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Dicionario teórico Crítico de Cinema + Aumont e Marie

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Um livro muito bom, que traz conceitos e análises sobre determinados aspectos teórico-práticos do cinema.

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Título original: Dictionnaire théorique et critique du cinémaAutores: Jacques Aumont e Michel MarieTradução: Carla Bogalheiro Gamboa e Pedro Elói DuarteCapa: Cristina LealPaginação: Vitor Pedro

© Armand Colin, 2008

Todos os direitos reservados paraEdições Texto & Grafi a, Lda.Avenida Óscar Monteiro Torres, n.º 55, 2.º Esq.1000-217 LisboaTelefone: 21 797 70 66Fax: 21 797 81 03E-mail: texto-grafi a@texto-grafi a.ptwww.texto-grafi a.pt

Impressão e acabamento:Papelmunde, SMG, Lda.1.ª edição, Janeiro de 2009

ISBN: 978-989-95884-4-8 Depósito Legal n.º 288201/09

Esta obra está protegida pela lei. Não pode ser reproduzidano todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado,sem a autorização do Editor.Qualquer transgressão à lei do Direito de Autorserá passível de procedimento judicial.

Ouvrage publié avec le soutien du Centre National du Livre– Ministère Français Chargé de la Culture –

Obra publicada com o apoio do Centro Nacional do Livro– Ministério Francês da Cultura –

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Sejam dicionários, prontuários, léxicos, vocabulários ou obras genéricas de referência identifi cadas através de ordenação alfabética, pretende -se sobretudo que os temas abordados na colecção “Índice” sejam representados por obras de indiscutível qualidade, que se possam afi rmar como auxiliares imprescindíveis de consulta e de leitura nos diversos domínios do conhecimento humanístico,

científi co, técnico ou artístico.

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Desde que se impôs como espectáculo de massas, o cinema suscitou o interesse de fi lósofos, sociólogos, psicólogos e também de alguns críticos de arte ou jornalistas um pouco mais perspicazes que os outros. Mais tarde, também os cineastas deram continuidade a estas refl exões, com pontos de vista próprios, e muitas vezes com maior solidez teórica. E, de há quarenta anos para cá, a universidade fez do cine-ma, da sua história, da sua teoria e mesmo da sua crítica, objecto de estudo, fonte de numerosas abordagens especializadas. Com o passar das décadas, uns e outros utilizaram e impuseram um vocabulário especializado, propondo por vezes palavras novas ou utilizando conceitos antigos num sentido inédito. Foi deste novo léxico que quisemos dar conta, desde as suas origens até ao período actual.

Este livro é um dicionário e não uma enciclopédia. Fizemos um levantamento de 500 palavras ou nomes próprios, e registámos os signifi cados que lhes foram dados por diferentes autores e segundo diversas abordagens disciplinares. As entradas são relativamente curtas (algumas reduzem -se a poucas linhas), e é assim evidente que não tivemos qualquer ambição enciclopédica. O leitor que deseje continuar a apro-fundar os seus conhecimentos deverá utilizar as numerosas referências bibliográfi cas indicadas no fi m de cada artigo e recenseadas no fi nal da obra.

Por outro lado, este dicionário limita -se às abordagens teóricas e críticas do cine-ma; não é um dicionário geral do cinema, como já vários existem e de excelente qualidade. Mencionámos apenas as personalidades (realizadores, críticos, teóricos) ou os factos históricos (nomeadamente os géneros) que produziram ou suscitaram uma refl exão crítica ou teórica mais ou menos aprofundada e continuada. Quanto às noções que retivemos, pertencem a todos os campos disciplinares: estética, semio-logia, psicologia, história da arte e das representações, antropologia, etc. Um índice temático, no início da obra, agrupa os artigos por campos disciplinares permitindo uma leitura mais especializada.

Preocupámo -nos especialmente em não privilegiar uma teoria em particular, mas em testemunhar, na medida dos nossos conhecimentos, a diversidade das abordagens teóricas propostas num século de cinema. Algumas, evidentemente, foram mais de-senvolvidas e sistematizadas e por isso estão mais presentes na nossa lista; algumas são mais familiares no nosso país e na nossa cultura teórica e crítica; esforçámo -nos por compensar tanto quanto possível estas limitações. Tentámos ser exaustivos, mas razoáveis no volume de informação.

Prefácio

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Assim, em cada artigo quisemos conceder a priori a mesma importância a cada um dos signifi cados ou usos consagrados, mesmo se alguns «pesam» mais que outros (a bibliografi a será um testemunho do nosso sentimento quanto à importância respectiva dos diversos autores ou escolas). Cada artigo é seguido de sugestões de correlações intelectuais e de uma bibliografi a muito sintética: os nomes e as datas de edição encontram -se todos referenciados na bibliografi a fi nal, que quisemos o mais ampla possível, a despeito do tamanho da obra.

Este dicionário pretende testemunhar o estado actual dos estudos cinematográfi cos, a sua riqueza mas também a sua história já centenária. Pretende também dar conta do seu carácter internacional, já que, desde 1910, autores alemães, italianos, ingleses e norte -americanos exprimiram opiniões que o brilho da cinefi lia francesa (e a raridade das traduções) por de mais ofuscou. Este livro dirige -se portanto prioritariamente aos estudantes de cinema, e de um modo mais geral a todos os cinéfi los que queiram refl ectir sobre o seu objecto de eleição.

A primeira edição deste dicionário foi publicada em 2001. Completámo -la e enriquecemo -la agora com mais de uma centena de novas entradas, que levaram em consideração trabalhos teóricos recentes e novos aspectos estudados. Naturalmente, a bibliografi a foi actualizada.

J. A. & M. M.

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As entradas do dicionário foram reagrupadas por campo temático e disciplinar; por isso, algumas fi guram em várias rubricas.

Crítica

Cahiers du cinéma, Cinéthique, Crítica, Macmahonismo, Positif, Revistas de Ci-nema, Star system, Trafi c.

Estética

Abstracto, Acção, A -cinema, Actor, Acus-mático, Alargado (cinema), Analogia, Arte, Atracção, Autor, Campo, Cena, Cenografi a, Cine -olho, Cineasta, Cinegrafi smo Cinema de poesia, Cinema sonoro, Cinema total, Cinematismo, Cinematografi a, Cinema-turgia, Cineplástico, Colocação em gesto, Colocação em jogo, Colocação em quadro, Composição, Contínuo e Descontínuo, Contracampo, Contraponto (montagem a), Contraponto orquestral, Cor, Corpo, Correspondência das artes, Corte franco, Corte móvel, Cubista, Desconstrução, Desenquadramento, Distanciamento, Drama, Duração, Efeito de real, Efeito de realidade, Efeito ecrã, Efeito, Emoção, Encenação, Encenador, Enquadramento, Escultura, Espaço, Estética, Estilo, Ex-pandido ou Ampliado, Êxtase, Factores de diferenciação, Fascínio, Figura, Figuração, Figural, Figurativo, Fora de campo, Fora de quadro, Forma, Formalismo, Fotogenia, Fragmento, Gag, Glamour, Iconografi a, Iconologia, Ilusão, Imagem mental, Ima-gem, Imaginário, Impressão de realidade, Improvisação, Instalação, Intenção criativa,

Interpretação, Intervalo, Lugar, Matéria, Material, Metafi lme, Métrica, Migração, Modelo, Moderno, Modo de representação, Montagem cubista, Montagem das atrac-ções, Montagem harmónica, Montagem intelectual, Montagem interdita, Monta-gem, Mudo, Música, Não representado, Negro, Obraznost, Olhar, Orgânico, Outro campo, Pantomina, Paradoxo do actor, Patético, Perspectiva temporal, Perspec-tiva, Pintura, Plano sequência, Plástico, Poética, Política dos autores, Presença, Quadro (tableau), Quadro vivo, Quadro, Quarta parede, Realizador, Representação, Reprodução, Reutilização, Ritmo, Ruina, Sublime, Syncinema, Teatro f ilmado, Teatro, Tema, Transparência, Vídeo arte, Visível, Visual.

Filmologia

Afílmico, Cinema, Diegese, Efeito ecrã, Efeito phi, Espectatorial, Filme, Fílmico, Filmofânico, Filmográfi co, Filmologia, Grande criador de imagens, Impressão de realidade, Movimento aparente, Percepção, Profílmico.

Géneros, escolas

Aventura, Barroco, Biografi a, Biográfi co (fi lme), Bis, Blaxploitation, Burlesco, Ca-ligarismo, Caligrafi smo, Cinema alargado, Cinema clássico, Cinema de poesia, Cinema estrutural, Cinema moderno, Cinema puro, Cinema verdade, Cinematógrafo, Comédia, Directo, Divismo, Documentário, Drama, Épico, Epopeia, Escola, Espectáculo, Ex-perimental, Expressionismo, Fantástico, Formalismo, Futurismo, Gag, Género, Gore,

Índice temático das entradas

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Impressionismo, Kammerspiel, Letrismo, Maneirismo, Melodrama, Metafilme, Militante, Naturalismo, Negro (fi lme), Neoformalismo, Neo -realismo, Nouvelle vague, Novo (cinema), Paródia, Peplum, Policial (cinema), Política dos autores, Pornografi a, Pós -moderno, Pré -cinema, Primitivo, Realismo poético, Realismo,

Screwball comedy, Sexploitation, Slasher, Surrealismo, Teatro fi lmado, Terror, Un-derground, Western.

História do cinema

AFRHC, Animação, Arquivos, Autor, Biograf ia, Câmara -caneta, Cineasta, Cineclube, Cinefilia, Cinema clássico, Cinema nacional, Cinema dentro do cinema, Conservação, Curta -metragem, Efeito, Encenador, Forzuto, Free cinema, História do cinema, Kulechov, Patrimó-nio, Propaganda, Reutilização, Restauro, Quadro, Ruina, Vamp, Vanguarda.

Instituição

Arte e ensaio, Autor, Caverna (alegoria da), Cinema nacional, Cinemateca, Dispositivo, Documentário, Economia, Festival, Ideo-logia, Instituição, Media, Medium, Moral, Património, Política e cinema, Pornografi a, Star System, Televisão.

Narratologia

Actante, Adaptação, Alternância, Analepse, Ancoragem, Argumento, Autor, Biografi a, Cineasta, Cinema dentro do cinema, Ci-nema, Citação, Descrição, Desnarrativo, Diálogo, Diegese, Duração, Ecrã, Efeito fi cção, Elipse, Enunciação, Escrita, Espaço, Espectacular, Espectador, Espectatorial, Especularidade, Estilo, Fábula, Fala, Flashback, Ficção, Focalização, Génese, Genética (crítica), História, Implante, Intertexto, Intriga, Leitura, Mimésis, Mise en abyme, Modalidade, Monólogo interior, Mostração, Narração, Narrativa, Narrato-

logia, Ocularização, Papel, Paramétrica, Parâmetro, Personagem, Plano subjectivo, Poética, Ponto de vista, Refl exividade, Re-make, Sinopse, Subtexto, Sujeito, Suspense, Tema, Verosímil Voz.

Filosofi a / ciências humanas

Analogia, Antropologia, Caverna (alegoria da), Cognitivismo, Corpo, Cristalino (regi-me), Desconstrução, Dialéctica, Diferença, Duplo, Efeito phi, Emoção, Fenomenolo-gia, Filosofi a do cinema, Gender, Gestalt, Háptico, Hermenêutica, Imagem acção, Imagem afecto, Imagem mental, Imagem movimento, Imagem percepção, Imagem pulsão, Imagem tempo, Interpretação, Marxismo, Moral, Ontologia, Paradoxo do actor, Pensamento, Percepção, Psicolo-gia, Real, Realidade, Realidade dupla das imagens, Sociologia, Sexo, Tempo, Teorias do cinema, Traço.

Psicanálise

Bloqueio simbólico, Cinefilia, Corpo, Especular, Especularidade, Fantasma, Feminismo, Fetiche, Fetichismo, Hipnose, Identifi cação, Ilusão, Olhar, Psicanálise, Pulsão escópica, Real, Realidade, Sexo, Simbólico, Sonho, Sutura.

Realizadores

Brakhage, Bresson, Dulac, Eisenstein, Epstein, Frampton, Godard, Hitchcock, Kulechov, Pasolini, Pudovkine, Rocha, Rohmer, Rossellini, Ruiz, Tarkovski, Vertov.

Semiologia / linguística

Análise textual, Analogia, Banda imagem, Banda sonora, Cinematográfi co, Código, Conotação, Conteúdo, Deíctico, Demar-cação, Denotação, Discursivo, Discurso, Enunciação, Escrita, Especifi cidade, Estilo, Estruturalismo, Expressão, Forma, Gene-rativa, Gramática, Grande sintagmática,

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DICIONÁRIO TEÓRICO E CRÍTICO DO CINEMA

Ícone, Identificação, Índice, Indirecto livre, Intermedialidade, Isotopia, Lexia, Linguagem cinematográfi ca, Linguística generativa, Matéria de expressão, Material, Metáfora, Metonímia, Mito, Modalidade, Mostração, Obtuso, Paradigma, Pertinên-cia, Polissemia, Pontuação, Pragmática, Punctum, Referente, Refl exividade, Rema, Retórica, Segmentação, Semântica, Se-miologia, Semiopragmática, Semiótica, Significação, Significante/significado, Signo, Símbolo, Sintagma, Sistema, Texto, Unidade mínima.

Técnica

Acelerado, Acusmático, Argêntica, Ar-gumento, Audiovisual, Banda imagem, Banda sonora, Câmara, Cenário, Con-servação, Continuidade, Contracampo, Desenrolamento, Digital, Efeitos especiais, Escala dos planos, Establishing shot, Falso Raccord, Filme, Flash back, Fora de campo, Fora de quadro, Formato, Fotografi a e cinema, Fotógrafo de plateau, Fotograma, Fundido, Genérico, Geografi a criadora, Grande plano, Harmónica, Iluminação, Insert, Instalação, Jump cut, Junção, Longa

metragem, Luz, Média metragem, Monta-gem, Montagem de atracções, Montagem harmónica, Montagem intelectual, Movi-mento da câmara, Mudo, Negro, Nitrato, Observador invisível, Off , Paralela, Persis-tência retiniana, Perspectiva, Planifi cação, Plano de exposição, Plano sequência, Plano subjectivo, Plano, Profundidade de campo, Projecção, Raccord, Ralenti, Realizador, Regra dos 180º, Relevo, Restauro, Reuti-lização, Ritmo, Salto, Sequência, Sinopse, Sobre -enquadramento, Sobreimpressão, Som, Sonoro (cinema), Subtítulo, Televi-são, Título, Trucagem, Vertical, Videasta, Vídeo, Virtual.

Teóricos, historiadores e críticos

Amengual, Arnheim, Astruc, Balázs, Barry, Barthes, Bazin, Bellour, Bordwell, Brunetta, Burch, Canudo, Carroll, Casetti, Cavell, Chion, Colin, Daney, Deleuze, Faure, Grierson, Heath, Kracauer, Laff ay, Lan-glois, Leutrat, Lindsay, Lyotard, Mannoni, Metz, Mitry, Morin, Münsterberg, Odin, Pasinetti, Rosenbaum, Schefer, Worth.

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1895Revista do AFRHC (ver AFRHC).

ABSTRACTOAquilo que resulta de uma abstracção, ou seja, da operação mental que considera uma qualidade de uma coisa descurando as outras. Na literatura, um estilo abstrac-to exprime ideias evitando descrever os objectos, personagens ou acontecimentos concretos.

Por analogia falou -se de pintura abstracta – e, muito mais raramente, de cinema abstracto – em obras que evitam a repre-sentação de objectos, reais ou imaginários; a primeira pintura «abstracta» (Kandinsky, Malevitch) teve como ambição exprimir directamente ideias; as realizações do cine-ma «abstracto» visam sobretudo exprimir directamente sensações.

➢ arte, experimental, poesia, van-guarda

Brakhage, ; Ghali, ; Le-maître, ; Turim,

ACÇÃO1. (Em desuso) O curso dos acontecimen-tos no drama. A acção de uma peça ou de um romance constitui uma série de acontecimentos fi ctícios ligados por rela-ções de causalidade, criando uma intriga que tem um começo, um desenvolvimento e um desenlace. É neste sentido que se deve entender o termo na regra clássica da «unidade de acção».

2. A maior parte dos fi lmes consiste na representação de actos, geralmente leva-

dos a cabo por seres humanos. A acção é portanto, num sentido, a mais elementar das componentes fi lmicas. Para além das abordagens narratológicas – para as quais a acção se defi ne principalmente pelo seu conteúdo e pelo seu resultado do ponto de vista do avanço da narrativa – existem poucas refl exões gerais sobre a acção en-quanto desempenho, enquanto movimento orientado e deliberado de um corpo. Duas grandes direcções foram esboçadas com vista a uma teoria da acção (e do actor, ou seja, do corpo suportador da acção):– uma direcção empírica, procurando métodos gerais para a representação do actor no cinema. A via mais nítida é a da análise, que decompõe cada acção ou sequência de acções em gestos e afectos elementares, que o actor, supervisionado pelo realizador, deve juntar num conjunto de forma expressiva. Nesta via a herança teatral, nomeadamente a da escola russa de Stanislavski, deu lugar ao estabelecimento de verdadeiras tradições de representação, sobretudo nos Estados Unidos, onde o Actors Studio de Lee Strasberg formou numerosos actores de primeiro plano; de uma forma mais radical, os mesmos prin-cípios foram posteriormente reelaborados por Nicholas Ray. Mas a primeira tentativa, simultaneamente teórica e experimental, tinha sido, na URSS, a do atelier de Ku-lechov, no início dos anos vinte;– uma direcção refl exiva, visando sobretudo descrever e compreender a fi guração das acções nos fi lmes. A refl exão neste terreno depende das abordagens analíticas adopta-das; na linha de Kulechov, ela era de certa maneira o contrário do método da repre-sentação. No terreno puramente teórico e

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crítico, pode levar quer à defi nição de estilos de interpretação, eventualmente ligados a certos actores (Moullet), quer à proposição, mais fundamental, de funções elementares da representação actoral (Brenez).➢ actante, encenação, ficção, his-tória

Brenez, ; Cocteau, ; Hi-tchcock, , ; Kessler, ; Kulechov, , ; Krakauer, ; Moullet, ; Pudovkine, ; Ray,

ACELERADOProcesso que consiste em registar a imagem fazendo a película correr de forma mais lenta no corredor da câmara, de modo a que, na projecção, o movimento pareça mais acelerado. As câmaras digitais permitem agora produzir o mesmo efeito, diminuin-do igualmente o número de imagens por segundo no momento da gravação.

Este processo tem duas grandes utilizações, uma documental e a outra expressiva. Permite mostrar, num tempo reduzido e acentuando -os fortemente, fenómenos naturais relativamente lentos, como a germinação de uma planta, a metamorfose de um insecto, mas também fenómenos humanos, cuja visão em acelerado pode revelar aspectos de outro modo imprevistos e invisíveis (por exemplo, fi lmar a circulação numa via urbana). Este primeiro valor já tinha sido percebido por Jean Epstein, que lhe dedica numerosas páginas e vê nele um dos traços da autonomia perceptiva do cinema relativamente ao olho huma-no (e um dos embriões do «espírito do cinematógrafo»). O acelerado foi também utilizado para dinamizar a representação de um acontecimento, por exemplo em cenas de combate, em que o processo pode desempenhar um papel comparável ao da montagem curta (e é muitas vezes combinado com esta montagem).

➢ câmara lenta, movimento, tempo Epstein, ,

A -CINEMATermo proposto por Jean -François Lyotard (1924 -1998) nos seus trabalhos de «eco-nomia libidinal» de inícios dos anos 70. Lyotard elabora nesta época uma «ontologia do acontecimento»: a realidade é mais feita de acontecimentos imprevisíveis do que de regularidades estruturadas (oposição ao estruturalismo); esses acontecimentos devem ser interpretados, mas nunca o serão de forma completa nem adequada, pois há sempre um «resto». Lyotard qualifi ca -os como «intensidades libidinais» e «afectos», que ele vê como manifestações das pulsões primárias postuladas por Freud. Mas, para Lyotard, a afecção é material: um som, uma cor, uma carícia, tudo o que tem a capacidade de afectar ou de suscitar o desejo. O a -cinema é uma tentativa de abordar as representações fílmicas segundo esta perspectiva, interpretando -as como acontecimentos e, desse modo, procurando compreender, já não a história contada, mas os afectos que pode suscitar. Esta abordagem encontrou apenas um eco limitado, essencialmente nos discípulos directos de Lyotard (nomeadamente Clau-dine Eizykman).

➢ figural, Lyotard Eizykman,

ACTANTEAo contrário de «actor» e «personagem», «actante» designa a estrutura narrativa pro-funda de uma unidade no seio do sistema global das acções que constituem um relato (Propp, 1926; Greimas, 1966).

Esta noção permite modifi car profunda-mente a concepção dominante da perso-nagem de romance e de fi lme, concepção que assimila a personagem de fi cção a um ser psicológico, frequentemente dotado de uma certa autonomia, de um carácter próprio, ou ligado a uma entidade me-tafísica. O actante, em Vladimir Propp como em Greimas e em toda a tradição da narratologia ulterior (Hamon, Vernet,

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etc.), é apenas definido pela esfera de acções que lhe está associada; não existe senão pelo texto e pelas informações textuais apresentadas pelo romance ou pelo fi lme. Esta noção permite portanto dissociar a lógica das acções da lógica das personagens: uma função actancial pode ser preenchida por numerosas personagens; inversamente uma personagem pode reunir vários actantes.

Greimas, na continuidade de Étienne Sou-riau, reduz os sete actantes de Propp a seis funções principais; estas são agrupadas em pares num «esquema actancial» segundo três eixos: o eixo destinador -destinatário, que é o dos valores e da ideologia da narrativa; o eixo sujeito–objecto, o da trajectória da narrativa, da busca do herói, da sua von-tade (é também o eixo dominante); o eixo adjuvante–oponente, que facilita ou impede a realização do projecto que o sujeito se atribuiu. Este último eixo reúne as circuns-tâncias da acção e não é necessariamente representado por personagens.

O esquema actancial, devido ao elevado grau de generalidade, conheceu uma boa aceitação nas tentativas de interpretações narratológicas dos romances, das peças de teatro e dos fi lmes. Contribuiu fortemente para minimizar a interpretação psicologi-zante, sempre arriscada, das personagens dos fi lmes.

➢ espectador, narrativa, personagem, narratologia

Beylot, ; Lagny et al., ; Odin, , ; Vernet,

ACTORO termo designa primeiramente a perso-nagem de uma peça de teatro no início do século XVII (do latim actor). O sig-nifi cado moderno diz respeito ao artista cuja profissão é a de desempenhar um papel, no palco e no ecrã. Distingue -se de comediante ou de intérprete, termos que realçam a competência, a prática cénica do profi ssional.

Classicamente, existem duas categorias de actores: o actor «sincero» que sente e revive todas as emoções da sua personagem, e fun-ciona por empatia; inversamente, encontra--se o actor capaz de dominar e simular estas emoções, «maravilhosa marioneta a quem o poeta puxa os cordelinhos e à qual indica, a cada linha, a verdadeira forma que deve assumir» (Diderot, Paradoxe du comédien, 1775). O cinema apenas amplifi cou esta tipologia de origem teatral que opunha duas grandes famílias de actores, os mons-tros sagrados e os actores camaleões. Os primeiros vêm frequentemente do teatro, como Emile Jannings, Harry Baur, Louis Jouvet ou Gérard Depardieu. Os segundos, com um talento menos excessivo, podem adaptar -se a universos de autores muito diferentes, como por exemplo Conrad Veidt, Spencer Tracy, Charles Vanel ou Alain Delon.

O cinema vem trazer a esta classifi cação um nível suplementar ao poder recorrer a actores não profi ssionais. Estes são instrumentos do realizador, que explora a natureza física do intérprete (corpo, gestos e voz) no sentido desejado. Neste caso, existem também níveis muito diferentes uns dos outros, desde o amador que interpreta um papel (os actores amadores de Jacques Rozier ou de Eric Rohmer) àquele que interpreta o seu próprio papel (as «pessoas reais» utili-zadas por Godard, como Fritz Lang em Le Mépris (O Desprezo), ou Raymond Devos em Pierrot le fou (Pedro o Louco), ou as personagens do cinema directo, como os pescadores do Saint -Laurent em Pour la suite du monde de Pierre Perrault).

O estilo de representação do actor pode assim permitir a defi nição de evoluções estilísticas na história do cinema. O ci-nema primitivo recorria a fi gurantes não profissionais que eram utilizados pela sua silhueta. O fi lme de arte marca uma primeira entrada dos actores de teatro no campo cinematográfi co, e mais tarde a re-alização propõe intérpretes especifi camente formados para o cinema, assim se opondo

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a uma teatralidade julgada demasiado impura. Robert Bresson, a partir de Un condamné à mort s’est échappé (Fugiu um Condenado à Morte), recusa utilizar para o seu «cinematógrafo» actores profi ssionais e opta por «modelos» escolhidos pela sua voz, o seu corpo e a sua docilidade.

Enfi m, propôs -se privilegiar o papel dos actores na efi cácia dramática e mesmo na leitura dos fi lmes, chegando a substituir -se a «política dos autores» por uma «política dos actores» (Luc Moullet), em que o actor teria primazia sobre o realizador, como “valor acrescentado” da sua interpretação.

Alguns trabalhos recentes tentaram aprofundar a análise do actor de cinema, fazendo o balanço das teorias anteriores e da direcção de actor. Em L’Acteur de Cinema, Jacqueline Nacache oferece um panorama de todos os problemas levantados pela questão do actor, a relação do actor com a personagem, o caso particular do actor americano, o estatuto do «não -actor».

➢ acção, Kulechov, paradoxo do comediante, STAR SYSTEM

Balázs, ; Brenez, ; Dyer, ; Eisenstein, -, ; Gau-teur & Vincendeau, ; Kulechov, ; Lindsay, -; McGilligan, ; Morin, ; Moullet, ; Na-cache, ; Pavis, ; Pudovkine, ; Ray,

ACUSMÁTICOEste adjectivo de origem grega, que à partida designava as palavras do fi lósofo dissimulado por trás de uma tela, foi re-tomado pelo criador da música concreta, Pierre Schaeff er (1966), para caracterizar todos os sons ouvidos cuja fonte não é visível, já que está oculta.

O som cinematográfi co é por natureza acusmático pois chega ao espectador separa-damente da imagem, através do altifalante escondido atrás ou ao lado do ecrã (Chion). O sincronismo é o processo que vem então «desacusmatizar» o som, ancorando -o a

uma fonte visual, encarnando a voz num corpo. Todavia, o cinema sonoro aproveita ao máximo as virtualidades acusmáticas do som cinematográfi co (voz off , música não diegética, alucinações auditivas, etc.).

➢ ancoragem, campo, OFF, som, so-noro

Chion, , ,

ADAPTAÇÃOA noção de adaptação está no centro das discussões teóricas desde as origens do cinema, já que se encontra ligada às questões da especifi cidade e da fi delidade. A prática da adaptação é tão antiga quan-to os primeiros fi lmes. L’Arroseur arrosé (Lumière, 1895) adapta uma série cómica que havia aparecido anteriormente nos jornais; o fi lme de arte, em 1908, marca o início de uma longa série de adaptações cinematográfi cas de peças de teatro e de romances célebres.

Neste sentido, adaptação é uma noção difu-sa, pouco teórica, cujo principal objectivo é avaliar ou, nos melhores casos, descrever e analisar os processos de transposição de um romance para um argumento e depois para um fi lme: transposição das personagens, dos locais, das estruturas temporais, da época em que se situa a acção, da sequência dos acontecimentos narrados, etc. Esta descrição frequentemente avaliativa permite apreciar o grau de fi delidade da adaptação, ou seja, recensear o número de elementos da obra inicial conservados no fi lme.

Os primeiros críticos de cinema durante os anos vinte sublinharam a especifi cidade da arte cinematográfica e condenaram as obras saídas de adaptações demasiado próximas do original, nomeadamente de peças de teatro. Na escola dos Cahiers du Cinema, após a guerra, defendia -se pelo contrário a adaptação como meio paradoxal de reforçar a especifi cidade cinematográfi ca (Bazin, 1948); por isso a adaptação deve evitar procurar os «equivalentes» fílmicos das formas literárias, e fi car antes o mais

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próximo possível da obra de que partiu (Tuff aut, 1954).

Desde então, a crítica admitiu a possibili-dade da adaptação, e os fi lmes dividem -se entre literalidade mais ou menos absoluta e procura de «equivalentes» que transponham a obra, seja transportando a acção para outros locais ou épocas (A Carta, Oliveira, 1999), seja transformando as suas persona-gens (Morte a Venezia [Morte em Veneza], Visconti, 1970; Le Mépris [O Desprezo], Godard, 1963), seja enfi m procurando um meio fílmico de transmitir a própria escrita (Le temps retrouvé, Ruiz, 1999).

A noção de escrita cinematográfi ca de-sempenhou um papel importante na modifi cação da problemática tradicional da adaptação, enfatizando os processos significantes próprios a cada um dos meios de expressão em causa: as palavras para o romance, a representação verbal e gestual para o teatro, as imagens e os sons para o cinema. É a narratologia, e depois a linguística generativa, que conferem à adaptação um novo estatuto teórico: esta é então concebida como uma operação de transcodifi cação.

➢ clássico, diegese, especificidade, ficção, narração, tema

Bazin, .ª, -, vol.; Blues-tone, ; Chatman, ; Colin, ; Eisenstein, ; Fuzellier, ; Gar-dies, ; Gaudreault, .ª; Guitry, ; Herman, ; Kracauer, ; Ropars -Wuilleumier, ; Serceau, ; Truffaut, ; Vanoye,

AFÍLMICO«Que existe no mundo habitual, indepen-dentemente de qualquer relação com a arte fílmica, ou sem qualquer destino especial e original em relação com esta arte» (Souriau). Na perspectiva da escola de fi lmologia, este é em particular o grande critério distintivo do documentário, que representa «seres ou coisas existindo positivamente na realidade afi lmica», ao contrário do cinema de fi cção, que representa uma realidade profi lmica.

➢ filmologia, profilmica Souriau,

AFRHCA Association Française de Recherche sur l’Histoire du Cinéma (AFRHC, associação francesa de investigação da história do cinema) foi criada em 1984 por Jean A. Gili, Jean -Pierre Jeancolas e Vincent Pinel, segundo o modelo da anterior associação italiana, e presidida por Jean Mitry até 1988. Originalmente, era constituída por historiadores cinéfi los, como Raymond Chirat ou Jacques Lourcelles; mais re-centemente, reúne jovens investigadores universitários da área de história.

Desde a sua origem que publica a revista 1895, cuja fórmula se manteve até aos últimos números (mais de 50), bem como livros dedicados a personalidades (cineastas ou actores) ou a períodos até então menos conhecidos, como Louis Feuillade, Léon-ce Perret, Jacques de Baroncelli ou Jean Benoit -Levy. Duas colecções especiais são dedicadas aos estudos regionais (exemplo: o cinema na Alsácia) e às correspondências dos pioneiros (E. J. Marey, Léon Gaumont). Os estudos publicados incidem sobretudo na história do cinema francês, com uma preponderância marcada do cinema mudo (no entanto, um volume reuniu estudos sobre os anos 50). Estes trabalhos incindiam no início na história erudita e positiva, mas, no período recente, é visível um esforço de problematização teórica, por exemplo com a publicação de jornadas de estudos sobre questões metodológicas (as fontes, os objectos e os métodos da história do cinema).

A história do cinema permanece muito marginal nos estudos históricos sobre o século XX, que se interessam sobretudo pelas indústrias culturais e pelas práticas do entretenimento, e, num eixo diferente, pelo valor testemunhal das imagens registadas (guerras e genocídios contemporâneos, por exemplo). Contudo, desde há 15 anos que se nota um claro progresso dos estudos

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históricos sobre o cinema, cuja legitimi-dade é mais reconhecida. Esta evolução é visível no próprio seio da AFRHC, pelo perfi l profi ssional dos seus responsáveis e pela sua política de co -edição.

➢ arquivo, história do cinema, pa-trimónio

Bertin -Maghit, , ; Bessière e Gili, ; Gauthier, ; Vignaux, , ; revista 1895.

ALARGADO (cinema)Tradução da expressão inglesa «expanded cinema», que designa qualquer forma de espectáculo cinematográfi co na qual algo é acrescentado à simples projecção de um fi lme no ecrã. O termo foi proposto em 1970 por Gene Youngblood num livro sintomaticamente prefaciado pelo arquitecto e urbanista visionário Buck-minster Fuller; designava as formas então balbuciantes daquilo a que se chamaria as «novas tecnologias» – computadores, vídeo, fi lme abstracto, cinema «cibernéti-co» e hologramas animados – e toda uma série de formas de exibição de fi lmes em condições «alargadas»: acompanhadas de performances, sobre vários ecrãs, etc. Todas estas formas foram depois desenvolvidas, quer no meio da arte e do museu (desde há dez ou quinze anos que muitas obras de arte incluem imagens móveis de uma forma ou de outra), quer em certos meios cinéfi los, em que fi lmes deram lugar a manifestações paralelas à projecção (o exemplo mais notório é Th e Rocky Horror Picture Show).

➢ experimental, projecção, SYNCI-NÉMA

Youngblood,

ALTERNÂNCIAA alternância é desde logo um princípio geral. Num fi lme ela começa logo que surge, com uma certa regularidade, a repetição de um plano ou de um conjunto de planos segundo a estrutura de base ABABAB, etc.

Esta estrutura muito simples, classicamente utilizada para representar uma perseguição, pode ser complexifi cada fazendo variar in-fi nitamente os dados espácio -temporais dos planos considerados. Assim, a perseguição supõe uma certa contiguidade espacial (o espaço do perseguido não deve ser muito distante do espaço do perseguidor) e uma relação temporal de simultaneidade. Foi o esquema de alternância que deu lugar às primeiras fi guras da montagem cinemato-gráfi ca. David W. Griffi th (O Nascimento de uma Nação, 1915) desenvolveu -a sistemati-camente a fi m de produzir e de intensifi car o «suspense» cinematográfi co.

A montagem alternada deve ser distingui-da da montagem paralela. A classifi cação proposta por Metz na sua tabela dos sin-tagmas fílmicos (1968) permite diferenciar claramente três tipos de alternância com base em três critérios:– as séries sem relação cronológica são designadas «sintagmas paralelos»;– as séries cronológicas que exprimem re-lações de simultaneidade são os sintagmas descritivos;– as séries cronológicas que exprimem relações de sucessão são os sintagmas alternados propriamente ditos.Na poesia clássica, o termo designa o en-trelaçamento regular de rimas masculinas e femininas. Num eco longínquo desta regra, Bellour propôs o termo «rima» para designar o jogo de alternâncias e repetições de séries de imagens no cinema clássico americano.

➢ bloqueio simbólico, grande sintag-mática, montagem, paralela, planifi-cação (DÉCOUPAGE)

Bellour, ; Burch, ; Metz,

AMENGUAL (Barthélemy)(1919 -2005)

Barthélemy Amengual foi um dos grandes críticos franceses de cinema, dos anos 50 até ao fi nal do século XX. A sua carreira foi,

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portanto, muito longa, mas está longe de gozar da notoriedade de André Bazin, apesar do número imponente dos seus artigos e publicações monográfi cas. Uma grande antologia de mais de 1000 páginas dos seus principais textos foi, porém, publicada em 1997 por Suzanne Liandrat -Guiges, com o título Du Réalisme au cinéma.

Tal como André Bazin, Barthélemy Amen-gual foi fundador e animador de cineclubes. Dirigiu o cineclube de Argel entre 1947 e 1962 e colaborou como crítico em muitas publicações, desde a Alger républicain até aos Études cinématographiques, passando pelos Cahiers du cinéma, Positif e Les Cahiers de la Cinémathèque. As suas referências teóricas pertencem sobretudo ao realismo crítico, tal como o entendia a estética marxista de Georges Lukacs. Mas Amengual depressa se libertou desse quadro para desenvol-ver uma abordagem meticulosa e muito inventiva das obras por si seleccionadas. Amengual leu de forma muita atenta os textos teóricos dos cineastas soviéticos dos anos 20 e, depois, os dos críticos e argumentistas do neo -realismo italiano. Traduziu e deu a conhecer numerosos textos publicados em Itália, nomeadamente os de Guido Aristarco («Marx, o cinema e a crítica de fi lme»), crítico com o qual manteve um diálogo ideológico muito fecundo. Privilegiou sempre um cinema comprometido, mas que põe em primeiro plano as preocupações formais.

Amengual aprofundou a sua abordagem a partir de quatro corpus complementares: o cinema hollywoodiano da época clássica, de Griffi th a Vidor e a Welles; as diversas estéticas do cinema soviético dos anos 20, em torno da Feks, de Pudovkine, Dovjenko e Eisenstein, a quem dedicou um livro extenso; o cinema italiano do neo -realismo, de Zavattini a Pasolini e a Bertolucci; por fi m, os novos cinemas dos anos 60, incluindo a Nouvelle Vague fran-cesa. Foi um dos melhores descobridores e analistas dos novos cinemas polaco, grego, brasileiro e alemão desse período, que ele

situou nas principais correntes da história formal dos fi lmes.

Barthélemy Amengual não é propriamente um teórico do cinema, ainda que o con-ceito de realismo atravesse todos os seus textos críticos. É sobretudo um analista de fi lmes e um historiador das formas, o que é ainda mais raro. Dedicou monografi as críticas a Charles Chaplin, René Cair, G. W. Pabst, Vsevolod Pudovkine, Alexandre Dovjenko e S. M. Eisenstein, mas devemos reter também os seus longos textos dedi-cados a três fi lmes de Godard e à obra de Jean Eustache. Foi também autor de um precioso livro de introdução à estética do cinema: Clefs pour le cinéma.

➢ história do cinema, marxismo, realismo

ver Bibliografia

ANALEPSEComo a ordem dos planos de um fi lme é indefi nidamente modifi cável, pode -se, num fi lme narrativo, fazer suceder a uma sequência outra sequência que relata acon-tecimentos anteriores: diz -se então que se «volta para trás» (no tempo).

Esta fi gura narrativa é a mais banal das fi guras que consistem em apresentar a nar-rativa numa ordem que não é a da história. Existem outras análogas, por exemplo a inserção, num ponto da narrativa, de uma sequência que relata acontecimentos posteriores aos das duas sequências que a rodeiam (se esta inserção for breve, fala -se de fl ash -forward, salto brusco para a frente). De uma forma mais geral, a cronologia pode ser reorganizada, por vezes subvertida, sem sair do modelo narrativo – ainda que, por vezes, a compreensão do tempo da narrativa se torne difícil (ver L’Homme qui ment, de Alain Robbe -Grillet, 1968, ou Je t’aime je t’aime, de Alain Resnais, 1968).

A possibilidade destas discrepâncias entre tempo da história e tempo da narrativa foi compreendida pelo cinema desde muito cedo. Encontramos o salto para o passado

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ou para o futuro nas primeiras «tabelas de montagem» (catálogos dos tipos de montagem) dos teóricos russos dos anos 20, nomeadamente Timochenko. Rudolf Arnheim (1932) desenvolveu a questão ao recensear três grandes categorias de relações temporais na montagem: a simultaneidade, o salto para o passado ou para o futuro, a «indiferença» temporal. Noël Burch (1969) introduz outra distinção, entre o «pequeno regresso atrás» de um plano ao seguinte (por exemplo, na «montagem cubista» de alguns fi lmes de Eisenstein, processo mais de ordem expressiva do que narrativa) e o «regresso atrás indefi nido» (de ordem totalmente narrativa, especifi cado por indicações ad hoc – cartões, diálogos – ou por simples implicação lógica). Em todos os casos, a compreensão do facto de haver regresso atrás passa pela compreensão da narrativa: não se trata de uma fi gura formal, e um espectador que entre na sala no meio de uma sequência em fl ashback ou fl ash forward não tem qualquer meio de se aperceber disso (Metz).

➢ narrativa, narratologia Arnheim, ; Burch, ;

Mouren, ; Riniéri,

ANÁLISE (TEXTUAL)Analisa -se um fi lme quando se produz uma ou várias das seguintes formas de comentário crítico: a descrição, a estru-turação, a interpretação, a atribuição. O objectivo da análise é sempre o de chegar a uma explicação da obra analisada, ou seja, à compreensão de algumas das suas razões de ser. Assim, ela é tanto obra do crítico atento à fundamentação do seu julgamento, como do teórico empenhado em elaborar um momento empírico do seu trabalho conceptual; mas pode constituir também, por si mesma, uma actividade autónoma, paralela à crítica mas sem o carácter avaliativo desta.

Cita -se correntemente como primeiro exemplo histórico a análise, pelo próprio realizador, de um excerto de catorze planos

do Couraçado «Potemkine» (Eisenstein, 1934), trabalho que, apesar das limitações devidas à sua relativa brevidade e à sua intenção apologética, esboça para a análise pelo menos três direcções promissoras:– a análise da montagem e dos efeitos sequenciais, que viria a ser essencial para a semiologia estrutural (Bellour, Kuntzel, Chateau e Jost);– a descrição plástica dos planos, e da composição, num sentido quase musical, das relações de plano a plano – preocupação que seria retomada, com transformações, nos anos 80 e 90;– por fi m a preocupação dos realizadores mais «teóricos» (ou simplesmente, conscien-tes da sua arte) em ilustrar a sua concepção do cinema com exemplos analíticos, de Hitchcock a Godard (este transformou as suas auto -análises em verdadeiros ensaios fi lmados).Com excepção desses poucos casos de cineastas, a análise foi quase sempre um feito – entre outras razões, também pelo tempo que exige – de profi ssionais; daí o motivo pelo qual ela foi tão frequen-temente considerada uma variante da actividade teórica. Isso explica também que o método analítico, assim como a refl exão metodológica, tenham sido linhas paralelas à evolução das ideias dominantes na teoria. A análise de Eisenstein estava profundamente impregnada, apesar de este o não admitir, das ideias dos formalistas russos sobre a obra de arte. Em língua francesa, as primeiras análises longas e precisas de Raymond Bellour (1969, 1975), acompanharam exactamente a elaboração de uma semiologia estrutural do cinema: o fi lme segmentado em lexias (no sentido que Barthes deu a este termo em 1970) era considerado uma actualização particular de códigos mais gerais (Kuntzel, 1973); a análise visava constituir um sistema «textual» do filme, correlacionando os diferentes níveis de codifi cação (ver, por exemplo, a análise de um fi lme comple-to, 2001, Odisseia no Espaço, de Stanley

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Kubrick, 1968, por Dumont e Monod, segundo esta perspectiva totalizante, e em referência expressa a um dos iniciadores do estruturalismo, Claude Lévi -Strauss).

Este ideal estruturalista (remotamente oriundo, e sem que isso tenha sido percebido na época, do precursor da interpretação do texto no sentido moderno, Schleiermacher) perdurou desde então, sob diversas formas nem sempre afi rmadas. Encontramo -lo também nas análises narratológicas (Ver-net, Vanoye), na análise das variações do ponto de vista (Jost) e ainda nas vastas pesquisas descritivas dos «neo -formalistas» (Bordwell -Staiger -Thompson). Na sua vertente «autorista» bem como na vertente «sociologista», a análise de fi lmes consiste ainda, a maior parte das vezes, em procurar no próprio texto, na sua estruturação e na sua relação com as condições da própria génese, a explicação da sua forma e da sua relação com o espectador.

Em paralelo desenvolveram -se outras correntes analíticas. Inicialmente, vinda da abordagem semiológica, desenvolveu -se uma orientação interpretativa de inspiração psicanalítica mais ou menos estritamente freudiana (a maior parte das vezes com uma coloração lacaniana) que conduziu as análises a uma apresentação nitidamente interpretativa (ver as análises dos fi lmes de Hitchcock feitas por Bellour, 1975, 1979), conservando embora por vezes a noção de sistema textual (ver o importante texto de S. Heath sobre Touch of Evil, A Sede do Mal). A interpretação ganhou ainda um lugar de destaque em numerosos traba-lhos – por vezes mais preocupados com o estilo do que com a metodologia – de inspiração «desconstrucionista» (Ropars, Conley, Leutrat), em que já não se procura explicar o fi lme segundo as suas próprias regras, mas segundo as de uma instância «escritural» que implica conjuntamente o analista e o texto analisado.

Mais recentemente, e sob a infl uência, primeiro de Jean Louis Schefer, e depois de investigadores inspirados por ele (nomeada-

mente Brenez, Didi -Huberman, Dubois) a análise preocupou -se em tratar nos fi lmes as potencialidades fi gurativas, e não somente as narrativas ou representativas. Esta via muito fecunda inspirou no entanto mais análises do que teorizações gerais.

Por fi m, tal como a crítica e a análise das obras de arte em geral, a análise de fi lmes foi também, durante todas estas épocas, e em círculos pouco preocupados com a teoria, um exercício projectivo, em que o analista, que por vezes se dá ares de exegeta (ver Douchet, 1967, sobre Hitchcock), se torna um «hermeneuta», no sentido muito particular que esta palavra tomou numa corrente fi losófi ca saída do existencialismo (Ricoeur, Gadamer).

➢ código, estruturalismo, grande sintagmática, hermenêutica, interpre-tação, lexia, psicanálise, semiologia, sistema, texto

Aumont, ; Baiblé -Marie -Ropars, ; Barthes, a, c, ; Baudry, ; Bellour, , ; Bordwell, ; Bouvier -Leutrat, ; Brenez, ; Browne, ; Burch, ; Dubois; a; Dumont & Monod, ; Eisenstein, a; Fer-ro, ; Heath, ; Jullier, b, c; Kuntzel, , a; Lagny, ; Leutrat, , a & b; Ropars--Wuilleumier, , ; Simon, ; Thompson, ,

ANALOGIASemelhança parcial entre duas coisas que não se assemelham no seu aspecto geral.

1. Analogia e história das imagens

O valor analógico das imagens foi -lhes sempre consubstancial, desde as primeiras gravuras ou desenhos parietais paleolíticos: o homem sempre procurou, entre outros objectivos, evocar nas suas produções em imagem a semelhança com o que vê à sua volta. Todavia, em todas as produções «primitivas» este valor de semelhança raramente é o mais importante, e a ima-

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gem (o desenho, a escultura, a incisão) é geralmente utilizada para fi ns mágicos, religiosos ou, de forma mais ampla, como meio de interpretar o mundo e a presença humana no mundo (Schefer, 2000).

Atribuir às artes representativas a função de reproduzir qualquer dado da experiência visível não signifi ca portanto que se renuncie a outros valores; mas a representação na Europa ocidental elaborou desde a Renas-cença, e mais ainda a partir do século XIX, um cânone de «fi delidade» às aparências visíveis. As etapas mais conhecidas e mais marcantes desta história são a invenção da perspectiva linear no início do século XV (Alberti), as diversas experiências com a representação dos efeitos luminosos nos séculos XVI e XVII, e as tentativas do século XIX para fi xar o momento que passa (a fotografi a, o impressionismo).

O cinema foi inventado no momento histórico em que a pintura abandonava a analogia como valor supremo, e recebeu, em boa medida, a herança desta tradição. Apoiando -se na constatação empírica da forte impressão de realidade produzida pelo fi lme, vários teóricos viram aí o último pon-to de uma história das artes representativas concebida como aspiração a uma cada vez maior analogia (Bazin, 1946). A partir da mesma constatação, mas com pressupostos contrários, outros criticaram a tendência do cinema para ir no sentido da analogia e de um realismo limitado à reprodução fi el das aparências – fosse em nome de uma concepção «materialista» (Eisenstein, Vertov, Comolli, Bonitzer), fosse em nome de uma concepção formalista, ela mesma podendo apoiar -se numa concepção do cinema como discurso (Eisenstein), arti-culação de estruturas (Burch), estilização da realidade (Arnheim) ou arte abstracta e plástica (Brakhage).

2. Analogia e convencionalidade

Assim, a analogia não é um fenómeno natural: toda a representação é um arte-facto, que assenta em convenções, mesmo

nas representações que parecem reproduzir automaticamente a realidade, como é o caso das imagens fotográfi cas, cinematográfi cas, ou videográfi cas. Podemos sempre agir sobre uma representação, modificando alguns dos seus parâmetros (na fotografi a o diafragma ou o tempo de exposição, mas também o enquadramento, a distância, etc.). No entanto, estas convenções não se encontram todas ao mesmo nível, pois algumas parecem mais «naturais» que outras (Gombrich); a perspectiva linear pode assim parecer mais natural (por estar mais próxima do «mecanismo» da visão) que a organização simbólica do espaço nos ícones bizantinos.

Sendo artifi cial e convencional, a analo-gia não é nem perfeita nem total. Existe aquilo a que podemos chamar índices de analogia, alguns mais universais. Estes índices são quer de ordem perceptiva (e estão então mais próximos do absoluto: é o caso da perspectiva, e também do movimento aparente no cinema), quer de ordem cultural (são mais relativos: citemos o exemplo maciço da reprodução das cores).

Deste modo, a analogia nunca é uma questão de «tudo ou nada»; ela é produzida gradativamente, dependendo do número de índices de analogia envolvidos, e da sua qualidade (esta ideia foi expressa, no vocabulário semiológico, em termos de combinações de códigos de analogia; cf. Metz, Bergala, Gauthier). Por exemplo, o daguerreótipo, que foi recebido aquando da sua invenção (cerca de 1840) como analogicamente muito mais perfeito do que a pintura, não o é senão do ponto de vista de certos índices (a perspectiva, a precisão das gradações de luz, por exemplo); em contrapartida é muito menos perfeito se considerarmos a reprodução das cores, e a imagem cinzenta não é aceitável como analógica senão: 1. graças ao poder de outros índices; e 2. graças à existência de uma tradição cultural da imagem a preto e branco (gravura, desenho).

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Da mesma forma, o cinema produz índices de analogia poderosos (porque são direc-tamente de ordem perceptiva), que por vezes fi zeram esquecer que muitos outros dos seus índices de analogia são totalmente convencionados (cor, montagem).

➢ ideologia, ilusão, impressão de re-alidade, perspectiva, real, realismo, representação, reprodução

Arnheim, ; Bazin, -; Bergala, ; Bonitzer, ; Comolli, -; Gauthier, ; Kracauer, ; Metz, ; Schefer, ; Ver-tov,

ANCORAGEMAncorar signifi ca fi rmar, fi xar solidamente. Barthes (1964) propôs o termo ancoragem para designar uma das funções da men-sagem linguística em relação à mensagem icónica. Toda a imagem, sendo polissé-mica, implica uma «cadeia fl utuante de signifi cados» de que o leitor pode escolher alguns e ignorar os outros. No cinema, as imagens que ele qualifi ca de «traumáticas» estão ligadas a uma incerteza, ou a uma inquietude sobre o sentido dos objectos ou das atitudes. A mensagem linguística tem portanto como função principal fi xar a cadeia fl utuante dos signifi cados.

A função denominativa corresponde de facto a uma ancoragem dos sentidos possíveis do objecto, recorrendo a uma nomenclatura. Diante de uma imagem de publicidade, por exemplo, é a legenda que escolhe o nível certo de percepção. A um nível mais simbólico, a mensagem linguística já não guia a identifi cação mas a interpretação. O texto dirige o leitor entre os signifi cados da imagem, faz com que evite uns e receba outros. A ancora-gem é portanto uma espécie de controlo, face à capacidade projectiva das fi guras detém uma responsabilidade sobre o uso da mensagem.

Esta função de ancoragem é frequente na fotografi a de imprensa e na publicidade;

distingue -se da função de revezamento em que palavra e imagem estão numa relação de complementaridade. Esta palavra -testemunho torna -se muito im-portante no cinema, onde o diálogo não tem uma função simples de elucidação mas faz avançar a acção apresentando na sequência das imagens sentidos que não se encontram na imagem. Da mesma forma, no cinema mudo, os intertítulos e todas as menções gráfi cas contribuem para ancorar as signifi cações visuais na diegese e por vezes mesmo ao nível alegórico da mensagem visual, como por exemplo em Griffi th ou Gance.

➢ banda imagem, banda som, Barthes, significação

Barthes, ; Joly, ; Metz, a

ANIMAÇÃOUtiliza -se este termo para designar as formas de cinema nas quais o movimento aparente é produzido de forma diferente da simples fi lmagem analógica. A técnica mais frequente consiste em fotografar, um a um, desenhos cujo encadeamento produzirá automaticamente a impressão de movimento, em virtude do «efeito phi». O grande problema da indústria do «desenho animado» foi tornar estes encadeamentos tão suaves como os do cinema «fotográfi -co», numa perspectiva fundamentalmente realista. Para isso imaginaram -se diversas técnicas, sendo a mais importante a do desenho em folhas de celulóide sobrepostas («cel technique»), permitindo guardar alguns elementos de um fotograma para o seguinte e modifi car apenas as partes móveis. Esta técnica foi geralmente rejeitada pelos ar-tistas que realizaram fi lmes de animação, por se orientar demasiado no sentido do realismo; estes preferiram -lhe técnicas que sublinham mais a passagem de uma imagem à seguinte (cf. Robert Breer), ou que exigem um trabalho mais essencial da mão (como o «écran d’épingles» (ecrã de alfi netes) de Alekxandr Alekxeiev).

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O filme de animação foi muitas vezes considerado pelos teóricos, por um lado, como uma espécie de laboratório fi gurativo, levando ao seu máximo as possibilidades da imagem em movimento, e por outro, como um revelador ideológico do cinema em geral (dado que em particular considera--se o género «desenho animado» destinado às crianças).

Num livro recente, Sébastien Denis faz a síntese sobre as técnicas de animação e esforça -se por percorrer todos os seus domínios de aplicação, da publicidade à propaganda, aos efeitos especiais e ao cinema experimental.

➢ analogia, efeito phi, movimento aparente

Denis, ; Eisenstein, -; Joubert -Laurencin, ; Thomas & Johnston, ; Thompson,

ANTROPOLOGIAO recurso à antropologia produziu, pelo menos em França, duas abordagens do cinema muito diferentes, uma ligada a uma perspectiva mais geral, de carácter eminentemente epistemológico (a socioan-tropologia de Edgar Morin), a outra muito mais pragmática, centrada na utilização do fi lme como meio de investigação et-nológica (escola de Jean Rouch, Claudine de France).

Morin (1956) tentou um «ensaio de an-tropologia sociológica». A sua tese central é que não se deve separar, para estudar o cinema, o aspecto arte do aspecto indús-tria. O cinema é com efeito uma máquina industrial muito particular, já que é uma máquina para produzir imaginário. Ele coloca à antropologia, enquanto modo de produção de signifi cados e de emoções, problemas específi cos porque é frequen-temente vivido no modo da intensidade alucinatória. Morin interessa -se antes de mais pelo carácter mágico do cinema, ca-rácter que os estudos sociológicos clássicos, conduzidos com base em questionários,

estudos de públicos, conteúdos temáticos, etc., não contemplam de todo. Para ele o universo cinematográfi co moderno ressus-cita o universo arcaico dos duplos graças à técnica fotográfi ca da reprodução do movimento. É neste sentido que o cinema ressuscita o homem imaginário, dá dele precisamente a sua realidade de imagem. Ele é portanto o lugar ideal de confusão e de apreensão do real e do imaginário, de relação entre a modernidade e o arcaísmo: «lá, no, para, pelo cinema, é o deslum-bramento do universo arcaico de duplos, fantasmas, possuindo -nos, envolvendo -nos, vivendo em nós, para nós, a nossa vida não vivida, alimentando a nossa vida vivida de sonhos, desejos, aspirações, normas; e todo esse arcaísmo ressuscitando sob a acção totalmente moderna da técnica maquínica, da indústria cinematográfi ca, e numa situação estética moderna.»

A perspectiva antropológica da Escola do Museu do Homem é bastante diferente. Sob a infl uência dos autores anglo -saxónicos, ela promove uma antropologia cultural que tem por objecto o estudo comparativo das diferentes culturas humanas. O ponto de partida da antropologia visual poderia ser caracterizado por uma declaração de Pasolini citada por Marc Henri Piault: «A vida inteira, no conjunto das suas acções, é um cinema natural e vivo: nisso ela é linguisticamente o equivalente da língua oral no seu momento natural ou biológico» (1976). O cinema antropológico, posto em prática desde o início do kinotógrafo, é uma empresa concertada para reter as especifi cidades de comportamento e pro-mover um estudo comparativo sistemático das atitudes físicas e do movimento. Como indica Rouch: «No início deste século, a paixão era racionalista e positiva. O estu-do das sociedades «primitivas» permitia observar os comportamentos humanos nos diferentes estádios da história da humanidade: os «sobreviventes da idade da pedra» na Austrália ou no deserto do Kalahari; as «civilizações das colheitas» nos pigmeus da grande fl oresta; os clãs

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«paleonegríticos» dos caçadores Somba ou Lobi; os pastores e nómadas Peul e Tuaregues; as feudalidades medievais Mossi ou Haoussa…». Reconhecem -se aqui as propostas sobre os estádios da civilização estabelecidas por Lewis Henry Morgan, depois retomadas e modernizadas de uma forma menos estritamente evolucionista e hierarquizante por André Leroi -Gourhan. Este é o programa do cinema da antro-pologia visual, dos etnólogos brasileiros (fi lmes do Major Reis, tais como Sertões do Mato Grosso, 1913 -1914, primeiro fi l-me realizado com os índios Parecis e os Nambiquaras), aos australianos (fi lmes de Ian Dunlop, como People of the Australian Western Desert, 1966 -1969) e aos americanos (fi lmes de Sol Worth sobre os Navajos, ver artigo «Worth»).

➢ ideologia, Morin, sociologia, Worth

Colleyn, ; De France, , Dunlop, ; Hockings, ; Morin, ; Piault, ; Worth, ,

ARGÊNTICAFala -se de fotografi a (e por vezes de cinema) «argêntica» para designar uma fotografi a registada numa película, por oposição à fotografi a (ou cinema) «digital», registada num disco rígido.

➢ digital Pinel,

ARGUMENTOO termo (scénario no original francês), é de origem italiana e pertence ao vocabulário do teatro, mas emigrou para as práticas técnicas do cinema a partir dos anos de 1910. É um documento narrativo que descreve aquilo que será fi lmado. O argumento pode conter diálogos e diferencia -se da planifi cação pela sua forma literária e pelo facto de a narrativa ser nele fragmentada em cenas e não em planos. Mas a elaboração de uma argumento cobre frequentemente etapas muito diferentes do trabalho de preparação:

distingue -se então a sinopse, o tratamento, a continuidade e a planifi cação. Cada uma das etapas adiciona pormenores tanto no plano narrativo como no técnico.

Distinguiram -se duas grandes formas de argumento: o «argumento modelo» e o «argumento programa». O primeiro instaura uma ordem mais directiva, dá indicações precisas de rodagem, «organiza as peripécias numa estrutura pronta a ser fi lmada» (Francis Vanoye); o segundo deixa um espaço mais ou menos importante aos acasos e à improvisação, aquando da preparação e da rodagem.

➢ continuidade, diálogo, narrativa, sinopse

Biegalski, ; Chion, , ; Törok, ; Vanoyye, ,

ARNHEIM (Rudolph)Psicólogo, fi lósofo, historiador de arte, crítico de cinema e, de forma mais geral, dos media, Rudolph Arnheim é autor de numerosos artigos e de um livro (1932) que oferecia na época do aparecimento do cinema sonoro, uma estética e uma psicologia do cinema.

Certas passagens desse livro estão hoje datadas, nomeadamente as que são con-sagradas ao «conteúdo» dos fi lmes. Em contrapartida é de reter a tese dos «factores de diferenciação»: se o cinema pode ser uma arte, é -o na condição de ultrapassar a desvantagem inicial que constitui a sua capacidade de reprodução fotográfi ca, ou seja automática, do real; todo o ilusionis-mo e todo o naturalismo são de evitar em absoluto, e os meios artísticos do cinema devem ser ao contrário procurados naquilo que o diferencia de uma simples reprodução do mundo visível. Ausência de cor, ausência de som, ausência de conti-nuidade espácio -temporal, limitação física da imagem, etc.: todas estas limitações são de facto os factores que permitem ao cinema tornar -se uma arte, ou até mesmo que o forçam a isso.

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Logicamente Arnheim opôs -se, violen-tamente, ao cinema falado, que surgira pouco antes da publicação do seu livro, e que tinha contra ele o defeito redibi-tório de puxar o cinema na direcção da analogia banal. Emigra para os Estados Unidos em 1938, prosseguindo aí uma carreira universitária de historiador da arte e psicólogo da arte, mas não volta a escrever sobre cinema. Em contrapartida traduz a sua obra para inglês, numa versão revista que edulcora consideravelmente as teses, perdendo por isso grande parte do seu interesse (infelizmente foi esta versão tardia que se traduziu para francês).

Em todos os seus trabalhos Arnheim defende uma concepção gestaltista dos fenómenos perceptivos e psicológicos: se o fi lme pode produzir sensações análogas às que afectam a nossa vista, fá -lo sem o efeito corrector dos processos mentais, porque lida no estado bruto com o que é materialmente visível, e não com a esfera propriamente humana do visual.

➢ Bazin, Cavell, correspondência das artes, factores de diferenciação, Gestalt, Kracauer, palavra

Ver bibliografia final em Arnheim; Stephenson e Debrix,

ARQUIVOSUm arquivo é uma colecção de peças, documentos e dossiês antigos. Desde os primeiros anos do Cinematógrafo que houve a preocupação de conservar fi lmes e documentos que lhe estavam ligados (a brochura de Boleslas Matuszewski, «Uma Nova Fonte da História», é publicada em Paris em 1898). Os primeiros arquivos franceses são militares ou municipais (o Service cinématographique des armées, em 1916 -17, a Cinémathèque de la Ville de Paris, em 1923).

A maioria das cinematecas dos anos 30 teve origem em cineclubes e interessava -se sobretudo pela conservação do património artístico mudo. No entanto, a federação

internacional, criada em 1938, assume o título de Federação Internacional dos Arquivos do Filme (FIAF), pois reúne estruturas de estatutos diferentes, cine-matecas de iniciativa privada (França), de Estado (Alemanha, Grã -Bretanha), e secções especializadas de Museu (Nova Iorque).

Entre a natureza dos documentos, deve -se distinguir os suportes em película e os suportes em papel, aquilo a que os profi s-sionais dos arquivos chamam o «fi lme» e o «não fi lme». Os grandes arquivos nacio-nais possuem técnicas de conservação dos suportes em papel, fotografi a, estampas, desenhos, mas a quantidade representada pelos stocks de fi lmes em película de 35 mm, sobretudo em nitrato de celulose, levantou sempre graves problemas de conservação e de armazenamento. É uma das razões, com a obsessão da «nacionalização» das colecções por parte dos produtores e dos distribuidores, que explicam o atraso da aplicação em França do depósito legal para os fi lmes e documentos audiovisuais.

Em França, o depósito legal dos fi lmes em película é actualmente gerido pelos Archives du fi lm e o das produções televisivas pelo Institut national de l’audiovisuel (INA). Evidentemente, a transição entre a película e o digital tem consequências sobre os objectivos das instituições encarregadas de conservar os arquivos. Além dos pro-blemas de volume de armazenamento e das condições técnicas de conservação, os arquivos têm de lidar também com os da catalogação e da consulta dos documentos. Uma colecção só é utilizável se estiver catalogada. A consulta e a disponibilida-de estão sujeitas a questões de natureza jurídica, pois os detentores dos direitos continuam a ser proprietários dos direitos da apresentação pública.

Se durante algumas décadas foram as colecções de fi lmes que concentraram a atenção dos investigadores e dos historiado-res, o período mais recente é marcado pela redescoberta da importância das colecções

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de «não fi lmes», argumentos, documentos de fi lmagem, cenários, fotografi as, etc.

Não há dúvida de que a conservação dos arquivos é a condição mínima de possibi-lidade de uma história do cinema.

➢ AFRHC, conservação, história do cinema, património

Borde, ; Mannoni, ; Matus-zewski, ; Païni, , ; Toulet, , Vernet,

ARTEExistem várias formas de defi nir em geral a noção de arte, mas relativamente ao cinema pelo menos três podem ser pertinentes:– uma defi nição institucional, que faz reco-nhecer como artística uma obra aprovada por uma instituição qualifi cada para isso, ou por um consenso social alargado;– uma defi nição intencional, que atribui qualidade artística às obras elaboradas por um artista (alguém que pretende fazer arte);– uma defi nição estética, que liga o valor artístico ao facto de provocar sensações ou emoções de um tipo particular. Ao reivindicar, rapidamente, o estatuto de arte, o cinema mostrou de novo, se neces-sidade houvesse, o carácter arbitrário ou pelo menos fortemente convencional destas defi nições. Do cinema de feira europeu ao nikelodeon americano, o cinema foi ini-cialmente um divertimento popular, numa época em que os artistas, mesmo os de vanguarda, não imaginavam poder dirigir -se ao povo. As instituições encarregadas de defi nir a arte, e nomeadamente a crítica (literária, teatral), tiveram portanto de início reacções muito negativas em relação ao cinema. Em resposta, este procurou a sua legitimidade na importação de formas de arte aceites: o fi lme de arte francês ou a Série de Ouro Russa, por volta de 1910, não passam de uma aclimatação das obras de arte reconhecidas, na esperança de trans-portar também um pouco da sua aura; do mesmo modo o expressionismo no cinema

alemão dos anos 20 procura um pouco do prestígio da pintura de vanguarda.

Todavia, logo após a primeira guerra mun-dial, vários críticos europeus procuraram defi nir e promover uma arte cinematográfi ca específi ca, que não imitasse as artes tradi-cionais; esta tentativa não pôde no entanto, de início, prescindir de uma referência a estas últimas, e ao defi nir o cinema como sétima arte (depois das artes do espaço, pintura, escultura, arquitectura e as artes do tempo, poesia, música, dança), Canudo (1927) retomava o sistema das belas -artes legado pela estética clássica. Do mesmo modo, quando Eisenstein desenvolve a ideia de que o cinema é uma «síntese» das outras artes, realizando o ideal do Gesa-mtkunstwerk pós -romântico, está ainda a ligá -lo à tradição.

Foi a partir de ideias completamente di-ferentes que se procurou realmente uma especifi cidade. Para Arnheim são os seus próprios «defeitos» o que defi ne o cinema enquanto arte, e são estes que é preciso trabalhar para o desenvolver como arte original. Muito distante do formalismo de Arnheim, Bazin acompanha -o na questão da especificidade, e define o cinema como arte do real (cuja história é emininentemente a do seu ganho em realismo). Depois dele, procurou -se na crítica europeia defi nir o cinema como arte da mise -en -scène1. De seguida a rei-vindicação artística enfraqueceu -se no seio do cinema industrial, que geralmente se contentou em passar, com o benefício da dúvida, por artístico, sem procurar explicar como nem porquê. Na crítica actual, ninguém duvida que um cineasta é um artista – mas esta asserção, antes polémica, tornou -se praticamente vazia de sentido pela atribuição, inversamente, do estatuto de artista a toda a gente, mes-mo aos realizadores mais desprovidos de invenção pessoal ou de talento particular para as imagens em movimento. Assim, o cinema junta -se fi nalmente à história da

1 Encenação (N.T.)

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arte do seu século – sendo o destino da arte em geral, com efeito, absolutamente paralelo: tudo se tornou arte.

➢ factores de diferenciação, for-malismo, encenação, realismo, espe-cificidade

Albera, ; Arnheim, ; Ba-zin, -, vol e ; Brakhage, -; Canudo, ; Chiarini, ; Cocteau, a e b; Creton, ; Dreyer, ; Dulac, , , ; Eisenstein, , ; Godard, , , ; Leutrat, , ; Perkins, ; Rohmer, ; Schefer, , ; Seldes, -; Tarkovski, -

ARTE E ENSAIONoção jurídica que defi ne o estatuto de algumas salas de cinema francesas. Estas salas recebem um subsídio do Estado e têm a seu cargo programar fi lmes esco-lhidos numa lista estabelecida segundo cinco critérios:– filmes que apresentam incontestáveis qualidades mas que não têm público;– fi lmes que têm um carácter de pesquisa e de novidade;– fi lmes que dão a conhecer a vida de países com produção limitada;– curtas metragens com carácter de pes-quisa;– reposições de fi lmes clássicos.Este estatuto jurídico das salas de Arte e Ensaio data de 1961, mas é consequência de um movimento cujas origens se situam nos anos vinte: «Cinéclub» de Louis Delluc, «Club des Amis du 7e Art» de Ricciotto Canudo, «Amis de Spartacus» de Léon Moussinac. A expressão «sala de ensaio» aparece no início dos anos 50, ligada à expansão dos cineclubes após a Liberta-ção. Estas salas benefi ciam de vantagens concedidas pelo Estado: preço livre nos bilhetes, subsídio automático calculado com referência à taxa especial gerada pelas receitas da sala.

Desde os anos 80, o número de salas clas-sifi cadas é superior a 850, ou seja, uma sala em cada seis em França. Esta etiqueta «Arte e Ensaio» é específi ca da exploração dos fi lmes em França. Trata -se de um conceito económico e jurídico radicalmente distinto das noções de fi lmes de Arte, de fi lmes sobre a arte e de fi lmes de artistas, assim como das noções de fi lme -ensaio ou fi lmes de pesquisa, propriamente ditos.

➢ economia do cinema, instituição, vanguarda

CNC Infos (boletim trimestral); Léglise, ; Montebello,

ASTRUC (Alexandre)Antes de ser cineasta, Alexandre Astruc (nascido em 1923) foi ensaísta e crítico literário. Começou muito jovem, durante a Segunda Guerra Mundial, a publicar em revistas marginais como a Messages, Poésie 42 ou Confl uences. No entanto, foi a partir de 1945, ao escrever na La Table ronde, Les Temps modernes e sobretudo na Combat (dirigida por Albert Camus), que Astruc se tornou um autor notado no mundo parisiense do pós -guerra. Interessa -se pelos autores que privile-giam a linguagem e dedica crónicas perspicazes a escritores como Paulhan, Sartre, Parain, Blanchot ou Ponge, então pouco conhecidos. Escreve depois sobre o cinema, ainda na Combat e no L’Écran français e faz parte da equipa fundadora do Objectif 49, o cineclube apadrinhado por Jean Cocteau. Quando publica o seu célebre texto «Nascimento de uma nova vanguarda: a câmara -caneta», já escreveu mais de 30 artigos sobre os intelectuais e o cinema, o romance negro, a evolução do cinema americano, o «Eu» no cinema e a crise do argumento francês.

«Nascimento de uma nova vanguarda: a câmara -caneta» foi publicado no L’Écran français em Março de 1948. É um texto profético, que anuncia as novas formas do cinema do futuro: «O cinema está prestes a tornar -se simplesmente um meio de ex-

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pressão, como o foram todas as artes antes dele, em particular a pintura e o romance... A encenação (mise -en scène) já não é uma forma de ilustrar ou de apresentar uma cena, mas uma verdadeira escrita. O autor escreve com a sua câmara, tal como um escritor escreve com uma caneta.» Esta fórmula tornou o autor célebre da noite para o dia e Astruc tornou -se o homem da «câmara -caneta». Alguns anos depois, tentou, sem o conseguir sempre, ilustrar o seu programa realizando Le Rideau cramoisi (1953) e, sobretdo, Une vie (1958).

A evolução tecnológica confirmou de certo modo a profecia de Astruc, com as pequenas câmaras digitais, verdadeiras «câmaras -canetas» (o que nada diz daquele que a usa).

➢ autor, câmara -caneta, NOUVELLE VAGUE

Astruc, ; Marie, a

ATRACÇÃO1. É no seu signifi cado corrente, o do music--hall ou do circo, que o termo foi utilizado por Serguei M. Eisenstein na sua teoria da «montagem de atracções» – primeiro no teatro e depois no cinema. Nela defendia um cinema em que a montagem passa, de forma deliberadamente contrastante, de uma atracção a outra, ou seja, de um momento forte e espectacular, relativamente autónomo, a um outro, em vez de procurar a fl uidez e a continuidade narrativa. Tratava--se então de estabelecer as premissas de um cinema discursivo e político, oposto ao cinema narrativo «burguês».

2. Numa outra perspectiva, mas com a mesma defi nição (momento forte e autó-nomo de espectáculo), o termo é retomado (Gaudreault e Gunning, 1989) para designar um dos dois sistemas de representação que se distinguiram no cinema dos primeiros tempos, o sistema de «atracções mostra-tivas» (oposto ao sistema de «integração narrativa» que acabaria por conduzi -lo ao cinema clássico).

3. Em Gilles Deleuze (1983), a defi nição eisensteiniana (lida como «inserção de imagens especiais, sejam representações teatrais ou cenográfi cas, ou representações esculturais ou plásticas, que parecem in-terromper o curso da acção») é retomada para fazer da montagem de atracções uma forma de passagem de uma das variedades de imagem -acção a outra (da «grande forma» à «pequena forma»), e de criação de fi guras.

➢ figura, imagem -acção, montagem de atracções, narração, primitivo, representação

Aumont, ; Deleuze, , Eisenstein, ; Gaudreault e Gun-ning,

AUDIOVISUALAdjectivo e, mais frequentemente, substan-tivo, que designa (de forma muito vaga) as obras que mobilizam em simultâneo ima-gens e sons, os seus meios de produção, e as indústrias ou artesanatos que as produzem. O cinema é, por natureza, «audiovisual»; faz parte das «indústrias do audiovisual». Contudo esse não é o seu traço mais sin-gular nem o mais interessante. Do ponto de vista teórico, este termo serviu o mais das vezes para gerar confusão, se bem que a teoria se tenha desde logo empenhado em contestá -lo e clarifi cá -lo.

➢ Arnheim, contraponto, instituição, palavra, som

Chion, ; Daney, , ; Ei-senstein, a; Sorlin, ; Worth,

AUTORA noção de autor no cinema é e sempre foi problemática. Nos outros domínios artísticos, o autor é aquele que produz a obra, escreve um livro, compõe uma partitura, pinta um quadro. O cinema é uma arte colectiva, e a criação estritamente individual é rara (caso de alguns fi lmes experimentais em que o cineasta desempenha todas as funções, do

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produtor ao projeccionista). Um fi lme de fi cção realizado em estúdio implica uma equipa, mas o mesmo se passa também no caso do documentário de pequeno orça-mento. A noção de autor de fi lme aparece portanto de forma lenta historicamente e permanece fl utuante segundo os países e os modos de produção.

Por analogia com a arte teatral, considerou--se inicialmente que o autor do fi lme era o do argumento, sendo o realizador um mero executante técnico. No quadro da produção anónima dos estúdios, na Pathé, anteriormente a 1914, ou em Hollywood (1920 -1960), o próprio estúdio enquanto entidade colectiva e imagem de marca podia ser considerado como instância responsável da criação da obra.

A noção de autor está estreitamente ligada às fases da luta dos intelectuais e dos artis-tas para o reconhecimento do fi lme como obra de arte, expressão pessoal, visão do mundo própria a um criador: David W. Griffi th após o seu período Biograph e o sucesso de Nascimento de uma Nação (1915), a primeira vanguarda francesa (Delluc, L’Herbier, Gance), a Nouvelle Vague. Quer isto dizer que o estatuto de autor no cinema está sempre ameaçado pela relação de forças entre o cineasta e as instâncias de produção e de difusão (veja -se o caso dos intervalos publicitários e da «colorização» dos fi lmes na televisão).

Se nos ativermos à primeira defi nição do termo: «pessoa que é a causa primeira na origem de um produto ou de uma obra, sobre os quais tem um direito», o autor identifi ca -se ao produtor, e é por essa razão que na maioria das legislações que regem a propriedade dos fi lmes, os direitos de autor revertem a favor da empresa de produção; os argumentistas e o realizador têm apenas direitos morais ou simbólicos. A liberdade de criação do cineasta é sempre muito relativa e é portanto paradoxal afi rmar a sua paternidade da obra ou reconhecer a sua assinatura pessoal no contexto de uma produção estandardizada (é a originalidade

da «política dos autores», preconizada pela equipa dos Cahiers du Cinema, nos anos 50). Pode -se por exemplo considerar que David O. Selznick é o autor de Rebecca (1940), tanto quanto Alfred Hitchcock, que assina a realização, apesar da personalidade marcada deste cineasta.

O estatuto de autor é ainda problemático por uma outra razão. O fi lme é um meio de expressão heterogéneo que combina várias matérias: a imagem, os diálogos, a música, a montagem, etc. Privilegiar apenas a re-alização revela um preconceito discutível. Em numerosos casos o realizador limita -se a uma simples execução e não tem nenhuma responsabilidade nem iniciativa na escolha do argumento, dos diálogos, dos actores, da montagem, da música, etc. Existem muitos fi lmes caracterizados pela parte criativa do argumentista ou do escritor de diálogos (por exemplo, Marius, realizado por Alexander Korda em 1931 segundo a célebre peça de Marcel Pagnol), ou mesmo do actor prin-cipal (os realizadores dos fi lmes de Greta Garbo ou de Brigitte Bardot muitas vezes não tiveram qualquer importância).

De um ponto de vista estritamente teórico, é impossível concentrar a fi gura do autor na pessoa do realizador. É uma instância abstracta, a um tempo múltipla (a combi-nação das contribuições dos colaboradores de criação) e fragmentária (a parte criativa meio lúcida e meio intuitiva de cada um desses colaboradores). O autor de um fi lme é portanto em termos semióticos um «foco virtual», um «grande imagista» (Laff ay), um «enunciador», o sujeito do discurso fílmico. De um ponto de vista estético, pôde considerar -se que o autor é uma instância que ultrapassa a obra unitária, e obriga a adoptar sobre ela um ponto de vista que a atravessa (Wollen). Para além disso é preciso insistir na parte inconsciente do processo de criação artística, trabalhando o realiza-dor de cinema num ambiente com muitos constrangimentos e normas. É por todas estas razões que as declarações recolhidas nas entrevistas com os cineastas devem ser

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tratadas com precaução metodológica, como um testemunho de grande interesse, mas que não detém nenhuma verdade.

➢ câmara -caneta, crítica, política dos autores

Bazin, -; Bergman, ; Bordat, ; Dmytryck, ; Dreyer, ; Edelman, ; Esquenazi, ; Guitry, ; Hitchcock, , ; Laffay, ; Leblanc e Devismes, ; Mary, ; Mourlet, ; Prédal, ; Ray, ; Rohmer, ; Sarris, ; Tarkovski, -; Truffaut, ; Wollen,

AVENTURAA aventura é o que advém, o que vai acon-tecer. O termo, antigo na língua francesa

(século X), designa um género, literário no início e desenvolvido no séc. XIX por autores como Júlio Verne, Fenimore Cooper ou Jack London, e depois cinematográfi co. Todavia, por contraposição a géneros como o western, o terror gore e a fi cção científi ca, cuja defi nição é relativamente simples, é difícil atribuir limites precisos ao fi lme de aventuras, que não se defi ne nem por um cenário específi co, nem por um tipo de per-sonagens, nem por uma relação particular com a adaptação, etc. Por isso é sem dúvida um dos géneros menos teorizados – a não ser numa versão um pouco particular, a do fi lme antropológico.

➢ Acção, género Aumont, ; Brownlow, ;

Cawelti, ; Pinel,

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