Sem 1 - Robert Venturi - Texto 1

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    V E N T U R I & S C O T T B R O W N

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    arquitetos como Aalto e Kahn, partindo de posicces diversas - Aalto usando impul-50S ins tin tivos, Kahn explicando os mecanismos disciplinares da arqui tetura a luz dohistorico -, procuravam quebrar 0 status quo de um fazer arquitetonico que perderasua forca ao se converter em canone inevitavel e indiscutivel. Porern, tanto Zevi e osteoricos do Team x quanto Kahn ou Aalto pretendiam manter-se dentro da ortodo-xia moderna, e nenhum deles se arriscaria a ousar eonfessar a "nudez do rei" com amesma energia e conviccao demonstradas por Venturi em seu livro: 0 fato de haverprovocado tanto in teresse estava, ass im, mais do que jus tif icado, dado 0momento emque foi publicado.

    Continuarei com uma citacao em que Ventur i mani festa corn clareza suas in tencoes:

    Os arquitetos nao podem mais se deixar intimidar pela I inguagem puritanamente mo-ral ista da arquitetura moderna ortodoxa. Pref iro os elementos hibr idos aos puros , osque aceitam compromissos aos "limpos', os distorcidos aos "obvios", os ambiguos aos"ar ticulados" os deturpados que ao mesmo tempo sao impessoais aos tediosos que aomesmo tempo sao "interessantes', os convencionais aos "projetados', os que buscam 0acordo aos "excludentes ', os redundantes aos s imples , os que nos falam do passado aosque sao inovadores, os inconsistentes e equivocos aos diretos e elaros. Defendo a vitali-dade confusa ante a necessidade 6bvia. Manifesto-me em prol do n o n seq ui t ur e proda-mo a dualidade,

    Sou a favor da riqueza de signifieados ante a clareza de significado; das funcoes i111-plici tas ante as explicitas. Prefiro "ambos e ao mesmo tempo" a "urn ou outro', 0branco eo preto, e algumas vezes 0 cinza, em lugar do branco ou do preto. Uma arquitetura validaconhece muitos nivei s de signi ficado e diversos focos : seu espaco e seus elementos seIeem e funcionam de diversas formas ao mesmo tempo.

    Porem, uma arquitetura da complexidade e contradicao tern urna especial obrigacaopara com 0 todo: sua verdade deve estar na totalidade ou nas suas implicacoes, A arqui-tetura deve incorporar a dificil unidade da inclusao, mais do que assumir a facil unidadedo exclusivo. Mais nao e menos.'

    Seria dificil fazer uma sinte se do carater do l ivro com melhor precisao, e por isso meatrevi a inser ir essa extensa citacao. Complexidade e contradicao e , em primeiro lugar,urn discurso cont ra a ti rania ideologies da arquitetura moderna.

    A realidade, a arquitetura, nao e simples. Nao pode ser subrnetida a normas lin-guisti cas estabelecidas pela ortodoxia . A condicao gregaria de seus colegas dispostosa admitir que, de uma vez por todas, tinham explorado todos os meios de expressaoda arquitetura, faz Venturi subleva r-se. E irado, ergue -se contra os de fensores de uma

    2 Id., ibid., pp. 22-23.

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    ortodoxia que fazia do "less is more" miesiano 0seu estandarte. A simplificacao, aredw;:ao as quais os a rquite tos do movimento moderno se dedicaram tanto, implicamtalvez na resolucao do problema , mas tarnbem no esquecimento da multiplicidadede frentes as quais a arquitetura ha de responder. Este primeiro Venturi cita Paul Ru-dolph, mais tarde alvo de suas injurias, que viu com clareza as limitacoes de seuscolegas quando escrevia ao fala r de Mies:

    Nao se pode pretender resolver todos os problemas. E verdade que durante 0 seculo xxos arquitetos foram altamente seletivos ao determinar quais problemas desejavam resol-ver. Mies, par exemplo, faz belos edificios exatamente porque ignora varios aspectos doedificio. Se resolvesse mais problemas, seus edificios seriam muito rnenos potentes.'

    Ventur i sabe que pode defender suas posicoes a partir da sua experiencia tanto comoteorico quanta como arquiteto. Portanto, proclama, e deixa muito claro desde as pri-meiras paginas de seu livro, que essa dupla condicao e 0 que [he permite desenvolverurn especial "way o f s ee i ng architecture" que lhe atrai e interessa . 0 exemplo de T. S.Eliot e seus textos sobre a relacao entre 0 poeta e 0critico! animam Venturi a dizer quesuas ideias sobre a a rquite tura "sao inevitavelmente urn produto da critica que acom-panha rninhas obras'" Por esse motivo, publicou suas reflexoes somente apos ter secolocado it prova como arquiteto em seus primeiros t rabalhos: nao e fortuito que estessejam ut ili zados para i lustrar suas ideias, ja que suas teoria s se forjaram no processode elaboracao da obra, no desenvolvimento de seu trabalho como arquiteto. Venturinos explica que "a arquitetura esta aberta a analise, assim como a qualquer outro as-pecto da experiencia, e se faz mais vivida par meio de cornparacoes'" Ante os quasereligiosos textos corbusianos, ante as afirmacoes voluntaristas dos arquitetos do Teamx ou ante 0 pseudomisterio poetico de Kahn (leituras que naqueles anos monopoliza-yam 0 interesse dos arquitetos), Complexidade e contradicao se apresentava como urnexercicio de anali se e reflexao que nao pedia a rendicao imediata do leitor a evidenciadas provas. Muito pelo contrario: perrnitia te r acesso as fontes nas quais 0 autor be-bia, ao oferecer-nos - para subrnete-las ao nosso born juizo enos ajudar a entenderrnelhor 0 significado de suas propostas - as imagens dos projetos a partir dos quaisforam geradas as ideia s expostas pelo autor. Essa nova atitude, que acolhia a razao e 0sentimento,o passado e 0 presente, nao podia ser menos bem-vinda numa epoca em

    Paul Rudolph, Perspecta , n. 7.The Yale Architectural Journal, New Haven, 1961, p . 51.Apud R.Venturi, op. cit., p. 24 -

    4 T. S.Eliot,U s e o f P o et ry a nd U s e o f C r it ic is m . Cambridge, Mass.: Harvard University Press. 1933.5 R. Venturi, op.cit.,p. 18 .6 Jd, ibid., p.rx.

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    que se defendia a fidelidade a pr indpios forma is baseados unicamente numa inte rpre-tacao parcial da arquitetura. Se nos europeus entendiamos os textos de Venturi comourna nova oportunidade para ter acesso a uma cultura arquitetonica madura, que naorenunciava aos valores intelectuai s, a LIma arquitetura feita a partir da liberdade e naoda norma, os criticos do outro lade do Atlantico receberam- na como uma brisa frescaque var ria a dependencia da doutrina estabe lecida pelas vanguardas, dando espaco aurn americanismo de novo cunho, pragrnatico e direto .

    Zevi, sempre atento, considerou que a obra de Venturi mere cia um editorial desua revista L'Archittetura/ e Scully, que qualificou Complexidade e contradicao como"urn livro tipicamente americano, rigorosamente plura lista e fenornenologico em seumetodo' ,' exaltou a figura de Ventur i a ponto de dizcr que se tr atava de "urn dos poucosarquitetos americanos cuja obra parece ter uma dimensao tragica, a linhada com a tradi -

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    distorcoes, anomalias etc., que na arquitetura se transformam em assimetrias e inespe .radas justaposicoes, quebras e rupturas, fragrnentacoes e mudancas de escala. Venturimostra como, em nome da coerencia e do desejo dever consistencia em seu trabalho,os arquitetos haviam perdido contato com uma tao desejavel naturalidade. Com a re-cuperacao da naturalidade perdida, os arquitetos poderiam agora substituir a tiraniado ortogonal ditada pelo forrnalismo por meio da incorporacao de diagonais em suasplantas; poderiam se permitir fazer aberturas com liberdade se 0 programa assim 0exigisse, escapando da composicao aprendida nas escolas e de seus esquemas rigidosimpostos a pr io r i . A extensa viagem que Venturi empreende pela historia da arquite-tura leva-o a explorar contrastes e encontros, e a encontrar satisfacao nas arquiteturasem que a liberdade prevalece sobre 0 estabelecido. Arquiteturas bastante precisas -catedrais goticas, palacios renascentistas - esclarecem 0 que pensava Venturi quandofalavade contradicao no processo de adaptacao e ajuste ou quando dizia que a contra-dicao era 0 resultado de justaposicoes obrigatorias.

    A multiplicidade de casos por ele apresentados em que a contradicao prevalececonduz insensivelmente it exploracao das categorias de interior e exterior: "0con-traste entre interior e exterior pode ser uma rnanifestacao notavel da contradicao naarquitetura"," 0 principio da ortodoxia moderna, que fazia da continuidade entre in-terior e exterior 0 seu fundamento, cai por terra rapidamente quando se contempla ahistoria da arquitetura sem preconceitos. Venturi 0 faz e of~rece com facilidade de-zenas de exemplos nos quais nao acontece a "continuidade do espaco' , mas em que,ao contrario, ocorre uma diferenca deliberada entre a arquitetura do interior e doexterior. Ele se diverte em apresentar cupulas e lanternins configurando espacos quede modo algum sao discerniveis externamente; edificios estruturados por meio de"ca-madas" e "estratos"> de natureza diversa; "fechamentos redundantes" e "espacos residu-ais"que produzem na arquitetura a sensacao de estarmos em um meio complexo, naoevidente, com 0 qual estabelecemos uma relacao nao imediata no tempo. Por outrolado, Venturi estende it cidade 0exame da arquitetura a partir dessas duas categorias: acidade estabelece recintos - muralhas, varies cinturoes, sistemas de parques etc.- paramanifestar sua presenc;:ano territorio, ao mesmo tempo em que, por meio de tracadoscomplexes, apropria-se do solo no interior desses recintos. A arquitetura como muroentre 0 interior e 0 exterior seconverte em testemunha fisica de tal dualidade e dodrama que ela contern.

    Depois dessa constatacao evidente da complexidade da arquitetura e de suas inu-meras e continuas contradicoes, Venturi envereda por um territorio mais especulativo

    15 Id., ibid., P.ll.16 Id., ibid., p. 8+ 0 significado que os t e6ricos da arquitetur a dao ao termo layer nao encoritra

    equivalente em castelhano. Optei entao por desdobra-Io em "carnadas" e"estratos"

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    ao lembrar-nos da importancia do "todo" na arquitetura. Assim, afirma que "uma ar-quitetura da complexidade e do ajuste nao ignora 0 todo',' e completa sua reflexao comestas palavras de August Heckscher: "Enfatizei a unidade mais do que a simplificacaocomo objetivo e meta na arte, cuja verdade reside na totalidade":" Venturi assume avelha pretensao - aristotelica - deentender a realidade a partir do todo,e isso 0 leva,mais uma vez,a explicar que e possivel admitir a condicao unitaria implicada pelo todosem cair no processo redutor da simplificacao. Dito de outro modo, a condicao unitariapode ocorrer sem que issosuponha prescindir da autonomia e independencia das par-tes.A Venturi interessa mais "a dificil unidade atraves da inclusao do que a facil unida-de por meio da exclusao".? Por isso, concentra-se em identificar mecanismos comple-xos presentes na condicao unitaria que possui, em ultima analise, a obra de arte e acode,novamente, it casuistica. Interessa-lhe rnais a dual idade do que a trindade - "t res e 0numero mais comum de partes compositivas capazes de atingir a unidade monumen-tal na arquitetura?" -, e asobras de Sullivan e Piero della Francesca, de Ellsworth Kellye Morris Louis sao exernplos eloqiientes para mostrar a atracao exercida pelas compo-sicoes duais. Venturi introduzira rnais adiante 0 conceito de " i nf l ec t ion" ." In f le c ti on naarquitetura "ea modo como 0 todo aceita usar mais a natureza dos elementos indivi-duais que 0 compoem do que a sua posicao ou numero"," Aspartes - autonomas, livres,com funcoes diversas - contribuem para 0 todo sem necessidade de ser incluidas emsua estrutura, sem que seja preciso apresenta-las como elementos subordinados e sub-sidiarios, necessaries para definir a forma do todo. Venturi nao sente dificuldade emrecorrer a exemplos para defender sua tese: a arquitetura barroca inglesa de Vanbrugh,Monticello, 0 Palazzo Pubblico de Siena, a igreja dos Iacobinos em Toulouse, Lutyens,Moretti . ..A unidade da obra nao implica uma hierarquizacao que ignore a autonomiae a liberdade dos elementos. A diversidade de exemplos apresentados por Venturi mos-tra como e posslvel aplicar 0 conceito de "inflection" a todo tipo de arquitetura. Ele secoloca assim no extremo oposto do academicismo. A arquitetura esta, pela sua prop~anatureza, aberta ao inesperado e a resposta Singular que nos leva a valorizar a anomalia- tudo i850,porern, sem esquecer a individualidade do todo. 0compromisso com 0todo nao implica desvalorizar 0 nao resolvido ou incompleto.17 rd., ibid., p. 89.18 August Heckscher, The Publ ic Happ iness . Atheneum Publishers: Nova York, 1962. Citado em R.

    Venturi , op. cit ., p.89.19 Id., ibid., p. 89.20 Id., ibid., p. 90.21 A palavra foi mantida em ing le s por nao haver equiva len te em cas te lhano. Ta lvez pudes semos

    falar em inflexao, mas 0 Significado desse conceito e tao diferente daquele proposto por Venturique preferi manter 0 t ermo usado par eleem Ing les .

    22 Id., ibid., p. 91.

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    Nao obstante, a obrigacao para com 0 todo de urnaarquitetura da complexidadee con-tradicao nao implicaque 0edificio fiquesem solucao.Poetas e dramaturgos reconhecema existenciade dilemasirresolutos em suas obras:sao a validade dasperguntas e a pers-picaciado significado que fazern asobras de arte irem alern da filosofia.A meta de urnpoema pode ser tanto a unidade de expressao quanto a consistencia na apresentacando conteudo, [...J Urn edificiopode ser maisau menos incompleto na expressiiodeseuprograma e na suaforma."

    Essa reflexao lhe perrnitira estender suas afirmacoes ao territ6rio da cidade, ao dese-nho urbano. Venturi pode, assim, afirmar que:

    o complexoprograma latentee urn processocontinuamentemutavele crescenteno tempo,embora deva ser reconhecido como algoessencialna escalado desenho urbano em cadaetapa e em qualquerque seja0 nivelrelacionadocom0 todo.'

    E,para confirmar 0 que diz,logo em seguida escreve que "urn edificio e urn todo emurn nivel e urn fragmento de urn todo maior, em outro'l= A consciencia desses diver-50S niveis faz com que ele veja a cidade onde vivernos com mais indulgencia que oscriticos vinculados Iiortodoxia da arquitetura moderna. Por isso, afirma: "Nao e ver-dade que a c o mm e r ci al s tr i p da Route 66 e quase boa?':' Apesar de 0 Venturi dos anos1960 nao ter fei to a declaracao de populismo encantrada em seus escri tos e em suaobra dos anos 1970 - sobre a qual falaremos mais tarde -, C om ple xi da de e contradicaoacaba corn urn elogio IiMain Street que deve ser considerado uma premonicao,

    Complexidade e contradicao (e disso vern boa par te de seu exi to) e um livro alta-mente critico. Venturi se subleva diante da interpretacan da modernidade que levouas instituicoes - primeiro as escolas, e mais tarde os soci61ogos e politicos - a sonha-rem com uma cidade organizada, conhecida e previsivel, Ele responsabiliza essa inter-pretacao, em ultima instancia, por tantos projetos ern que prevalecern a simplificacaoesquematica da ideia de estrutura e a reducao lingiiistica. 0 afa proselitista deWright,LeCorbusier e Mies, que difundiam slogans para seproteger e defender 0 seu trabalho,faz com que Venturi os considere como antagonistas, e C om p le xi da de e c on tr ad ic aoins iste em mostrar os exageros resul tantes da estri ta observancia de principios for-mais estabelecidos a p r io r i. Os tres sao alvos de suas cri ticas, jus ti ficadas na maiorparte dos casas. Contudo, ha momentos ern que se nota uma atitude inevitave l de

    Z3 Id., ibid., p. 101.24 Id., ibid., pp . 101-02.25 ld., ibid., p. 102.26 Id., ibid.

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    respeito e simpatia em relacao a Wright e Le Corbusier, evidente quando usa as obraspara confirmar suas opini6es, embora ern relacao a ~ies e seu trabalho ele reservesomente indulgencia. Essas diferencas sejustificam selembrarmos como a arquiteturade Mies deu origem a toda uma ser ie de construcoes que, sem contrapar tida crt ticaalguma, literalmente transformaram as cidades american as sob a bandeira de urn ne-cessario u rb an r en ew al . Aalto e 0 unico arqui teto moderno cujo trabalho atende aosatributos que interessam a Venturi. No arquiteto finlandes, ele encontra mostras deuma arqui tetura capaz de aceitar contradicoes, que responde com a complexidadedevida ao meio fisico onde seproduz a obra e as exigencias do programa.

    Venturi, por outro lado, descobre alguns possiveis aliados entre seus contemporaneos e se vale das obras e dos escritos de arquitetos como Kahn, Aldo van Eyck eFumihiko Maki. Muito seescreveu acerca da influencia de Louis Kahn sobre Venturie,de fato, sao muitas as citacoes kahnianas em C o mp le xi da de e c on tr ad ic ao . Dai Ven-tur i acreditar que seus principios, os atr ibutos que ele valor iza na arqui tetura, daorazao ao aforismo enigmatico de Louis Kahn: "Aarqui tetura deve ter espacos bonse ruins ao mesmo tempo':" ou jus ti ficam seu modo de explicar "0papel do projetocomo adequacao ao circunstancial"." Venturi tarnbem se impressiona com 0usa daestrutura adotado por Kahn, ao entende-lo como fonte de elementos de"dupla fun-

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    _ Pode-se dizer que a casa que Venturi constr6i para sua mae, a casa Vanna Ven-turi em Chestnut Hill,Pensilvania, de 1961, e em si urn manifesto. Projetada na epocaem que 0 arquiteto se debrucava sobre 0 trabalho para 0 livro Complexidade e con-tradicao, esta casa e 0paradigma e a ilustracao do ideario venturiano. Porern, antesde prosseguir em uma analise detalhada, gostaria de fazer uma consideracao maisgeral. Aqui, Venturi propoe construir utilizando tudo 0 que ja se tornou patrirnoniode nossa experiencia arquitetonica, A casa Vanna Venturi e 0 resultado do acumulo deimagens, referencias, epis6dios etc. que guardamos na mem6ria e que, apesar de nelaestarem presentes, 56 conseguem se manifestar quando presos na trama de um novoprojeto. Nossa experiencia, nossa relacao com a arquitetura, converte-se no mat~rialque servira de base para a construcao - 01.1 seja, nos a projetamos na estrutura fisicado que construimos. Tal experiencia, no caso de Venturi, transcende 0 familiar e 0conhecido para incluir e abracar toda a historia: a arquiteto e tanto urn profissionalcomo urn connaisseur que se compraz com a exercicio da mem6ria . Pode-se dizerque a arquitetura se transforma, assim, em reflexao pessoal, intransferivel: esteVenturiinicial, que ainda nao e 0Venturi populista, transfere ao individuo, ao arquiteto, todaa responsabilidade. A construcao eo espelho que reflete 0 eu do arquite to. Um eu in-teriorizado, intimo e pr6prio, muito embora alerta e preparado para selecionar dentretoda a arquitetura existente os episodios que lhe interessam, sem filtros nem exclusoes,o procedimento era atraente e novo. Implicava uma visao fragmentada e fraciona-da do construido, e,mesmo coincidente com algumas propostas vanguardistas, suavisao do todo era completamente diversa, abrindo um campo que logo seria usadopor outros colegas. 0 resultado e agora completamente diferente: a arquitetura feita apartir da experiencia dos individuos leva indiretamente a arquitetura como sensacao,Os vanguardistas preconizam a autonomia do objeto, Venturi, a do espectador. Poralgurna razao oculta, ainda hesito em citar 0 usuario: 0 papel de destaque, pelo menosno Venturi destes primeiros tempos, esta nas maos do arquiteto. Pensemos em outracasa emblematica, de uma epoca diferente; numa casa do Le Corbusier maduro, comopor exemplo a Villa Stein. Para Le Corbusier , esta obra arquitet6nica - e os espacosque ela define - apodera-se de n6s: a arquitetura se impoe como realidade sensivel,sem deixar margem para que surja a memoria. Em Venturi , a arquitetura, a partir daexperiencia, converte-se numa operacao continua de reconhecirnento, Nao e possfvelescapar, queirarnos ou nolo,das redes do conhecido. A liberdade, paradoxalmente, estana montagem. Disso falaremos agora.

    Nolosera surpresa afirmar que a casa Vanna Venturi foi pensada a partir da planta.Venturi parte de uma forma generica: um retangulo que supera ligeiramente as di-mensoes de um duplo quadrado. Nao ha, no entanto, alusao alguma ao centro: seFossepreciso falar dele, poderiarnos ideritifica-lo na chamine, deixando bem claw desde 0infcio que, apesar do seu peso iconografico na casa, nao e de modo algum uma pec;a

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    _ CasaVannaVentur i, Chestnu t Hil l Pensi l-vania, 1961

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    estrutural. J a 0 ~etimgulo,sim, parece aludir a uma construcao convencionaI: suas di-mensoes sao deliberadamente dornesticas, antecipando a ortogonalidade que prevalecena residencia, A plant a baixa admite uma dupla frontalidade: a que se produz no planovertical da entrada e a que corresponde ao ambito privado de urn jardim posterior. Euma planta que pode ser entendida como a passagem de uma fachada a outra. No ladeda fachada publica, localizam-se a cozinha, urn closet, 0 acesso (mais ou menas centra-lizado), urn banheiro e 0 quarto secundario, no da fachada privada, a sala dejantar, asala e 0 quarto principal. A pseudo-ala dos comodos na fachada publica e densa e es-treita, enquanto as espayos da fachada privada sao amplos e largos. A passagem de umafachada a outra desenha uma geometria que permite incluir urn arco que da sentidoas diagonais: tudo contribui para que a planta seja entendida como urn episodic queparte do portico virtual da entrada e se desenvolve de forma ondulante ate ser inter-rompido violentamente pela frontalidade da fachada posterior sobre 0 jardim.

    Interessa-nos explorar agora como ficam presas no arca virtual e na malha geo-metrica estabelecida pelo retangulo as "experiencias arquitetonicas" sobre as quais eufalavano inicio destes comentarios, Nao ha duvida de que,quando nos esforcamos paradescobrir os atributos desse projeto, 0 retangulo que contem 0portico, a porta de entra-da, a escada e a chamine sao os episodios que mais justificam falarmos em "densidade"o portico, chave para entender a fachada publica da casa, nao emoldura uma portacentralizada: Venturi entende que a porta, como nas antigas fortificacoes, deve ser usadacom naturalidade por seus donos. Agora poderiamos associar cada elemento com uma"experiencia" particular: assim, a porta conecta-se com 0 closet e permite ao visitantedominar por inteiro 0 ambito da sala de estar, onde a presenya da escada abracando achamine seafirma como urn elemento arquitetonico com valor proprio. Realmente, naoseria dificil admitir que 0 contraponto ao diagrama-fachada que nos conecta aomundoexterior da paisagem suburbana americana seja constituido pela cenografia estabelecidapela escada e pela chamine, A planta da casa parece deslocar oscornodos com atividadesmais conhecidas - e,portanto, mais padronizadas - a periferia: cozinha e dormitoriesse apoderam de tres dos vertices do retangulo, Venturi nao encobre nem sobrepoe su-perficies como os arquitetos influenciados pelos cubistas, que nos ensinaram tao elabo-rados mecanismos. Ao manter a independencia e a autonomia dos elementos, ele seveobrigado a fazer uso de recortes e diagonais para resolver ajustes e acessos:0 arco virtualque nos transpoe de urn plano vertical frontal a outro se converte, dessa maneira, emaliado eficazpara resolver 0 programa. Venturi veos comodos no todo como cenariosdiferentes - a habilidade do arquiteto reside em faze-lascoexistir sem destruir urn certosentido de unidade que garante a identidade da obra.

    Porern, apesar de a projeto haver side pensado a partir da planta, e nas fachadas queele adquire 0 seu maior interesse. Delas falarei agora. Sem duvida a fachada de acesso ea mais atraente. Irnpoe a resoluta frontalidade. A alusao it arquitetura classica - frontoes,

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    simetrias, centralidade etc. - e apenas aparente. 0 equilibrio presente, ditado pelo poten-te eixode simetria que determina a ordem formal da fachada, e no todo urn equilibriovirtual: prevalecem as aparencias, A arquitetura se"densifica"ao redor do eixo: 0 porticoaustero e acompanhado por uma moldura curva que passa sobre 0 lintel, ignorando-o,provocativamente. 0 acurnulo de todos esses elementos, que ainda se estende sobre 0 vo-lume sobrio da chamine, produz uma verticalidade presunyosa, que pouco tern a ver como programa modesto. Entretanto, quando nos detemos para examinar a fachada, depara-mas com uma assimetria deliberada. Naturalmente as aberturas, que seguindo a tradicaodo modernismo refletem a condicao diferente de cada comedo - aberturas horizontaispara a cozinha; uma Singulare central para 0 dorrnitorio: a janela na base do arco indife-rente (quadrada) -, incorporam-se ao cenario sem dificuldade. 0 frontao repartido, queinevitavelmente nos remete a Palazzina II Girasole de Moretti, tao admirada por Venturi,reforca a simetria virtual que sefazvisivelquando a charnine sedesloca do eixodefinidopelo vazio.A frontalidade parece explorar,por outro lado,a condicao plana resultante dossistemas construtivos corn os quais ali se trabalha. A sobreposicao de padroes formaisprocedentes da arquitetura tradicional e a definicao de tais padr6es por meio de molduras,que nao ocultam a sua natureza, mas semostram como elementos acrescidos e alheios aestrutura, contribuem para gerar uma imagem ambigua. Sem duvida Venturi queria queestivessem presentes na sua arquitetura esses rnecanismos e ingredientes que de formatao perspicaz tinha descoberto no estudo da arquitetura historica, Com os anos, a facha-da dessa casa nao perdeu a energia arquitetonica que tanto impressionou os criticos eprofissionais quando foi publicada pela primeira vez,no inicio dos anos 1960. A fachadaposterior, privada, ja nao e tao interessante. 0 recurso moderno de assimilar as aberturasque refletem simplesmente os espayos internos nao funciona de forma tao eficazquandoa"figura"que os acolhe perdeu valor.Assim, a abertura do alpendre, a da sala de estar e aque e compartilhada entre estar e dormitorio nao sao capazes de dar vida a urn polemico- e pouco convincente - corte horizontal da fachada,que perrnitira num segundo plano apseudolanterna do dormitorio do segundo andar. 0 sistema de molduras horizontais quecontemplamos na fachada de acessose repete aqui, conferindo, assim,certa continuidadeas elevacoes,que deliberadamente parecem ignorar qualquer outro elemento comum.o interesse da analise de urn caso como este e mostrar 0 que Venturi entende comoarquitetura. A arquitetura e vista como urn fim em si, it custa de esquecer a meio emque e produzida, no caso urn suburbio americana tipico. Esta casa e claramente am-bigua, ao ignorar tanto 0 meio social quanto 0 fisico no qual se inscreve. A analise daimplanta"ao nao deixa duvidas, A fachada frontal e alheia a qualquer referenda contex-tual: este Venturi inicial parece mais interessado em fazer da casa urn manifesto do queresponder diretamente ao que demandavam a lugar e 0 programa. Dai a sua obsessaoem converter esta obra em urn desdobramento espetacular de episodios semelhantes asexperiencias arquitetonicas que estavam muito vivas em sua memoria.

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    Larpara idososGuild House,Filadelfla, 1961

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    _ Datada do mesmo ano (1961) da casa Vanna Venturi, 0 lar para idosos Guild House,situado na Spring Garden Street, em Filadelfia, abre uma nova frente programatica: ado realismo, a de uma arquitetura que deve manter seus atr ibutos sem deixar de ser"normal e corriqueira" Sem surpreender, sem provocar, sem buscar ansiosamente a no-vidade. Na mesma epoca em que os arquitetos europeus ainda buscavam usar tanto osssquemas de duplex praticados por LeCorbusier em sua unite d'habitation quanto asexperiencias do Teamx na busca de uma dimensao urbana autonorna para a habitacao,Venturi estava obstinado em usar elementos da construcao nao sofisticada, com a espe-ranca de que a presenya da arquitetura os redimisse, Mas a arquitetura - os autenticosmecanismos disciplinares - nao requer, em absoluto, a invencao de novos elementos.Dito de outro modo, sempre ha lugar para a arquitetura, inclusive nas estreitas margensem que semove a arquitetura comerciaL A Guild House e quase simetrica, frontal: naoha tanta diferenca entre a casa Vanna Venturi e estes apartamentos para idosos em Fi-ladelfia.Assim, e possivel falar de reverso, frente e verso.A estrategia da planta na GuildHouse procura dispor 0maior nurnero possivel de apartamentos sobre a rua. Isso pro-picia um escalonado em que podemos perceber a adrniracao que Venturi sempre sen-tiu por Alvar Aalto. Porern, as diagonais mostram a condicao inguinal dos encontros,encaminhanclo-os a urn hipotetico centro que nos remete a urn edificio residencial,macico e denso: 0 conjunto de banheiros e cozinhas em torno do corredor que serveos apartamentos confirma isso, Mencionei ha pouco Alvar Aalto: conviria lembrar aatencao eo cuidado com que os corredores - espayOSpublicos - sao tratados em seusprojetos residenciais, e compara-Ios a atitude deVenturi em relacao a eles.Em Aalto oscorredores sao frequentemente espayos singulares, com valor proprio. Na Guild Hou-se, Venturi opta por nao perder urn metro quadrado sequer nos espayos publicos, se-guindo assim as diretrizes da arquitetura comercial mais estrita. Os espa~os privadospredorninam, mas nao se destacam por sua singularidade - muito pelo contrario, saoprojetados para oferecer um maximo de regularidade e tamanho.

    Onde reside entao 0 interesse da Guild House? Poderiamos apontar a astucia deVenturi em reduzir a dimensao da fachada: isso permite centralizar a area de inter-vencao numa fachada/escudo que carrega um denso conteudo iconografico, De fato,sobre 0 convencional plano de tijolos da fachada Venturi desenha toda uma sequenciaque, a partir do pilar cillndrico do portico de entrada, seestende ate acabar na antenade televisao, elemento de coroacao que remata essa sequencia e parece lembrar-nos- COm humor beirando 0 sarcasmo - que os idosos fazem da TV 0 centro de suas vi-das. A sequencia citada, que sem duvida confere certo sentido monumental a serie derupturas c6ncavas-convexas da fachada, pode ser qualificada de equivoca e contradi-toria, Assim, por exemplo, a superficie de vidro inc6lume na lanterna que coraa a seriede varandas pode ser vista como urn gesto radicalmente oposto a profundidade dasverandas citadas; 0 suporte cilindrico dificilmente dialoga com 0mum perpendicular

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    cular na fachada, e somente 0gigantesco rotulo Guild House possibilita a convivencindestes dois elementos; e a justaposicao detexturas coloridas se da em urn mesmo ma-terial, 0 tijolo, sem utilizar mecanismos construtivos ortodoxos. A figura, seus perfise seu contorno poderiam ser tachados de kahnianos, mas Kahn nos acostumou comurn tratamento tectonico t8.0 distinto que essa filiacao deve ser descartada.

    Os tres croquis preparatorios mostram a importancia que Venturi deu a entrada:a Guild House e a casaVanna Venturi antecipam a irnportancia que sernpre teve paraele a estrategia de anunciar 0 acesso, fazendo deste, quase sempre, 0 ponto de origemde todos os seus projetos.aDA capacidade de atuar em qualquer meio com seus principios e algo que Venturie Rauch tiveram a ocasiao de comprovar neste projeto de 1965 para a pequena cidadede North Canton, em Ohio. A condicao descontinua dos predios a construir nao pa-receu intimidar os dois arquitetos quando Ihes foi proposta a construcao de tres edi-ficios: uma prefeitura, urn centro para jovens (0 YMCA) e a arnpliacao de uma biblio-teca existente. Venturi e Rauch responderam ao problema sublinhando a autonomiae a independencia dos ediffcios, que "flutuam" em um ambito urbano onde a relacaoentre eles esta apoiada num sistema de vazios, sem seprender a uma geometria quecondicione a sua existencia, Os edificios se"observam" mutuamente e servem as suasfuncoes sem pretender definir 0 todo.

    Comecemos examinando a prefeitura. Vejamos 0 que nos diz Venturi:[...] A prefeitura e como urn templo romano em relacao as proporcces geradas e ao fatode ser urn edificioisento,mas - em contraste com 0 templo grego - e urn ediflciodire-cional,cujafacbadae rnaisimportante doque osfundos [...] Gosto do modo como LouisSullivanusou 0 arco gigante em alguns de seus ultimos edificiospara conferir imagem,unidade e escalamonumental a edificios nas maiores ruas de cidades do mid- Westernqueeram importantes,mas de tamanho reduzido.?

    As palavras de Venturi a judarn, sem duvida, a entender os seus desenhos. 0 edifi-cio tern uma fachada, uma frente , uma imagem publica. Ali se concentram todas asareas adrninistrativas, inseridas num volume cubico com aberturas quadradas quepoderiam ser ehamadas de convencionais. Os arquitetos nao complicam suas vidasno momento de analisar 0 programa, fazendo reeair sobre seus ombros a tarefa deprojetar uma fachada expressiva. 0 elemento que "confere imagem, unidade e escalamonumental" e uma fachada isolada e livre na qual se inscreve urn arco quebrado29 R.Venturi , "Complexi ty and Contradict ion inArch it ec tu re ': Apud Stan isl aus von Moos, Venturi,

    Rauch & Scott Brown; buildings and projects. Nova York: Rizzoli, 1987, p. 154.

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    _ Pre fe itura, cen tro para jovens e b ib lioteca (prole-to), North Canton, Ohio, 1965

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    por uma placa. Isso resulta numa solucao geometrica que poderia remeter a geome-tria kahniana, A simetria que 0 area estabeleee e quebrada - 0 gosto em justificar as"contradicoes" esta sempre presente na sua obra - quando seperde 0 eixo da'porta deentrada. Uma gigantesca bandeira elimina qualquer possivel confusio sobre 0 uso doedifieio. A faehada, separada do volume, e uma clara referencia aos diferentes papeisdestinados aoplano e ao volume, e nela os arquitetos concentraram sua intervencao,Nao ha um estilo, mas uma imagem, a qual se devem aquelas "unidade e eseala monu-mental" de que edificios como este, na opiniao de seus arquitetos, ainda precisam,

    Tal como a easa Vanna Venturi, 0 YMCA e a ampliacao da biblioteca sao,por 3uavez, edificios pensados a partir da planta. No YMCA a estrategia na planta tern comointuito distinguir os grandes espayos - ginasios, pistas, piscinas etc. - daqueles desti-nados a usos administrativos, Para isso, contribui urn corredor eujo desenho parecefazer 0 arquiteto deleitar-se. 0 espa.;:ointersticial do corredor e 0 que conta. 0 restoacaba regularizando-se, para terrninar em urn retangulo que flutua no espayo urbanoneutro do centro de North Canton.

    Na arnpliacao da biblioteca Venturi e Rauch proeedem de maneira muito diferen-teoEspacos de escala diferente convivem sem nenhuma descontinuidade. 0 edificioconvencional que lhes serve de ponto de partida e explodido e seus contornos saoesvanecidos. Estes agora delimitam os ambitos de um espaco que e,ao mesmo tempo,sala de leitura e deposito de Iivros, 0 que faz a obra de Venturi e Rauch interessantenao sao tanto os espacos intersticiais, mas a pesquisa das contiguidades resultantesdos elementos que dividem os espacos, Dessa forma, vemos como as diagonais aju-dam tanto a definir um recinto (sala de leitura/depcsitc) como a configurar a recepcao.A liberdade da rnanipulacao do perimetro nos remete mais uma vez a Aalto. Porern,o retangulo se abre tanto com urn arco de drculo que gera a entrada, como diantede patios que definem 0carater do edificio, sublinhando a sua autonomia. 0 projetoinfelizmente nao foi construido, mas teve urn impacto consideravel: Venturi 0 incluiuentre outros exemplos da sua arquitetura ao publicar C om p le xi da de e c on tr ad ic ao e marquitetura. No tocante ao desenho urbano, a licao e clara. 0 mesmo vale no que dizrespeito a s pistas em relacao a possiveis desenvolvimentos linguisticos com os quaiso projeto contribui: simetrias quebradas, regularidade da base que logo e ignorada,convivencia de diversas ordens dimensionais etc. 0 projeto de North Canton ja e aobra de urn arquiteto maduro .. , Os criter ios usados por Venturi e Rauch para elaborar 0 projeto de North Cantonforam os mesmos empregados em outro projeto executado anos depois: a estacao debombeiros numero 4 em Columbus, Indiana, de 1966. Aqui, a planta e simples e re-flete a geometria do lugar, enquanto a condicao obllqua da fachada posterior e usadapara introduzir uma pseudo-simetria que produz 0 "espaco cornplexo" de maior inte-

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    -stacao de bombeiros numero 4,Columbus. Indiana. 1966

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    resse no projeto, a pequena cozinha, eujo interior incorpora 0potente s6lido da "hosetower':w Depois de resolvida a planta, Venturi e Rauch se ocupam das fachadas. Maisuma vez,a ideia de urn edificio entendido como verso e reverso, frente e costas, facha-da frontal e posterior, e usada como matriz. A fachada principal explora novamente afrontalidade e incorpora a diversidade de escalas: a grande escala correspondente aoscarninhoes-pipa, a pequena escala capaz de acolher a atividade dornestica do exer-cicio profissional - cozinha, sala de estar, vestiario etc. Convivern, portanto, aber-turas horizontais (cozinhas) com outras quadradas (sala de estar), e monumentais(acesso a garagem) com domestic as (areas privativas). Todos os ambientes mantemsua autonomia: nao se estabelece relacao alguma entre eles. Por outro lado, a super-f ide da fachada, onde se alternam 0 tijolo eonvencional e 0 tijolo bran co esmaltado,caracteriza-se pela descontinuidade que permite encontro entre as duas texturasdiferentes. 0 resultado e uma fachada cuja pretensao e fazer com que os criteriosformais utilizados em sua construcao passem despercebidos. Poderiamos simplificaras coisas e entende-Ia como funcionalista ao extremo. Mas tambern poderiamos con-siderar que a diversidade levou a uma especie de pitoresco, que suprime a enfase emassumir, pura e simplesmente, a condicao de edificio publico da obra. A estacao debombeiros de Columbus realiza urn esforco valioso para construir um edificio a partirdas fachadas, que deliberadamente sao entendidas como episodios independentes eaut6nomos. A fachada - como quintessencia do plano vertical - antecipa aqui algoque sera uma constante na obra de Venturi: paramentos pianos para 0 fechamento doedificio. 0 revestimento como campo de trabalho do arquiteto ja se sente numa obraprecoce como esta.

    Quao longe estamos da arquitetura dos que foram os seus mestres! A estacao debombeiros de Columbus POllCO tern a ver com a arquitetura de s6lidos de Louis Kahnou com as"cascas" que utilizara urn arquiteto como Eero Saarinen, na ultima fase desua carreira .., Paulatinarnente, 0 Venturi de Complexidade e contradicao em arquitetura vaicaminhando em direcao ao Venturi de Aprendendo com Las Vegas,sobre 0 qual fa-laremos adiante. 0 National Football Hall of Fame da Rutgers University, em NewBrunswick, Nova Jersey, de 1967, e uma boa mostra dessa evolucao, 0 Venturi quedescobriu em Roma e na arquite tura antiga 0 interesse da abstencao da norma sesente atra ido agora por reconhecer a logica que existe na arquitetura espontanea,declarando-se admirador ardente da arquitetura comercial da qual estao repletas aseidades americanas. 0 projeto do National Football Hall of Fame, deVenturi e Rauch,busca incorporar a arquitetura elementos procedentes de ambitos nao estritamente30 Torre para mangueiras.

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    arquitet6nicos - como os teloes de anuncios. Assim se produz um desses "encontros"que Venturi gostava de descobrir nas suas viagens para estudar a arquitetura antiga daEuropa. 0 telae gigantesco e uma fachada, uma fachada ativa, move], que nao recria acondicao estatica e ritual das fachadas tradicionais; porem, assim como elas (como asfachadas dos palacios venezianos), atua gerando urn plano vertical que se transformaem imagem genuina do ediflcio, Apesar deVenturi mencionar Tintoretto ao falar daab6bada a qual e estendida a "parafernalia" dos jogadores de futebol americano, 0 CO[-te me lembra 0 trabalho de lim arquiteto como James Stirling: 0modo como 0 telaoseconecta com a ab6bada longilinea denota a habilidade do arquiteto - um complexosistema de linhas obliquas garante tal conexao. 0 arquiteto como fio construtor, comoprofissional capaz de valorizar problemas sem preconceitos formais, parece ser aqui 0modelo seguido por Venturi e Rauch.

    _ Nat iona l Footbal l Hal l o f Fame (projeto) , Univers idade de Rutgers . New Brunswick , NovaJersey, 1967

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    lIDCasasTrubek e Wislocki,Nantucket Island, Massachussetts, 1970

    S ID Estas duas casas, Trubek e Wislocki, em Nantucket Island, Massachussetts, de1970, podem servir de exemplo para ilustrar a atitude deVenturi, Rauch e Scott Browndiante de urn conceito como 0 de tipo arquitetonico, Suaati tude nao e critica - au te6-rica, sequisermos - como aquela adotada par arquitetos como Muratori, Argan, Rossi,Colquhoun ou os irrnaos Krier. Venturi, Rauch e Scott Brown procuram recuperara casa tradicional americana - a balloon-fram e h ouse - servindo-se dos sistemas deconstru\ao e de imagem, mas ignorando completamente a sua estrutura formal. Assirn,embora demonstrem um cuidado extremo em respeitar 0 aspecto exterior do tipo deresidencia popular no qual seapoiam, elesparecern nao se incomodar em usar toda aliberdade em seu interior. Somente a imagem externa persiste, ainda que nela introdu-zam todos os elementos deque precisa - janelas, caixas de escada etc.- sem muitos es-crupulos em relacao ao modelo original. Portanto, estas casas, definidas pela imagem,contem inumeros elementos dispares em relacao aos que caracterizariam a sua genera-lidade, que, embora quase padronizados, sao desprovidos de qualquer relacao posstvelcom a estrutura formal da casa. 0 projeto os util iza como materia l conhecido - epi-sodios cujo conteudo esta encerrado neles mesmos - e ascasas se apresentam comoacontecimentos singulares e precisos, que nao podem ser considerados nem como aexpressao de um tipo conhecido, nem como 0 surgimento de urn novo prot6tipo.

    Para Venturi, Rauch e Scott Brown 0 tipo se reduz a imagem, ou melhor, a imagemeo tipo, seguindo assim a opiniao de que a comunicacao seproduz mediante imagens.Como tal, e mais provavel reconhecer 0 t ipo/imagem que a sua propria estrutura. 0resultado e um projeto no qual uma imagem e responsavel pela unidade, ao mesmotempo em que os elementos que ela exibe pertencem, indiscriminadamente, a hist6riada arquitetura. Porem, a interdependencia entre os elementos e 0 todo - encontradana arquitetura do passado - perde-se por completo. A estrutura formal interna dotipo desaparece, enquanto os elementos arquitetonicos simples adquirem 0 valor deimagens independentes e autonornas.

    Estamos, na verdade, diante de uma arquitetura fragmentada e decomposta. Ven-turi, Rauch e Scott Brown prescindiram deliberadamente da ideia de unidade tipol6-gica, predominante durante seculos, para descobrir, com alguns sobressaltos, que aimagern da arquitetura surge novamente refletida num espelho despedacado A arqui-tetura, que era no passado uma arte de imitacao, uma descricao da natureza, volta ase-Io,mas desta vez tendo como modelo a pr6pria arquitetura. Ela retorna a mimese,mas de si rnesma, refle tindo a realidade da hist6ria - uma hist6ria que se apresentafracionada e fragmentada.Alguns anos depois do exito de Complexidade e contradicao, mais precisarnente em 1972,Venturi se propoe a dar urn passo adiante publicando urn segundo livro, AprendendoC om L a s Vegas, em co-autoria com Denise Scott Brown e StevenIzenour. Ele 0 inicia com

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    uma analise provocadora da strip da cidade das imagens "onde re ina a ficcao" Acorn-panhavam tal analise ref lex6es criticas do modernismo, a rrematadas, como no caso deC o m p le x id a de e c o nt ra d ic ao , com a apresentacao de sua obra, que se transforma, a ssim,em exemplo e paradigma da ati tude que defende. Seus prop6s itos sao apresentados comext rema clareza desde as primeiras paginas do texto e,dessa forma, uma afi rmacao como"simbolo no espayO antes de forma no espa~o: Las Vegas como sistema de comunicacao?pode ser l ida como urn cabecalho para elas. De fato, 0que Venturi , Scott Brown e Izenourpre tendem enos convencer de que a arquitetura moderna se esqueceu da importanc iaque 0 s imb6lico teve no passado. Paradoxalmente, uma cidade como Las Vegas resgatao valor dos simbolos, e os autores nos fazem passear por sua strip, most.rando-nos comoa arqui tetura da cidade - aquela dos hotel s e cassin os, aparenternente banais - manipulaos signos , fazendo com que as cons trucoes sejarn percebidas como maquetes art is ticasque comovern as motoristas. Eis a razao pela qual as autores do livro podem falar deLas Vegas como uma cidade onde a arquite tura recupera a capacidade per suasiva queteve no passado. Como bern sabemos, a fim dos an a s 1960 se caracterizou pela vontadede transforrnar a teoria da arquitetura em urn caso espec if ico da teoria geral da lingua-gem, provocando urn enfr entamento entre os que de fendiam a primaz ia da sintaxe e osque sentiam atracao por aspectos puramente seminticos. B evidente que Venturi , ScottBrown e Izenour buscaram valor iza r os aspectos comunica tivos da a rquitetur a, que , nasua opiniao, encerravam urn interesse rnuito maior do que aqueles quali fi cados de estru-turais . Las Vegas era 0 paradigma de uma arquitetura que tinh~ na cornunicacao a suarazao de ser, e por isso 0 l iv ro corneca com urn elogio a ela . A inf luencia da l inguis ti caleva-os a usa r os termos "denotacao" e "conotacao" com extremo esmero ao comentar aGuild House. Assim, nos dizem deliberadamente:

    A placa qu e diz GUILD HOUSE denota significado por meio de suas palavras; enquanto tal, eo elemento heraldico por excelencia. Porem, 0 carater do grafismo conota dignidade insti-tucional, ao passo que, contraditoriamente, 0 tamanho das letras canota comercialismo."

    Umberto Eco nao te ria encontrado melhor exemplo (ele dedica urn capitulo inteiro itarqui tetura em seu manual de l inguis tica A e st ru tu r a a u se n te ) para mostrar 0 que osconceitos denotacao e conotacao significam.l'

    31 Rober t Ventur i; Den ise Sco tt Brown; Steven Izenour, Learn ing f rom Las Vegas . Cambridge,Massachusetts: MIT Press, 1972, P: 4. [Ed . b ras .: Robe rt Ventur i; Den ise Scot t Brown; Stevenlzenour, Aprendendo COmLas Vegas. Sao Paulo: Cosac Naif)', 2003, p. 33.]

    32 ld., ibid., p. 130.33 Umberto Eco, La strutura assente. MiLlO: Bompiani, 1968. [Ed . b ra s, Umber to Eco, A estrutura

    ausente. 7a. ed. Siio Paulo: Perspectiva, 2001.1

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    Porem, depois de terem posta as cartas sobre a mesa, Venturi, Scott Brown e Ize-nour se disp6em a rea lizar urn ataque f rontal ao que a inda se entendia por arquiteturade vanguarda naquela epoca. Declaram-se contra a arquitetura que busca comunicarsomente a partir da forma. A arquitetura moderna prescindiu do simbolismo e emsell lugar "prornoveu 0 express ionismo, concentrando-se na expressao dos proprioselementos arquitetonicos: na expressao da estrutura e da funcao"> Urn pouco adian-te le-se: "A substituicao da expressao pela representacao por meio do desdern pelosirnbolismo e pelo ornamento resultou numa arquitetura em que a expressao se tor-nou expressionismo"> Para Venturi, Scott Brown e ]zenour, a enfase cxcessiva dosarguitetos modernos sabre a forma derivou em estilo - dai 0 seu esforco em atingiruma lingua gem livre de formalismos e afa stada do expressionismo. A obsessao ementender a arquitetura como "a arte do espaco" - atitude tao comum entre os criticosque seguiram as categor ia s wolfflmianas - e duramente cr iticada pelos auto res ao lon-go de todo 0 texto. "0elemento mais tiranico de nossa arquitetura talvez seja agorao espaco, que foi inventado pelos arquitetos e dei ficado pelos crlt icos, preenchendo 0vacuo c riado pelo simbolismo fugitive?" Os arquitetos modernos esquecera rn- se detoda a complexidade que surge quando assumimos as diver sas obrigacoes da arquite -tur a, e 0 re sultado foi a busca abstrata dos valore s espaciais, algo que A pr en de nd o c omLas Vegas refuta energicamente. A cidade nao pode se r entendida como uma concate-nacao de espa~os; nao deve ser entendida como urn edificio na simples manife stacaoexpressiva dos espacos oferecidos. Ventur i, Scott Brown e Izenour reivindicam a in-clusao de tudo 0 que fora esquecido quando afi rmam:

    A segunda geracao de arquitetos modernos reconhecia as "fatos constituintes" da historia,tal como deduzidos por Sigfried Giedion, que abstraiu 0 edificio historico e sua piazza,considerando-os forma e espa

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    com Las Vegas elogiam 0 "galpao decorado'' em oposicao ao "pato" que os modernospretendiam construir. 0 que Venturi chama de "pate"? Os artefatos que os arquite-tos ofereciam com a conviccao de que se tratavam de forrnas simbolicas capazes deassumir todas as incumbencias que a construcao tradicionalmente exigia. A formaprevalece e tem urn valor sintetico, organico e global. Nas pa lavra s de Ventur i, ScottBrown e Izenour, nos casos em que

    os sistemas arquitetonicos de espa;;:o,estrutura programa sao submersos e distorcidospor uma forma simbolica global, chamamos esse tipo de edificio, que se converte ern es-cultura, de pato, em homenagem ao "patinho de Long Island", avicola em forma de pato,i lustrado por Peter Blake em seu Iivro G o d' s O w n [ un k ya r d. t"

    Enquanto isso, num forte contra ste, um "galpao decorado" esta presente "onde os sis-temas de espayo e estrutura estao diretamente a service do programa eo ornamentose aplica sobre estes com independencia'. Para Venturi, Scott Brown e Izenour, ahist6ria da arquitetura est a repleta de "galpoes decorados" Las Vegas e a atualiza-~ao de urn mecanismo arquitetonico que pode ser observado ao Longo do tempo.A catedral de Arniens e urn billboard, um cartaz publicitario com um ediflcio portras, Os palacios ita lianos sao 0 "galpao decorado" por excelencia , St rozzi, Rucellaie Farnese sao ediflcios cujas fachadas tern vida propria, que ocultam atras de si urndispositive tipologico, convencional . A arquitetura eclcti ca 'do seculo XIX e urn mos-truario de "galpoes ~ecorados" e sua tendencia em confundir estetica e funcao e urnborn exemplo das intencoes dos arquitetos. A arquitetura moderna prescinde doornamento, e 0pecado levou a peni tencia: a venustas vitruviana nao e 0 resuI tado daconciliacao entre firmitas e commoditas. Venturi reivindica a presenca da venustasa partir de urn conceito que associa, assim como Ruskin, ao "ornarnento" Trata-sede urn atributo com valor em si, cuja perda e percebida no desdobramento formalvazio que Venturi ataca com tanta energia. Como tantas vezes se deu na historiada arte , 0 novo e 0 resultado de uma reacao firme ante aquilo que predomina semnenhuma analise critica. Venturi ve com clareza quais sao os alvos aonde atirar seusdardos, rebelando-se contra a arquitetura de seus colegas "acadernicos" - a acade-mia das vangua rdas, entenda-se, apoiada por obras como a faculdade de arquiteturade Yale, de Paul Rudolph, ou a nova prefeitura de Boston, de Kallman e McKinnel1.Venturi, Scott Brown e lzenour acreditam que a condicao semantica de urn cdifi-cio pode ser resolvida com economia, nas fachadas, sern afetar a estrutura e serncomprometer, portanto, os program as. Paradoxalmente, a arquitetura vulgar, a ar-

    38 Id., ibid., P 118 .39 Id., ibid, p . 1 18 .

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    quite tura conhecida, a a rquitetura espontanea da strip era a herdeira da arqui teturaantiga - aquela que Venturi aprendera com mestres C01110 Labatut e Paul Cret, com aqual se deparara em Roma e que, com tanta energia e brilhantismo, demonstrara emcomplexidade e contradicao. Se no seu primeiro livro Venturi ataca 0 modernismousando a Academia, em Aprendendo com Las Vegas0 faz usando os argumentos e asobras dos populistas, que defendem a "maioria silenciosa" ante os excessos elitistasdos intelectuai s. Por isso , t ransforma /vprendendo com Las Vegas no paladino doamericanismo, da soc iedade que ge rou 0 capita lismo, da cultura de massas que pos-sui mats pontos de contato com a cultura antiga do que se acreditava.o elogio que Venturi, Scott Brown e Izenour fazem de Las Vegas, da strip, ou do"galpao decorado", nao e fruto somente da vontade de polemizar. Recusam-se a admi-tir que seja prec iso continuar proje tando "pa tes mottos":" em prol de urn heroismoe de uma originalidade que so servem para inflar a vaidade dos arquitetos. Venturi, apartir de uma posicao etica que 0 leva a identi fi car-se , como dissemos, com a"maior iasilenciosa'; prefere 0 feio e 0 banal. Ali esta a autentica vida e ,paradoxalmente , tam-bern a arquitetura.

    _ Ampliar urn edificio leva sempre a uma profunda reflexao sobre a arquitetura. Adistancia no tempo seevidencia quando nos aproximamos de outros projetos construi -dos, em pr incipia, com formulas que nao coinc idem com aquelas as quais estamos acos-tum ados. Que fazer? Ins ist ir nelas, repet indo ass im l iteral mente 0 existente, com todosos riscos que implica construir com outros meios? Manter respeitosarnente a escala,aceitando, no entanto, uma nova linguagem de acordo com os interesses do momentaem que se constr6i? Esta parece ser a atitude dos arquitetos que em 1937 ampliarama fabric a do Allen Art Memorial Museum do Oberlin College, em Ohio, construidopor Cass Gilbert vinte anos ante s, em 1917.Assim, 0 edificio com patio que emulava aarquitetur a do Renascimento, tao cara a Gilbert, cr esceu unido a dois novos patios que,diferentemente do dele, ignoraram 0 esquema claustral . Vernos, portanto, 0 primeiroprojeto manter dois "braces" abertos, enquanto 0 segundo os transforma em simplescorredores. 0 resultado e um edificio que, a partir do projeto de Gilbert, se desen-volve em profundidade , conservando em comum com 0 museu originario a est ru turaclaustra!. Qua lquer projeto posterior de ampliacao poder ia ser entendido assim comourn proje to sem futuro, como uma intervencao em urn ambito cujo potencial ja estariasupostamente esgotado. A tar efa de Venturi, Rauch e Scott Brown, por tanto, nao erafacil, Sem engrandecer 0 valor da arquite tura de Cass Gilbert, os arquitetos adotam naSua ampliacao de 1973 uma atitude respeitosa: por urn lado, nao exageram seu volu-me e, por outro, insiste rn nos sistemas or togonais de composicao, Porem, sem duvida

    40 Id.. ibid., p. 202.

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    Venturi, Rauch e Scott Brown estao cienres de que para adotar essa atitude e sair ilesosdessa tarefa e preciso sutileza. Ou, ainda melhor, astucia. Apoiarn-se, assim, em crite-rios estritamente funcionais quando empacotam, num edificio que ninguem hesitariaem qualificar de convencional, todas as areas do programa que nao requeriam atributosespeciais, e encontram, na construcao de urn elemento neutro que lhes permite conec-tar asvelhas fabricas ao pavilhao mencionado, a chave para acrescentar 0 volume maiscaracteristico. Agora se trata de uma partida de tres jogadores, em vez de dais.

    Recomendamos 0 estudo da p!anta a todos os que apreciam examinar as solucoe;argutas de um arquiteto. A figura neutra e esquernatica do quadrado transforma-secom intervencoes de dois tipos: de subtracao e de recorte.A perda deum dos cantos e aoportunidade buscada para introduzir a imagem pop provocadora da coluna jonica, 0recorte que obriga a prescindir do canto permite ao visitante resgatar a moldura onde seproduz a intervencao. A renuncia de outro dos cantos propicia a introducao na plantadessas diretrizes obliquas tao caras a Venturi, Rauch e Scott Brown, que aqui as usarnpara definir 0 carater da porta de entrada. A habilidade com que manipulam as diversasescalas permite entrelacar os dois edificios, numa prova de talento arquitetonico,

    Isso, porern, se destaca sobretudo nos acabamentos externos, em que se revels 0esforco de aproximacao a arquitetura existente. Venturi, Rauch e Scott Brown insis-tern na decoracao das paredes, tornando-a ainda mais rica onde estas se encontramcom a cobertura. Naturalmente a maneira de cobrir/decoyar as paredes e muito di-ferente: onde Cass Gilbert usara a alternancia modular e as apliques emoldurados,Venturi, Rauch e Scott Brown optam par urn padrao xadrez que, por alguma razaodesconhecida, nos remete as experiencias decorativas dos anos 1950. Venturi, Rauche Scott Brown expoe suas maneiras de ajustar-se a arquitetura de Gilbert - e talvezseja essavontade de deixar patente, de exibir, de forma consciente e ostentosa as dife-rencas e as dificuldades, 0 que os separa deste arquiteto, Mas e possive! transformar aexibicao das anomalias e das diferencas em procedimento? Nao havera no intimo daanomalia uma condicao discreta, nao conspicua, que se perde quando esta se tornape

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    ., Com 0 desejo de incorporar os metodos da arquitetura espontanea, por conside-rarem que nela reside a autentica racionalidade que os arquitetos devem usar comoprofissionais, Venturi, Rauch e Scott Brown buscam, com os edificios que examinare-mos agora, responder a uma das questoes postas com maior urgencia pela construcaoconternporanea: c~o resolver 0_[echamento das estruturas, sejam elas de concre-to~u de aco? Este e urn problema ao qual os arquitetos modernos haviam prestadoenorme atencao, resolvendo-o em termos estritamente construtivos, ao menos apa-rentemente. Porem, enquanto Mies deleitava-se com resultados que manifestavamcongruencia entre estrutura e fechamento, abolindo qualquer ornamentacao, Venturi,Rauch e Scott Brown prescindem dessa relacao e dao preferencia it condicao epitelialdos fechamentos, encontrando ai a oportunidade de reintroduzir 0 ornamento.

    A.~s~, ~ a _ sede

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    _ BEST P roduc ts Catalog Show room,Oxford Valley, Pensilvania, 1977

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    bal dos parametres: 0 acesso seda em urn eixo nao centralizado e as modulacoes serompem, gerando uma fachada virtual que ficaabsorvida pelo todo. Como ja haviamfeito no projeto de 1981 para 0 edificio de uso misto em Bagda, as molduras ciapor-ta de entrada ficam suspensas, recortadas, dissolvendo 0 padrao com 0 uso de umxadrez sutil que nos lembra obrigatoriamente 0 projeto de Oberlin, Mais urna vez 0"gaJpao decorado" e usado como procedimento .., Coerentes com suas propostas, Venturi, Rauch e Scott Brown aceitam "forrnu-lar"urn problema e, aqui, recorrem ao grafismo e a cor.A foto com a qual gostarn deapresentar 0 ediffcio do BASCOShowroom, Pensilvania, de 1979, a monumentalletra0, demonstra a que ponto pode chegar essa arquitetura: dificil, a meu ver, e usar essaobra para ilustrar os principios expostos no primeiro livro deVenturi. Os arquitetossaem incolumes da prova como profissionais, sem ter que elaborar nenhum proje-to singular ou sutil. Venturi, Rauch e Scott Brown ficarn, como em outras ocasices,presos na rede tecida por elesmesmos, ao definir uma serie de obrigacoes que quasenao permitem a autentica anomalia demonstrada com tanta precisao por Venturi emComplexidade e contradicao.

    _ 0 cornentario sobre 0 BASCO Showroom vale tambern para este outro edificio,o BEST Products Catalog Showroom em Oxford Valley,Pensilvania, de 1977-Este pro-jeto talvez seja de maior interesse, pois mostra a habilidade dos arquitetos com 0 de-sign grafico.., Este museu em Seattle merece atencao, ja que pode ser entendido comoprecursor de urn projeto importantissimo na carreira de Venturi e Scott Brown,a construcao da Sainsbury Wing na National Gallery de Londres. 0 projeto doSeattle Art Museum (1984-91) volta a demonstrar a confianca de Venturi e ScottBrown na planta e no bom encaixe do edificio em seu Iugar. Assirn, em Seattleprocuram explorar a condicao de esquina do terre no. Ao situar a fachada de aces-so na esquina, dao origem a urna est rutura linear que lhes permite distribuir assalas no andar superior com ext rema clareza. Os dois andares superiores ficamreservados para exposicoes, enquanto os dois inferiores acolhem todos as servi-cos disponiveis no museu. Os arquitetos parecem deleitar-se com a sobreposicaode usos e funcoes. Assim, veremos que a passagem as salas altas e feita a partir deurn mezanino no qual se situa 0 acesso aos elevadores, na mesma area onde ficao restaurante. Vis6es perspectivas de alto impacto, como a da escada, misturamse a pseudo-exedras e colunas, 0 que as faz vangloriar-se novamente da sua ca-pacidade admiravel de aproximar episodios arquite t6nicos que nada tern em co-mum. Na verdade, 0 aroma ecletico e oitocentista que esse projeto asvezes parece

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    desprender tern pouco a ver com a ordern e a estrutura da planta: pode-se dizerque os responsaveis por sua ordem visual sao os elementos - uma escadaria, urncorredor, uma serie de colunas alinhadas etc. Observemos, para valorizar devida-mente 0 trabalho de Venturi e Scott Brown como arquitetos, a habilidade com queproduzem 0 portico de entrada.

    A imagem da fachada posterior do museu em Seattle oferece uma boa opor-tunidade para analisar os procedimentos de Venturi e Scott Brown. Suponharnosque sua origem esteja na textura da superficie de pedra, na qual foi elaborado urnritrno estriado pouco usual. Nesta superflcie, cujo objetivo parece ser enfatizar 0valor frontal da fachada, sao acrescidos entao todos os elementos julgados neces-sarios, Estes sao encaixados de tal maneira que demonstram urn tipo de Iiberdadecomo a de urn garoto recortando e colando papeis coloridos sobre uma cartolina.Senos detivermos na serie de portas, veremos como, it maneira das bonecas russas,cada uma da acesso it proxima atraves de uma porta convencional de carvalho. Afachada divide-se em dois pIanos. No primeiro e realizada uma abertura complexa,onde as ordens arquitravadas se misturam a arcos e molduras acrescidas. Urn lintela meia altura porta a inscricao "Seattle Art Museum" Nos dais umbrais, que agorarespeitam a ordem simetrica - em contraponto com 0 ritmo assimetrico da facha-da de pedra e com a estrutura envidracada que inclui as portas - , sao incrustadoselementos de cor que nos remetem a capiteis inexistentes. Assimetrias e decoracao,Arquiteturas historicas e elementos comuns. Materiais naturals e pintura, Pedra decantaria em contraste com pedra polida. Recortes em forma de molduras que sein-terrompem sem justificativa, sem que consigamos entender 0 seu tracado, a nao serpor decodificacao grafica. A esquina entre a Second Avenue e a University Street euma boa mostra do modo de pro ceder de Venturi e Scott Brown. Pode-se dizer quea esquina e 0 resultado da sobreposicao de pIanos com diferentes propositos for-mais. Assim, no plano generico com a textura da pedra trabalhada encaixa-se urnarco de grani to polido de linhas curvas e retas, arras do qual - fora do eixo - ficaurna estrutura reticular envidracada onde se incluem as portas. Cada urn dessesplanos abstratos, virtuais, usa uma textura material diferente, e 0 resultado e umasobreposicao complexa de estruturas autonornas que nao permite identif icar ne-nhuma forma dominante. Complexidade deliberada, isenta de qualquer solucao deconflito. A arquitetura de Venturi e Scott Brown e cornplexa, mas nao espontanea.Trata-se mais do resultado de um metoda que de uma resposta it necessidade - di-ferente dos exemplos que Venturi nos ensinou a entender no seu livro.ill A arnpliacao da National Gallery de Londres com a construcao da SainsburyWing, entre 1986 e 1991, proporcionou a Venturi e Scott Brown a ocasiao de compro-var a validade de suas teorias diante de urn problema arquitetonico que apresentava

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    . , Seatt le Art Museum, 1984-91

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    .,Sainsbury Wing, amplia9ao da NationalGallery, Londres, 1986-91

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    nao apenas questoes estritamente disciplinares, mas tambem urbanisticas e simb6li-cas. A primeira vista, tratava-se sirnplesmente de justapor um novo ediftcio ao volumebern definido ciaNational Gallery, construida por William Wilkins. Se examinarmosa planta, veremos que 0 projeto deWilkins ja havia passado por duas arnpliacoes querespeitavam a fachada da Trafalgar Square, 0 que implicava construir anexos a facha-da posterior. Quem observar a planta percebera a pouca atencao dedicada ao edificiodeWilkins pelos arquitetos das ampliacoes anteriores, as quais podem ser qualificadascomo meras protuberancias, 0 projeto vencedor deVenturi e Scot t Brown contem-playa a construcao de um novo edificio, mais cornpromissado, no ponto onde comecao Pall Mall East, no lade noroeste da TrafalgarSquare, Sem duvida 0 projeto buscouuma aproximacao literal it arquitetura da National Gallery, uma aproximacao que pre-tendia "vibrar por empatia" Como procedem Venturi e Scott Brown? Em primeirolugar, aceitam a ordem de medidas estabelecida pelas salas da National Gallery. 0novo edificio deve ser entendido como um conjunto de salas que insiste em uma tipo-logia de museu bastante conhecida. Porem assalas, ao contrario do que acontece corno edificio de Wilkins, nao se conectam seguindo urn padrao. Venturi e Scott Brownrealizam a Iigacao entre os esquernas cruciforrnes do edificio original e as novas alaspor meio de um eixo,que estabelece a continuidade com 0 ediflcio existente e permJtea ocupacao do novo terre no. Somente depois de chegar a area onde deveriam cons-truir, de avancar sobre esse eixo, a dupla prescinde da ordem ortogonal definida porWilkins, introduzindo uma linha obliqua que alude it orientacao da Whitcomb Street.Essa orientacao esta na origem das tres alas onde estao dispostas as galerias, responsa-veis por uma ordern generica que logo os arquitetos tentam nos fazer esquecer. Umasala conduz it outra, mas de forma que a ordem imposta pelas alas nao prevaleca. Ape-nas a ala central man tern um tipo de ordem, isto e, 0 eixo de perspectiva. Nas outrasduas, ele e deliberadamente quebrado, 0 que confere a s salas sua pr6pria autonomia.Por ultimo, 0perimetro surge mais ditado pelas circunstancias urbanisticas existentesdo que pela forca formal das alas. Esse contraste interior/exterior, tao caro a Venturie Scott Brown, resulta em uma grande diversidade de salas, algo a que os arquitetosparecem conceder importancia substancial, Por isso e significative observar como ospoches do edificio deWilkins sao produzidos em seu interior, no proprio coracao dopredio, enquanto na Sainsbury Wing eles surgem no per irnetro, Voltaremos a estaquestao quando falarmos da articulacao e do encontro dos dois edificios.

    Vejarnosagora como este sistema de alas - que, conforme dissemos, esta na ori-gem do edificio - afeta os and ares inferiores. No nivel de acesso, as alas acabaram setransformando num sistema de colunas que os arquitetos tiveram cuidado em mani-pular, seja associando-as a fachada, seja formando pares; algo que nada tem a ver coma severidade das paredes paralelas. 0 rnesmo serepete no mezanino. Apenas no sotaoasparedes reaparecem, ainda que timidamente. A vontade de marcar distancias entre

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    o pavirnento que gerou 0 edificio e os demais fica ainda mais expltcita quando se in-terpreta 0 perfi l complexo que separa 0publ ico e 0 privado, como urn jogo no qual osarquite tos, aleatoriamente, criaram perfis que remetem as molduras do esplendor daBeaux-Arts. Pode-se dizer que se trata de urn jogo no qual os arquitetos se deleitamem comprovar, mais uma vez, a arb it rariedade de sua discip lina.

    E interessante, sem duvida, reconhecer a irnportancia que para Venturi e ScottBrown tiveram tanto a articulacao (justaposicao) dos volumes como a selec;:ao dosmateriais e, em ultima instancia, a linguagem dos fechamentos e fachadas. A arti-culacao entre os dois volumes se resolve com urn artificio na planta que poderia serconsiderado quase convencional. A rotunda que, como uma rotula, conecta a ultimasala do edificio de Wilkins com 0 patamar da escada, propicia a transicao, E verdadeque essa transicao parece ter side mais bern resolvida no andar nobre do que nosintermediaries, onde a construcao do cilindro acabou resultando num espac;:oque euqualificaria de ambiguo, sem que aqui 0 termo venturiano indique um elogio. Masa articulacao nao acaba ai. 0 ajuste entre a obliquidade das alas e 0 alinhamento Or-togonal definido pe lo ediflcio de Wilkins permite uma ala de transicao, nao paralela,onde se situa a escada. Observando a planta, veremos que essa escada utiliza umefeito de perspectiva inverso ao que pode ser considerado can6nico nos exemplostradicionais do barroco, como a Scala Regia de Bernini. A leitura das plantas voltaa mostrar esse uso deliberado que Venturi e Scott Brown fazem das "contradicoes":quando nos dispomos a usa-lo, a modesto acesso lateral a ' escada t ransforma-se emurn panorama magni fico e espetacular.

    A te agora falei de articulacao preocupado apenas com a planta. Seria preciso abor-da-Ia num sentido mais arnplo, fazendo alusao tanto ao volume quanta as texturas dosfechamentos. Em termos volumetr icos , a continuidade ent re 0 edificio de Wilkins ~ anova const rucao (a arti culacao visual) e conseguida respeitando-se quase literalmentea horizontalidade do edi flc io . A continuidade entre os dois volumes e dada pelas rigi-das pilastras wilkinsianas. Entretanto, a ordem simetrica do projeto de Wilkins se ~r-de para permitir a manipulacao sincopada das pilastras, que se amontoam no pontoSingula r de partida entre uma parede ainda paralela ao edificio original e a curva livreque, por sua vez, estabelece a t rans icao levan do 0 novo volume a alinhar-se com 0 PallMall East. A serie de pilastras - tratadas mais como elementos iconograficos do quecomo signos referenciais de uma ordem interna - e aplicada a parede fragmentada,encerrando a sequencia iconografica com uma coluna que, a sernelhanca de urn ecoou uma sombra, ainda e acompanhada por urna meia pi lastra. 1S50 permite que os ele-mentos tradic ionais sejam fundidos numa parede plana, onde se pode perceber certainfluencia da arqui tetura eduardiana. A corni ja se estende, protegendo 0 fechamentoe fazendo da transicao um episodic imperceptive!. Venturi e Scott Brown ,!91tam' aexaltar a condicao eminentemente visual da discipl ina: para eles, resolvido 0 impacto

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    . 1 ualquer licenca seria posstvel, Por isso, e buscando mais uma vez de formaV1SUa, q . d difi I di .. dl'ssonancias 0 corpo baixo 0 e 1tcio se reso ve com recortes ra tears,oler!1lca as 'p ostram com dureza a vontade do arquiteto de prescindir de qualquer elementoque.JIl 1 ue torne a operacao menos dolorosa. 0 exibicionismo da liberdade e enca-proJetua qado como norma,r Venturi e Scott Brown en tend em que cada uma das fachadas - situadas em condi-_ b as muito diferentes - demanda uma arquitetura diferente. A ccerencia for-~ocm . ,. .mal do ediftcio nao procede de sua estrutura interna. MUltO pelo contrano, Venturi eScot t Brown acredi tam - e na Sainsbury Wing 0most ram bern - que seu projeto resuJ tada resposta a solicitacoes especificas e singulares, 0 que possibi li ta urn edif ic io capazde assumir uma diversidade semelhante a que vemos na colagem dos pmtores. Bastapassear ao redor da Sainsbury Wing para encontrar, por exemplo, a fachada que res-peita Wilkins (com um pano de vidro), a fachada simetrica sobre a_pracinha acima daSt .Martins St reet (que incorpora a tipograf ia e as grades de vent il acao como elementoslasti cos) e assim por diante . Em uma palavra, para encont rar a cont radicao domada.p B .. .Passemos ao interior. Como ja foi dito, Venturi e Scott rown insistern num proJe-to que uti liza 0 velho mecanismo dos eixos de pe rspectiva como procedimento, a timde dotar 0 edificio de estrutura (ao menos visual). Sao dais eixos. 0 primeiro, prolon-gada a partir do predio de Wilkins, corta obliquamente as paredes que definem as alas.Venturi e Scott Brown evitam 0 efeito da diagonal ao recor tar as alas com uma aberturaque lembra a janela ser liaria e permite que 0 arco incida sobre as'paredes sem nenhumtipo de preconceito, novamente abrindo espaco para as chamadas "contradicoes" To-dos os espacos internos incluem contradicoes, e basta examinar as proporcoes e asmolduras com as quais Venturi e Scott Brown manipulam a suposta ordem toscanapara verificar a obstinacao do seu procedimento. 0 fabuloso quadro de Cima da Cone-gliano que encont ramos no fim do it inerar io jus tif ica 0rabalhoso mecanismo.

    Os eixos paralelos a s paredes se produzem de outro modo. 0 da ala central se de-senvolve continua e simetr icamente, enfat izando a perspectiva que esta sempre presen-te nas pinturas ali contidas. Os outros dois sao descont inuos, dando autonomia as salas.Como se ve na planta, as paredes que as configuram nao tern nada a ver com as queestabelecem as divi soes da ala cent ral. As alas la terais reconhecern a i rregular idade doper imetro e explicam a eficacia da est rategia empregada: a ir regular idade mencionadateforca a descontinuidade dos eixos. Somente na ala ao longo da Whitcomb Streetbusca-se realizar um episodic rnais continuo, ao cons truir as ultimas t res salas usandoo eixo que surge da bisset riz das paredes.

    A confianca de Venturi e Scott Brown na iconografia simplificada - como se vi-vessemos sornente de imagens grosseiras - revela-se nos arcos usados para cobrir aescada: de fato, a estrutura manipulada apresenta-se como simples arnpliacao de urnmodelo de papelao, com longinquas ressonancias tanto das arcadas da arquitetura

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    tradicional como da assimilacao do arco pelos engenheiros do inicio do seculo XIX.Qualquer um que note como os elementos estruturais seencaixam nas paredes late-rais concordara comigo quanta a prevalencia do iconografico. Em contrapartida, afalta de respeito a ordem imposta pelas janelas permite que as arquitetos demonstrernnovamente a liberdade com que trabalham, sua falta de preconceitos e a inevitabilida_de das "contradicoes"o corte volta a mostrar osprocedimentos deVenturi e Scott Brown. Digamos queeles tentam mostrar, mais uma vez, 0 seu pragmatismo - dai a enfase no tratamentodado aos lanternins. A independencia com que resolvem 0 volume interno das salasse traduz numa cobertura assirnetrica, onde 0 que conta e a regularidade dos espa-cos internos. Porem, pelo fato de todos as elementos do contorno terem side projetadoscom 0mesmo valor, essa regularidade nao e evidente ao analisarmos a desenho. Maisuma vez, e a "acao"que interessa ao arquiteto: 0 ediflcio se faz presente apenas com osquadros pendurados e com as pessoas indo a chapelaria ou subindo as escadas. 0 cortenao tern para Venturi e Scott Brown a mesmo valor que tinha para alguns de seus con-temporaneos, como vimos ao falar sobre Stirling. 0 corte nao da estrutura ao ediflcio.No caso da National Gallery, ele demonstra claramente que 0 proieto foi pensado apartir da planta (do andar superior, entenda-se). A este andar leva a escada monumen-tal, como sea sua (mica funcao Fosseessa. 0 andar de acesso, 0mezanino e 0 sotao saosimplesmente pianos horizontais que ajudam a encaixar devidamente 0 programa.& D i D Creio que Venturi e Scott Brown ficaram lisonjeados quando uma instituicaocomo a Orquestra de Filadelfia lhes encomendou sua sala de concertos. Fieis a seusprincipios, eles aceitam 0 fato de que um auditorio e um tipo de edificio conhecidoe 0 executarn seguindo modelos que estao na mente de todos. Os ecos da arquiteturado seculo XIX (que assistiu Iiconsolidacao das salas de concerto como tipo) aparecemtanto na geometria do auditorio como na serie de anfiteatros sobrepostos. 0 prop6sitodos arquitetos parece ter sido encaixar uma sala com um carater generico e univer-sal em condicoes urbanas especificas. Venturi e Scott Brown sao extraordinariamentesensiveis em relacao ao tecido urbano de Filadelfia. Conhecem bem a cidade e sabemcomo os edificios se comportam na malha. No caso do Philadelphia Orchestra Hall(1987-96), optam pOl'manter 0 perimetro do quarteirao, mas em uma de suas laterais- a da Delancey Street, onde 0 auditorio defronta corn a University of the Arts - apro-veitam a presenca deste ediflcio institucional para criar um ambiente mais tranqiiilo,mais intimista do que 0 propiciado pela rua. Este espa

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    gimento do especifico. De faro, este projeto deve ser entendido mais como a modela_gem habi. do volume de urn quarteirao doque como um cdificio isolado. Ap6s definiro volume atendendo as condicoes urbanisticas, interesse da dupla parece focar-seentao em como induir nele a sala predeterminada. Assim, nos deparamos com umasala perfeitamente simetrica - embora neste caso a simetria que tal elemento arq 'tui e-tonica imporia aos espacos em urn esquema do seculo XIX aqui nao apareca 0 pro-jeto do foyer mostra como a simetria da sala nao se estende de forma indiscriminadaaos espac,:osadjacentes, Ela se mantern no desenvolvimento do programa, porern seaceitam de born grade as anomalias provocadas pelo ajuste em relacao ao perime-tro, tao precisamente estabelecido, ou pelo cumprimento das normas: notem como asescadas de emergencia mantern urn comportamento simetrico, na esperanca de quea escada que levado foyer inferior ao superior desfaca completamente uma possivelleitura do conjunto com base na simetria. Venturi e Scott Brown parecern dispostosa criar a ambiguidade que leva 0 observador, a primeira vista, a interpretar 0 espacocomo simetrico, A diversidade dos pilares, que parecem ter sido salpicados no vaziode modo imprevisto e erratico, assim como a variedade de seus diametros contribuempara destruir tal impressao.

    Este projeto e um born exemplo do modo como os dois arquitetos entendem acornposicao, e a analise da fachada 0 confirma. A dupla aceita os sistemas de constru-c,:aocorrentes e sobre eles projeta a iconografia que lhes interessa em cada caso. Na s~ade concertos de Filadelfia, a seriedade da instituicao parece recomendar a utilizacao deelementos arquitetonicos tradicionais - dai 0 uso do frontao e das colunas. Porem, aconstrucao standard defende 0 uso de urn pano devidro, que absorve 0 frontao, as co-lunas e,por tabela, asmodernas reticulas, Os eixos se perdem, as simetrias se quebrarn,o vertice do frontao nao coincide nem com os eixos das pilastras virtuais nem com osvaos. Venturi e Scott Brown se regozijam, mais uma vez,com a contradicao, que aquipoderia ser chamada de contradicao domada. A desenvoltura que os tempos parecemexigir se traduz no gigantesco friso aplicado sobre a fachada, que e , literalmente, a am-pliacao de urn pentagrama. Tudo muito previsivel. 0 frescor dos exemplos que apren-demos a valorizar em Complexidade e contradicao em arquitetura nao esta presenteaqui. A pratica profissionalleva Venturi e Scott Brown a formulas obrigat6rias.

    E interessante analisar a origem da fachada. A transformacao da fachada de pedraem pano de vidro e , simples mente, urn exerdcio que nao afeta seu conteudo Icono-grafico, dai a importancia de se analisar sua evolucao. No esquema de 1990 ainda per-cebemos ecos do projeto de Seattle. A simetria estrita ditada pelas portas de entradaperde-se nos extremos. A dupla se compraz em nos fazer pensar que a fachada comrevestimento de pedra e simetrica, quando na realidade 0 olhar atento logo descobreque foi feito urn esforco deliberado para que ela nao 0 fosse. 0 mesmo acontece noesquema de 1995, quando 0 sistema criado pela sobreposicao de reticulas ortogonais

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    b d uando se incluem as linhas obliquas de urn frontao virtual. Venturi e'pertur a 0 q . , . _. .e tomam bastante cuidado para impedir que 0 vertice do frontao cOIl1C1daScott Brown -dos eixos da reticula citada. 0 esforco em buscar modes de expressaocom algum _. ., .nhzandc tecnicas de construcao convencionais e patente. ASSIID, como eu.ngulares u 1 1si . irneira versao da elevacao os dois exploram as possibilidades da fachada~~~~ , ,d anto na segunda 1105 oferecernuma mostra do que e posstvel fazer com&~~rn~ . . .d vidro A busca pela competencia profissional - que neste caso significaurn pano e . _ '. .. _ dos metodos de construcao conentes - nao exclui a presenya da arqui-

    a aceltac,:ao ui se serve de urn mundo formal com referencias diretas a arquiteturatetura, que aq . ,. .d A fantasia de conciliar a leitura da arquitetura historica preconizada pordo passa o. . '.c om p le xi da de e c on tr ad ii (i io com 0 uso da iconografia que d~u ongem a Aprend~n~o

    co m L as V eg as e com as tecnicas de construcao convencionais parece ser 0 propositoque dell origem a este projeto.