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02/09/2018 Revisitando as Décadas da Ásia: Algumas observações sobre o projecto historiográfico de João de Barros https://journals.openedition.org/e-spania/27836 1/17 e-Spania Revue interdisciplinaire d’études hispaniques médiévales et modernes 30 | juin 2018 : Quelle histoire globale au XVI e siècle ? / Fronteras de Ultramar Quelle histoire globale au XVIe siècle ? Revisitando as Décadas da Ásia: Algumas observações sobre o projecto historiográfico de João de Barros RUI MANUEL LOUREIRO Abstracts Português Français João de Barros trabalhou durante muitos anos na Casa da Índia, em Lisboa, o centro estratégico do império marítimo português. Aí recolheu informações valiosas sobre os mundos não- europeus, de capitães, soldados, pilotos, marinheiros, mercadores e missionários que regressavam a Portugal depois de um período mais ou menos longo de serviço ultramarino. Sendo também um humanista consumado, concebeu o projecto de escrever uma história global da expansão marítima portuguesa. Mas, sobrecarregado com os seus deveres oficiais, só conseguiu produzir a parte asiática de um vasto trabalho que deveria incluir também secções sobre a África e o Brasil. As suas primeiras três Décadas da Ásia foram publicadas em Lisboa entre 1552 e 1563, enquanto a Quarta Década permaneceu em manuscrito até 1615, ano em que foi impressa em Madrid, editada pelo cosmógrafo João Baptista Lavanha. Barros nunca visitou a Ásia, mas mesmo assim conseguiu reunir uma larga diversidade de materiais sobre seus interesses. Assim, as suas Décadas da Ásia incluíam não apenas um relato das acções militares e políticas dos portugueses, mas também informadas descrições da geografia e da história oriental. Barros, para além de entrevistar homens com experiência do terreno e coleccionar relatórios escritos em português, conseguiu também obter manuscritos orientais, que traduziu com auxílio de colaboradores vários vindos da Ásia. João de Barros a travaillé pendant de nombreuses années à la Casa da Índia à Lisbonne, le centre stratégique de l’empire maritime portugais. Là, il a recueilli des informations précieuses sur les mondes non européens, des capitaines, des soldats, des pilotes, des marins, des marchands et des missionnaires retournant au Portugal après une période plus ou moins longue de service outre- mer. Étant également un humaniste accompli, il a conçu le projet d’écrire une histoire globale de l’expansion maritime portugaise. Mais, surchargé par ses fonctions officielles, il ne pouvait produire que la partie asiatique d’un vaste travail qui devait également inclure des sections sur l’Afrique et le Brésil. Ses trois premières Décadas da Ásia furent publiées à Lisbonne entre 1552 et 1563, tandis que la Quarta Década demeura manuscrite jusqu’en 1615, année de son édition à Madrid, sous la direction du cosmographe João Baptista Lavanha. Barros n’a jamais visité l’Asie,

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e-SpaniaRevue interdisciplinaire d’études hispaniques médiévales et modernes

30 | juin 2018 :Quelle histoire globale au XVIe siècle ? / Fronteras de UltramarQuelle histoire globale au XVIe siècle ?

Revisitando as Décadas da Ásia:Algumas observações sobre oprojecto historiográfico de Joãode BarrosRUI MANUEL LOUREIRO

Abstracts

Português FrançaisJoão de Barros trabalhou durante muitos anos na Casa da Índia, em Lisboa, o centro estratégicodo império marítimo português. Aí recolheu informações valiosas sobre os mundos não-europeus, de capitães, soldados, pilotos, marinheiros, mercadores e missionários queregressavam a Portugal depois de um período mais ou menos longo de serviço ultramarino.Sendo também um humanista consumado, concebeu o projecto de escrever uma história globalda expansão marítima portuguesa. Mas, sobrecarregado com os seus deveres oficiais, sóconseguiu produzir a parte asiática de um vasto trabalho que deveria incluir também secçõessobre a África e o Brasil. As suas primeiras três Décadas da Ásia foram publicadas em Lisboaentre 1552 e 1563, enquanto a Quarta Década permaneceu em manuscrito até 1615, ano em quefoi impressa em Madrid, editada pelo cosmógrafo João Baptista Lavanha. Barros nunca visitoua Ásia, mas mesmo assim conseguiu reunir uma larga diversidade de materiais sobre seusinteresses. Assim, as suas Décadas da Ásia incluíam não apenas um relato das acções militares epolíticas dos portugueses, mas também informadas descrições da geografia e da história oriental.Barros, para além de entrevistar homens com experiência do terreno e coleccionar relatóriosescritos em português, conseguiu também obter manuscritos orientais, que traduziu com auxíliode colaboradores vários vindos da Ásia.

João de Barros a travaillé pendant de nombreuses années à la Casa da Índia à Lisbonne, le centrestratégique de l’empire maritime portugais. Là, il a recueilli des informations précieuses sur lesmondes non européens, des capitaines, des soldats, des pilotes, des marins, des marchands et desmissionnaires retournant au Portugal après une période plus ou moins longue de service outre-mer. Étant également un humaniste accompli, il a conçu le projet d’écrire une histoire globale del’expansion maritime portugaise. Mais, surchargé par ses fonctions officielles, il ne pouvaitproduire que la partie asiatique d’un vaste travail qui devait également inclure des sections surl’Afrique et le Brésil. Ses trois premières Décadas da Ásia furent publiées à Lisbonne entre 1552et 1563, tandis que la Quarta Década demeura manuscrite jusqu’en 1615, année de son édition àMadrid, sous la direction du cosmographe João Baptista Lavanha. Barros n’a jamais visité l’Asie,

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mais a néanmoins réussi à rassembler une grande diversité de matériaux sur ses intérêts. Ainsi,ses Décadas da Ásia comprenaient non seulement un compte rendu des actions militaires etpolitiques des Portugais, mais aussi des descriptions éclairées de la géographie et de l’histoire del’Orient. Barros, en plus d’interviewer des hommes ayant une expérience de terrain et de collecterdes rapports écrits en portugais, a également pu obtenir des manuscrits orientaux, qu’il a traduitavec l’aide de plusieurs collaborateurs venus d’Asie.

Index terms

Keywords : João de Barros, historiographie, XVIe siècle, Asie, intertextualité, bibliothèquesPalavras-chave : João de Barros, historiografia, século XVI, Ásia, intertextualidade, bibliotecas

Full text

Secção oriental do Planisfério de Cantino1

Antes de apresentar João de Barros, um célebre cronista português do século XVI,gostaria de me debruçar brevemente sobre dois mapas do mundo asiático desenhadospor cartógrafos portugueses da mesma época. O primeiro mapa é uma secção docélebre e bem conhecido Planisfério de Cantino [cf. gravura 1], que se conserva hoje naBiblioteca Estense, em Modena. Este inovador mapa foi desenhado em Lisboa em 1502,logo depois do regresso a Portugal de Pedro Álvares Cabral, o navegador português quedois anos antes tinha comandado a segunda expedição portuguesa à Índia.

1

Este planisfério, que foi contrabandeado para Itália por Alberto Cantino, umemissário do duque de Ferrara, sistematizava os conhecimentos que os portuguesestinham conseguido obter até então sobre a geografia dos mundos extra-europeus, tantona viagem de Vasco da Gama, como na de Pedro Álvares Cabral2. Um olhar modernodetecta de imediato, na secção referente à Ásia, incongruências na representação dos

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Carta da Ásia Oriental de Fernão Vaz Dourado5

territórios que se situam para leste do cabo de Comorim, sinal de que as notíciasrecolhidas na Índia pelos portugueses não eram excessivamente fidedignas3.

Pedro Álvares Cabral partira de Lisboa com uma grande armada de 13 navios,poderosamente armados com a mais avançada artilharia da época. Estas embarcaçõestransportavam a bordo cerca de 1500 homens, entre marinheiros, soldados e oficiais dacoroa lusitana, que tinham a missão de estabelecer as bases de uma presençaportuguesa duradoura no litoral ocidental da Índia. Depois da primeira viagem deVasco da Gama, o rei português Dom Manuel I (r.1495-1521) tinha constatado que,através da rota do Cabo, era possível organizar uma intervenção portuguesa consistentee lucrativa no comércio oriental de mercadorias de luxo. E desde os primeiros anos doséculo XVI passaram a seguir anualmente para a Índia homens, navios e recursosmateriais, que em pouco anos constroem o Estado Português da Índia. Esta designaçãoparece muito sólida, mas na realidade o Estado da Índia tinha uma extensão territorialextremamente limitada, e era constituído sobretudo por uma constelação de cidadesportuárias, pequenos territórios costeiros e feitorias fortificadas situadas nos portosestrategicamente mais importantes da costa oriental de África e do extenso litoral daÁsia4.

3

Vejamos agora o segundo mapa [cf. gravura 2]:4

Trata-se de uma carta da Ásia Oriental, desenhada em Goa por volta de 1576, porFernão Vaz Dourado, um outro cartógrafo português bem conhecido6. Os litoraisasiáticos estão desenhados de forma muito mais rigorosa, e estão repletos de topónimosportugueses. Existe uma distância abismal relativamente ao Planisfério de Cantino. Aolongo de mais de meio século, enquanto estabeleciam as bases materiais do Estado daÍndia, os portugueses exploravam minuciosamente todo este mundo oriental. Por umlado, desenhavam cartas e mapas que iam apresentando de forma cada vez maisrigorosa os contornos marítimos da África Oriental e de toda a Ásia marítima. Por outrolado, recolhiam notícias detalhadas sobre os povos que habitavam essas regiões doglobo e sobre as suas formas de organização política, social e cultural7. Assim secompreende que Fernão Vaz Dourado, no seu atelier de Goa, a capital e centroestratégico do império marítimo português, pudesse dispôr de um imenso manancialinformativo que lhe permitia transmitir uma imagem muito mais fidedigna do mundooriental.

5

Entretanto, todos estes materiais cartográficos e textuais apresentavam-se sob formamanuscrita. E, curiosamente, até meados do século XVI apenas duas obras sobre omundo ultramarino foram impressas em Portugal, ambas dedicadas ao mítico PresteJoão das Índias, uma das obsessões dos exploradores portugueses: a Carta das novas,

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Retrato de João de Barros12

um anónimo relato sobre os primeiros contactos dos portugueses com a Etiópia, que foipublicado em Lisboa em 15208 e a Verdadeira Informação das Terras do Preste João,do padre Francisco Álvares, publicada em Lisboa em 1540, que relatava a primeiraexpedição enviada pelo monarca português ao négus da Etiópia9. Os materiaismanuscritos preparados pelos portugueses no âmbito das suas actividades orientaiseram inicialmente reunidos em Goa. Mas depois seguiam pela rota do Cabo a caminhode Lisboa, onde eram acumulados na Casa da Índia, o organismo régio que controlavatodas as relações de Portugal com o mundo oriental, e ao qual já regressarei10.

João de Barros [cf. Gravura 3], cuja vida decorreu entre os momentos de criação dosdois mapas referidos, teve possibilidade de acompanhar a partir de Portugal todo esteprocesso de descobrimento e exploração de novos mundos ultramarinos, que o teráseguramente marcado de forma indelével, se atendermos ao seu posterior interesse porestas questões11. Supõe-se que terá nascido por volta de 1496, em Viseu, no norteinterior de Portugal, onde o seu pai exerceu diversos cargos judiciais. Barros era filhonatural, mas, sendo oriundo da pequena nobreza de serviço, foi educado na corte do reiDom Manuel I, onde recebeu uma sólida formação humanista. Conhecia bem o latim,um pouco de grego e de hebreu, e estava familiarizado com a literatura clássica. Um dosseus companheiros de formação foi o príncipe herdeiro da coroa lusitana, futuroDom João III (r.1521-1557).

7

Aparentemente, Barros desde muito cedo terá cultivado hábitos de escrita,recolhendo materiais sobre as mais diversas temáticas e redigindo os seus própriostextos. E em 1522 fez a sua estreia literária, publicando em Lisboa a Crónica doImperador Clarimundo, um volumoso e complicado romance de cavalaria, quefantasiava e exaltava as origens da casa real portuguesa13. Normalmente encara-se esteromance como uma antevisão da futura obra historiográfica de Barros, mas tal visão é

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perfeitamente anacrónica, como foi recentemente sublinhado14. Como resultado destasua produção literária, e também das íntimas relações que mantinha com o círculorégio lusitano, Barros foi nomeado por Dom João III (que subira ao trono em 1521)para cargos oficiais de enorme importância. Em 1522 recebeu a capitania de umaviagem à Costa da Mina, que parece tratar-se da sua única experiência ultramarina.Em 1525 foi nomeado tesoureiro das Casas da Mina e Índia, a base logística dasempresas marítimas dos portugueses em Lisboa. E em 1533 foi promovido a feitor dasCasas da Mina e Índia, na mesma cidade portuguesa, tendo desempenhado esse cargode forma ininterrupta durante 34 anos.

A Casa da índia, designação abreviada, situava-se no mesmo edifício do palácio reallusitano, na baixa de Lisboa, junto ao rio Tejo15. Ali se encontrava o centro estratégicodas empresas ultramarinas dos portugueses. Pouco se sabe sobre o funcionamentoconcreto deste organismo nesta época. Contudo, parece fora de dúvida que na Casa daÍndia se concentrariam diversas actividades e funções, e nomeadamente: a coordenaçãoda construção e aparelhagem de navios, que era desenvolvida na vizinha Ribeira dasNaus; o fornecimento de instrumentos náuticos, cartas, roteiros e guias náuticos aopessoal em serviço nos navios da coroa lusitana; a contratação de pilotos e outropessoal técnico essencial ao desenvolvimento das navegações ultramarinas; e também acompra e venda de mercadorias que eram embarcadas para múltiplos destinosem África, no Brasil e na Ásia. A Casa da Índia recebia também, em primeira mão, todasas informações oriundas do Oriente, materializadas em cartas, relatórios, desenhos,tratados, súmulas e mapas das mais diversas proveniências e conteúdos. E, por issomesmo, caberia decerto a este organismo régio a triagem das novidades em termos deconhecimento do mundo e em termos da actualização da sua representação cartográficaem cartas de pormenor e em mapas mais abrangentes.

9

Barros queixou-se diversas vezes da extrema exigência do seu cargo de feitor da Casada Índia, que lhe ocupava a maior parte dos dias. Mas, paulatinamente, nos seustempos de lazer, ao longo da década de 1530 foi escrevendo, e por vezes publicando,diversas obras mais típicas de um intelectual humanista do que de um feitor denegócios ultramarinos.

10

Em 1532 publicou um curioso diálogo filosófico, a que deu o título deRopicapnefma ou «mercadoria espiritual»16.

Em 1533 escreveu um Panegírico de Dom João III, que terá sido declamado,mas que na época se conservou manuscrito17.

Em 1539 e 1540, no âmbito de um projecto claramente pedagógico, Barrospublicou dois volumes da sua Gramatica da língua portuguesa, e publicoutambém dois diálogos na natureza ético-moral, o Diálogo da viciosa vergonha eo Diálogo de preceitos morais18.

Em 1543 escreveu um Dialogo evangélico, de polémica anti-judaica, que naépoca ficou manuscrito19.

E em 1545 escreveu e proclamou o Panegírico da Infanta Dona Maria, filhado rei Dom Manuel I, que também na época permaneceu inédito.

Repare-se que até cerca de 1540 nada fazia adivinhar que João de Barros viria apreparar um volumoso conjunto de obras de natureza geográfica e historiográfica. Asua produção literária, com excepção de uma ou outra passagem menor, nada tinha aver com a história da expansão marítima dos portugueses, mas concentrava-se emtemas tipicamente humanistas, como a ética, a moral, a pedagogia, a gramática ou afilosofia política20.

11

O próprio João Barros referirá mais tarde que em 1521, o rei Dom Manuel I, no seuúltimo ano de vida, assistira à leitura do manuscrito da Crónica do ImperadorClarimundo e o incitara a empreender a narração das «cousas das partes do Oriente»21.E provavelmente desde os inícios da década de 1520 Barros começou a compilarmateriais para um grande projecto historiográfico, que, de acordo com as suas própriaspalavras, se baseava no título régio assumido por Dom Manuel I depois do regresso deVasco da Gama da sua primeira viagem ao Oriente em 1499: «Senhor da Conquista,Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia»22.

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Assim, o projecto de Barros23 dividir-se-ia em três partes distintas:13

A primeira parte seria dedicada à conquista ou à milícia, isto é, à narração dosfeitos militares dos portugueses. Esta primeira parte, a mais vasta da obraplaneada, seria composta por quatro secções: Uma secção sobre a Europa,relatando a história das origens de Portugal; outra secção sobre África, quetrataria da presença portuguesa em Marrocos desde 1415; uma terceira secçãosobre Santa Cruz, dedicada ao Brasil, desde o seu achamento em 1500; enfim,uma última secção dedicada à Ásia, que narraria toda a história dosdescobrimentos portugueses, desde o tempo do Infante Dom Henrique,passando pela viagem de Vasco da Gama, e acompanhando o desenvolvimentoda expansão portuguesa no continente asiático. Como é bem sabido, apenas estasecção oriental do grande projecto de Barros foi impressa e chegou aos nossosdias, como já veremos.

A segunda parte do projecto historiográfico de Barros seria dedicada ánavegação ou à geografia, contendo uma vasta descrição do mundo oriental,complementada por tábuas ou mapas. Já veremos que esta parte da Geografiachegou a ser esboçada.

A terceira parte da grande obra de Barros, finalmente, seria dedicada aocomércio ou à mercadoria, constituindo uma espécie de história natural doOriente, contendo nomeadamente informações sobre produtos, pesos, medidas emoedas.

João de Barros, graças às funções que desempenhava enquanto feitor da Casa daÍndia:

14

Tinha acesso a todos os viajantes que chegavam a Lisboa, que podiaentrevistar livremente, muitos deles protagonistas da expansão portuguesa noOriente. Alguns destes nomes perpassam pelas entrelinhas das crónicas deBarros, homens como: Fernão Peres de Andrade, que em 1517 comandara aprimeira grande expedição portuguesa à China; Diogo Lopes de Sequeira, oprimeiro capitão português a visitar Malaca em 1519, que mais tarde seriagovernador do Estado da Índia, entre 1519 e 1522; Duarte de Resende, umhumanista que desempenhou funções na fortaleza portuguesa na décadade 1530; Dom João de Castro, navegador e humanista, que escreveu durante assuas extensas viagens marítimas diversos roteiros, e que foi também governadordo Estado da Índia entre 1545 e 1548; António Galvão, o célebre capitão dafortaleza portuguesa de Maluco na década de 1530, que mais tarde escreveriadois tratados histórico-geográficos sobre o Oriente; ou Fernão Mendes Pinto, oconhecido aventureiro que viajou extensamente pelo Oriente entre 1538 e 1552, eque mais tarde escreveria um célebre livro de memórias; e tantos e tantosoutros24.

Barros tinha acesso também aos asiáticos que por algum motivo eram trazidospara Portugal, fossem eles emissários de potentados orientais, ou simples cativosoriundos da Pérsia, da Índia, da China, ou ainda jovens catecúmenos dasdiversas ordens religiosas que missionavam no Oriente.

Tinha acesso livre à imensa documentação oficial da Casa da Índia, constituídapor um manancial de cartas e instruções régias, regimentos, orçamentos emercês, cartas de serviços, e tantos outros papéis que davam conta da gestão deum movimento expansivo de dimensões verdadeiramente globais.

Tinha também acesso aos relatos e informações que descreviam os novosmundos contactados pelos portugueses, produzidos por oficiais ou funcionáriosda coroa lusitana, e também aos roteiros e mapas elaborados por navegadores eviajantes, que registavam a configuração dos novos espaços anteriormentedesconhecidos.

Enfim, Barros tinha acesso a todas as mercadorias desembarcadas dos naviosda carreira da Índia – as especiarias, as sedas, as drogas, as pedras preciosas, asporcelanas –, que contavam outras tantas histórias de regiões longínquas25.

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Ou seja: Instalado na Casa da Índia, João de Barros, muito provavelmente apenasdesde finais da década de 1530 ou inícios da década de 1540, começou a trabalhar nasua grande obra historiográfica, que constaria de três partes distintas: «A Primeira éconquista, a qual trata de milícia, a segunda navegação, a que responde a geografia, e aterceira comércio, que convém à mercadoria»26. De acordo com as próprias palavras dohumanista português, ele pretenderia registar por escrito os feitos dos portugueses,«escrever o que elles fizeram no descubrimento, e conquista do Oriente, por se nãoperderem da memoria dos homens, que vierem depois de nós, tão gloriosos feitos»27. Eo projecto implicava a compilação simultânea de materiais para os livros da Conquista,da Geografia e do Comércio.

15

Valerá a pena fazer aqui uma sugestão. Em 1538 regressou a Lisboa um homemchamado Fernão Lopes de Castanheda, que vivera na Índia durante dez anos,acompanhando Nuno da Cunha, que fora governador do Estado da Índia. Castanheda,como é sabido, viria a depois escrever uma História do descobrimento e conquista daÍndia pelos portugueses, para a qual já começara a reunir elementos. Esta monumentalcrónica começou a ser publicada em Coimbra, em 1551, antes de João de Barros terpublicado qualquer obra sobre esta mesma temática28. Será que Barros se inspirou noprojecto de Castanheda, com quem poderia ter trocado impressões em Lisboa, em finaisda década de 1530? É uma hipótese de trabalho pertinente, sem dúvida, já que a data doregresso de Castanheda a Portugal parece coincidir com o interesse de João de Barrospela memória dos «tão gloriosos feitos» dos seus compatriotas.

16

Ao contrário de Castanheda, entretanto, João de Barros nunca visitou a Ásia. Dosterritórios sob hegemonia portuguesa no século XVI, parece ter conhecido apenas afortaleza de S. Jorge da Mina, situada junto ao Golfo da Guiné. Mas conseguiu supriressa deficiência de várias formas.

17

Por um lado, possuía uma vivíssima curiosidade, como bom humanista queera, nada ignorando de tudo o que era humano; seguia métodos de pesquisamuito diversificados e muito abrangentes; tinha acesso a uma enormequantidade de fontes portuguesas escritas; conhecia muitos homens com largaexperiência oriental; e tinha uma extraordinária capacidade de trabalho. Comoele próprio referiu, só conseguiu escrever as suas obras com «as vigílias da noite,o não dormir sésta, nem passear pela cidade, nem ir esparecer ao campo, nemandar em banquetes, nem jogar, caçar, pescar, e lograr outros passatempos, queleixamos de fazer por condição»29.

Por outro lado, Barros recebeu do Oriente diversos livros manuscritos eimpressos em línguas asiáticas, que referirei mais adiante; obteve tambémexemplares cartográficos orientais, e nomeadamente um mapa do impériochinês; e conseguiu a colaboração de escravos asiáticos letrados para a traduçãodestes materiais exóticos30.

Do grandioso plano inicial de João de Barros, apenas chegou até nós uma parte daConquista, ou seja, os quatro volumes dedicados ao Oriente, que são conhecidos comoDécadas da Ásia31, pois o historiador português inspirou-se na obra de Tito Lívio, queconhecia bem, para dividir a sua narrativa em quatro períodos de 10 anos, um volumepara cada década, desde 1498, data da chegada de Vasco da Gama à Índia, até 1539. Asoutras obras que fariam parte do seu projecto historiográfico, embora sejamrepetidamente referidas por Barros, desapareceram sem deixar rasto.

18

A tabela seguinte reúne as referências que se encontram nas Décadas da Ásia àsobras desaparecidas de João de Barros (década-livro-capítulo), testemunhando acomposição simultânea das diversas componentes do grande projecto cronístico:

19

Obradesaparecida

Referências nas Décadas da Ásia (década-livro-capítulo)

Conquista ouMilícia

Europa: 1-1-1; 1-2-1; 1-4-1; 2-1-2; 2-1-4

África: 1-1-16; 1-2-2; 1-6-2; 1-8-8; 2-3-9; 2-8-9; 3-5-8

Santa Cruz: 1-5-2; 1-6-1

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Portada da Terceira Década de João de Barros (Lisboa, 1563)35

Navegaçãoou Geografia

1-1-1; 1-2-1; 1-3-4; 1-3-8; 1-3-12; 1-4-2; 1-4-6; 1-4-7; 1-5-8; 1-8-1; 1-8-4; 1-9-1;1-9-3; 1-10-1; 2-1-2; 2-1-3; 2-2-2; 2-3-4; 2-5-2; 2-6-1; 2-8-1; 2-10-5; 2-10-6; 3-2-1; 3-2-5; 3-2-6; 3-2-7; 3-3-4; 3-4-1; 3-4-2; 3-4-7; 3-5-5; 3-5-10; 3-6-4; 3-7-9;3-7-11; 4-apol.; 4-1-12; 4-5-1; 4-6-1; 4-6-2.

Comércio ouMercadoria

1-6-4; 1-8-1; 2-3-5; 3-2-1; 3-3-7; 3-5-3; 3-6-4

João de Barros, como se pode verificar, refere-se sobretudo à sua Geografia. Eaparecem inclusivamente nas Décadas da Ásia diversas alusões bem explícitas a estaobra desaparecida. Em determinada passagem, o cronista português alude a «humauniversal Geografia de todo o descuberto, assi em graduação de taboas, como decommentario sobrellas […], a qual não soffre compostura em linguagem, e por isso iráem Latim»32. O carmelita italiano Fr. Ambrosio Mariano Azaro afirma numa das suasmissivas ter encontrado em Lisboa, em 1583, um manuscrito da Geografia, muitoincompleto, que teria levado para Madrid, para a biblioteca do monarca espanholFelipe II (r.1556-1598). Mas não há notícia deste manuscrito ter sido posteriormentelocalizado. Mariano Azaro refere-se explicitamente a «La Geografia […] com sus tablasmuy puntuales de cada region y sus historias, a modo de Estrabon, de los ritos, leyes,costumbres y grande precision en las alturas, por donde se descubre quan malinformado fue Tolomeo»33.

20

Olhemos agora para as Décadas da Ásia com mais pormenor. Em vida de Barrosforam publicados em Lisboa três volumes: a Primeira Década em 1552; a SegundaDécada em 1553; e a Terceira Década em 1563 [cf. Gravura 4]. A Quarta Década, queBarros deixou em manuscrito quando morreu em 1570, foi publicada anos mais tardepelo cosmógrafo português João Baptista Lavanha, em Madrid, em 1615. Tive jáoportunidade de me referir mais em pormenor a este último volume34.

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Apontarei agora, muito resumidamente, algumas das características destas trêsDécadas da Ásia que me parecem mais relevantes.

22

Em primeiro lugar, deve notar-se que Barros, embora não o fosseformalmente, escreve como cronista oficial da coroa lusitana, como uma espéciede ideólogo do regime, se podemos utilizar esta expressão um pouco anacrónica.As Décadas da Ásia fazem a justificação e a apologia «dos feitos que osPortugueses fizeram no descobrimento e conquista dos mares e terras doOriente», como refere o título da Primeira Década36.

Por isso, a Primeira Década, num espírito cruzadístico, abre com um capítulosobre a expansão islâmica a partir da Arábia, a conquista da Península Ibérica, ea posterior reconquista cristã, que no século XV se desenvolveu para o Norte deÁfrica e depois, paulatinamente, para as partes da Ásia. Assim, não deixa de sercurioso que a grande crónica da expansão lusitana no Oriente abra com a frase«Alevantado em a terra de Arabia aquelle grande Anti-christo Mafamede, quasinos annos de quinhentos noventa e tres de nossa Redempção, assi lavrou a furiade seu ferro, e fogo de sua infernal Secta per meio de seus Capitães, e Calyfas,

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que em espaço de cem annos conquistáram em Asia toda Arabia, e parte daSyria, e Persia, e em Africa todo Egypto daquém, e dalém Nilo»37.

A atitude de João de Barros face ao mundo islâmico não está aindaexaustivamente estudada38. Mas convém referir que as Décadas da Ásia nemsempre mantêm este inicial espírito de cruzada, que é utilizado sobretudo comobjectivos retóricos, pois a expansão portuguesa logo depois aparecerá comouma resposta organizada ao expansionismo islâmico. Em termos um poucosimplistas, é possível dizer que a atitude de Barros só é negativa face ao mundoislâmico quando existem antagonismos militares e/ou económicos que não sãoresolvidos a favor dos portugueses.

Por outro lado, Barros adopta uma atitude extremamente selectiva em relaçãoàs actividades desenvolvidas pelos portugueses. O lado negro da história ésistematicamente escamoteado, pois o historiador dá prioridade à narração defeitos heróicos ou exemplares, que possam servir de testemunho às futurasgerações. Assim, a sua narrativa tem claramente propósitos pedagógicos, trata-sede uma história exemplar.

Esta história, de resto, tem protagonistas muito bem definidos. Em sentidomais geral, as Décadas da Ásia fazem a apologia da coroa lusitana, que dirige àdistância a empresa ultramarina. Mas, em sentido mais particular, Barros, talcomo outros historiadores seus contemporâneos, preenche as suas páginas comlistas infinitas de nomes de homens que de alguma forma se distinguiram. Épara ele extremamente importante destacar os personagens socialmenteimportantes, associando-os sempre que possível a feitos relevantes de naturezanáutica, militar ou diplomática. Os seus leitores iriam desde logo procurar naspáginas da obra as referências a si próprios ou aos seus criados e familiares39.

As Décadas da Ásia seguem uma linha basicamente cronológica, como nãopoderia deixar de ser. O cronista lusitano chama-lhe «o fio da história»40. Mas,de uma forma muito inovadora, relativamente à cronística anterior, Joãode Barros introduz na sua narrativa momentos de pausa, preenchidos poramplas descrições geográficas e etnográficas. Por um lado, inclui descrições decarácter mais genérico, que abrangem grandes espaços geográficos. É justamentefamoso o seu bosquejo do mapa da Ásia incluído na Terceira Década, no qualutiliza a imagem de uma mão para ir situando na mente do leitor os diferentesmares, golfos e penínsulas asiáticas41. Por outro lado, Barros introduz de formasistemática na sua narrativa descrições muito desenvolvidas dos espaçosorientais com os quais os portugueses interagem: o Mar Vermelho, o GolfoPérsico, a ilha de Ormuz, o Guzerate, o Decão, e assim sucessivamente, até àChina, que merece uma das mais extensas e informadas notícias42.

As Décadas da Ásia são frequentemente classificadas como um primeiroensaio de história global ou mesmo de «história planetária», como referiu uminvestigador português43. Mas é necessário introduzir aqui uma pequena nota decautela. Barros não escreve história global, mas escreve antes uma história dePortugal em contexto global. Ou seja, está sobretudo preocupado com as acçõesdos portugueses no Oriente, que são devidamente enquadradas num cenáriohistórico-geográfico mais alargado, de dimensões verdadeiramente continentais.

Contudo, ao introduzir detalhadas descrições de regiões orientais nas suasobras, Barros descobre, e revela aos seus leitores, a existência de núcleosculturais e civilizacionais – na Pérsia, no Sião, na China – que, mantidas asdevidas proporções, podiam ser comparados ao mundo europeu. Ou, dito deoutro modo, podiam ser organizadas e compreendidas através das categoriasculturais conhecidas no Ocidente. Barros aparece, assim, como portador de umrelativismo cultural assaz inovador em contexto português. Existe uma análiserecente, muito sugestiva, deste aspecto da obra historiográfica de Barros44.

A utilização de fontes portuguesas ou europeias, medievais e modernas, nacomposição das Décadas da Ásia também merece destaque, pois João de Barros revela-se extremamente bem informado, e parece dispor de uma apetrechada biblioteca. Esteaspecto da sua obra nunca foi exaustivamente estudado, embora existam análises

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parcelares. Mas uma leitura rápida permite identificar referências, geralmente segurase bem informadas, a obras de diversos autores (e a lista não é exaustiva):

Assim, alguns dos nomes que se conseguem identificar de forma clara nas páginasdas Décadas da Ásia, e apenas em contexto ibérico, incluem:

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Gomes Eanes de Zurara, o cronista quatrocentista do Infante Dom Henrique,de cuja Crónica dos feitos de Guiné Barros afirma «tomar a maior parte dos seusfundamentos», e de que talvez possuísse algum manuscrito45.

Rui de Pina, contemporâneo de João de Barros, que preparou diversascrónicas de monarcas portugueses anteriores a Dom Manuel I, que então seconservavam em manuscrito, e que o autor das Décadas da Ásia manuseou erevela conhecer46.

Pietro Martyr d’Anghiera, o humanista italiano que viveu longos anos emEspanha, e de quem Barros cita a Legatio Babylonica, relato de uma viagemdiplomática ao Egipto, impressa pela primeira vez em Sevilha em 151147.

Duarte Galvão, o ideólogo do messianismo manuelino, de quem Barros cita «aChronica d’El Rey D. Affonso Henriques», o primeiro rei de Portugal, que odiplomata português deixara manuscrita48.

Damião de Góis, o conhecido humanista português, que ofereceu a Barros umdos seus livros sobre o Preste João, no qual se ocupava «da Religião, e costumesdesta gente», o Fides, religio, moresque Æthiopum, impresso em Lovaina pelaprimeira vez em 154049.

Francisco Álvares, o religioso português que viajou até à Etiópia na década de1520, de quem Barros cita «hum discurso, que escreveo das cousas que vio nestaviagem», a Verdadeira informação das terras do Preste João, obra publicadaem Lisboa em 154050.

Dom João de Castro, o navegador e roteirista que foi governador do Estado daÍndia, já referido acima, de quem Barros conhecia pelo menos o «Roteiro que fezda navegação deste mar Roxo», escrito em 1540, de que decerto possuía ummanuscrito51.

António Galvão, filho natural de Duarte Galvão, que foi capitão nas ilhas deMaluco, que de regresso a Lisboa terá fornecido a Barros uma cópia da suamanuscrita História de Maluco52.

António Tenreiro, o primeiro português que regressou da Índia por terra atéao Mediterrâneo, «da qual viagem», afirma Barros, «elle fez hum itinerario, queem alguma cousa nos deu lume», referindo-se, obviamente, ao Itineráriopublicado em Coimbra em 156053.

A lista de autores conhecidos e citados é deveras impressionante, e merece seraprofundada e bem explorada, tanto mais que numerosas outras referências se deixamaqui de lado. Mas pode sublinhar-se que João de Barros conhecia bem os diversoscronistas lusitanos que o haviam antecedido ao longo do século XV, e conhecia tambémpraticamente todos os grandes textos sobre a Ásia produzidos antes e depois dodescobrimento do caminho marítimo para a Índia, em contexto ibérico e não só.Diversos indícios apontam, por exemplo, para a utilização na composição das Décadasda Ásia de alguns dos textos incluídos na celebérrima colectânea Navigationi et Viaggi,organizada por Giovanni Battista Ramusio e publicada em três volumes em Venezaentre 1550 e 1559. Vejam-se apenas as referências ao que «Marco Paulo diz em o livroque escreveo de sua peregrinação»54, alusão ao relato do célebre viajante medieval, quefigurava na compilação ramusiana55; ou a menção que Barros faz a um «Venezeanocomitre de huma galé, que foi na Armada de Soleimão Bassá», que remete para umrelato de uma expedição otomana a Diu em 1538, incorporado num dos três volumespreparados pelo humanista veneziano56.

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Mas, neste contexto, os métodos de trabalho de João de Barros revelam-severdadeiramente revolucionários na utilização que faz de fontes orientais. Através dasua posição na Casa da Índia, com efeito, o cronista português conseguiu ter acesso aum conjunto alargado de obras impressas e manuscritas que lhe foram trazidas doOriente pelos seus agentes e informadores. Trata-se de um aspecto das Décadas da

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Ásia que tem sido repetidamente sublinhado por diversos investigadores, e querepresenta uma assinalável alteração nas práticas historiográficas portuguesas57.Contudo, como desconhecia línguas orientais, Barros declara que foi obrigado acontratar serviçais ou a adquirir escravos oriundos de diversas regiões orientais paradesempenharem as funções de tradutores. Em determinada passagem das suascrónicas, Barros refere-se à compra de um escravo chinês letrado, expressamenteadquirido para o efeito de entender «hum livro de Cosmografia dos Chijs impresso perelles»58. E noutro passo alude a «hum Turco natural do Cairo», trazido do Golfo Pérsicopara Portugal, que era seu «cativo» e que lhe interpretava manuscritos orientais59.

A lista de fontes orientais é alargada, sendo algumas delas repetidamente citadas aolongo das Décadas da Ásia, e merece alguns comentários.

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Ao tratar dos contactos dos portugueses com os potentados da costa orientalde África, por ocasião das primeiras expedições enviadas à Índia, Barros detém-se com algum vagar na história do porto de Quíloa. E para o fazer, para além deinformações orais e escritas transmitidas por portugueses, recorre a uma crónicamanuscrita, aparentemente em língua árabe, que lhe teria chegado às mãos:«Segundo apprehendemos per huma Chronica dos Reys desta Cidade»60.

estabelecimento dos portugueses em Ormuz merece especial atenção a João deBarros, dada a importância estratégica desta ilha situada à entrada do GolfoPérsico. Para além de recorrer a materiais de origem portuguesa, que incluíamdiversas fontes escritas, complementadas por testemunhos orais, o cronistalusitano faz ampla utilização de uma crónica manuscrita dos reis de Ormuz, emlíngua persa. Este documento parece corresponder a um desaparecidoShahnameh (ou ‘Livro dos Reis’), que teria recebido em Lisboa – «segundocontam as Chronicas dos Reys delle [Ormuz], que nos foram interpretadas dePersico»61 – e que terá sido traduzido por um dos seus auxiliares orientais.

Os portugueses, desde os primeiros anos do século XVI, mantiveram estreitasrelações com a Pérsia, e João de Barros descreve com detalhe, nas suas Décadasda Ásia, as diversas embaixadas que a partir de Goa foram despachadas para acorte safávida. Ao descrever o contexto geopolítico iraniano, repetidamentealude a uma crónica manuscrita dos soberanos persas, em língua persa. Refere-se a esta obra como «hum livro escrito em Parseo, chamado Tarig, quetrasladámos desta lingua, o qual he hum summario de todolos Reys que foramna Persia»62. Barros estava decerto a referir-se a alguma secção do Rauzat al-safa (ou ‘Jardim da Pureza’), uma extensa crónica em língua persa preparadanos últimos anos do século XV por Mir Khwand, cronista muito activo emHerat63.

Ainda em contexto persa, João de Barros revela um especial interesse pelafigura de Tamerlão, o célebre conquistador de origem turca, que no século XIVhegemonizou um imenso império na Ásia Central. Nas suas Décadas da Ásia, ocronista português aludia precisamente ao «grão Tamor Lange, a que muitoscorruptamente chamam Tamor Lam». E adiantava logo de seguida umaenigmática referência: «cuja vida nós temos em Parseo, e de que ao tempo quecompunhamos esta historia, tinhamos tirado em nossa linguagem boa partedella»64. Ou seja, João de Barros teria recebido da Índia um volume manuscrito,em língua persa, sobre a vida de Tamerlão, o qual estaria a traduzir paraportuguês com o auxílio de um dos seus colaboradores. Mas esta obra, que nuncafoi encontrada, poderia na realidade ser o já referido manuscrito do Rauzat al-safa, que em determinada secção trata longamente do conquistador asiático65.

A China, cujo litoral meridional os portugueses começaram a frequentar apartir das primeiras décadas do século XVI, merece a João de Barros umaelaborada, e altamente apologética, descrição. Notícias e referências ao mundochinês aparecem ao longo das quatro Décadas da Ásia, sempre num tompositivo. O cronista baseia-se sobretudo em informações orais e escritas deportugueses que visitaram o litoral chinês, e teve nomeadamente oportunidadede conversar com Fernão Peres de Andrade e com Fernão Mendes Pinto, doishomens com larga experiência das coisas chinesas. Mas a determinado passo, na

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Notes

1 Biblioteca Estense, Modena, Planisfério de Cantino, Wikimedia Commons, domínio público,disponível em en.wikipedia.org/wiki/Cantino_planisphere [acesso em 01-06-2018].

2 Sobre este planisfério, ver a edição de Ernesto MILANO, La carta del Cantino e larappresentazione della terra nei codici e nei libri a stampa della Biblioteca Estense eUniversitaria, Modena: Il Bulino, 1991. A respeito da viagem de Cabral, ver José ManuelGARCIA, Pedro Álvares Cabral e a primeira viagem aos quatro cantos do mundo, Lisboa:Círculo de Leitores, 2001.

3 Ver a análise de Luís de ALBUQUERQUE & José Lopes TAVARES, Algumas observações sobreo planisfério ‘Cantino’ (1502), Coimbra: Junta de Investigações do Ultramar, 1967.

4 Sobre a construção do Estado da Índia, ver Sanjay SUBRAHMANYAM, The Portuguese Empirein Asia, 1500-1700: A Political and Economic History, Londres / Nova Iorque: Longman, 1993.

5 Biblioteca Nacional de Portugal, Fernão Vaz DOURADO, Atlas, c. 1576, Códice iluminado 171,domínio público, disponível em http://purl.pt/400 [acesso em 01-06-2018].

6 Sobre o cartógrafo Fernão Vaz Dourado, ver Armando CORTESÃO, Cartografia e cartógrafosportugueses dos séculos XV e XVI, 2 vols., Lisboa: Seara Nova, 1935, vol. II, p. 7-104; e também,mais recentemente, Zoltán BIEDERMANN, «Notes on a Portuguese Map of Ceylon: Fernão VazDourado, 1568 / Notas sobre um mapa português de Ceilão: Fernão Vaz Dourado, 1568»,Oriente, 18, 2007, p. 97-105.

7 Relativamente às informações textuais, ver a obra fundamental de António Alberto Banha deANDRADE, Mundos Novos do Mundo: Panorama da difusão, pela Europa, de notícias dosDescobrimentos Geográficos Portugueses, 2 vols., Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar,1972; a respeito da cartografia, ver Alexandra CURVELO, A imagem do Oriente na cartografiaportuguesa do século XVI, dissertação de mestrado, Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais eHumanas – Universidade Nova de Lisboa, 1996.

8 Conhece-se apenas um exemplar desta obra, que se conserva na British Library. Ver a edição deArmando CORTESÃO & Henry THOMAS, Carta das novas que vieram a el-Rei nosso senhor do

descrição da geografia da China, refere a utilização de «hum livro deCosmographia dos Chijs impresso per elles, com toda a situação da terra emmodo de Itinerario», E sublinha, logo de seguida, que esse livro tinha sido «de látrazido, e interpretada per hum Chij, que pera isso houvemos»66.

Assim, vemos João de Barros utilizar na composição da sua crónica da expansãoportuguesa um alargado conjunto de textos de origem asiática, em árabe, em persa, emchinês, e também em outras línguas orientais. E estas fontes, de forma geral, merecem-lhe o mesmo crédito que outras obras de origem europeia já anteriormente referidas67.Em termos de historiografia portuguesa, trata-se de uma assinalável novidade, aconstrução de um projecto cronístico que recorre a uma tal multiplicidade de fontes deinformação e de pontos de vista, numa visão verdadeiramente caleidoscópica dasactividades dos portugueses no mundo oriental. Este é decerto um dos aspectos maisinteressantes das Décadas da Ásia, que também precisa de ser analisado de forma maisexaustiva.

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João de Barros aparece-nos como um historiador deveras moderno, que recorre amétodos de trabalho muito sofisticados para obter, seleccionar e cruzar as suas fontes,que possui e utiliza uma alargada biblioteca, incluindo obras ocidentais e orientais, queestá atento à história de outros povos e culturas, que utiliza uma alargada grelha dequestões, e que procura integrar a história de Portugal num contexto verdadeiramentemundial. A história de outros povos, culturas e civilizações extra-europeias interessa-lhe, sem dúvida, mas sobretudo como pano de fundo para os feitos náuticos e militaresdos portugueses, como pretexto para explicar a expansão lusitana, ou mesmo comopontual lição estratégica para os decisores imperiais portugueses. O que não é pouco.Mas talvez não seja um historiador global, como o têm por vezes caracterizado.

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O projecto historiográfico de João de Barros merece sem dúvida ser revisitado. E asua biblioteca – ou seja, os manuscritos e impressos de que fez uso na composição dasDécadas da Ásia – precisa de ser mais exaustivamente explorada, para uma claraidentificação das redes materiais e intelectuais que a suportam, e que revelam umintensíssimo movimento de intercâmbios culturais que teve lugar nos alvores da idademoderna, entre Portugal e os seus entrepostos espalhados um pouco por todo o mundo.

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descobrimento do Preste João, Lisboa: s.e., 1938.

9 Para uma edição moderna, ver Francisco ÁLVARES, Verdadeira informação das terras doPreste João das Índias, ed. Augusto Reis Machado, Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1943.Sobre Álvares e a circulação europeia da sua obra, ver António Alberto Banha de ANDRADE,Francisco Álvares e o êxito europeu da Verdadeira Informação sobre a Etiópia, Lisboa: Juntade Investigações Científicas do Ultramar, 1981.

10 A respeito da Casa da Índia, ver o recente estudo de Susannah Humble FERREIRA, TheCrown, the Court and the Casa da Índia: Political Centralization in Portugal 1479-1521,Leiden / Boston: Brill, 2015.

11 Sobre a vida e obra de Barros, baseio-me nas biografias de Charles R. BOXER, João de Barros,Portuguese Humanist and Historian of Asia, Nova Delhi: Concept Publishing Company, 1981, ede António Borges COELHO, Tudo é mercadoria: Sobre o percurso e a obra de João de Barros,Lisboa: Caminho, 1992.

12 João de BARROS, Ásia – Primeira Década, ed. António Baião, Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1988, p. III, domínio público, disponível em http://purl.pt/26841/3/ [acesso em01-06-2018].

13 A primeira edição desta obra é excessivamente rara, e dela se conserva um exemplar naBiblioteca Nacional de España, em Madrid, disponível emhttp://bdh.bne.es/bnesearch/detalle/bdh0000149361 [acesso em 04-06-2018]. Para uma ediçãomais recente, ver João de BARROS, Crónica do Imperador Clarimundo, ed. Manuel MarquesBraga, 3 vols., Lisboa: Sá da Costa, 1953.

14 Ver Tobias BRANDENBERGER, «A Crónica do Imperador Clarimundo: estratégiasdiscursivas e distorções exegéticas», Iberomania, 52 (1), 2004, p. 42-58.

15 Sobre este palácio, ver Nuno SENOS, O Paço da Ribeira, 1501-1581, Lisboa: Editorial Noticias,2002.

16 Ver João de BARROS, Ropica Pnefma, ed. I. S. Révah, 2 vols., Lisboa: Instituto Nacional deInvestigação Científica, 1983, que inclui um fac-símile da primeira edição. Sobre esta obra, verum bom ponto da situação em Cristina Costa GOMES, «Ropica Pnefma: em diálogo», Cadernosde Estudos Sefarditas, 14, 2015, p. 153-170.

17 Ver uma edição moderna em João de BARROS, Panegíricos, ed. Manuel Rodrigues Lapa,Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1943.

18 A respeito das ideias pedagógicas de Barros, ver estado da questão em Helena Costa TOIPA,«João de Barros, o Pedagogo», Máthesis, 8, 1999, p. 55-80. Para uma edição das obras, ver Joãode BARROS, Gramática da Língua Portuguesa: Cartinha, Gramática, Diálogo em louvor danossa linguagem, Diálogo da Viciosa Vergonha, ed. Maria Leonor Carvalhão Buescu, Lisboa:Faculdade de Letras – Universidade de Lisboa, 1971.

19 João de BARROS, Diálogo Evangélico sobre os artigos da fé contra o Talmud dos Judeus, ed.I. S. Révah, Lisboa: Studium, 1950.

20 Valerá a pena ver a este respeito António Alberto Banha de ANDRADE, João de Barros,historiador do pensamento humanista português de Quinhentos, Lisboa: Academia Portuguesada História, 1980.

21 João de BARROS, Décadas da Ásia, ed. Nicolau Pagliarini, 8 vols., Lisboa: Livraria SamCarlos, 1973, vol. I, p.n.n. (déc. 1, prólogo). Nas citações utilizo esta cómoda reimpressão fac-similada da edição setecentista da Régia Oficina Tipográfica de Lisboa.

22 Sobre a titulatura régia de Dom Manuel I, ver António Vasconcelos de SALDANHA,«Conceitos de Espaço e Poder e seus reflexos na titulação régia portuguesa da época daexpansão», in: Jean AUBIN (ed.), La découverte, le Portugal et l’Europe, Paris: Centre CulturelPortugais – Fondation Calouste Gulbenkian, 1990, p. 105-129.

23 A respeito do projecto historiográfico de Barros, ver C. R. BOXER, João de Barros, p. 97-129.

24 Ver referências essenciais a todos estes nomes em Francisco Contente DOMINGUES (dir.),Dicionário da Expansão Portuguesa, 1415-1600, 2 vols., Lisboa: Círculo de Leitores, 2016.

25 A respeito destas questões, ver Rui Manuel LOUREIRO, «Algumas notas sobre as cargas deretorno da carreira da Índia no porto de Lisboa», Rossio – Estudos de Lisboa, 7, 2016, p. 81-91,onde é citada ampla bibliografia.

26 J. BARROS, Décadas da Ásia, vol. I, p.n.n. (déc. 1, prólogo).

27 Ibid.

28 Ver Fernão Lopes de CASTANHEDA, História do descobrimento e conquista da Índia pelosportugueses, ed. Manuel Lopes de Almeida, 2 vols., Porto: Lello & Irmão, 1979. Sobre a obradeste cronista, ver Ana Paula AVELAR, Fernão Lopes de Castanheda: Historiador dosportugueses na Índia ou cronista do governo de Nuno da Cunha?, Lisboa: Edições Cosmos,1997.

29 J. BARROS, Décadas da Ásia, vol. VII, p.n.n. (déc. 4, apologia).

30 Ver sobre estas questões C. R. BOXER, João de Barros, p. 97-129.

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31 Ver J. BARROS, Décadas da Ásia, passim. As quatro crónicas de João de Barros, em ediçõesmais recentes, estão disponíveis no repositório digital da Biblioteca Nacional de Portugal, emhttp://purl.pt/26841 [acesso em 01-06-2018].

32 Ibid., vol. I, p. 14 (déc. 1, liv. 1, cap. 1).

33 Luís de MATOS, «Em torno dos inéditos de João de Barros», in: Helder Macedo (ed.), Studiesin Portuguese literature and history in honour of Luís de Sousa Rebelo, Londres: TamesisBooks, 1992, p. 89-102 (citação na p. 97).

34 Ver Rui Manuel LOUREIRO, «João Baptista Lavanha, cosmographe portugais, et la chroniqued’Asie au début du XVIIe siècle», e-Spania, 28, 2017, disponível emhttp://journals.openedition.org/e-spania/27316 [acesso em 01-06-2018].

35 João de BARROS, Ásia – Terceira Década, ed. Isabel Vilares Cepeda, Lisboa: ImprensaNacional – Casa da Moeda, 1992, p.n.n., domínio público, disponível em http://purl.pt/26841/3/[acesso em 01-06-2018].

36 A propósito desta questão, ver Donald F. LACH, Asia in the Making of Europe, vol. 2, Acentury of Wonder, 2 tms., Chicago / Londres: The University of Chicago Press, 1970-1977, tm. 2,p. 5-26.

37 J. BARROS, Décadas da Ásia, vol. I, p. 1-2 (déc. 1, liv. 2, cap. 1).

38 Para uma síntese recente, com indicações bibliográficas, ver Toru MARUYAMA, «João deBarros», in: David Thomas & John Chesworth (eds.), Christian-Muslim Relations. ABibliographical History, vol. 6, Western Europe (1500-1600), Leiden / Boston: Brill, 2014,p. 358-368.

39 A respeito desta particular característica historiográfica, ver Jorge Borges de MACEDO,«Damião de Góis et l’historiographie portugaise», in: José V. de Pina Martins (ed.), Damião deGóis, humaniste européen, Braga: Barbosa & Xavier, Limitada, 1982, p. 55-243.

40 J. BARROS, Décadas da Ásia, vol. V, p. 152 (déc. 3, liv. 2, cap. 4).

41 Ibid., p. 152-173 (déc. 3, liv. 2, cap. 5).

42 Ver, sobre este aspecto das Décadas da Ásia, Francisco Roque de OLIVEIRA, «Lançandolinhas imaginárias: metageografias da Ásia nas descrições geográficas e na cartografia portuguesado século XVI», Scripta Nova, 20 (551), 2016, disponível em http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-551.pdf [acesso em 05-06-2018].

43 Ver o estudo já antigo, mas ainda interessante, «Uma concepção planetária da História emJoão de Barros», in António José SARAIVA, Para a História da Cultura em Portugal, 2 vols.,Lisboa: Publicações Europa-América, 1972, vol. II, p. 329-355. Para uma abordagem maisrecente, ver Sanjay SUBRAHMANYAM, «Intertwined Histories: Crónica and Tārīkh in theSixteenth-Century Ocean World», History and Theory, 49, 2010, p. 118-145.

44 Zoltán BIEDERMANN, «Nos primórdios da antropologia moderna: A Ásia de João deBarros», Anais de História de Além-Mar, 4, 2003, p. 29-61.

45 J. BARROS, Décadas da Ásia, vol. I, p.n.n. (déc. 1, prólogo). Para uma edição moderna destacrónica, ver Gomes Eanes de ZURARA, Crónica de Guiné, ed. José de Bragança, Porto: LivrariaCivilização, 1973. A respeito da utilização da crónica zurariana, ver o estudo modelar de José daSilva HORTA, «Uma leitura de Zurara por João de Barros», in: Maria do Rosário ThemudoBarata Azevedo Cruz & outros (eds.), Amar, Sentir e Viver a História: Estudos de Homenagem aJoaquim Veríssimo Serrão, 2 vols., Lisboa: Colibri, 1995, vol. II, p. 673-702.

46 Ibid., vol. I, p. 201 (déc. 1, liv. 3, cap. 6): «segundo anda escrita per Ruy de Pina, Chronistamór que foy deste Reyno». Para uma edição recente das obras deste cronista, ver Rui de PINA,Crónicas, ed. Manuel Lopes de Almeida, Porto: Lello & Irmão, 1977. Sobre Rui de Pina, verCarmen M. RADULET, O cronista Rui de Pina e a «Relação do reino do Congo», Lisboa:Imprensa Nacional – Casa da Moeda / Comissão Nacional para as Comemorações dosDescobrimentos Portugueses, 1992.

47 Ibid., vol. V, p. 30 (déc. 3, liv. 1, cap. 3): «Pedro Martyr segundo elle conta em hum tratadoque fez desta sua peregrinação, que anda impresso com suas obras». Para uma edição modernadesta obra, ver Pietro Martyr d’ANGHIERA, Una embajada de los Reyes Católicos a Egipto,según la “Legatio Babylonica” y el “Opus Epistolarum” de Pedro Mártir de Anglería, trad. / ed.Luis García y García, Valladolid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1947.

48 Ibid., vol. V, p. 51 (déc. 3, liv. 1, cap. 4). Para uma edição moderna da crónica, ver DuarteGALVÃO, Crónica de El-Rei D. Afonso Henriques, ed. José Mattoso, Lisboa: Imprensa Nacional– Casa da Moeda, 1995. Sobre Galvão, ver o estudo de Jean AUBIN, Le Latin et l’Astrolabe,3 vols., Lisboa / Paris: Comissão Nacional para as Comemorações dos DescobrimentosPortugueses / Centre Culturel Calouste Gulbenkian, 2000-2006, vol. I, p. 11-48.

49 Ibid., vol. V, p. 364 (déc. 3, liv. 4, cap. 1). A respeito de Góis, ver Luís Filipe BARRETO,Damião de Goes: Os caminhos de um humanista, Lisboa: CCT – Correios, 2002.

50 Ibid., vol. III, p. 278 (déc. 2, liv. 3, cap. 4).

51 Ibid., vol. IV, p. 270 (déc. 2, liv. 8, cap. 1). Para uma edição moderna, ver D. João de CASTRO,«Roteiro do Mar Roxo», in: Armando Cortesão & Luís de Albuquerque (eds.), Obras Completasde D. João de Castro, 4 vols., Coimbra: Academia Internacional de Cultura Portuguesa, 1968-

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1981, vol. II, p. 171-399. Sobre esta viagem de Castro, ver Timothy J. COATES, «D. João deCastro’s 1541 Red Sea Voyage in the Greater Context of Sixteenth-Century Portuguese-OttomanRed Sea Rivalry», in: Caesar E. Farah (ed.), Decision Making and Change in the OttomanEmpire, Kirksville, Missouri: The Thomas Jefferson University Press, 1993, p. 263–285.

52 Ibid., vol. V, p. 570 (déc. 3, liv. 5, cap. 5): «que houvemos de Antonio Galvão». A propósito deGalvão, ver Rui Manuel LOUREIRO, «António Galvão e os seus tratados histórico-geográficos»,in: Roberto Carneiro & Artur Teodoro de Matos (eds.), D. João III e o Império: Actas doCongresso Internacional comemorativo do seu nascimento, Lisboa: Centro de História de Além-Mar / Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, 2004, p. 85-102.

53 Ibid., vol. VI, p. 205 (déc. 3, liv. 7, cap. 9). Sobre Tenreiro e o seu relato de viagem, ver AntónioBAIÃO (ed.), Itinerários da Índia a Portugal por Terra, Coimbra: Imprensa da Universidade,1923.

54 Ibid., vol. V, p. 159 (déc. 3, liv. 2, cap. 5).

55 Ibid., vol. V, p. 159 (déc. 3, liv. 2, cap. 5). Para uma edição recente da versão ramusiana deMarco Polo, ver Giovanni Battista RAMUSIO, Navigazioni e Viaggi, éd. Marica Milanesi, 6 vol.,Turim: Einaudi, 1978-1988, vol. III, p. 7-297. Sobre o relato poliano, ver Vasco RESENDE, «Ladiffusion européenne de l’édition portugaise du Livre de Marco Polo (1502)», in: OrbisDisciplinae: Hommages en l’honneur de Patrick Gautier Dalché, ed. Nathalie Bouloux, Anca Dan& Georges Tolias, Turnhout: Brepols, 2017, p. 537-554.

56 Ibid., vol. IV, p. 272 (déc. 2, liv. 8, cap. 1). Ver uma edição do relato em G. B. RAMUSIO,Navigazioni e Viaggi, vol. II, p. 463-495. Sobre este relato, ver Dejanirah COUTO, «Le ViaggioScritto per un Comitto Veneziano et la Descriptio Peregrinationis Georgii Huszti: quelquestémoignages sur les équipages de l’expédition de Hadim Süleyman Paşa dans l’océan Indien(1538)», Eurasian Studies, 8, 2010, p. 77-96.

57 E nomeadamente por C. R. BOXER, João de Barros, p. 97-129, e S. SUBRAHMANYAM,«Intertwined Histories», p. 118-145.

58 J. BARROS, Décadas da Ásia, vol. II, p. 288 (déc. 1, liv. 9, cap. 1).

59 Ibid., vol. 7, p. 333 (déc. 4, liv. 3, cap. 13).

60 Ibid., vol. II, p. 224 (déc. 1, liv. 8, cap. 6). Sobre esta crónica suaíli e a sua utilização porBarros, ver Adrien Delmas, «Writing in Africa: The Kilwa Chronicle and other Sixteenth-CenturyPortuguese Testimonies», in: Andrea Brigaglia & Mauro Nobili (eds.), The Arts and Crafts ofLiteracy: Islamic Manuscript Cultures in Sub-Saharan Africa, Berlim / Boston: De Gruyter,2017, p. 181-206.

61 Ibid., vol. III, p. 108 (déc. 2, liv. 2, cap. 2). Sobre esta crónica persa, e a sua utilização porBarros e outros escritores portugueses da época, ver Rui Manuel LOUREIRO, «Gaspar da Cruz»,in: D. Thomas & J. Chesworth (eds.), Christian-Muslim Relations, p. 369-375.

62 Ibid., vol. III, p. 408 (déc. 2, liv. 4, cap. 4).

63 Para uma tradução parcial em língua inglesa, ver Mirkhvand, Rauzat-us-safa or, Garden ofPurity, trad. E. Rehatsek & ed. F.F. Arbuthnot, 3 vols., Londres: Royal Asiatic Society, 1891.Sobre a cronística timúrida, ver Michele Bernardini, Mémoire et Propagande à l’ÉpoqueTimouride, Paris: Association pour l’Avancement des Études Iraniennes, 2008.

64 J. BARROS, Décadas da Ásia, vol. III, p. 412-413 (déc. 2, liv. 4, cap. 4).

65 Sobre as referências a Tamerlão que se encontram em autores portugueses do século XVI, verRui Manuel LOUREIRO, «The History of Tamerlan in Don García de Silva y Figueroa’sComentarios (1624)», in: Enrique García Hernán, José Cutillas Ferrer & Rudi Matthee (eds.),The Spanish Monarchy and Safavid Persia in the Early Modern Period: Politics, War andReligion, Valencia: Albatros, 2016, p. 177-198.

66 J. BARROS, Décadas da Ásia, vol. II, p. 288 (déc. 1, liv. 9, cap. 1). Sobre a importância daChina na obra de Barros, e na cultura portuguesa em geral, ver Rui Manuel LOUREIRO,Fidalgos, Missionários e Mandarins: Portugal e a China no Século XVI, Lisboa: FundaçãoOriente, 2000.

67 Nas Décadas da Ásia é possível, por exemplo, identificar referências a: várias descriçõesmanuscritas do Golfo Pérsico, em línguas árabe e em persa (déc. 3, liv. 6, cap. 4); uma crónicamanuscrita, em língua persa, sobre a origem dos mogores (déc. 4, liv. 6, cap. 1); três crónicasmanuscritas dos reis do Guzerate, do Decão e de Vijayanagar, em línguas não definidas (déc. 2,liv. 2, cap. 9; déc. 2, liv. 5, cap. 2; déc. 3, liv. 4, cap. 4; déc. 4, liv. 5, cap. 2); e uma relaçãomanuscrita das crenças do Malabar, em língua malaiala (déc. 1, liv. 9, cap. 3).

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Title Secção oriental do Planisfério de Cantino1

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02/09/2018 Revisitando as Décadas da Ásia: Algumas observações sobre o projecto historiográfico de João de Barros

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Title Carta da Ásia Oriental de Fernão Vaz Dourado5

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Title Retrato de João de Barros12

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Title Portada da Terceira Década de João de Barros (Lisboa, 1563)35

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References

Electronic referenceRui Manuel Loureiro, « Revisitando as Décadas da Ásia: Algumas observações sobre o projectohistoriográfico de João de Barros », e-Spania [Online], 30 | juin 2018, Online since 15 June 2018,connection on 02 September 2018. URL : http://journals.openedition.org/e-spania/27836 ; DOI :10.4000/e-spania.27836

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Rui Manuel LoureiroUniversidade NOVA de Lisboa, CHAM

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