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NUMERO II. EXAME CRITICO DO MOTIM LITTERARIO JOSÉ AGOSTINHO DE MACEDO. Ceci s'adiesse a vous Espiits du dernier ordre, Qui n' ctant bons a rien chercliez sur tout à mordre. Vous vous tourmentez vainement, Croyez-vous que v.os dents imprjment leurs outrages? Us sont pour vous d'airain, d'acier, de diamant. Lo Fontaine. Examináo-se os Folhetos X., e XI. Dialogo. Nx. pareça estranho, e desusado desviar-me da estrada ana« lytica, que segue o A. analysado em lindos Solilóquios ; por- que esta formalidade arithmetics he practicavel quando as matérias são ligadas entre si por maneira, que o segundo dis- curso nasça do primeiro : nao acontece p irém assim no Motim Litterario que temos á vista pata passar pela fieira pois tanto monta anatomisa-lo ás direitas, como ás avessts, ou do centro para os lados, por ser hum daquelles escriptos inúteis em que resuma o rancor contra as Sciencias sem docilidade, virtude, a mais louvável, e necessária aos Escrfptotes que aspiráo á Fama, e a huma boa nomeada. Succede com as leiras o mesmo que D

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NUMERO II.

EXAME CRITICO

DO

MOTIM LITTERARIO

JOSÉ AGOSTINHO DE MACEDO.

Ceci s'adiesse a vous Espiits du dernier ordre, Qui n' ctant bons a rien chercliez sur tout à mordre.

Vous vous tourmentez vainement, Croyez-vous que v.os dents imprjment leurs outrages? Us sont pour vous d'airain, d'acier, de diamant.

Lo Fontaine.

Examináo-se os Folhetos X., e XI. Dialogo.

Nx. pareça estranho, e desusado desviar-me da estrada ana« lytica, que segue o A. analysado em lindos Solilóquios ; por- que esta formalidade arithmetics só he practicavel quando as matérias são ligadas entre si por maneira, que o segundo dis- curso nasça do primeiro : nao acontece p irém assim no Motim Litterario que temos á vista pata passar pela fieira pois tanto monta anatomisa-lo ás direitas, como ás avessts, ou do centro para os lados, por ser hum daquelles escriptos inúteis em que resuma o rancor contra as Sciencias sem docilidade, virtude, a mais louvável, e necessária aos Escrfptotes que aspiráo á Fama, e a huma boa nomeada. Succede com as leiras o mesmo que

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nâ comida se observa: ("*) 0 cosínheiro tem o paladar es- tragado, e quer a seti modo filosofar nos temperos, a pezar cl.s razões que dá, e dos elogios que se arroga, sempre aquella te- rá hum sabor ingrato, nauseante, indigesto, ruinoso, e cujos vapores perturbarão o cerebro. Tal he figuradamente o que se pôde com toda a sisudez achar nas esritscas paginas dos lindos Solilóquios* do A. obstruídas apenas appcrencemente de pala- vrões , synoriimns, sarcasmos, xalsiçtis, e contradições, mes- cladas com outros vicios mais viperinos, os quaes veliiti in speculo desenvolvem assás o sarnento bullicio em que gira con- tinuadamente a desigual, volúvel, e insukadora imaginação do seu A.

Cada Solliloquio roda sobre os mesmos eixos em diversos terrenos, quero dizer, a tal conversínha ínfommatoria ad epbí- sios rexeada de reticencias toxicas , empalhada com allusóes perturbadoras, e destillando por todos os poros, ou erros aquel- la baba caustica, que insinuada gangrena, e dissolve os corpos organisados a que se «pega ; trata assumptos desanexados per- tencentes (diz o A. ) a Artes r e Sciences os quaes já formão hum Cadernorio de 11 folhetinhos a que se dá sem vergonha o nome de Motim, e de Tomo I. contendo huma groza de So- lilóquios com hum cabo da ronda no fim a que chama Dialogo de mortos , e bem mortos : graças ó Estúpida Sandice, quem Vos encárâ diz pedacinhos de ouro (**), e logo engorda as fa- ceiras ! Figurão no tal Dialogo os defuntos Homero, e Luiz de Camões este vesgo, e aquelíe cego lá pelo A. e como isto me toque de mais perto, perdoará o Leitor o ptilo que damos,pois que seivindo-se o A- desta ponte tão velha para derrubar o me- recimento da Traducçáo da llliada , que não seria capaz de fa- zer ainda cot* o estudo de ^eo annos-, se os vivesse, o esfal- fasse ( assevero isto fiado. em. seus ditos unicamente a tal res-

(*} 11 en est de 1'étude com me des bons legumes: si on ne Jes- scaif pas bien aprfiter, ils sont malgré Jeur saveur une nòur- rifure crue, pesante , indigesta, qui renvoie souvent des vapeurs qui incommodent, et troublent le cerveau. - _ .

jt4 ree conspecta, mox alius accassit vultu»,

Erasn».

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peito, pelas diatribes espalhadas nos briginaes Sclilfiquits con- tra os <pc se applicáo, as quaes nío copio per serem indignas do Publico as lêr outra vez) convinha oesiaanchar4he a Igre- jinha quanto antes > temendo nío sobrevenha alguns Parlamen- tario que deixe assestada esta bateria de despropósitos enfiados, qual rozario de pinhões langninbénros, produzidos pela ignorân- cia, e pela raiva sem o menor vislumbre de critica ajuizada, conforme ao sentir dos pedantes (que assim o A. corteja os Sá- bios) á vista do nosso enfunado A. de grande leitura, encanta- do com a sua sufficiericia (* ) Signal evidente de muita parra sem nenhum bago.

Estas são as-razoes do «alto, e não por ter o carcaz des- provido: sabemos que o deventre também pertence ao compra- dor do porco; e seria huma injuria abandonar sem tir-te, nem gitar-te assim sg solilouquices á justiça secular, cujo exame não ta.dará em ver a lnz pública; quero satisfazer Garcian, Bi- dfcld, Perrauít, e outros A A. que me bradáo ah que d'El- Rei ! por suas composições, o que faremos a não morrermos de bexigas moléstia ordinariamente infantil , já nos abandoned a infância, e só as creanças he que tem medo do papão. Ve- iemos se os estúpidos aplaudidores do A. (temente em quanto aos Soliloquies) se desmagináo das pirolas que engolem, veri» do-se aturdidos com tantos farranchos scien ti ticos, e tantos no» mes estrangeiros que andáo aos pontapés pelo Diccicnario His» tórico : quem tem os olho3 abertos, e se não deslumbra com palavriados ocos, nem com apparentes visualidades despreza as piscas de ouro que mal encobrem a vista ingrata, e abcriecivel da assa fétida.

Não se julgue injustamente que eu faço esta analyse dos Solilóquios por espirito vingador, ou de parceiro, que vai airaz da desforra , porque além deste satírico Dialogo não ser só a mim propriamente dirigido, eu disse que não respondia a Mi- sérias nem a satyras; porque isto be que he miséria bem mi- séria: e tanto que nada ten.)o com a pessoa do A. em quanto só individuo, e tanto qne depois de o ter ha dias ouvido pre- gar lhe dei os parabéns perante bastantes pessoas, que ainda

(*) Oxenstrin no pensamento — 11 est bon d' aoprendre eu lout temps, =

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estáo vivas como hum alho : e o A. me disse lagrimijando t= Couto eu sempre fui teu amigo ~ havendo-me já descomposto no seu Motim com alcunhas, e epithctos ridículos, partilha de hum génio detractor, avinagrado, e desforra pueril de huma cabeça esturrada, que só escreve para loucos segundo confessa o A. « Quem falia só tem louco Auditório » (o Soliloqueiro no seu Motim Num. i.°) O mais he t]ue eu oáo tinha dado assumpto a taes gracetas, porém se tal he a propensão do nosso A. ? mas de que valem satyras improváveis ? a respeiro delias diz o Jornal de Trevoux que todo'o sensato sempre as voltou contra o que as engendra; e eu valendo-me de hum çurrado

roverbio, corroboro esta asserção dizendo =3 Carvalho que da ugalho náo pôde dar cousa boa; cada qual dá o que tem con-

forme a sua pessoa — Além de tudo isto a Traducçáo da Iliia- da satyrisada, dentada, e mordida pelo A. he inabalavel a simi- Jhantes ultrajes, hc de ferro, he de diamante em que lhe náo fazem móça os caninos dentes do Zoilo, e do Plagiário : po- rém se embrulhar pimenta, ou pó de tijolo, outro tanto rem acontecido, e quem o diria l ás nossas Ordenações do Reino, e a outros Escriptos dignos do maior recato. Pôde estar certo o A, que apezar. de 2 , ou 7, Lógicas só que tenho lido, por que das mais fez elle universal monopolio, sei optimamente destinguir o que he ser Sabio, ou Sofista; e o que he sofisti- car, cu argumentar nos termos.

Bastará por ora de palavriado, eu também sei fallar de improviso, e repetir palavras , e palavras sem ligação alguma he fazer huma prosodia má,.e náo hum discurso, por tanto versa o critério com natureza de chôpa sobre Homero tradu- zido em Portuguez, e sobre cuja Traducçáo o A. se alarga desferindo todos os cutellos, barredoiras, e mais trapinhos da sua imaginaçãosinha; porém, ó desgraça ! faltou-lhe o vento, perdeo o rumo, quebrou o leme á força de o entortar, e ficou outro Palinuro com a boca ás moscas deixando-se ir ao som d' agua ; claro estava que havendo na corrente alguma Scylla es- tava logo o esquife em pedaços. Que quererá isto dizer t eu me explico (leve o diabo os Rethoricos que são os culpados des- tas figuras: tenha-se entendido, assim diz o Motim, que fallar direito, obvio, e inteliigivel, enérgico, com toda a eviden- cia he fallar como costumava Manoel de Aroxa; ou como Jo- sé Piegas). O A. já disse o contrario de tudo quanto diz n$>

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tal Dialogo, e nos contractos a primeira palavra lie a que vai, isto de que tratamos não he testamento que se renove quando queira o testador : em conclusão qualquer Escriptor que assim obra nunca póJe portar por fé, rio he acreditado, e faz toJo o juz a huma opposiçáo entre cs Orates, competindo-lhe não o apeilido de Sabio, mas de sofista, ou sopista", que tanto monta disputador, e contrariador aerio. Estragadores do modo de pensar, e corruptores dos estudos foráo certamente os solis- tas , e por isso desprezados pelos Filosofos, senáo oiçamos o que delles dizia Socrates, tt Os solistas se pagaváo muito de si mesmos quando chegaváo a dar aos paradoxos a mais fraca si- milhança de verdade; e de entáo por diante tal foi o principal objecto de suas fadigas, tanto nos seus discursos, como nas suas disputas a fim de mostrarem que tudo sabiáo, e se faze- rem acreditar por aquelles míseros, que se deixaváò allucinar pela sua supposta facúndia, e pelos seus sofismas » (*)• Ensi- naváo cambem a disputar sobre todas as matérias ainda que del- ias nada entendessem tendo apenas huns ligeiros conhecimentos com que embalaváo os seus adeptos, e com isto impunháo aos pexinhos, e assombraváo os stólidos, e não lucraváo pouco com suas falsas, e pestíferas instrucções. Sirvamo-nos de hum si- mile rasteiro para todas as comprebensões. Ha gatunos tão in- dustriosos que preparáo hum dixe de latão com a mesma cor, e apparencia de hum fino ouro; e pilhando no Terreiro do Pa- ço , ou ao Correio algum lorpa lho imbutem por alto preço, o qual se he logo justamente avaliado á porta de qualquer Ouri- ves, he patente o roubo, e o engano ; e que suecede se he o gatuno agarrado ? vai dar com os ossos no Limoeiro, e fica apontado para sempre, e com o trafico arruinado : tal he o es- pelho em que se revê o Motim do A. por isso elle com razão desapprova a leitura dos bons livros nos quaes se encontrão des- tas carapuças. Forte pedante foi Si vcrien em ter tallado assim contra os Sofistas; he hum ignorancarráo em ter introduzido nas vidas dos Filosofos este retalho (dirá o A.) Se o pilhira ha- víamos medir-nos, e folhetada com elle feita do pé para a mão não seria falsa. Com que em quanto ao merecimento líuerario

(*) Lea! na vida de Protagoras imitada de Saverien Tom: 2. pag. 4S2.

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do A. neste Dialogo, em quanto a escriptor, está avaliado, agora resta saber-mos os motivos particulares da zanguinha com que o compôz, inutilisando o trabalho, e os pobres trapos das camisas remendadas com que se jtz o papel em que o A. es- creve , e gastando baldadamente o tempo, que só o Eterno des- tribue; prostergando as Leis, que a analyse prescreve, invecri- vando grosseiramente, como fazem os mochilas em torno do parzaváo, e offerecendo-ae ao Mundo em espectáculo, que se máo ? queixe-se do seu génio desigual, e inquieto por ser ta- manha patada em seu descuido sern pezar o que diz, a quem falia, e sobre o que discorre, o que só lhe grangea críticos em lugar de ouvintes, e por vivas apupos. E que 1 (diz Aristar- cho) sáo precisas tantas considerações para ser Escriptor e bom Escriptor ? assim o tem dito muitos Sábios, todos papalvos no sentir do A. mas que tenho quando

Estúpido tropel co' as mãos o approva ( * )

o que só he merecedor de pateada ? que me importa ser (como diz o A. no seu Motim) o reformador dos Orates querendo á cinte que os apatetados saibáo differençar o sarcasmo da agude- za epigrammatica, e os argumentos ad inverecuniiam do sylo- gismo*? Que alteração faz no cambio do papel-moeda que os ■Solilóquios do A. tenháo borras, ou azeite ? la se avenha com a profecia de Bocage:

(**) Anda por hi campando hum tal Paulino....,

O meu caso he levar a tarefa que emprehendi ao cabo no mes- mo tom em que principiei, mostrando plagiaras, descortinando allusóes, e patenteando as mais desmarcadas contradicçóes sem me embaraçar com a vida do A. posto dè bastante péga ao contrario por náo sustentar demanda seria: tudo sáo cotas pelos autos até que alguma vez o ]uiz lhe mande queimar o processo com a perda da causa, e pagamento das custas, applicando-lhe o despacho já proferido pelo citado Bocage contra outro que tal «quejando Rábula vão que de Mentor ostenta.

( * ) Eucage Soneto manuscr. (**) Item mai»»

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ai

•LeWftte o A. ts.antífonas que quiser, componha Misérias, como aquellas sár. fora do Córô não tem ponto : eu não me desço da burra , e pua o conductor delia , ne que eu deixo hu« ma fresta rasgada a todas as arrieiradas. Embora estas motivem a outros nome, considerações, e dinheiros, vamos pela estrada que 03 verdadeiros Litteratos assinalarão, e que Aí ably C*~) bum dos modernos assoladores (•*) marca também, qual he, d ao Publico sensato so importa saber se he boe, ou má aquel- la, ou esra Obra sem se embaraçar com o Author » tudo a mais he desgostar o Publico, enUstia-I», e mofar solemnente do respeito que se lhe deve representando a Nação (***). A jovialidade mái do riso, e muito leve da cabeça nunca poderá effuscar -a razão, dizia aquellc malvado Jaques; maldito lhe chamei para ir com o A. em alguma cousa, pois que Arquite« ctor (****) de republicas como o A. lhe chama a pàg. 2 - da sua motinada pouco djiíere ; bem que citar o bom deste 1 ila* sofo em que não aggrava a Religião, nem o Estado seja huma acção tão indiflereute como trazer delle o seu retracto continua- mente em hurr a caixa de tabaco : trago esta paridade para ob- viar toda a malícia da repostada « e« bem os conheço » dizia o refalsado ]unot, tratando dos traidores denunciantes que O cec- eaváoj e convém a este respeito ter todo o cuidado

Latct ar.guis in soliloquiis.

( * ) No Prologo á Traducçao dos Entrctimentos de Phceloit por Nitoeles. ■ (*") .Tal lie a frase do A. a respeito deste Sabio no Motim pag. 37. Torno a repetir ao Á. e ao Publico approvamos só des- te Sabia o que não he revoltoso, e inipio, bem como dissemos em o nosso Num. l.° a respeito de Vo tairc, e Baile : tudo o qus fora disto nos retorquir o A. he calumnia a que se não respon- derá.

('*** y Mais huma prova de ser falso o qiie prometteo na sui Preparação = respeito i Sociedade = alcunhas , e descompostura» são para o A. syooninros de —t elogios. =

(*"** ) Arquitectar não he termo autliorisado pelos nossos Clás- sicos, sun Architect! , ou tracist» de Obras, vulgo engenheiro. Veja o A. a prosódia de li. P. que lie o livro que temos mais á uião para lhe responder-mos, e não nos prometia depois pureza de linguagem, olhe que o vulgo tuija que por esta se entende fallar num homem sem se engasgar, ou por ponta de lingua.

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Em quanto ao fundamento de areola, on zanguinha que o levou a esta composição dialogistica direi o que houve em gumma para não enfastiar os Leir<res semcilguni appendix; ha- vendo principalmente acolhido também, acolhido tão favoravel- mente este pequeno opúsculo, etri que bem se manifesta que t> geral da Nação não he tão calças, e stulto como parece ao A. e do que se queixa em continuadas anaphoras do seu Motim. Trarei o caso tib ovo para melhor intelligencia, e se poder dar a Ces^r o que lhe convém de justiça.

Ha muito que em mim arde o desejo de ser util á Patria, e desde que a esta me consagrei no exercício publico de ensinar em huma Cadeira Regia a Lingua Grega, preparatório indis- pensável aos verdadeiros eruditos; preoposiçáo esta que já não admitte discussão, inquestionável nas Academias, nos 1 yceos, e aonde ha (*) corpos Litterarios pacíficos, e náo amotinadores, e até recommendada pelos mandados dos nossos Monarca5, bem que o A. no seu Motim se opponha a todas estas deci- sões, encontrando-se contra ellis neste armazém de contradic- çóes alugado com aposentadoria activa, e passiva, para redicu- farisar Professores, e Sciencias pela tão obvia razão do qijanto he trevial á vaidade humana desdenhar do que se náo possue: tive sempre vontade de dar á lingua Materna o Principe dos E'pkros, cuja glcri» (** J ninguém pôde exaltar por louvores, nem diminuilla por censuras; trabalho intentado por muitos En- genhos , e por nenhum cumprido até hoje: e como pretendesse tornar a sua versão mais aproximada ao original, e mais pom- posa o que difficilmente se consegue em prosa por_ ter leis mais apertadas, obviando as perifrases, e circumlocuções, que a li- berdade do metro evita, substituindo a estes rodeios e joadores novas palavras derivadas da sua fonte propria (riqueza da lin- gua) authoridade, que todos os Escriptores se arrogáo, quando a necessidade cohonesia a innovação delias; por tanto de acordo

( * ) Rollin de la nianicre d'etudier les belles Letres : clio x des Etudes, Fleuri: Gobi net: Dacier: Vood: Vicente Fabrício: Pope sentem condigo. Vej. as instrucçóes do Senhor D. José ao Puncipal Almeida Director dos estudos na sua creação.

(**) Cujus glorite neque profuit quisquam laudando, nec vi- tuperando quisquam nocuit.

S. llicron..

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com hum amigo náo táo Sábio, e Oradcr como o A. mf.s sem duvida mais Poeta nos demos a esta fadiga Litteraria ; elle peio que respeitava á metrificação, auihoridades de frases, imitações colhidas servilmente em Homero ; e eu pelo que era da fideli- dade do texto, annotaçóes sobre antiguidades, costumes, eMy thologia, e debaixo deste ajuste com a melhor harmonia se pu- blicou o i.° Livro da Traducçáo da Ilíada.

A falta porém dos meios pecuniários táo sensível boje a todo o Homem de bem, aftu&entados por huma guerra assola- dora , que tem mingoado todos os Patrimónios fez que commet- tessemos a impressão desta Traducçáo a hum Livreiro, que fa- zendo o seu ajuste o realisou; sem todavia sugeitar-mos a esta obrigação a continuação dos outros Livros, e sem preceder for- malidade alguma de direito, que foi em que nos illudimos.

Apparece depois esta mesma Traducçáo com outra folha de rosto sem o meu nome, sem Prólogo, sem Dedicatória, sem annotaçóes, e precedida por huma dissertação soliloquia do A., com os mesmos arreios do seu Motim, e que á parte concita- remos como se acha promettido no annuncio, que pata declarar esta trama se deo com a Gazera. Deste annuncio táo prévio * que somente o A. deo causa, intrigando com o Livreiro, per- suadido de que o altisonante sobrenome de Macedo faria voar as papeletas, nasceo o quebrar comigo, e satyrisar-me no Mo- tim, libellisando o meu appellido, cahindo sem reparo naquillo mesmo em que táo amargamente se lamenta na resposta ao Feitiço, o que me não será difficultoso mostrar quando chegar ao exame do Soliloquio em que ha louquices de todo o ta- manho com sua misiurasinha de personalidades : por isso náo foi sem razáo que disse que a tal amotinação era hum arma- zém de çontradicçóes; e a mesma condição tem as outras com- posições do A. que facilmente patentearia se a isso me propu- zesse.

Tal he o manifesto que faço ao Publico conhecedor, dos motivos, que obrigarão o A. ao que objecta contra mim no Mo- tim para que os Litteraios conheçáo, que eu me não aparto do que prometti na minha Introdução a este Exame critico, e ve- jáo por meio das minhas obvias razões, em termos os mais cla- ros quão inconsequente, e disigual he o A. Colossal que exami- namos, e que nos náo intimidáo caretas scientific as de tal jaez, porque estamos certos que nos avantajamos muito ao nosso su-

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perficial, e boquiroto adversário, como nos consta iá pelos mui- tos , e reiterados elogios de alguns Sábios reputados por tacs em a Nação, poderoso meio que nos obriga a escrever esta ufania por ser mais hum signal de gratidão do que louvor em boca propria, cujas pavonadas excessivas, e intempestivas, sem mo- tivo qae as produza livremente concedemos ao nosso A. que desprezamos, muito mais versando só este Exame em matérias que. não são restrictamente da minha Faculdade, cujas armas jo- garia com mais garbo, e gentileza.

Daquelie Aviso impresso a que o A. nada contrariou sen- do tão fértil em respostadas, se collige bem de que parte pendia a razão, e ella será dada ainda hum dia judicialmente por quem a seu cargo tem o manter as Leis, e fazellas observar. Conta- da a intriga, que sem muito custo poderia justificar a ser-mot causidicos, que armão por qualquer ninharia humademanda, va- mos a ver o que encerra hum Dialogo de tamanho bojo conti- nuando de hum para outro Folheto X. e XI.

Conversão os dois defuntos Luiz de Camões, e Homero sobre apparecer nos Elysios hum roupavelheiro que neste Mun- do vendia mexas, e levava muito papel para as fazer no outro; que bonita invenção ! Nesta muita papellada hia a Traducçáo da Ilíada. He bem claro qual seria o fim do invento digno mais de huma hecatomba do que a que Pithagoras sacrificara por hum achado feliz em Mathematical porém sérvio-lhe para o intento, porque propendendo o seu génio para satyrisar he pou- co cuidadoso dos meios termos de que se vai para desenvolver a coçeira de faliar em que labora, escoltados por huma boa companhia de alcunhas, sofismas, e outros enredinhos de pa- lavras, visco somente para ignorantes. Principia por huma ad- vertência aos Leitores em que se queixa muito de que não po- de dizer enj Lisboa, que os sentidos corporaes são q porque se levantarião logo qfy Escriptores, não centra os 5 sentidos, mas contra elle. Devagar com o sofisma: já dissemos que sofismas eráo para nós argumentos muito debeis; até ao presente ainda ninguém se queixou da materia tratada pelo A. do que se tem queixado he do modo altivo, entonado, e insultador de que o A. se tem valido. Escreva quanto quizer, mas não se embarace com pessoa alguma, destrua os prejuízos, sem chamar bestas muares aos prejudicados, que isto he insultar, e não emendar. Se eu chamar acs meus Dissipulos que não sabem a lição la-

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drfcs , corcundas, vesgos, será proveitosa, e coherente esta mi- nha despropositada admoestação: Ota queira o A. commedir-se, revestir-se do caracter que he do Sacerdócio, escrever como ho- mem de lettras, e não componha Motins que verá se tem gal- gos que lhe váo em cima

A razão em que se funda para fazer esta satyra rio insul- sa he quo Voltaire fez o mesmo contra Cortieillí; pois fez mui- to mal: e de mais o A. não devia seguir o ex. de hum charla- tão como chamou a Voltaire - pois he o mesmo que ser inconse- quente, e contradictorio : além de que o A. está muito atraza- do na Historia da Litteratura; aposto que náo sabe porque Vol- taire fez tamanha parvoíce? pois eu lho digo, pela mesma ra- zão, porque o A. fez estoutra. Náo cabia no peito a Voltaire o fanatismo "com que eráo Ouvidas no Theatro as Tragedias de Corneille, agouro certo de huma queda infallivel na representa- ção das suas , e sem recurso, de modo que o Cinna de Corneille depois de ter 8o, ou mais récitas para ser tirado da Scena foi necessário que hum Actor exclamasse do palco para a Plateia :• « Senhores permetti que se ponha em Scena outra Peça, pois a « Companhia está já esquecida de quantas sabia. » Além dos Trágicos Francezes sempre foi este o que mais o assombrou, e que mais aguilhoou a filaucia de Voltaire, que para introduzir- se melhor convinha abatello, e satyrizallo como fez sem funda- mento, e de cujas satyras os sensatos mofarão por serem desti- tuídas de verosimilhança, e só por zanga; huma Vez que a pai- xão soffòca em nós o luminoso facho da razão, sem o qual so- mos carnívoros brutos dispostos á matança , e carnagem , todos os nossos passos são brutais, e arriscados.

A razão em que o A. se funda para fazer esta satyra tão infantil he que Beaumelle fizera outro tanto a Voltaire; mas esta razão he especiosa, e não vai em juizo perante homens de le tras, nem dá apoio, que sustente o A. para fazer o mesmo. Vamos proseguindo com o inventario das sandices com que o A. quer impor aos patetas. Beaumelle (*) era hum homem de péssimo caracter, attribilario, fogoso, mordaz, e tão satyrico que poucos indivíduos escapáráo aos venenosos golpes da sua

( * ) Vej. as Memorias da Litteratura da Academia Real das Bellas Lettras de Paris, e o Diccionario Histórico.

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critica, tanto que por isso foi prezo na Bastilha eth 17^5 quan- do por esse tempo, veio a Paris: já havia antes deste facto que- rido murchar os louros com que Foltaire enramava a fronte, e vendo-o em Berlim pela vez primeira compôz os Commentarios sobre a Henriadi que o A. accusa para seu ex. nos quaes ha as maiores minúcias n'scidas por huma disputa littcraria em que houve as mesmas personalidades, injurias, e baixezas que na luta dos Sebastianistas, tudo causado por huma composição de Beaumclle — mes pensées =3 malédica origem de tantas pi- lhas; bem similhante no estilo insultador do livro do A. os Se- bastianistas. Por tanto taes exemplos cohonestáo mal os moti- vos em que o A. se funda para escrever satyras, e além disto os falsifica; o trilho he errado, a ninguém deve servir para ro- teiro, e o ex. de hum louco, que por dez reis de cominhos se enforca, não nos pode servir de justificação ao mesmo crime. E de mais, se como o A. diz, que he desforra aos affrontissimos Sonetos que lhe fizeráo, fizesse outro tanto, ou nada fizesse; e se o A. escrevesse satyras contra os A A. de todos os Sonetos que giráo contra elle, não lhe restava tempo para compor Lusía- das novas, e havia cançar na carreira, o que tudo deve ao seu Motim. Eu conhecia hum Patusca que não fazia caso de taes Sonetos, c como se vingava era sabendo exactamente o nome dos seus AA. multiplicar as cópias pondo-lhe Soneto feito por F. e se queremos papa mais fina lembre-mo-nos de que o Gran- de Frederico Rei da Prussia (*) mandava estampar os Sonetos com que o satyrisaváo para correrem melhor impressos; lembre- mo-nos também da nossa casa, pois o Marquez de Pombal no seu desterro estava com todo o sangue frio avaliando os pas- quins contra elle dirigidos, dizendo, este he bem feito, e aquel- 2e não presta: o que deo occasiáo a esta belia , e concisa inscri- pçáo de hum Sabio nosso ainda vivo = Mentem, Deo, Patrix, Aegique suo, obtulit, Sebastus ; Inyidix, Corpus, et Bu- giem. ~

Todavia queixe-se muito embora o A. dos Sonetos que lhe fazem, e de quem o satyrisa em versos, mas não involva quem os não faz, e bem vê que escrever este Exame he não só que-

Vida ptivada de Fredctico. Leipsic.

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rer sahir do motim em que não devia entrar, mas ajuizar de hum Eseripto que não deve passar á Posteridade em ar de contraban- do, para qie esta nos náo accuze de froxos, e estúpidos, e<n desdouro de seus Maiores, Sábios, e Valorosos. Eis aqui o que o A. diz aos Leitores, e entrando no Dialogo gasta algumas paginas em cousastáo fureis,que náo merecem confutação, pois versão estas em regatices de Camões para Homero, e de Ho- mero para Camões sobre seus mutuos defeitos, os quaes bem afogados ficáo no Oceano das muitas bellezas poéticas destes dois Génios, e de que o A. senão devia lembrar rendo no cam- po o preceito de Horácio := tion ego paucis offender macit- lis =s Scc. passa depois a analysar a Traducçáo somente pelo que respeita a solecismos, hyperbaros, e outros vicios gramma- ticaes, porque em quanto d fidelidade do texto, diz ò A. que se não mette com mo, foi pena ! Ora veja como estamos uis- cordes em pensamentos ■, longe de nós os amadores de xalaças, e attendáo os sensatos. Eu estava persuadido de que para ana- lvsar-se huma traducçáo convinha saber-se bem as Línguas tra- duzida, e traductora , aliás qualquer Mestre de meninos poderá analysar os Solilóquios, transposições, e linguagem da traduc- çáo do Poema d eGerninghaml Analysar (*) palavras, e gram- matices em Poesia, tendo os Poetas a seu favor hum quidlibet audendi ( ** ) Alvará com força de Lei concedido por Horácio, e do qual tanto se aproveita o A. na traducçáo deste Lyrico he voltar contra si os chuços com que pretende ferir os outros: po- rém os Professores de Poética, e os Leitores instruídos decidi- riáo a questão se fossemos a votos, e o A. da metrificação im- pugnada, e lacerada se despicará como quizer por lhe dizer res- peito toda aquella motinada com enxovalhe manifesto da Litre- raiura patria ; e que a nossos olhos he táo pequena cousa que julgamos ser-nos melhor ella correr como anda, certos daquelle bello verso de Bocage

PÕe teu nome tia frente, estou vingado.

por isso náo tratamos por ora de mostrar quanto o A. se enga- na na Analyse que faz, e porque o satyrisado se reserva o di-

( * ) He do A. do Motim esta Traducçáo. ( ** ) Na Arte Poética.

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rei to de practicâr o mesmo tãlvez com razão maior ni primeira composição Poética do A. que apparecer estampada, já sem pe- rigo de ser cuberta de enxofre, porque o homem das mexas ain- da não voltou dos Elysios.

Não me hiáo escapando pela malha estas palavrinhas do A. no cabeçalho do tal Dialogo ? Sáo ellas « Depois que entrou a grassar na Lingua Portugtteza a peste dos versos soltos, não ha sevandija, ou bonijrate, que se não meta a ser Poe- ta. Desengancm-se, que sem o atavio da rima não se mantém a Poezia vulgar. Ibid. Os versos soltos sem a magia da rima na Lingua Portugueza ficao froxos, vasios, e sente a alma certa falta que senão pode dissimular.« &c.

Isto he que he dizer ás soltas o que vem á cabeça para ca- hir sobre a traducçáo citada por ser feita em versos brancos co- mo lhes chamáo os Francezcs. Queira o A. lèr os Escriptores que lhe cito nesta nota (*) que sáo do parecer contrario, cujo sentir he, que a syllaba terminada por hum certo som não he cm si huma belleza, mas relativa por consistir na desinência da ultima palavra do verso reciproco. Esta beileza se percebe no íim de 2, oa 4 versos conforme suas especies diversas. A rima só produz hum effeito passageiro, por ser hum jogo pueril in- ventado pelos Barbaros do is'orte, que invadirão a Europa para supprir os defeitos da sua lingua falta daquella harmonia tão pro- pria das Línguas Grega, e Latina. Se o ardor de rimar dá hum achado feliz, quantas frioleiras senão dizem atraz da busca dos consoantes ? e que gloria resulta ao Poeta deste trabalho de ri- mar i huma canceira váa, e de nenhuma consideração, digna de attrahir toda a loucura necessária aos verdadeiros embirrantes como confessa o nosso Barreto em a traducçáo de Virgilio di- zendo no Prólogo muitas vezes entendi perder o juízo> o cue lhe não aconteceria certamente se não fosse agarrar-se ao tram- bolho da rima. Que os Francezes se valháo cia rima, (**) he conveniente para evitarem a aspereza da linguagem ; mas os

(*) Vej. Os discursos Académicos de Salvini. Maffei, no sou theatto Italiano. Pr evo st d' Exiles no seu pró, e contra. Mr. Loague na traducçáo da Arsenais de Barclay. Giraldi. Alexandre Piccolamini. Honorato d» Vrfi na sua sylvanira. Amsibal Caro. J<- ronymo Vida. Pa!a.vitiui , &C.

( ** ) Boileau.

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Portuguezes que possuem hum Idioma táo ferti!, harmónico, e que entre as Línguas vivas he só a que participa de todas as bellçzas herdadas do Grego, e do Latino he pedir emprestado o que senáo precisa. Que differença táo sensível he a de fazer bons versos, e a de apanhar frisantes con9onancias ! a primeira d.tliculdade só a vence o génio, e o ouvido; e a preseverança r.a rima se sustenta por hum milhão de subsídios (*)'.

Como a retribuição dos erros apanhados na traducçáo da Ilíada apparentemente, deva ser dada pelo A. daquelles suppos- tos erros, me contentarei em mostrar só ao Publico a comprida coniradicçáo em que o A. cahio, mais extensa, que a nossa li- nha de defeza, donde se collige que o A. obrou por dólo, e de má fc o que nunca se deve admittir em juízos litterarios; porque além de taes criticas serem odiosas, e indignas da Na- ção , são fraquíssimas fortalezas, que não guardão seus Gover- nadores. Os homens de letras devem ser imparciaes (diz a bes- ta manhosa (** ) Dacier) e sisudas em taes exames; e com ra- zão : que monta o A. não achar hum único verso bom, e que não renha defeitos ? pois logo forão todos i grande miséria de Dialogo ! pois he falso dirão outros, quanto o A. diz, e pôde parsuadir-se que não foi hum tamanho Colosso litteratio como q A. que fez aquçllaTraducção, por tanto não a leia que assim fazem quasi todos ás suas extremadas obras. Que quer o A. se todos são bestas muares, e tem o paladar estragado, e já não podem ser convencidos com seus arresoados ! Desengane-se que não indireita as pernas aos grilos, nem introduz juizo na casa dos orates.

( * ) Leal na vida de Orfeo. (") Vej- o l.° Num. deste Exame Critica.

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CONTRADICÇÃO

José Agostinho de Macedo ha } o dias.

Parecer, que deo o P. José Agostinho de Macedo, sobre a muito elegante Traducção em verso solto Portuguez, com que enriquece a Lingua Patria, o Se- nhor José Maria da Costa e Silva.

.... Mas vendo que appa- rece agora em nossa maternal linguagem huma Traducção de Homero, mostrando por certo na execução o que até agora ( porque certos nomes nos cos- tumão assustar pelos juizos an- tecipados dos Mestres, que mor- tificarão a nossa infanda, e nos impederníráo) (*) se julgou não só árduo, mas impossível, eu darei o meu parecer, &c.... Sobre o louvarei trabalho do benemeriro Traductor.

Já de antemão se conhece o merecimento, e se admiráo os talentos poéticos do Tradu-

ENORMISSIMA do A.

José Agostinho de Macedo ho- je no Motim.

O Traductor náo diz em Portuguez o que V. m. quer dizer," nem tem juizo para co- nhecer a significação propria dos termos, nem tem copia de palavras da lingua , See.

Pois nada disse o Tradu- ctor, porque náo sabe a syn- taxe da Lingua Portogueza. .

Não ha huma regrinha que. náo encerre erros inlands.

O homem não estava era si.

Na verdade isto he hum enxovalhe da lingua, que só á força de palmatoadas se desag- gravava.

Fsre Traductor he de fóra do Reino, que sem estudar a lingua se metreo a escrever: agora prepare as orelhas.

Este homem, quem quer que seja, não quiz traduzir, quiz fa- zer escameo do3 Portnguezes,

C *) Ao A. pelo que bem se v£ a sua grande tendência pata os Estudos.

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ctor ní dignidade , e elevação de estilo com que sem se apar- tar do sentido lateral traduz as- sim p:

A cólera funesta, ó c.

He optimo Traductor, e mostra que possue o immenso tliesouro da lingua Portugueza , quem dest' arte em tão bem torneados versos dá nobreza ... &c.

Quebrou-se este encanto, e apparece Homero á Portugue- za .... pela perfeição do pri- meiro Livro eu posso assegu- rar "á Nação huma obra com- pleta nos 2 5 que lhe restáo. Por este primeiro ensaio se vè quanto pode a lingua Portugue- za, quando he manejada por hum homem que a estuda nas suas fontes clássicas.

Vejo que exprime tudo com magestade, e com decoro, dan- do elevação, e nobreza ao que he por extremo detestável na traáucção prosaica, elitteral do Doutor Clarke que vi ( * ). Fica Portugal na manifesta obri-

que sáo os homens rtíais paci- entes do Mundo (**).

Vamos com a recua das san- dices mestras.

.... Similhante linguagem argue hum perfeito estaco de demencia.

Isto hepeleijar contra a na- tureza, que não fez Poeta tal homem ' ***) e he fazer em- buscadas á boa razão.

Este homem, ou rapaz, ain- da não chegou ao uso da ra- zão.

Qual será a alma danada , ue diga que isto são versos ? **** ) p0js s5o f e n5o se faz

mais que enrabixa-los, &c. Aqui não ha achar miga-

lha de Poezia, tudo he prosa gelada, e a mais inculta lava- deira não se explica assim na briga mais çuja com huma ve- sinha.

Isto que digo não sè deve taxar de mordacidade , antes sina de serviço feito á lingua, para se vedar sua corrupção, e decadência, e atalhar-se a ma- ma de escrever sem muitos, e

( * ) Se a vio , não a entendeo, fallando assim. (") Satvra em louvor. (***) Temos huma authoridade de Bocage , que também confir-

ma que o A. o não pôde ser, e então como quer avaliar os ou- tros ? Diz Bocage , o infernal Bocage =

.... Que em trovar de bum-bum levas a palma. ( ) Que enorme contradicção, ollie-se para as a columnas,

t se verá que o A. foi quem primeiro o disse.

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glçáo toTradnctor quando dis- ser aos Inglezes, e Italianos mo pittor anch' io. Além de procurar esta gloria á Nação, salva-se do opprobrio de vulga- res Traductores, diluvio sufrò- cante, diluvio universal, porque quem assim traduz, não dá re- cados alheios , cria, nutre, en- grandece, e aformozea os pen- samentos dos outros, e se as- sim se apresentarem os 2$ li- vros como este se apresenta , dirão os vindouros.... Scc,

»

precedentes estudos (*). Basta pois de esmiuçar ninharias, eu posso affirroar que he a produc- çáo mais vergonhosa que tem apparecidoem Portuguez,emais ultrajante para a Foezia." Na verdade não tem a mais ligeira unção, a mais pequena faísca de fogo poético, e argúe mani- festamente a absoluta negação do'A. para o mister, ou officio de versejador: toda a pag. if de alto abaixo consta de regras tão consecutivas, e tão desdi- chadas , que ommittindo-se a pausa no fim de cada regra, e levando-se de hum folgo até ao fim, a ninguém parecerão versos, porque verdadeiramen- te o não são, &c.

Queira o A. dizer-nos sisudamente qual daqueiles pareceres he o verdadeiro; ambos são e.n graúda, e redonda lettra, se os requintados, e servis elogios da margem esquerda, ou as amargas satyras da margem direita }* Porém não será preciso, pois me parece que o Leitor ingenuamente confessará que são ambos falsos. A vista do que quem não observa nestes diíFe- rentes pareceres aquelia mesma linguagem com que se explica- va no Hospital o Prior de S. Marinha ? ror tanto he de presu- mir que o A. se emende, e não queira passar por hum Caméa- des: não insulte quem vive sem Áíotim, olhe para o que diz, aliÒ3 ha de ser apanhado em muitas destas, o que lhe balda a sua arrogância, e os seus Escriptos, e passará á Posteridade não como hum génio, mas como hum solista, lembrança horri- yei que assalta a idea de todo o homem que não pretende ser

(*) -Olhe jwra si o A. e reconheça no dito daouelle Sabio Gre* go yiaif» c?i«uTcr, conhitt-i*, hum* verdade : logo não será tSo in« consequente.

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mil visto pela Posteridade' para qoem" preparámos ó vátverro, oa a theríaga de que provem amaldiçoar-nos, ou berndber-no*.

Tal he o meu Exame aos dois citados Folhetos do A. que rifó passáo da raia que Montagne descreveo ('* ). E se os no- roens se convencessem até que ponto podem conduzir 09 seus conhecimentos, nunca o appetite de hum saber universal em des- douro dos outros os arrastaria a novas contestações (**) sobre matérias em que por paixão, e incúria se contradizem: conten- tar-se-hião com a porção de conhecimentos que pudessem ad- quirir no estado em que se achão, e na profissão que exercitão, não deslustrarião o seu nome abatendo os outros, vivirião sem dissabor, e com fama; nem dariáo signal da próxima, e inevi- tável decadência das Letras , ou de huma ignorante elevação, males que nos vexáo sem remedio, quando na sociedade alguns indivíduos tem a ousadia de saber tudo , e quererem á força da sandices, e impropérios contra os verdadeiros erudito» inculcar- se pelo Oráculo de Delfos»

Continuar-sc-har

( » ) Sont des excremens de 1'Esprit tantôt durs , tantôt Iâr ches, mais toujouts indigestes 3 Montagne.

£ " ) Leal em huma Nota sobre a vida de Demócrito,

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N. S. Pouparíamos algumas agudezas de Bocage-^ue escre- vemos, se o Á. nos argumentasse em fórma.

N. B. As erratas de hum Numero hão sempre no seguinte.

N. B. Brevemente sahiri á Luz o Numero terceiro, e o primeiro vai-se reimprimir.

ERR, S ao i.° Num^

A pag. A pag. A. pag. A pag.

j lin. 9 6 lin. 6 p lin. JO

io lin. t lo

2 \ pag. 12 Hn. . /i pag. 15 lit):-id A pag. 14 lin. 4

A pag. 22 lin. 3S

em lugar de

Ibid. - - - lin. A pag. 11 lin.

punha, pugna. esse, e se. digno, dignos, são como. materno. Soares. ... espiões inspirava ..: brcxpiel. nem suas composições compe-

tir... falca menos antes de infeliz.