituio de um sistema social por outro processo revolucionrio complexo e de longoflego. No simplesmente um processo espon-tneo, e sim uma luta, um processo relacionado

    com o choque entre as classes. O capitalismoest em decadncia, porm no deve ser com-parado simplesmente com uma rvore que hajaapodrecido tanto que vir ao cho com seu pr-prio peso. No, a revoluo, a substituio de umsistema social por outro, foi sempre uma luta,luta cruel e dolorosa, luta de vida e de morte.E cada vez que os representantes do novo mun-do chegam ao poder tm de se defender contra

    as tentativas do velho mundo de restaurar pelafora a ordem antiga; os representantes do novomundo tm sempre de estar alerta, de estar pre-parados para repelir os ataques do velho mundocontra o sistema novo.Sim, o senhor tem razo quando diz que o velhosistema social desmorona, porm no desmoronapor si mesmo. Veja o fascismo, por exemplo. Ofascismo uma fora reacionria que tenta pre-

    servar, por meio da violncia, o velho mundo.Que faro os senhores com os fascistas? Discuti-ro com eles? rataro de convenc-los? Isso noteria, absolutamente, nenhum efeito. Os comu-nistas no idealizam, em absoluto, os mtodosviolentos, no querem, porm, ser apanhados desurpresa; no podem esperar que o velho regimese retire da cena, espontaneamente; veem que ovelho sistema se defende violentamente, e, porisso, dizem classe operria: Preparem-se pararesponder com violncia violncia; faam todoo possvel para impedir que a ordem agonizante

    viques, ramos os nicos a apontar o caminhocerto? No estava claro que o capitalismo russoachava-se em decadncia? Contudo, o senhorsabe quo grande foi a resistncia, quanto sanguese teve de derramar para defender a Revoluode Outubro de todos os seus inimigos internose externos?Ou tome a Frana do fim do sculo XVIII.Muito antes de 1789, era evidente a podridodo Poder Real, do feudalismo. Porm no sepde evitar uma rebelio popular, um choquede classes. Por qu? Por que as classes que devemabandonar o cenrio da histria so as ltimasa se convencerem de que seu papel terminou. impossvel convenc-las disso. Pensam que as

    fendas do decadente edifcio da ordem antigapodem ser remendadas, que o vacilante edifcioda ordem antiga pode ser restaurado e salvo. por isso que as classes agonizantes tomam as ar-mas e recorrem a todos os meios para salvar suaexistncia de classe dominante.Wells: Mas havia bastante advogados frente dagrande Revoluo Francesa.Stalin: Nega o senhor o papel da intelectualida-

    de nos movimento revolucionrios? Foi a grandeRevoluo Francesa uma revoluo de advoga-dos, e no uma revoluo popular, que alcanoua vitria levantando grandes massas do povocontra o feudalismo convertendo-os em chefesdo erceiro Estado? E por acaso atuaram os ad-vogados existentes entre os lderes da grande Re-voluo francesa de acordo com as leis da ordemantiga? No instituram uma legalidade nova, a

    legalidade revolucionria burguesa?A rica experincia da histria ensina que at hojenenhuma classe cedeu voluntariamente o lugara outra. No h tal precedente na histria mun-dial. Os comunistas assimilaram essa experinciahistrica. Os comunistas aplaudiriam a retiradavoluntria da burguesia.Mas tal processo improvvel, eis o que ensina aexperincia. Por isso que os comunistas querem

    estar preparados para o pior e concitam a classeoperria a ser vigilante, a estar preparada para ocombate. Quem deseja um capito que se descui-de da vigilncia do seu exrcito, um capito queno compreenda que o inimigo no se render,que deve ser esmagado? Tal capito enganaria,trairia a classe operria. Por isso penso que o queao senhor parece antiquado , de fato, mtodorevolucionrio oportuno para a classe operria.

    Wells: No nego que se tenha de empregar afora, porm penso que as formas de luta devemadaptar-se o mais estreitamente possvel s opor-

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    tunidades que oferecem as leis existentes, que de-vem ser defendidas dos ataques dos reacionrios.No h necessidade de desorganizar-se o velhosistema porque ele est se desorganizando, e bas-tante. Assim, parece-me que a rebelio contra aordem, contra a lei, coisa antiquada, fora de

    moda. Incidentalmente, exagerei de propsito,para apresentar mais claramente a verdade.Posso formular o meu ponto de vista da seguin-te maneira: primeiro, sou pela ordem; segundo,ataco o sistema atual naquilo em que no possagarantir a ordem; terceiro, penso que a propa-ganda das idias da luta de classes capaz deisolar do socialismo as pessoas instrudas de queele necessita.

    Stalin: Para atingir um grande objetivo, um ob-jetivo social importante, necessrio uma foraprincipal, um baluarte, uma classe revolucion-ria. Depois, necessrio organizar-se a ajuda deuma fora auxiliar para essa fora principal; nessecaso, a fora auxiliar o Partido, ao qual perten-cem as melhores foras da intelectualidade. Ago-ra, o senhor fala de crculos instrudos. Porm,que pessoas instrudas tem o senhor em mente?No havia muitos homens instrudos ao lado daordem antiga na Inglaterra do sculo XVII, naFrana em fins do sculo XVIII e na Rssia

    poca da Revoluo de Outubro? A ordem anti-ga tinha a seu servio muita gente de instruoelevada que defendeu tal estado de coisas, quese ops ordem nova. A educao arma cujoefeito determinado pelas mos que a esgrimem.Est claro que o proletariado, o socialismo, ne-

    cessita de gente altamente instruda, pois evi-dente que no so os simplrios que poderoajudar o proletariado a lutar pelo socialismo, aconstruir a nova sociedade. Eu no subestimo opapel da intelectualidade, ao contrrio, reforo-o.A questo, entretanto, sobre que espcie deintelectualidade estamos discutindo, porque hdiversos tipos de intelectuais.Wells: No pode haver revoluo sem mudana

    radical no sistema de instruo pblica. Bastaassinalar dois exemplos: o da Repblica alem,que deixou intacto o velho sistema educacionale, por isso, nunca chegou a ser uma Repblica;e o Partido Trabalhista britnico, a quem faltacoragem para insistir na mudana radical do sis-tema de educao.Stalin: Essa uma observao acertada. Permita-me agora rebater os seus trs pontos de vista.Primeiro: O principal para a revoluo a exis-tncia de um apoio social. Esse apoio a classeoperria.

    Segundo: indispensvel uma fora auxiliara que os comunistas chamam Partido. Nele seincluem os trabalhadores intelectuais e os ele-mentos da intelectualidade tcnica que estoestreitamente vinculados classe operria. A in-telectualidade somente pode ser forte se se une

    classe operria. Se se ope a ela, anula-se.Terceiro: preciso o poder poltico como ala-vanca, para se conseguir as mudanas. O novopoder poltico cria uma legalidade nova, umanova ordem, que a ordem revolucionria. Euno sou por qualquer ordem. Sou pela ordemque corresponda aos interesses da classe oper-ria. Entretanto, se algumas leis do antigo regimepodem ser utilizadas em benefcio da luta pela

    ordem nova, tais leis devem tambm ser empre-gadas. No posso opor-me sua tese de que preciso atacar o sistema existente quando ele noassegurar a ordem necessria ao povo.E, finalmente, o senhor se equivoca ao pensarque os comunistas tm sede de violncia. Fica-riam muito satisfeitos suprimindo os mtodosviolentos se a classe dominante consentisse emceder o lugar classe operria. Porm, a experi-ncia da histria fala contra tal suposio.

    Wells: H na histria da Inglaterra, entretanto, ocaso de uma classe que entregou voluntariamente

    Em nome da Constituio recorreu violncia,decapitou o Rei, dissolveu o Parlamento, prendeu

    uns e decapitou outros!

    J. Stalin

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    o poder a outra classe. No perodo de 1830 a1870, a aristocracia cuja influncia era aindaconsidervel no fim do sculo XVIII cedeu opoder voluntariamente, sem luta sria, burgue-sia, que serve como apoio sentimental monar-quia. Consequentemente, esta transferncia dopoder conduziu ao estabelecimento do domnioda oligarquia financeira.

    Stalin: Porm, o senhor passou, imperceptivel-mente, do problema da revoluo ao problemadas reformas. No a mesma coisa. No cr queo movimento cartista representou o grande papelnas reformas da Inglaterra no sculo XIX?Wells: Os cartistas pouco fizeram e desaparece-ram sem deixar rastro.Stalin: No concordo com o senhor; os cartistase o movimento grevista por eles organizado re-

    presentaram grande papel; obrigaram as classesdominantes a fazer uma srie de concesses nodomnio do sistema eleitoral, na esfera da liqui-dao do que se chamava os burgos podres,na realizao de certos pontos da Carta. Ocartismo representou papel histrico no poucoimportante e incitou uma parte da classe domi-nante a fazer certas concesses, certas reformas,para evitar grandes choques. Em geral, deve-se

    dizer que de todas as classes dominantes, as clas-ses dominantes da Inglaterra, a aristocracia e aburguesia, demonstraram ser mais inteligentes,mais flexveis do ponto de vista de seus interessesde classe, do ponto de vista da manuteno dopoder. ome como exemplo, digamos, da hist-ria moderna, a greve geral da Inglaterra em 1926.A primeira coisa que qualquer outra burguesiateria feito para enfrentar a situao, quando oConselho Geral dos Sindicatos chamou greve,seria a de encarcerarem os dirigentes dos sindi-catos. A burguesia britnica tal no fez e agiu

    habilmente, segundo seus prprios interesses.No posso conceber que a burguesia dos EstadosUnidos, da Alemanha ou da Frana empregueestratgia to flexvel. Para manter predomnio,as classes dominantes da Gr-Bretanha no setm negado nunca a fazer pequenas concesses,reformas. Mas seria erro pensar-se que estas re-formas representam a revoluo.

    Wells: O senhor tem uma opinio mais elevadadas classes dominantes do meu pas do que eumesmo. Porm, h grande diferena entre umapequena revoluo e uma grande reforma? No uma reforma uma pequena revoluo?Stalin: Obedecendo presso de baixo, pressodas massas, pode a burguesia conceder, algumasvezes, certas reformas parciais, enquanto perma-necem inalterveis as bases do sistema social-eco-

    nmico existente. Agindo dessa maneira, calculaque tais concesses so necessrias para preservaro seu predomnio de classe. Esta, a essncia da re-forma. A revoluo, entretanto, significa a trans-ferncia de poder de uma classe para a outra.Por isso impossvel descrever qualquer reformacomo uma revoluo. Por isso que no pode-mos contar com mudanas nos sistemas sociaisque se operem como transio imperceptvel de

    um sistema para o outro por meio de reformas,por concesses da classe dominante.Wells: Fico-lhe grato por essa conversa que mui-to significou para mim. Ao dar-me esta expli-cao, o senhor se recordou, provavelmente, decomo explicava os fundamentos do socialismo,nos crculos ilegais, antes da Revoluo. Atual-mente, h no mundo apenas duas pessoas cujaopinio, cada palavra, ouvida por milhes: osenhor e Roosevelt.Outros podero pregar tudo que lhes agrade;o que disserem nunca ser escrito ou escutado.

    Ainda no pude apreciar o que os senhores fi-zeram no pas; cheguei ontem. Porm j vi osrostos felizes de homens e mulheres saudveis,e sei que algo de considervel est sendo feitoaqui. O contraste com 1920 assombroso.Stalin: Muito mais teramos feito ns, bolchevi-ques, se fossemos mais capazes.

    Wells: No, se em geral os seres humanos fossem

    mais inteligentes. Seria uma grande coisa inven-tar um plano quinquenal para a reconstruo docrebro humano que, evidentemente, carece demuitas coisas necessrias para uma ordem socialperfeita. (Risos)Stalin: O senhor no vai ficar para assistir aoCongresso da Unio de Escritores Soviticos?

    Wells: Infelizmente, no. Tenho vrios com-promissos e s poderei demorar uma semana na

    Unio Sovitica. Vim v-lo, e estou muito satis-feito com a nossa entrevista. Porm, tenho in-teno de falar com os escritores soviticos, paraver se consigo que se filiem ao P.E.N. Club. Esta uma organizao internacional de escritoresfundada por Galsworthy. Depois da morte dele,o sucedi como presidente. A organizao ainda dbil, mas tem sees em numerosos pases e,o que mais importante, as intervenes dos

    seus membros so amplamente comentadas naimprensa. Essa organizao defende o direito dalivre expresso de todas as opinies, nelas com-preendidas as de oposio. Espero poder discutireste ponto com Gorki. No sei se uma to amplaliberdade pode ser permitida aqui.Stalin: Ns, os bolcheviques, chamamos a issoautocrtica. amplamente usada na U.R.S.S.Se h algo que eu possa fazer para ajud-lo, fa-lo-ei com muito prazer.Wells: Muito agradecido.Stalin: Agradeo pela entrevista.

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    No tempo e no espao:reflexes pessoais sobre a 29 bienal, de um ponto de vista pedestre

    Alberto Simon

    Nota: este ensaio foi escrito em forma de

    anotaes em 2010, por ocasio da 29 Bie-

    nal: as partes do texto em negrito + itlico

    so sempre citaes do texto curatorial;

    somente em itlicoso citaes das etiquetas

    referentes a obras individuais.

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    prtica desse ritual. E no se deve duvidar daboa inteno do programa educativo da Bienal,e certamente a crianada prefere passar um diafora da escola, onde quer que seja mas no sedeve duvidar tambm que se pudessem escolher,creio que prefeririam ir ao Playcenter ou algumshopping. O nmero de obras que oferecem algu-ma forma de entretenimento no estilo aventura

    ou espetculo sensorial para o no-iniciado bastante reduzido; sobram as rampas dentro dopavilho ou a do MAC que, ao menos na descida,so sempre um high-light.

    Em outros tempos as escolas levavam seusalunos para assistir s paradas militares nos 7de setembro ou 9 de julho; querendo ou no,algumas dessas crianas prestaram mais tarde oservio militar, e entre elas possivelmente algu-

    mas prosseguiram com uma carreira nas forasarmadas.Se a visita Bienal pode fazer alguma dife-

    rena, considero duvidoso que ela possa descon-certar os sentidos e gerar conhecimentos que

    no se encontram em mais parte alguma eisso sem malcia. Conhecimento e cultura socumulativos, e entre ler e escrever razoavelmentebem e se conseguir fazer algum sentido da recen-

    te produo internacional das artes visuais e dasua disposio contextualizada um salto bemmaior do que a inteno educativa benigna sejarealisticamente capaz de realizar. Pude observar oentusiasmo genuno com que os educadores ten-tam instigar alguma forma de interesse e transmi-tir significado (supostamente contido nas obras);ainda assim, invariavelmente sou remetido a umacena que presenciei na Capela Sistina muito tem-po atrs, de uma me que, ao tentar despertar acriana de seu tdio, apontava para o teto dizen-do: olha s meu filho, tudo feito mo.

    A 29 Bienal de So Paulo est ancorada na

    ideia de que impossvel separar arte e polti-

    ca. Impossibilidade que se expressa no fato de a

    arte, por meios que lhes so prprios, ser capaz

    de interromper as coordenadas sensoriais com

    que entendemos e habitamos o mundo, inse-

    rindo nele temas e atitudes que ali no cabiam

    ainda, tornando-o assim maior e diferente.

    Uma visita a Bienal durante a semana e issotem sempre sido assim confirma o momentode desconcerto dos sentidos e, ao mesmo tempo,

    de gerao de conhecimento que no se encon-

    tra em mais parte alguma(do pargrafo Dotempo e do lugar do mesmo texto).

    As centenas de milhares de escolares que visi-

    tam bi-enalmente o mega-evento fazem algazarra e com razo; e muita correria. O desconcertodos sentidos ocorre justamente a, mas no pormeio do puramente sensorial: mais pela questodo sentido de expor essas crianas perante umasucesso de obras que so criadas dentro de umsistema altamente codificado que pouco ou nadase aproxima minimamente dos cdigos e refern-cias com as quais elas interagem com o mundo.

    Dada a pssima qualidade do ensino pblicohoje no Brasil um estudo do Banco Mundialpublicado em 2008 conclui que infelizmente,numa era de competio global, o estado atual daeducao no Brasil significa que o pas vai ficaratrs de outras economias em desenvolvimentona busca de novos investimentos e oportunidadesde crescimento; no teste de leitura do ProgramaInternacional de Avaliao de Estudantes, bra-sileiros de 15 anos ficaram no 49 lugar entre56 pases; em matemtica e cincias o resultadofoi pior me parece de fato desconcertante a

    H SEMPRE UM COPO DE MAR

    PARA UM HOMEM NAVEGAR:

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    Equanto assisto ao vdeo ornado, obra deFrancis Alls, escuto um visitante adulto (V) sedirecionar ao educador (E) que acompanha umgrupo de crianas e perguntar:

    V: Mas o que que tem a ver tornado com poltica?E: O QUE QUE EM A VER?

    V: , o que que tem a ver?... afinal tornado uma fora da natureza, no feita pelo ho-mem, no enxergo a relao etc

    E: Bom, isso pode ser uma metfora para a foradestrutiva que a poltica pode ser etc

    V: Sim, mas a poltica feita pelo homem, en-quanto o tornado um fenmeno natural

    E: , mas isso pode ser uma MEFORA

    e desde a continuaram, sugados pelo turbi-lho que ganhou rapidamente a fora de um fu-raco, graas capacidade do ser humano de fa-cilmente viajar (navegar!) na maionese (um potede maionese para o homem viajar? sob orientaoda curadoria?)

    D

    Abrigada no pavilho modernistapar excel-lence, projetado dentro do modelo programticodo funcionalismo e transparncia, a 29 tem aescala de um transatlntico full-size, com obrasde 159 artistas (um transatlntico ancorado na

    idia de que impossvel separar arte e polti-ca); por conta desse alto nmero natural queo visitante sinta grandes desnveis: e apesar dotransatlntico ancorado ter sido capitaneado(de mentirinha) para navegar nesse copo demar, nesse infinito prximo, odesconcertodos sentidosse d obrigatoriamente por meioda capacidade limitada que o ser humano tempara absorver uma quantidade finita de informa-o num dado nmero de horas a concentraodeclina rapidamente e o cansao assume o papelde desconcerto. Obras interessantes acabam de-saparecendo na espessa neblina que vai tomandoconta da mente, o que torna difcil separar o joiodo trigo, o legtimo do fajuto: levam vantagem osfaroleiros que emitem seus fachos de luz com es-palhafato, enquanto a importncia de uma obramais discreta como Ship of Foolsde Allan Sekulapode passar desapercebida.

    Seria de grande interesse uma estatstica querevelasse, para alm das cifras brutas do nmero

    total de visitantes, o nmero de pessoas que vi-sitou a Bienal duas ou mais vezes. Enquanto emKassel e Veneza a vasta maioria dos visitantesviaja de outras localidades para passar 2 ou 3dias no intuito de abranger a extenso da Docu-

    menta ou da Bienalle (em Veneza navega-se combarquinhos), a grande maioria dos visitantes daBienal de So Paulo local.

    Isso faz com que a exposio tenha infle-

    xes diferentes de outras mostras que sejam

    eventualmente organizadas a partir de prin-

    cpio semelhante, mas desde uma posio de

    mundo distinta. Implica, alm disso, conceber

    e organizar a mostra politicamente; ou seja,

    entend-la como um aparato que retrata cri-ticamente, por meio da produo artstica e

    da organizao desta no espao expositivo, o

    mundo corrente.

    O francs que entra num Carrefour no Brasile o brasileiro que entra num Carrefour na Fran-a vo invariavelmente notar as semelhanas nasdisposies e estrutura geral do estabelecimentoe, em seguida, o que os difere em termos de sor-timento, determinado pelas razes econmicas,culturais e polticas que ditam a sua oferta ou de-manda. Exemplos banais: a quantidade de Leite

    (...) invariavelmente sou remetido a uma cena que presenciei na Capela Sistina muito tempo atrs, de uma me que, ao tentar despertar a criana de seu tdio, a

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    ontava para o teto dizendo: olha s meu filho, tudo feito a mo.

    Moa e leo para fritura presentes nas prateleirasbrasileiras uma caraterstica nacional; o brasi-leiro na Frana obviamente vai se deparar comuma imensa variedade de queijos e muito maisespao dedicado ao vinho do que cerveja ou

    aos refrigerantes isto , so ambos Carrefoursdesdeuma posio de mundo distinta. E navisita ao estabelecimento instituio cultural,em se tratando de repertrio, no se espera outracoisa do que se encontrar diferentes nfases se oMuseu de Arte Moderna visitado for o de SoPaulo, Paris, Nova York ou eer. natural queseja assim.

    Mas na impossibilidade de se separar artee poltica, impossvel, da mesma forma, dese separar poltica de politicagem. E obrigato-riamente posicionar esse aparato que retratacriticamente, por meio da produo artstica

    e da organizao desta no espao expositivo,

    o mundo correntenum plat imaginrio, lo-calizado no topo de alguma montanha mgica,num Neverland, numestgio civilizatrio pre-mium, desde onde se possa enxergar o mundoe suas mazelas, me parece obsoleto, naf e equi-

    vocado, se no uma questo de m f umaquesto de crena como a que est contida no

    Grupo de seguranas na 1 Bienal (1951)Foto: Peter Scheier

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    discurso das religies organizadas, uma vez queimplica a prioriessa condio como imprescin-dvel e impretervel. tratar os atuantes comoseres em posse de misteriosos radares, antenas e

    night-vision gogglesque os permitem enxergar ascoisas de forma que os cidados comuns no socapazes: est tudo certo, mas uma grande omis-so, ou caiao, no deixar implcito que o apa-rato povoado tambm por egos inflados, cifrasmirabolantes, presses, vaidades, equvocos, in-teresses e tudo aquilo que faz parte de sistemasque suportem qualquer tipo de conglomerado,seja ele religioso, esportivo, poltico, comercial,criminoso ou cultural.

    E enquanto alguns desses aparatos so per-meveis o suficiente para permitir transparncia,escrutnio e autocrtica, aqui nos deparamos comum que se autoentitula crtico, mas onde certosaparatchiks transitam com vestimenta cleri-cal, ornamentada com estampas e bordados dedesign projetado por software programado como jargo de cunho intelectual, a lngua-francado aparato que quer transmitir a mensagemde estar tica e moralmente acima de qualquersuspeita.

    Do tempo e do lugar

    A dcada de 1950 em So Paulo presen-ciou a apario da Bienal, e pouco tempo de-pois tambm do super-mercado self-service (o

    Sirvase sendo o primeiro, seguido pelos Po deAcar, Peg-Pag, S e outros todos, um porum, posteriormente tendo sido engolidos peloPo de Acar). As lojas de departamento comoMappin, Mesbla e Sears os chamados grandesmagazines, hoje em dia to extintos quanto osdinossauros aos poucos deram vez a uma mu-tao na forma dos hipermercados e aos lojes,e a partir de meados dos anos 60 apareceu o pri-

    meiro shopping center, o Iguatemi, localizado naRua Iguatemi, antes de ser alargada e rebatizadade Av. Brigadeiro Faria Lima. Esse shopping noera originalmente o templo de consumo dosartigos de marcas hiperssofisticadas com asquais identificado hoje em dia; tudo era maisp-no-cho e a praa de alimentao se reduziabasicamente s muito populares batatas fritasvendidas em um carrinho na porta das Lojas

    Americanas; mas havia um pouco de tudo, lojas,servios e cinemas era o transplante da inven-o do arquiteto austroamericano Victor Gruen,o shopping mall, criado especificamente paraos suburbs que surgiram nos Estados Unidosdepois da Segunda Guerra, que no continhamum centro orgnico de lojas e servios (ele pos-teriormente rechaou sua criao).

    Os shoppings brasileiros foram implantados

    dentro da cidade. E proliferaram: existem portoda parte e simbolizam na percepo geral umaforma mais avanada de se praticar o consumo,se comparada ao comrcio de rua (a 25 de Marosendo um exemplo bastante bvio do primiti-vo e a Oscar Freire uma exceo que confirmaa regra). H uma hierarquia entre os shoppingsno que se refere ao grau de premiumness quese pode traduzir como exclusivismo no sentidoliteral da palavra, uma vez que a vasta maioria dapopulao est excluda de consumir um par demeias que seja em shoppings como o Iguatemi ouCidade Jardim da muito pomposa Daslu nemse fala. Notoriamente o prestgio de um shoppingest ligado presena ou no de certas marcas (asncoras, no jargo do universo imobilirio doshopping) que conferem a esse algo equivalente aum ttulo de nobreza, um carimbo de legitimaode estar conectado ao alto patamar do estgio civi-

    lizatrio premium, do qual todas as outras lojas,as mais reles tambm, algum lucro possam tirar.

    Seminaristas na Sala Van Gogh da 2 Bienal (1953-54)

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    D

    em-se a impresso de que a questo arte epoltica, efervescente, uma espcie de Sonrisal

    que se joga no tal do copo para que se dissolva

    com o propsito de se obter alvio de algummal-estar.

    Esse avano coincide com retorno do neo-pomposo, especialmente visvel em So Paulo naarquitetura que se prolifera como mato e que vi-rou as costas para o modernismo na forma dostemplos do consumo, manses suspensas comnomes palaciais, na proliferao das mac-man-ses. Isso denota que as classes mais abastadas do

    presente tm uma inclinao para se sentir mais vontade quando ambientadas em cenrio comrequisitos de iconografia que sugerem tradioque remonta ao passado longnquo, histria,no tendo importncia alguma se tudo pos-tio e artificial. Tampouco tem importncia ofato de que o neopomposo tem origem nas duasformas extremas de totalitarismo que o sculoXX testemunhou, de um lado o fascismo e na-zismo, de outro o Stalinismo ambos tambmviraram as costas para o modernismo e busca-ram a encenao pblica da poltica por meiodo espetculo, da arte e da arquitetura pomposa(com a diferena que um deles ao menos temorigem em ideais humanistas, o outro no nafachada e na eficincia para suprimir dissidnciaforam iguais).

    Talvez a cultura de glamourizao do banalque permeia nossa civilizao nossa no so-

    mente no sentido nacional seja a herana dissotudo. Ou seja, nesse plurarismo, contraditrio

    e confuso, num momento de quase euforia porconta dos ndices econmicos e da expectativado pr-sal, tornada palpvel (e desconcertante)pelo nmero de carros novos que diariamente seinserem s vias de leito carrovel de So Paulo(1000 a maisem mdia) que a Bienal tenta seinserir, buscando revelar as superfcies que da-

    ro trao a sua empreitada: apontando para aimpossibilidade de se separar arte e poltica, aomesmo tempo que nesse copo de mar, nes-se infinito prximo que os artistas teimam em

    produzir, que de fato est a potncia de seguir

    adiante, a despeito de tudo o mais a despei-to inclusive da pomposidade inscrita na fachadana forma do discurso que ela enuncia, com o fimde apresentar uma lgica interna que justifique etente esclarecer o posicionamento tomado pela29 Bienal.

    O texto curatorial sucede em sua lgica in-terna, tem comeo, meio e fim, e quer criar aimpresso que vai cumprir a promessa de prseus visitantes em contato com a poltica da

    arte, sem ser muito especfico quanto ao queisso signifique.

    Seria ele manifestao daquilo que na psi-canlise e psicologia contemporneas se define

    como racionalizao? Seria a tentativa de se im-por lgica e sentido em aes cujos mecanismos

    so outros daqueles que se possam abertamentedeixar-se expostos, mesmo quando a exposioem si demonstre uma lgica que dificilmentecorresponda narrativa do texto?

    em-se a impresso de que a questo arte epoltica, efervescente, uma espcie de Sonrisalque se joga no tal do copo para que se dissol-

    va com o propsito de se obter alvio de algummal-estar.No contexto da economia global existem

    algumas entidades (aparatos) que se mantmfora de quaisquer diretrizes que regulam as di-versas formas de intercmbio comercial: entreelas o narcotrfico, o trfico de armamentos e omercado de arte. Elas so comandadas por suasprprias regras (suas artes e suas polticas)etransparncia no o ponto forte de qualqueruma delas mas enquanto a mo pesada que auto-regula o narcotrfico aparente, no mundo dasartes visuais (caso nico na indstria do entre-tenimento) encontramos uma fachada decoradapor um discurso com sotaque intelectualizado,uma lngua rica em ambigidades onde Adornovira ornamento e Benjamin o benjamim (ondesimultaneamente se plugam o computador, oscarregadores do celular e da cmera de vdeo);

    ornamentar essa fachada se revela como um cam-po frtil para a prtica de glamourizao do banal.

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    O nibus da 6 Bienal (1961)

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    preciso apontar para o fato de que manei-rismos no so um fenmeno que se manifestasomente na criao artstica, mas tambm peloresto do areal onde o aparato reside. Em 2010esse tipo de posicionamento crtico no universocultural brasileiro est mais do que fora de ques-to: discutir as politicagens que tambm operamno aparato algo tabuisado e apontar, ainda

    que por pura especulao, para uma possvel re-lao entre as profisses curador e decorador o mesmo do que se embrenhar por mares trai-oeiros sem bssola nem colete salva-vidas, ex-perincia muito diversa daquela de se embrenharpor esses mares que cabem num copo. No sedeve esquecer que a runa do socialismo se deveem grande parte ao papel exercido pelos apara-tchiks, da mesma forma que os aparatchiks

    da Wall Street recentemente levaram a economiamundial beira do colapso.

    Obras com viso crtica voltada para den-tro do aparato so ausentes porque no sobem-vindas, no interessam; sobreviver dentrodo aparato um desafio difcil o suficiente,dada a instabilidade e volatibilidade de reputa-es que se formam tanto a duras penas comonum passe de mgica, e que podem se dissolver

    sem deixar vestgios.

    D

    Aos ouvidos dos iniciados tudo soa mais oumenos familiar e legtimo. J se ouviram certostermos tantas vezes que se tem a impresso quede alguma forma isso tudo faz sentido: lse naentrada de uma das salas que a retrica da ausn-cia, do deslocamento e do reencontro usada e ex-

    plorada a prtica de Mario Garcia orres repensa

    as estruturas que fazem e tm feito a arte existir domodo como a conhecemos; mas ser que repensamesmo? (A sonata para piano n 26 op.81a deBeethoven, composta em 1809, conhecida comoLes adieux, tem 3 movimentos com os ttulosA depedida, A ausncia e O reencontro:

    seria Beethoven considerado contemporneose tivesse usado deslocamentoao invs de des-pedida?).

    E se ao invs de deslocamento, ausnciae estruturas tivssemos posto de gasolina,lanche, morte, Carol e arado, interligados porverbos e partculas que fizessem do disparatadoalguma impresso de sentido? assim to sim-

    ples poder afirmar que a arte do modo como aconhecemosseja definvel como uma entidadefinita sem que o referencial dessa no passe deuma caricatura um tanto simplria? O que sig-nifica o to abusado deslocamento? Comprarperas no Limo? a casa verde no atuap? Ou irat o para se pr os pingos nos is?

    Utilizei deliberadamente do recurso da ca-ricatura da arte do modo como a conhecemos

    quando em 2008 escrevi um ensaio sobre a 28,a tal da do vazio, que em detrimento de apre-sentar uma verso fullsize do evento, enfatizoua necessidade de se discutir o estado precrio noqual a instuio se encontrava:mas quem garante que o resultado de tanto debate

    no seja uma 29 que atulhe de novo o pavilhoat a borda com quadros, esttuas, televisores e ins-

    talaes em geral?

    (http://www.canalcontemporaneo.art.br/arte-emcirculacao/archives/001959.html)

    Na sua 29 edio, os milhares de metrosquadrados previstos para a mostra no pavilhono foram suficientes para abrig-la, e o copode mar ainda inunda uma rea respeitvel doMAC. E at o entorno (o l fora) recebeu otratamento pomposo que confere premiumnessao banal, por meio da aplicao e uso consistentedo que se pode chamar kitsch intelectual, comoo que se l aqui abaixo:

    Dito, no dito, interdito um lugar destina-

    do a funcionar como auditrio ou praa ao ar livre

    (...). ensionando a membrana que separa a Bienal

    de seu entorno, ela retoma e amplifica o conceito de

    terreiro, essa noo to brasileira.

    Do tempo e do espao

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    O museu Hlio Oiticica

    defesa contra seus admiradores (# 2).gustavo motta

    28

    Articular o passado historicamente no sig-

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    nifica conhec-lo tal como ele propriamente foi.Significa apoderar-se de uma lembrana tal como

    ela lampeja num instante de perigo. [] O perigoameaa tanto o contedo dado da tradio quanto

    os seus destinatrios. Para ambos o perigo nico

    e o mesmo: deixar-se transformar em instrumentoda classe dominante. Em cada poca preciso

    tentar arrancar a transmisso da tradio ao con-formismo que est na iminncia de subjulg-la.1

    (Walter Benjamin,ese VI, Sobre o Conceito

    de Histria, 1940).

    Funo e desgnio

    HLIO OIICICA museu o mundo.2Demaneira autorreferente, a instituio bancrio-cultural reporta-se ao museu (que de sua pro-priedade) mas tambm ao mundo (que, poranalogia, tambm lhe pertenceria). Seria neces-srio, ento, inquirir j fora do ponto de vistabancrio: de que museu se trata? Ou, antes: quemundo? omado em abstrato, o termo mundo

    faria, na expresso, o papel do real. Seria umahiptese lgica. Seguida pela suposio de quemuseu definiria a circunscrio institucionalda obra-de-arte. Mas a expresso museu omundo funciona, aqui, para alm da meraarticulao formal dos dois elementos. Ela sub-sume um movimento de superao interno. ENo de forma tcita. Alis, enuncia em capitais:HLIO OITICICA. O nome do artista atua

    como legenda. Funo-autor: sua presena,escreveu Michel Foucault em Que um Autor?(1969), sempre funcional, na medida em queserve como meio de classificao.3No caso, aclassificao fora obrigatoriamente um vetorsemntico, quer dizer, um sentido: superao dacircunscrio institucional e da prpria obra-de-arte (e do museu) pelo real (o mundo). Sen-tido que pode ser, colocado abstratamente, demaneira supra-histrica, desejvel. Mas, no ttuloda mostra, descontextualizada (e descontada asua eloquncia teatral), a expresso se subordi-na funo-autor e no significa seno a suaautoridade.

    Dispositivo autoral

    Chamarei literalmente de dispositivo,(nos) diz Giorgio Agamben,

    qualquer coisa que tenha de algum modo a capaci-

    dade de capturar, orientar, determinar, interceptar,

    3.Michel FOUCAUL, Quest-ce quun auteur? ,in Dits et crits(Paris, Gallimard, 1994), vol. I. / Oque um autor?, trad. Antnio F. Cascais e EdmundoCordeiro (Rio de Janeiro, Vega, 1992).

    2. Exposio HLIO OIICICA museu o mundo ,curadoria de Csar Oiticica Filho e Fernando

    Cocchiarale, 20 de maro a 23 de maio de 2010,Ita Cultural, So Paulo.

    1.ApudMichael LWY, Walter Benjamin: Aviso deIncndio. Uma leitura das teses sobre o conceito dehistria, trad. Wanda Nogueira Caldeira Brant, [trad.das teses] Jeanne Marie Gagnebin e Marcos Lutz Muller(So Paulo, Boitempo Editorial, 2005), p. 65.

    modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas

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    as opinies e os discursos.4A categoria, diz Agamben, fundamental

    para a compreenso do mecanismo poltico con-temporneo. Ou do mecanismo que garante aneutralizao econmica da poltica. Mirem(os)

    as artes: o dispositivo principal daquilo a quese convencionou chamar arte contemporneaa indivisvel unidade biogrfica do autor. O in-terceptador tcito dos gestos contemporneos.5

    Certamente no se trata mais daquele duplo dosujeitoocidental moderno o sujeito centrado eindividualizado do mundo burgus, conscientede si mesmo e dos seus atos, um tipo criadotardiamente na modernidade,

    para alimentar a iluso de totalidade que j haviase perdido no fim de uma sociedade totalmente re-

    gida pelas tradies [].6

    Durante o perodo moderno a funo-au-tor foi uma particularizao da funo-sujeito(funes pstumas, socialmente inventadascomo compensao). Espiritismo corporativo:o dispositivo autoral que regula o atual ciclo his-trico uma espcie de reciclagem incorprea

    e desterritorializada (quer dizer, circulante) dafuno-autor. Pois o que define os dispositivos,continua Agamben,na atual fase do capitalismo que estes no agemmais tanto pela produo de um sujeito quan-to por meio de processos que podemos chamar dedessubjetivao. [] O que acontece agora que

    processos de subjetivao e processos de dessubje-tivao parecem tornar-se reciprocamente indife-

    rentes e no do lugar recomposio de um novosujeito, a no ser de forma larvar e, por assimdizer, espectral.7

    O autor talvez seja ento o duplo da genera-lizao fantasmtica do sujeito, j que[] a impresso de que a categoria da subjetivida-

    de no nosso tempo vacila e perde consistncia []se trata, para ser preciso, no de um cancelamentoou de uma superao, mas de uma disseminao[da subjetividade] que leva ao extremo o aspectode mascaramento que sempre acompanhou todaidentidade pessoal.8

    Disseminao e sujeio.9Afinal, antes detudo, a autoria , em par com os princpios fic-tcios da era financeira do capitalismo, uma logo-marca. Um cercamento que demarca o territriovirtual quer dizer, absolutamente controlado do copyright intelectual.

    4.Giorgio AGAMBEN, O que um dispositivo?, inO que o contemporneo? e outros ensaios, trad. VinciusNicastro Honesko (Chapec, Ed. Argos, 2009), p.40. Segundo Foucault, citado no ensaio de Agamben,com o termo dispositivo, compreendo uma espcie por assim dizer de formao que num momentohistrico teve como funo essencial responder a umaurgncia. O dispositivo tem, portanto, uma funoeminentemente estratgica [], que se trata, comoconsequncia, de uma certa manipulao de relaesde fora, de uma interveno racional e combinada dasrelaes de fora, seja para orient-las em certa direo,seja para bloque-las ou para fixa-las e utiliza-las. Odispositivo est sempre inscrito num jogo de poder e, aomesmo tempo, sempre ligado aos limites do saber, quederivam desse e, na mesma medida, condicionam-no.Assim, o dispositivo um conjunto de estratgias derelaes de fora que condicionam certos tipos de sabere por ele so condicionados. Michel FOUCAUL, Dits

    et crits, v. III, p. 299-300, apud Giorgio AGAMBEN,O que um dispositivo?.

    5.O mercado editorial oferece uma amostra exemplarda importncia conferida na atualidade figura do

    autor. Basta notar que as principais colees e linhas depublicao sobre arte (como aschen, Phaidon e, no

    Brasil, Cosacnaify) so compostas por monografias sobreindivduos. Desde a dcada de 1980 o dispositivo autoral

    transbordou a figura do artista, criando diversas outrasfiguras hierrquicas, como, por exemplo, a do curador.

    6.Isleide Arruda FONENELLE, O Nome da Marca:McDonalds, fetichismo e cultura descartvel (So Paulo,

    Boitempo, 2002), p. 112. A idia de indivduo,continua Isleide Fontenelle, ela mesma, ilusria,

    como mostrou Sigmund Freud ao negar com sua obraa possibilidade de um sujeito totalmente autnomo.

    Mas que importa se essa construo era imaginriaquando se sabe que so as iluses que fazem funcionar

    a realidade?.

    7.Giorgio AGAMBEN, O que um dispositivo?, op.cit., p. 47.

    8.Idem, p. 42.

    9.Para a relao intrnseca entre sujeio e a formaodo sujeito individual moderno, ver Louis ALHUSSER,Ideologia e aparelhos ideolgicos do Estado, trad. JoaquimJos de Moura Ramos (Lisboa, Ed. Presena, 1974), p.111 e segs.

    Tautologia

  • 7/25/2019 Dazibao n.2

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    HLIO OITICICA museu o mundo.A operao realizada simples, mas estratgi-ca. Trata-se de um processo de convencimento.Querem convencer(-nos) de que a instituio

    d voz ao artista. Museu o mundo, Oiticicadixit. Talvez seja um procedimento dramatr-gico baseado em fatos reais. Pois a frase foi,de fato, dita pela personagem. Numa situaodeterminada. Que foi esquecida. (alvez apaga-da). A expresso, no caso, deixou de ser a reflexosobre um processo aquele da quebra do qua-dro, objeto de contemplao esttica pura, emdireo participao do espectador, ou ento,

    da galeria de arte em direo favela.10ornou-seum axioma. Ou pior: um slogan. Cuja teleologiatoma o partido (no enunciado) da instituiocultural-bancria (ou bancrio-cultural), delimi-tando um teatro de operaes que talvez spossam ser financeiras.

    Press Release

    O sentido atribudo superao do museupelo mundo auto-explicativo. Seria a supera-o da obra-de-arte contemplativa em direo proposio de comportamentos. A supressodas barreiras que separam, em compartimentosestanques, arte e vida.

    A exposio Hlio Oiticica Museu o Mundoabre com uma srie de aes e atividades imperd-veis. Artista consciente do prprio trabalho, Oiticica

    deixou um extenso legado no s pelas muitas obras

    referenciais, mas tambm por sua viso incomumsobre o papel do artista.

    A atribuio de sentido acompanhada poruma demonstrao de vitalidade. Exposiomassiva de objetos passveis de serem tocadospelo pblico (Parangolse Blides). Proliferaode ambientes propositivos/sensoriais (ropiclia,Rhodislndiae Cosmococa). Exibio de Penetr-veisespalhados por espaos pblicos da cidade.

    Aproximadamente 117 de suas obras, bastante con-

    tempo