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Texto para a disciplina de sociologia Curso de FILOSOFIA Prof. Maurício G. Saliba LEITURAS DE SOCIOLOGIA Maria Cristina Rocha Barreto POSITIVISMO: Augusto Comte: o fundador da sociologia Emile Durkheim e o estudo dos Fatos Sociais 1. Auguste Comte: o fundador da Sociologia 1.1 Introdução Auguste Comte nasceu na cidade de Montpellier (França), em 1798. Aos 16 anos ingressou na Escola Politécnica de Paris, um dos frutos da Revolução Francesa e do recente desenvolvimento científico e tecnológico. Aí recebeu influência de vários ramos da ciência como a matemática, a física, a astronomia e também de alguns ideólogos franceses, economistas, filósofos e historiadores. Esta época, final do século XVIII e início do XIX, se caracterizava por uma revolta contra as autoridades, principalmente as autoridades clericais. Os ideólogos franceses promovem uma intensa atividade intelectual, cujo conhecimento se alicerça sobre novas bases, isto é, pretendem realizar uma ciência das idéias para substituir a metafísica e a psicologia. A “ideologia”, tal como é chamada a ciência das idéias, pretendia uma aproximação com os métodos utilizados pelas ciências

Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

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Texto para a disciplina de sociologiaCurso de FILOSOFIAProf. Maurício G. Saliba

LEITURAS DE SOCIOLOGIAMaria Cristina Rocha Barreto

POSITIVISMO:Augusto Comte: o fundador da sociologiaEmile Durkheim e o estudo dos Fatos Sociais

1.Auguste Comte: o fundador da Sociologia

1.1Introdução

Auguste Comte nasceu na cidade de Montpellier (França), em 1798. Aos 16 anos

ingressou na Escola Politécnica de Paris, um dos frutos da Revolução Francesa e do

recente desenvolvimento científico e tecnológico. Aí recebeu influência de vários ramos

da ciência como a matemática, a física, a astronomia e também de alguns ideólogos

franceses, economistas, filósofos e historiadores.

Esta época, final do século XVIII e início do XIX, se caracterizava por uma revolta

contra as autoridades, principalmente as autoridades clericais. Os ideólogos franceses

promovem uma intensa atividade intelectual, cujo conhecimento se alicerça sobre novas

bases, isto é, pretendem realizar uma ciência das idéias para substituir a metafísica e a

psicologia. A “ideologia”, tal como é chamada a ciência das idéias, pretendia uma

aproximação com os métodos utilizados pelas ciências naturais, com o fim de “repensar

a política a partir do conhecimento”

Sob muitos aspectos foram eles os verdadeiros fundadores das ciências humanas, pelo menos na França. Pois, ao situarem o homem no centro de suas preocupações científicas, os ideólogos abriram um caminho original, para a pesquisa, que seria seguida pelos inventores da ‘fisiologia social’, que, em seus inícios, foi concebida e apresentada como uma ciência eminentemente moral. (CUIN, 1994:26).

Em 1816, depois da derrota de Napoleão em Waterloo, uma onda reacionária se

apoderou da Europa, resultando no fechamento temporário da Escola Politécnica.

Porém, já antes de deixar a Escola, Comte havia se tornado secretário de Saint-Simon,

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do qual receberia grande influência, apesar de suas posteriores divergências. Este, um

nobre cuja árvore genealógica remontava às Cruzadas, aos 40 anos rompeu com suas

tradições para abraçar uma nova carreira “físico política”.

1.2Breves palavras sobre...

SAINT-SIMON acreditava que o Antigo Regime não tinha solução e que era preciso

lutar para construir uma nova sociedade. Era preciso realizar uma crítica forte à ordem

existente e refletir sobre essa nova sociedade a construir. Foi bastante perspicaz, ao

intuir que as antigas formas sociais dariam lugar a uma crescente racionalidade

econômica na sociedade industrial. No entanto, para ele estas transformações não iriam

acontecer exclusivamente no âmbito econômico, mas também nos domínios do

simbólico e do religioso. Saint-Simon dedicou sua vida à idealização da nova sociedade

industrial, que transformaria pacificamente a natureza e garantiria a cada um a

satisfação de suas necessidades espirituais e materiais. Essa visão otimista do sistema

industrial vai ser cada vez mais ofuscada no fim de sua vida ao ver a crescente miséria

dos operários e o fortalecimento do socialismo. Sua obra é fundamental para se

entender o surgimento do novo campo de estudo do social, principalmente por quatro

motivos:

1 - À semelhança dos ideólogos, prega abertamente uma ciência do homem;

2 - Afirma que a sociedade não é uma simples aglomeração de seres vivos, mas uma “máquina organizada, cujas partes (...) contribuem de uma maneira diferente para o avanço do conjunto”;

3 - Ao sistematizar seu “pensamento sobre a ‘história da civilização’, reexamina os fenômenos sociais a partir da atividade de produção ou (...) da indústria;

4 - Acreditava que a passagem de um tipo de sociedade para outro se dava através da violência e pelo enfrentamento de classe antagônicas (Cuin, 1994:28-29).

1.3 Voltando a Comte

O centro da filosofia de Comte está na idéia de que a sociedade só pode ser

reorganizada através de uma completa reforma intelectual do homem. Ao contrário de

outros pensadores de sua época (Saint-Simon e Fourier – socialistas utópicos) que

acreditavam que seria necessária também uma reforma das instituições, Comte achava

que era preciso dar aos homens novos hábitos de pensar de acordo com o estado das

ciências de seu tempo.

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Seu pensamento está estruturado em três temas básicos:

1 - Uma filosofia da história para mostrar os motivos pelos quais uma maneira de pensar – O POSITIVISMO – deve imperar sobre os homens;

2 - Uma fundamentação e uma classificação das ciências, baseadas na filosofia positiva;

3 - E uma sociologia, que determinando as estruturas e os processos de modificação da sociedade, permitisse a reforma prática de suas instituições e do próprio homem.

Devendo-se acrescentar a esse sistema a forma religiosa assumida pelo plano de

renovação social.

1.3.1 Três etapas do pensamento comtiano

A filosofia da história pode ser sintetizada na lei dos três estados, segundo a qual

todas as ciências e o espírito humano desenvolvem-se através de três fases distintas: a

teológica, a metafísica e a positiva.

Na primeira etapa de seu pensamento reflete sobre a sociedade de seu tempo,

como a maioria dos seus contemporâneos do século XIX. Segundo ele, um certo tipo de

sociedade – a teológico-militar – está em vias de desaparecer para dar lugar a outra

positiva e industrial.

A sociedade teológico-militar era sua definição para a sociedade feudal, cujo

cimento era a fé transcendente, interpretada pela Igreja Católica. Esse modo de pensar

era contemporâneo a atividade militar, de forma predominante, que dava as primeiras

posições aos homens de guerra.

A nascente sociedade industrial e positiva substituiria a antiga sociedade teológico-

militar.

O pensamento científico viria substituir o antigo pensamento teológico, ou seja, no

lugar dos sacerdotes e teólogos, ficariam os cientistas como categoria de base

intelectual e moral da nova ordem social. Da mesma forma que os cientistas

substituiriam os teólogos, os industriais (tomando-se essa categoria de modo amplo –

empreendedores, diretores de fábrica, banqueiros etc.) assumiriam o lugar dos militares.

A partir do momento em que o homem passa a pensar cientificamente, deixa de

lado também a atividade militar como a principal da comunidade (luta do homem contra

o homem), para dar lugar à luta do homem contra a natureza através da exploração

racional dos recursos naturais.

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Aí está uma das principais discordâncias de Comte em relação à Saint-Simon. Ao

contrário deste que afirma que a passagem de uma ordem social a outra só se dá

através da violência e do enfrentamento, acha que para a reorganização de uma

sociedade em crise é preciso uma síntese das ciências e a criação de uma política

positiva. A explicação para a crise da sociedade moderna está na contradição histórica

da ordem teológico-militar, em vias de desaparecer, e a ordem científica-industrial que

nasce. Caberia então à sociologia compreender o devenir (transformação incessante e

permanente pela qual as coisas se constroem e se dissolvem noutras coisas; devir; vir-

a-ser – Dicionário Aurélio ) inevitável da história, para ajudar a realização da ordem

fundamental.

Na segunda etapa amplia essa perspectiva. Leva em consideração a história da

Europa como se ela fosse uma síntese da história de todo gênero humano; pressupõe

que a ordem social para a qual sociedade européia tende, será necessariamente a

ordem social válida para toda a espécie humana.

Nessa etapa desenvolve e confirma as duas leis essenciais: a lei dos três estados

e a classificação das ciências. Segundo a lei dos três estados, o espírito humano teria

passado por três fases sucessivas. Na primeira, o espírito humano explica os fenômenos

atribuindo-os a seres ou forças comparáveis ao próprio homem. É a idade teológica. Na

Segunda, invoca entidades abstratas como a natureza. É a idade metafísica. Na terceira,

o homem observa os fenômenos e fixa relações entre eles num dado momento ou no

curso do tempo. É a idade positiva.

Essa lei dos três estados só tem sentido se combinada com a classificação das

ciências, nos revelando como a inteligência se tornou positiva nos vários domínios.

Segundo Comte, a maneira de pensar positiva se impôs primeiramente na matemática,

na física, na química e depois na biologia, em outras palavras, o pensamento positivo

aparece primeiro nas disciplinas mais simples (sic) e mais tarde nas mais complexas.

O objetivo da combinação das leis dos três estados com a classificação das

ciências é provar que a maneira de pensar que triunfou na matemática, na física, na

astronomia, na química e na biologia, deve se impor também na política, levando a

constituição de uma ciência positiva da sociedade – A SOCIOLOGIA.

A partir da biologia as ciências deixam de ser analíticas para serem sintéticas. Termos

que têm, na linguagem de Comte, múltiplos significados. As disciplinas analíticas são

aquelas, como as ciências da natureza inorgânica, a física e a química, que estabelecem

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leis entre fenômenos isolados necessariamente. As ciências, como a biologia, são

sintéticas, pois não é possível explicar um órgão ou uma função sem considerar o ser

vivo como um todo e é em relação a ele que o fato biológico se explica.

Essa preponderância do todo sobre as partes é transposta para a sociologia.

Segundo ele, não é possível compreender um fenômeno social particular se este não

estiver inserido no todo social e no devenir histórico. É preciso levar em conta todo o

desenrolar da evolução histórica para entender um momento específico. Esse

pressuposto impõe uma dificuldade metodológica, pois para se entender a evolução da

nação francesa seria necessário refletir sobre a totalidade da história da espécie

humana. Isto leva à idéia de que o objeto da sociologia é a história da espécie humana,

considerada como uma unidade.

Cria-se então a sociologia que é uma ciência que admite a prioridade do todo

sobre a parte, e da síntese sobre a análise, tendo por objeto a história da espécie

humana. Comte supõe também que não há liberdade de consciência na sociologia,

assim como não há na física e na astronomia. Os cientistas devem impor seu veredito

aos ignorantes e aos amadores, o que se supõe que a sociologia possa determinar o

que é, o que será e o que deve ser, de acordo com o que chama de realização da ordem

humana e social.

Na terceira etapa de seu pensamento, justifica, por uma teoria da natureza

humana e da natureza social, essa unidade da história humana. Justifica através de uma

fundamentação filosófica, a noção de uma história única para a humanidade. Para isso é

preciso que o homem tenha uma natureza própria, reconhecível e definível, em todos os

tempos e todas as sociedades. Toda a sociedade deve se comportar de acordo com

uma ordem essencial que se possa reconhecer através da diversidade das organizações

sociais. Essas naturezas humana e social devem ser tais que possamos inferir delas as

principais características do devenir histórico. Podemos dizer que a teoria da mudança

social de Comte se baseia no pensamento de que “toda a história tende à realização da

ordem fundamental, da ordem social (...) e à realização do que existe de melhor na

natureza humana” (Aron, 1990:76).

A sociologia de Comte pretende resolver a crise do mundo moderno, isto é,

fornecer o sistema de idéias científicas que presidirá a reorganização social. Comte

deseja ao mesmo tempo ser cientista e reformador. Quer, através da descoberta de leis

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universais e fundamentais da evolução humana, descobrir o determinismo global, para

que os homens possam utilizar de modo positivo.

A filosofia de Comte se baseia em 3 pressupostos:

1 - A sociedade industrial – a sociedade européia – é exemplar e se tornará universal;

2 - O pensamento científico ou positivo é duplamente universal. No sentido de sua adoção por todos os homens e no sentido de que será adotado em todas as disciplinas; 3 - A história da humanidade é o desenvolvimento da natureza humana.

1.3.2 A sociedade industrial

As idéias de Comte não eram originais, pelo contrário, ele as recolheu de seu próprio

tempo e são estas:

- O poder teológico era passado;

- O pensamento científico dominaria, dali em diante, a inteligência do homem moderno;

- O desaparecimento da estrutura feudal e da organização monárquica;

- Os cientistas e industriais dominariam a ordem de nosso tempo.

Ele escolheu essas idéias dentre algumas que eram correntes na época, dentre as quais:

- Indústria baseada na organização científica do trabalho, com vistas ao rendimento máximo, graças ao que a humanidade desenvolve enormemente seus recursos;

- A produção industrial leva a concentração de trabalhadores nas fábricas e nas periferias das cidades, surgindo assim as massas operárias;

- A oposição latente ou aberta entre patrões e empregados;

- Crises de superpopulação ao lado da miséria absoluta;

- Liberalismo econômico prevalecia e pregava que a condição essencial do desenvolvimento da riqueza é a busca do lucro, a concorrência e a intervenção cada vez menor do Estado.

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Comte enfatiza as três primeiras idéias, porém, para ele, a oposição entre patrões

e empregados devia-se a má organização da sociedade industrial, podendo ser

reorganizada e corrigida por reformas. Critica tanto os liberais quanto os socialistas.

Acusa os liberais de metafísicos, isto é, pensam de forma abstrata, apenas através de

conceitos, o funcionamento do sistema. Esses economistas cometem também o erro de

pensar os fenômenos econômicos separados do social.

Tem, no entanto, um ponto em comum com eles. Não existe oposição fundamental

entre os patrões e empregados, pois o desenvolvimento da produção se ajusta aos

interesses de todos. Comte acredita que a concentração de riqueza e dos meios de

produção, não são contraditórios com a propriedade privada. Pelo contrário, defende a

propriedade privada das riquezas concentradas. Esta contradição faz parte do

desenvolvimento da ordem social e como esta melhora inevitavelmente – idéia de

progresso –, a concentração não é necessariamente má, pois a civilização material só

poderá se desenvolver se cada geração produzir mais do que necessita para a

sobrevivência, transmitindo o excedente de riqueza para a geração seguinte e assim por

diante.

Entretanto, Comte é um reformador que deseja transformar o sentido da

propriedade atribuindo-lhe uma função social. Os patrícios (industriais, banqueiros etc.)

não devem abusar de suas propriedades. Para exercer sua autoridade, os industriais

devem obedecer a duas ordens: a ordem temporal (lugar que ocupam na hierarquia

econômica) e a ordem espiritual, que é a dos méritos pessoais. Isso justificaria, para ele,

a ascensão de alguém de classes inferiores que superassem em merecimento moral e

pessoal, pelo devotamento à coletividade, seus superiores hierárquicos. Essa ordem

espiritual não é transcendente, mas deste mundo, substituta da hierarquia temporal do

poder, baseando-se nos méritos morais.

Os temas fundamentais de Comte são o trabalho livre, a aplicação da ciência à

indústria, a predominância da organização, temas bem características da sociedade

industrial. Foi desacreditado porque quis determinar, nos mínimos detalhes, a hierarquia

temporal, chegando até o número de patrícios e a população de cada cidade.

Afirmou também que as guerras, na sociedade industrial, seriam anacrônicas. Elas

teriam servido na sociedade teológico-militar para o aprendizado do trabalho e a

formação de grandes Estados. Na nova sociedade não haveria mais por quê combater.

Crença amplamente negada, principalmente no período de 1840 a 1945.

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Comte não pretendia interpretar a sociedade industrial, mas sim a reforma do

poder temporal pelo espiritual, que deveria ser exercido pelos cientistas e filósofos, que

substituiriam os sacerdotes.

1.3.3 A Sociologia – ciência da humanidade

Diz apoiar-se em três autores para introduzir alguns dos temas fundamentais do

seu pensamento sociológico: Montesquieu, Condorcet e Bossuet.

De Montesquieu absorveu o determinismo dos fenômenos sociais e do devenir

das sociedades humanas. De Condorcet trouxe a noção de progresso, que pretendia

descobrir no passado as fases pelas quais passou o espírito humano. Comte colhe

desse pensador a idéia de que o progresso do espírito humano é o fundamento do

devenir das sociedades humanas.

Através dessas duas idéias chega-se à concepção central de Comte: “os

fenômenos sociais estão sujeitos a um determinismo rigoroso, que se apresenta sob a

forma de um devenir inevitável das sociedades humanas, comandados pelos progressos

do espírito humano” (grifo nosso) (Aron, 1990:87). Esse modo de ver o devenir histórico

leva à visão de uma história única, em marcha para um estado definitivo do espírito

humano e das sociedades humanas, semelhante ao providencialismo de Bossuet.

Comte é o sociólogo da unidade humana. Visa reduzir a diversidade das

sociedades, no espaço e no tempo, a uma série fundamental, o devenir da espécie

humana, e a um projeto único, o de chegar a um estado final do espírito humano. Em

última instância, o desígnio da história é o progresso do espírito humano.

O motor do movimento histórico é a incoerência no modo de pensar de cada

época, ou seja, Comte vê uma sociedade como caótica quando se justapõem modos de

pensar contraditórios, e é então que o progresso do espírito humano vai eliminando

essas contradições através do método POSITIO. Em outras palavras, através da

observação, da experimentação e da formulação de leis que têm validade universal

(tanto em política, quanto na astronomia), o método positivo procura entender

fenômenos que antes eram deixados por conta da teologia e da metafísica.

Procura entender a diversidade humana, justificando-a através de três fatores: a

raça, o clima e a ação política. Atribuiu a cada raça uma predominância de certas

características. De acordo com sua teoria, as diferentes partes da humanidade não

evoluíram do mesmo modo porque, no ponto de partida, não tinham os mesmos dons.

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Ele chama de clima o conjunto das condições naturais em que se encontra parte

da humanidade, que sendo muito variados e gerando problemas diferentes que devem

ser resolvidos por cada sociedade, explicam também essa diversidade humana.

Quanto a ação política, encontramos novamente o providencialismo. Embora não

acredite que apenas um indivíduo possa modificar substancialmente o curso da história,

pois é inevitável para um determinado fim, a aceleração ou não do processo também

depende dele.

À sociologia cabe descobrir a ordem geral da história, de forma a apressar o

surgimento do positivismo e diminuir o seu custo. Essa nova ciência social seria o

estudo das leis do desenvolvimento histórico e se fundamenta na observação e na

comparação, utilizando, portanto, métodos semelhantes aos das outras ciências,

principalmente a biologia.

A estática e a dinâmica são duas categorias centrais da sociedade de Comte.

A ESTÁTICA seria o estudo do que ele chama de consenso social. Uma

sociedade é semelhante a um organismo vivo, desse modo é impossível estudar o

funcionamento de um órgão sem situá-lo no conjunto do ser vivo, também é impossível

estudar a política e o Estado sem situá-los no conjunto da sociedade, num dado

momento. A estática seria, então, a análise anatômica da sociedade num dado momento

e a análise dos elementos que determinam o consenso, isto é, que fazem do conjunto

dos indivíduos ou famílias uma comunidade e da pluralidade das instituições uma

unidade.

A DINÂMICA, em seu ponto de partida, é a descrição das etapas sucessivas

percorridas pelas sociedades humanas. O devenir das sociedades humanas e o espírito

humano são comandados por leis.

1.3.4 Da filosofia à religião

Comte é um reformador social. Desvaloriza o econômico e o político, em favor da

ciência e da moral. A organização científica do trabalho é necessária, mas é

relativamente fácil de realizar. Não é essa, segundo ele, a essência da reforma que

acabará com a crise das sociedades modernas.

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Quer transformar o modo de pensar dos homens, divulgar o pensamento positivista e

estendê-lo ao domínio da sociedade, eliminando o que resta da sociedade feudal e

teológica.

A síntese filosófica de suas idéias pode ser agrupada em torno de quatro idéias (Aron,

107-09):

1 - A ciência é uma fonte de dogmas. Mesmo querendo eliminar os traços do espírito teológico, ele procura verdades definitivas, que não possam ser questionadas.

2 - Para ele, o conteúdo da verdade científica é representados por leis, isto é, relações necessárias entre fenômenos ou fatos dominantes ou constantes. Sua ciência não busca explicações últimas, nem pretende atingir as causas. Ela se limita a constatar a ordem que existe no mundo, para assim Ter condições de explorar os recursos naturais e para pôr ordem em nosso próprio espírito.

3 - Existe na natureza uma hierarquia, que vai dos fenômenos mais simples aos mais complexos, da natureza inorgânica à orgânica, dos seres vivos ao homem. O inferior condiciona o superior, mas não o determina.

4 - As ciências que constituem a expressão e a realização do espírito positivo correm o sério risco de se dispersarem na análise. É preciso que ocorra uma síntese das ciências, tendo como centro ou princípio a própria sociologia, que é o nível mais alto de complexidade. Pois é ela o único princípio subjetivo de síntese, pois a reunião de conhecimentos e de métodos só tem sentido se se toma como ponto de referência a humanidade.

Para Comte, a sociologia é, portanto, a ciência do entendimento. O homem só pode entender o espírito humano se observar sua atividade e sua obra na sociedade através da história (Aron, 1990:110).

1.4Classificação das ciências

Comte procura, em seu Curso de Filosofia Positiva, estabelecer uma hierarquia e

uma classificação das ciências. Segundo ele, até aquela ocasião não haveria uma

classificação satisfatória das ciências, e esta tarefa só seria realizada se se empregasse

o método positivo, ou seja, através da observação e do próprio estudo dos objetos a

serem classificados e não de considerações apriorísticas (Comte, 1983:22).

Busca a base racional da ação do homem sobre a natureza, conhecendo as leis

que governam os fenômenos e, consequentemente, prevê-los e modificá-los em nosso

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proveito. “Em resumo, ciência, daí previdência; previdência, daí ação: tal é a fórmula

muito simples que exprime, duma maneira exata, a relação geral da ciência e da arte,

tomando essas duas expressões em sua acepção total” (:23).

Comte afirma que o objetivo último da ciência não é servir à indústria, embora

tenha contribuído significativamente para o seu desenvolvimento. Segundo ele, o

homem tem a necessidade imperiosa de conhecer as leis dos fenômenos e dispor os

fatos segundo uma ordem. A inteligência humana que se ocupa unicamente com

investigações que tenham uma utilidade prática, encontra-se impedida em seu

progresso, pois “as aplicações mais importantes derivam constantemente de teorias

formadas com simples intenção científica, e que muitas vezes foram cultivadas durante

vários séculos sem produzir resultado prático algum (:23).

Ele observa, na sociedade industrial, a criação de uma classe intermediária entre

os cientistas e os diretores efetivos dos trabalhos produtivos: a classe dos engenheiros,

que tem por finalidade organizar as relações entre a teoria e sua aplicação prática (:24).

Divide as ciências em dois gêneros que estudam fenômenos distintos.

1 - As ciências gerais e abstratas que visam a descoberta de leis que regem os diversos fenômenos e consideram os casos possíveis de ocorrer (:25);

2 - As ciências naturais que são as ciências concretas, particulares, descritivas e que são a aplicação dessas leis à história dos seres.

É sobre esse primeiro tipo de ciência (geral) que Comte fala em seu curso de filosofia positiva. E é nesse esforço que ele afirma que as ciências podem ser expostas através de dois caminhos:

1 - O histórico a exposição dos acontecimentos segue uma ordem cronológica, ordem esta segundo a qual o espírito humano os obteve. Esse forma se torna muitas vezes impraticável por existirem uma longa série de avanços e recuos e intermediários que obrigaram o espírito a percorrer

2 - O dogmático o conhecimento é exposto como seria concebido por um único espírito conhecedor, cuidaria de refazer a ciência em seu conjunto. Em outras palavras, o modo dogmático foram um sistema que permita ser apresentada de forma lógica (:27-28).

2. Émile Durkheim e o estudo dos fatos sociais

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2.1Introdução

David Émile Durkheim nasceu em 15 de abril de 1858 na cidade de Epinal,

França. Sua formação se dá primeiramente em filosofia e psicologia. Talvez, devido a

suas ambições em tornar-se um rabino, como seu pai e seu avô. Posteriormente

estudou na Alemanha antropologia e psicologia dos povos e, a partir daí, resolve

dedicar-se às ciências sociais, começando a desenvolver seu projeto de tornar a

sociologia em ciência autônoma. Criou pela primeira vez na história do ensino superior

francês, na universidade de Bordéus, uma cadeira exclusivamente dedicada à

sociologia.

Ele pretendia dar às ciências sociais (principalmente a antropologia e a sociologia)

um caráter de disciplinas rigorosamente objetivas e foi contra qualquer interpretação que

transformasse a investigação social numa “dedução de fatos particulares a partir de leis

supostamente universais” (Durkheim, 1983:VIII).

Para ele, a sociologia deveria se basear em uma teoria do fato social. Procurou

desenvolver o projeto de uma ciência autônoma, com objeto claramente definido – os

fatos sociais -, distinguindo-se das outras ciências, e que possa ser observado e

explicado com um método científico - a observação e a experimentação indireta e o

método comparativo. Com essas exigências formula duas regras com as quis nos

habituamos a resumir seu pensamento: é preciso considerar os fatos sociais como

coisas e sua característica principal é que eles exercem uma coerção sobre os

indivíduos (Aron, 1990:336).

A tarefa da sociologia seria investigar as leis e as expressões precisas das

relações existentes entre os diversos grupos sociais, e fenômenos tais como Estado,

soberania, liberdade política etc., das quais fazemos apenas uma idéia e formular a

questão cientificamente, afastando sistematicamente todas as noções previamente

formadas a respeito desses fatos determinados e estudá-los do exterior, assim como

nos fenômenos físicos.

Seu objetivismo, porém, não transforma o fato social em fato puramente físico,

mas a partir da forma como ele aparece para a sociedade procurar entender as idéias

que fazem parte dos homens dessa mesma sociedade. Os fatos sociais são tomados

como coisas porque são dados imediatos para nós, enquanto as idéias não são

Page 13: Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

diretamente dadas. Qualquer realidade observável do exterior e cuja natureza não

conhecemos pode ser chama de co is a.

Os fenômenos sociais são exteriores ao indivíduo, ou seja, não dependem de

sua consciência nem de suas manifestações individuais, mas do conjunto de indivíduos

que formam a sociedade, exercendo uma coerção sobre ele.

“Há coerção quando, numa assembléia ou numa multidão, um sentimento se

impõe a todos, como, por exemplo, quando por reação coletiva todos riem. Este é um

fenômeno tipicamente social, porque tem como apoio e como sujeito o grupo em seu

conjunto, e não um indivíduo em particular. Assim também a moda é um fenômeno

social: cada um se veste de uma certa maneira, num determinado momento, porque

todos se vestem daquele modo. Não é um indivíduo que origina a moda, é a sociedade

que se manifesta por meio de obrigações implícitas e difusas. Durkheim exemplifica

também com as correntes de opinião, que levam ao casamento, ao suicídio, a uma

maior ou menor natalidade, e que qualifica de estados de alma coletivos. Cita, por fim,

as instituições da educação, o direito, as crenças, que têm igualmente como

características o fato de serem dados exteriores aos indivíduos, e que se impõem a

todos” (Aron, 1994:337).

A definição de fatos sociais em gêneros e espécies levam a distinção entre o que

é normal e o que é patológico. Um fato social é normal, para Durkheim, quando se

considera um período determinado de desenvolvimento em uma sociedade e quando ele

nela se produz de forma corriqueira e comum. A distinção do normal e do anormal

implica a elaboração de categorias sociais. Devem-se procurar as características dos

fatos sociais. Essas características são de ordem morfológica - morfologia social diz

respeito à forma como aparecem - e a sociologia tem como objetivo constituir e

classificar os tipos sociais (morfologia social).

2.2 Regras para a explicação dos fatos sociais

A morfologia social é apenas uma forma de classificar os fatos para facilitar a sua

explicação. Assim como a normalidade é definida pela generalidade (freqüência que os

fenômenos ocorrem), a explicação, segundo ele, é definida pela causa. Explicar um fato

social é buscar sua causa eficiente, identificar o fenômeno antecedente que o produz.

Uma vez descoberta a causa, pode-se procurar sua função, sua utilidade para a

sociedade, pois a utilidade de um fato não explica sua existência (Aron, 1990:342). As

causas dos fenômenos sociais devem ser procuradas no meio social, ou seja, um fato

Page 14: Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

social só pode ser explicado por outro fato social. É a estrutura da sociedade

considerada que constitui a causa dos fenômenos que a sociologia quer explicar.

2.2.1 Principais obras

A obra de Durkheim é dividida, para efeitos didáticos, em três partes nas quais ele

utiliza o termo social de maneiras diferentes:

Em Da Divisão do Trabalho Social (1893), ele dá prioridade à sociedade sobre

os fenômenos individuais. Destaca o volume e a densidade da população como causa

da diferenciação social e da solidariedade orgânica. Em As Regras do Método

Sociológico (1895) define o que é “fato social”. Em O Suicídio (1897) afirma existir

uma “corrente suicidógena”, isto é, uma tendência para o suicídio na sociedade em

função de circunstâncias de ordem individual. Em As Formas Elementares da Vida

Religiosa (1912) e em outros trabalhos sobre religião, a explicação sociológica tem

dupla característica:

(a) Exaltação coletiva provocada pela reunião de indivíduos num mesmo lugar, que faz surgir o fenômeno religioso e inspira o sagrado;

(b) A adoração da própria sociedade pelos indivíduos que o fazem sem saber.

2.2.2 Fatos Sociais Normais e Patológicos

Neste trabalho – As regras do método sociológico – Durkheim constrói e explicita o

objeto de estudo da Sociologia. A Sociologia é o estudo dos fatos sociais e sua

explicação sociológica. Para que se explicar sociologicamente um fenômeno é preciso:

- que seu objeto se diferencie das outras ciências;

- que possa ser observado e explicado de modo semelhante ao que acontece com os fatos observados e explicados pelas outras ciências.

Essas exigências levam a duas fórmulas do pensamento durkheimiano (ou em sua

metodologia): os fatos sociais são como coisas, são coercitivos e independem das

consciências individuais.

O fato social é uma coisa porque “todo objeto de conhecimento que não é

naturalmente compenetrável pela inteligência, tudo aquilo de que não podemos adquirir

uma noção adequada por um simples processo de análise mental, tudo o que o espírito

Page 15: Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

só consegue compreender na condição de sair de si próprio, por via da observação e de

experimentações, passando progressivamente das características mais exteriores e

mais imediatamente acessíveis às menos visíveis e às mais profundas. Tratar fatos de

uma certa ordem como coisas não é, pois, classificá- los nesta ou naquela categoria do

real; é observar em relação a eles uma certa atitude mental. É abordar o seu estudo

partindo do princípio de que se ignora por completo o que eles são, e que as suas

propriedades características, tal como as causas desconhecidas de que dependem, não

podem ser descobertas pela introspecção, por mais atenta que seja” (Silva, 1988:12-13).

Em outras palavras coisa é toda realidade observável do exterior e cuja natureza

não conhecemos imediatamente, mas que precisa ser descoberta ou elaborada

progressivamente. Temos uma vaga idéia sobre o Estado, soberania, liberdade política,

democracia, socialismo, comunismo, daí temos que tratar esses fatos como coisas, ou

seja, afastar as pré-noções e os pré- conceitos para conhecê-los cientificamente.

Observar os fatos do exterior, descobri-los como descobrimos os fatos físicos. As coisas

são os únicos fatos a nos ser imediatamente dados.

Isso leva a uma crítica da economia política, isto é, a uma crítica da discussão

abstrata, dos conceitos como o de valor. Para Durkheim, todos esses métodos têm o

defeito de partir da idéia falsa de que podemos compreender os fenômenos sociais a

partir da significação que lhes atribuímos espontaneamente, quando na verdade o

sentido real dos fenômenos só pode ser descoberto pela exploração objetiva e científica.

Reconhece-se o fenômeno social porque ele se impõe ao indivíduo, exercendo

assim a coerção. Ex. assembléia ou multidão, moda, correntes de opinião, estados de

alma coletivos, a educação, o direito etc. Nestes fenômenos Durkheim reconhece a

mesma característica fundamental: são gerais porque são coletivos, são diferentes nas

repercussões que exercem sobre cada indivíduo, mas têm como substrato o conjunto da

coletividade.

Para Raymond Aron (1990), Durkheim é um conceitualista (ou nominalista) que

tende a considerar os conceitos como realidades ou achar que a distinção entre gêneros

e espécies já está inscrita na própria realidade. Na sua teoria, os problemas de definição

e classificação tomam um lugar importante. Ele tinha a tendência para ver os fatos

Page 16: Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

sociais como suscetíveis à classificação em gêneros e espécies – construção de TIPOS

SOCIAIS.

Em suas obras Durkheim começa por definir o fenômeno considerado. Isola uma

categoria de fatos pelas características externas que lhe são comuns. Uma vez definida

certa categoria de fatos, acredita que pode chegar a uma causa única que a explique.

Um efeito determinado provém sempre da mesma causa. Assim, há vários tipos de

suicídio, vários tipos de crime etc.

As sociedades possuem diferentes graus de complexidade que as diferenciam.

Marx e Comte quiseram determinar os momentos principais do devenir histórico e as

fases do progresso intelectual, econômico e social da humanidade.

Para Durkheim isso não leva a nada, mas é possível fazer uma classificação

científica e válida dos gêneros e espécies de sociedades com base no critério que reflita

a estrutura da sociedade considerada: o número dos segmentos justapostos numa

sociedade complexa e o modo de combinação desses segmentos. Esta classificação

dos gêneros leva à distinção do normal e do patológico.

A distinção entre o norma l e o patológico medeia a observação e os preceitos

aplicáveis para um aperfeiçoamento da sociedade. Se uma coisa é normal não há

porque ser eliminada, mesmo se nos afeta moralmente. Se é patológica, existe um

argumento científico para justificar projetos de reforma.

Um fenômeno é NORMAL quando pode ser encontrado de modo geral numa

sociedade determinada, em uma fase de seu processo de desenvolvimento. A

normalidade é determinada pela generalidade, mas como as sociedades são diferentes,

não é possível encontrar uma generalidade de modo abstrato e universal. Paralelamente

à definição de normalidade, não é excluída a possibilidade de se procurar explicar a

causa que determina a freqüência do fenômeno considerado. Porém o sinal decisivo da

normalidade é simplesmente sua freqüência.

A normalidade é definida pela generalidade e a explicação pela causa. Explicar um

fenômeno social é procurar sua causa eficiente, identificar o fenômeno antecedente que

o produz. Subsidiariamente, uma vez estabelecida a causa de um fenômeno pode-se

procurar a função que ele exerce, sua utilidade. Mas a explicação funcionalista,

apresentando um caráter teleológico (relativo à teleologia - diz-se de argumento,

conhecimento ou explicação que relaciona um fato com sua causa final. Teleologia é o

estudo da finalidade. É também uma doutrina que considera o mundo como um sistema

de meios e fins. Estudo dos fins humanos), deve estar subordinada à procura da causa

Page 17: Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

eficiente. Pois, mostrar a utilidade de um fato não é explicar como ele aconteceu, nem

como ele é. A utilidade pressupõe sua caracterização, mas não sua criação. Ter

necessidade de uma coisa não implica que ela seja como desejamos. As causas dos

fenômenos sociais devem ser procuradas no meio social. É a estrutura de uma

sociedade que constitui a causa dos fenômenos que a sociologia quer explicar. “É na

natureza da própria sociedade que devemos procurar a explicação da vida social”.

A causalidade eficiente do meio social representa a condição da existência da

sociologia científica, ou seja, estudar os fenômenos do exterior, definir rigorosamente

conceitos graças aos quais se pode isolar categorias de fenômeno, classificar as

sociedades em gêneros e espécies e, por fim, dentro de uma dada sociedade, explicar

um fato particular pelo meio social.

A prova da explicação é obtida pelo emprego do método das variações

concomitantes: comparar os casos em que estão presentes ou ausentes e verificar se as

variações apresentadas nestas diferentes combinações de circunstâncias revelam que

um depende do outro. Quando podem ser provocados artificialmente, de acordo com a

vontade do observador, é o método experimental. Se isso não é possível – como é o que

acontece com as ciências humanas – só se pode abordá-los tal como ocorrem, o

método é o da experimentação indireta – método comparativo.

Durkheim procura aplicar este método em seu trabalho O Suicídio, onde compara

taxas de suicídios dentro de uma mesma sociedade ou dentro de sociedades próximas.

Mas o método das variações concomitantes pode e deve comportar a comparação de

um mesmo fenômeno – por exemplo a família ou o crime – também em sociedades

diferentes, com o objetivo de acompanhar o desenvolvimento integral de um fenômeno

dados através de todas as espécies sociais.

2.2As regras do método sociológico

Durkheim formula as seguintes regras para o estudo do Fato Social:

1) Afastar as pré-noções

a) O sociólogo deve se privar de utilizar conceitos formados exteriormente à ciência – as pré-noções.

b) As pré-noções são idéias que formamos de forma generalizada sobre a vida coletiva, representações esquemáticas e sumárias, que nos servimos para usos cotidianos.

Page 18: Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

c) São produtos de experiências repetidas, hábitos e tomamos essas representações muitas vezes como verdadeiras. Mas elas não passam de noções confusas, impressões vagas, de preconceitos e paixões (políticas, religiosas e práticas morais);

d) Algumas dessas noções podem ter tal prestígio que não suporte nem mesmo o exame científico.

e) Elas, assim como o conhecimento científico, também foram formadas historicamente, mas são fruto de uma experiência confusa e inorganizada.

2) Definir as coisas que se quer estudar

a) a definição deve exprimir propriedades inerentes ao fenômeno estudado, por elementos integrantes da sua natureza, pois estas características exteriores são as únicas que são imediatamente visíveis.

b) “Nunca tomar por objeto de pesquisa senão um grupo de fenômenos previamente definidos por certos caracteres exteriores que lhe são comuns, e compreender na mesma pesquisa todos aqueles que correspondem a esta definição” (Durkheim, 1978:30-31)

c) Necessidade então de se construir conceitos novos, apropriados às necessidades da ciência e expressos através de uma terminologia especial.

2) Afastar as sensações subjetivas e não tomar os fatos em suas manifestações individuais.

a) Os hábitos coletivos se manifestam através de regras jurídicas, morais, provérbios populares etc. Essas formas existem de maneira permanente e constituem um objeto fixo, sempre a disposição do observador, não dando lugar a impressões subjetivas.

2.4 Da Divisão do Trabalho Social

Este livro é a sua tese de doutoramento e tem como tema a relação entre os

indivíduos e a coletividade. A questão é: como pode um conjunto de indivíduos constituir

uma sociedade? Para responder a esta questão, Durkheim distingue duas formas de

solidariedade: a mecânica e a orgânica.

- Solidariedade mecânica, ou por semelhança, ocorreria quando os indivíduos de uma sociedade diferem pouco uns dos outros. Eles se assemelham porque têm os mesmos sentimentos, os mesmos valores, reconhecem os mesmos objetos como sagrados.

- Solidariedade orgânica é oposta à mecânica. Ocorre naquelas sociedades onde o consenso resulta de uma diferenciação. Essa diferenciação é feita por analogia aos órgãos de um ser vivo, cada um exerce sua função própria e, embora não se pareçam uns com os outros, todos são igualmente indispensáveis.

Page 19: Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

Essas duas formas de solidariedade correspondem a duas formas extremas de

organização social: nas sociedades primitivas (arcaicas ou sem escrita), prevalece a

solidariedade mecânica. Nesse tipo de sociedade, o indivíduo é o que os outros são,

predominando na consciência de cada um os sentimentos comuns a todos, os

sentimentos coletivos.

A oposição entre essas duas formas de solidariedade se combina com a oposição

entre sociedades segmentárias e aquelas em que aparece a moderna divisão do

trabalho.

Segmento, para Durkheim, designa um grupo social, onde seus membros estão

estreitamente integrados. É também um grupo situado localmente, relativamente isolado

dos demais, tendo vida própria. Comporta uma solidariedade por semelhança, mas

pressupõe também a separação do mundo exterior, se comunicando pouco com ele.

Em algumas sociedades, cuja divisão econômica do trabalho, está bastante

desenvolvida, subsiste parcialmente uma estrutura segmentária. Sendo assim, a noção

de estrutura segmentária não se confunde com a solidariedade por semelhança. “É

possível a existência de um grande número de clãs, tribos, ou grupos regionalmente

autônomos, justapostos e talvez até mesmo sujeitos a uma autoridade central, sem que

a coerência por semelhança do segmento seja quebrada, sem que se opere, no nível da

sociedade global, a diferenciação das funções características da solidariedade orgânica.

A Divisão do trabalho social, de Durkheim é a diferenciação das profissões e a

multiplicação das atividades industriais. Esta diferenciação social se origina da

desintegração da solidariedade mecânica e da estrutura segmentária.

Outra idéia presente desde cedo na teoria geral de Durkheim é a consciência coletiva.

Para ele, consciência coletiva é o “conjunto das crenças, dos sentimentos comuns à

média dos membros da sociedade” (Aron, 1990:300), “forma um sistema determinado,

que tem vida própria” é difusa na sociedade e liga uma geração às outras. Ela só existe

em função dos sentimentos e crenças presentes nas consciências individuais, mas se

distingue, pelo menos analiticamente, destas últimas, porque evolui segundo suas

próprias leis, não sendo apenas expressão ou efeito das consciências individuais.

Tem maior ou menor força de acordo com as sociedades. Nas sociedades

dominadas pela solidariedade mecânica, a consciência coletiva abrange a maior parte

das consciências individuais, maior número de tabus e proibições. Nas sociedades onde

Page 20: Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

há diferenciação dos indivíduos, cada um tem maior liberdade de crer, querer e agir

conforme suas preferências.

Aqui o adjetivo social tem para Durkheim o sentido de que as proibições se

impõem à média, à maioria dos membros do grupo, tem por origem o grupo e não o

indivíduo, que este se submete a um poder superior.

A consciência coletiva abrange a maior parte da existência individual, nas

sociedades primitivas, e também os sentimentos coletivos têm força extrema, que se

manifesta no rigor dos castigos impostos aos que violam as proibições sociais. Quanto

mais forte a consciência coletiva, maior a indignação com o crime, isto é, contra a

violação do imperativo social. A consciência coletiva define cada um dos atos da

existência social, particularmente os detalhes relativos aos atos religiosos, o que se deve

crer etc.

Nas sociedades onde reina a solidariedade orgânica há uma relação da esfera da

existência que cobre a consciência coletiva, um enfraquecimento das reações coletivas

contra a violação das proibições e, sobretudo, uma maior flexibilidade na interpretação

individual dos imperativos sociais.Daí vem a idéia defendida por Durkheim, toda a sua

vida, de que o indivíduo nasce na

sociedade e não que esta nasce dos indivíduos. Embora se expresse de forma

paradoxal, Durkheim afirma essa preponderância da sociedade sobre os indivíduos com

pelo menos dois sentidos:

- O da prioridade histórica das sociedades em que os indivíduos se assemelham e estão, por assim dizer, perdidos no todo. - O da prioridade lógica. Se a solidariedade mecânica veio antes da orgânica, não se pode explicar os fenômenos de diferenciação social e da solidariedade orgânica a partir dos indivíduos. A consciência da individualidade não podia existir antes da solidariedade orgânica e da divisão do trabalho.

Nesse ponto, Durkheim define a sociologia como a prioridade do todo sobre as

partes, ou a irredutibilidade do conjunto social a seus elementos e a explicação dos

fenômenos pelo todo.

Em Da divisão do trabalho social, Durkheim também estabelece a função da

divisão do trabalho que é a de procurar estabelecer relação com uma necessidade.

Começa sua argumentação na construção deste conceito afirmando que as sociedades

Page 21: Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

não podem ver sem regras morais. É o mínimo indispensável para a convivência. A

moral nos leva, através do constrangimento, a seguir para um fim definido.

A ciência, as artes e a indústria estão fora do campo da moral, pois são campos

abertos a todos, mas não há obrigatoriedade de aquisição. São luxos, adornos – o que é

supérfluo não se impõe.

Nesse aspecto Durkheim se diferencia dos moralistas. Para estes, moral é tudo o

que tem nobreza, valor objeto das inspirações elevadas. Durkheim acredita que a moral

é composta de regras de ação que se impõem à conduta e às quais está ligada uma

proibição.

A atração entre as pessoas se dá por semelhança ou por diferenças, não no

sentido de exclusão, mas no de complementaridade. Nós buscamos nas pessoas as

qualidades que nos faltam porque unindo-nos, participamos de alguma maneira da

natureza uns dos outros e assim nos completamos. Há uma troca, uma partilha de

funções, uma divisão do trabalho que determina as relações de amizade.

Sob este aspecto a divisão do trabalho tem efeito moral e sua função é criar um

sentimento de solidariedade entre as pessoas – os efeitos econômicos, para Durkheim

são secundários.

É nesse caso que se insere a divisão sexual do trabalho. Homens e mulheres são

diferentes, por isso se unem, pois se completam. Isolados são partes diferentes de um

mesmo todo concreto – divisão sexual é a fonte da solidariedade conjugal. Pode referir-

se apenas à reprodução ou estende-se a todas as funções orgânicas e sociais. As

semelhanças anatômicas entre homens e mulheres, nas sociedades primitivas, são

acompanhadas de semelhanças funcionais.

semelhantes à

Quando maiores as obrigações e deveres que ele sanciona para sua realização e

dissolução, maior divisão sexual do trabalho e maior diferença nas funções masculinas e

femininas, implicando em funções intelectuais e afetivas respectivamente.

A divisão do trabalho torna possível melhorar as sociedades porque torna as

funções divididas mais solidárias. Ela vai além dos resultados econômicos para ser o

cimento entre os indivíduos. Em vez de se desenvolverem separadamente, eles

conjugam esforços, são solidários e esta solidariedade transcende os momentos de

troca de serviços. A divisão do trabalho, repartição dos trabalhos humanos, é a fonte da

solidariedade social, pois não se limita a sua utilização material, mas une os diferentes

Page 22: Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

povos, esta repartição constante é a causa básica da crescente complexidade da

organização social. A divisão do trabalho é a condição para a existência da vida em

sociedade, pois garante sua coesão. Se esta é a função da divisão do trabalho, então

ela deve ter um caráter moral, pois as necessidades de ordem, de harmonia, de

solidariedade social são geralmente morais.

Solidariedade social é um fenômeno moral e não se presta à observação exata,

nem à medida. Para realizar uma classificação é preciso substituir o fato interno (moral),

por um exterior que o simbolize (símbolo visível, direto) e estudar o primeiro através do

segundo.

Quando mais os membros de uma sociedade são solidários, mais mantém

relações diversas. Manter-se juntos reforça os laços que, do contrário, seriam apenas

causais. O número de relações estabelecidas é proporcional ao das regras jurídicas que

as regulam. A vida social, onde é durável, tende a estabilizar-se e a organizar-se - o

direito reflete todas as variedades de solidariedade social, porém reflete apenas uma

parte da vida social. Os costumes também são reguladores da vida social e algumas

vezes conflituam-se com o direito, pois em sua luta pela consolidação permanecem nos

costumes apenas, sem penetrar na esfera jurídica. No entanto, normalmente os

costumes são a base do direito.

A ciência só pode conhecer as causas de um fato social por seus efeitos e, dentre

estes, os mais objetivos. O que dá as características específicas à solidariedade social à

cada grupo é a natureza deste grupo e só podemos apreendê-las através das diferenças

que apresentam os efeitos sociais da solidariedade. O que existe realmente são as

formas particulares da solidariedade – doméstica, profissional, nacional etc.. Excluir

estas particularidades sobraria apenas uma abstração da sociedade que perpassa a

todas as sociedades e que não está ligada a nenhum tipo social em particular.

Por que o estudo da solidariedade pertence à sociologia? Porque é um fato social

que só pode ser reconhecido através de seus efeitos sociais. A psicologia elimina tudo o

que há de social para reter apenas o germe psicológico, mas que permanece indefinida

por não abarcar os efeitos sociais externos que a traduzem.

2.4.1 Aprofundando um pouco mais...

A SOLIDARIEDADE MECÂNICA é o elo de solidariedade social que corresponde

ao direito repressivo. Sua ruptura é CRIME e é sujeita a uma pena.

Page 23: Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

Durkheim conceitua o crime como atos reprimidos por castigos definidos e afetam

da mesma maneira a consciência moral das nações, portanto, contém uma “propriedade

essencial”, uma característica constante que se encontra nas relações que eles mantém

com alguma condição que lhes é exterior.

Essa relação não viria apenas de um antagonismo entre as ações criminosas e os

grandes interesses sociais, uma ofensa aos sentimentos coletivos. Mas nem todo crime

põe em risco a sociedade – ir de encontro a costumes, rituais e tabus. A única

característica comum a todos os crimes é que eles são reprovados universalmente pelos

membros de cada sociedade. Se uma ação é punida é porque vai de encontro a uma

regra obrigatória, que evoca sentimentos de uma certa intensidade média e se esta não

é expressamente formulada é porque ela é conhecida e aceita por todos.

Os sentimentos que protegem sanções morais são menos intensos, menos organizados

(direitos) do que aqueles que protegem penas (crimes). Ex. mau filho não é criminoso.

Esses sentimentos, além de fortes, devem ser precisos, relativos a uma prática bem

definida – fazer ou não fazer (matar, ferir, etc.). As regras penais são claras e precisas,

as morais são flutuantes.

Para ser crime é preciso que um ato fira a consciência comum. Se esse

sentimento, positivo ou negativo, for abolido, então o crime e, consequentemente, a

sanção que lhe é correspondente será também abolida, isto é, deixa de ser crime.

Mas, mesmo que um crime não fira sentimentos coletivos, mas sim a um poder

governamental (Estado) ou diretor, cuja principal função é defender a consciência

comum contra todos os inimigos internos e externos, ele continua sendo crime. Ele não

é apenas uma função social, mas o tipo coletivo encarnado e daí retira sua força e o que

lhe permite criar crimes e delitos. A força dessas penalidades depende do grau de

reconhecimento desses crimes.

“O crime não é apenas uma lesão aos interesses mesmo graves; é uma ofensa

contra uma autoridade de alguma forma transcendente. Ora, experimentalmente não há

força moral superior ao indivíduo, salvo a força coletiva” (Durkheim, 1983:43).

As características de um crime determinam a pena. Esta é considerada por

Durkheim, uma reação passional, uma vingança pelo crime praticado (forma primitiva da

pena), ou uma forma de defesa para que o terror da pena impeça o crime.

“Ela [a pena] é ainda um ato de vingança porque é uma expiação. O que nós

vingamos, o que o criminoso expia, é um ultraje feito à moral” (p. 45). Para que a pena

Page 24: Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

nos sirva de proteção no futuro, pretende-se que ela seja uma expiação do passado. A

pena é, pois, uma reação passional de intensidade graduada. Varia de acordo com a

intensidade e qualidade do crime cometido e tem um caráter social, pois a sociedade

também é atingida quando os indivíduos o são. A reação não é apenas geral é coletiva,

pois não se reproduz isoladamente nos indivíduos, mas no seu conjunto e em uma

unidade.

O direito penal, em sua origem, tinha um caráter essencialmente religioso, era tido

como revelação. A religião é também essencialmente social, pois não persegue fins

individuais e exerce constante constrangimento sobre o indivíduo – sacrifícios,

oferendas, tempo para realização dos ritos etc. Exige sentimentos de abnegação.

Portanto, se o direito penal em sua origem é religioso, conclui-se que os interesses aos

quais serve são também sociais. Os deuses vingam pela pena as ofensas à sociedade –

ofensas contra a sociedade.

A expiação do ato criminoso é como uma satisfação a alguma potência real ou

ideal que nos é superior. A repressão a um crime não é uma vingança pessoal, mas algo

de sagrado, exterior e superior a nós, quer seja, a moral, o dever, os ancestrais, as

divindades. Por isso, o direito penal tem algo de religioso. Ele pune atos contra algo que

transcende – ser ou conceito (p. 52). Essa representação é ilusória porque é em nós que

estão os sentimentos ofendidos, porém eles são fortes e intensos por sua origem

coletiva. São o eco de uma força superior que é a sociedade.

“Ora, o crime só é possível se esse respeito não é verdadeiramente universal; por

conseguinte, implica que não são absolutamente coletivos e rompe essa unanimidade,

fonte de autoridade. Portanto, se quando ele se produz, as consciências que ele fere

não se unissem para testemunhar umas às outras que elas permanecem em comunhão,

que este caso particular é uma anomalia, não poderiam deixar de ser abaladas com o

tempo” (p. 53). Esta comunhão é a transcendência, é um sentimento religioso que

renova o sentido e os efeitos na medida em que o ato é reproduzido.

O indivíduo possui duas consciências: a individual e a coletiva.

A consciência individual contém estados pessoais e nos caracterizam, representa e constitui a personalidade individual.

A consciência coletiva são estados comuns a toda a sociedade, representa o tipo coletivo e a sociedade na qual ela existe. Produto do desenvolvimento histórico, traz as marcas dos tipos das sociedades que passaram.

Page 25: Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

As duas consciências são indissociáveis, pois pertencem a um mesmo organismo

(corpo). São pois solidárias e relacionam indivíduo e sociedade. É esta a solidariedade

que define o direito repressivo, pois mostra diretamente uma diferença violenta entre o

indivíduo que pratica o crime e o tipo coletivo ou ofende o órgão de consciência comum.

O direito penal procura proteger a coesão social, a consciência coletiva.

Muitas das inclinações que o indivíduo recebeu de seus ancestrais não têm mais

razão de ser, mas a reprovação social se mantém, pois faz parte do tipo coletivo.

Romper com uma dessas tendências (tradições) significa afrouxar os laços de coesão

social, comprometendo a sociedade. Por isso, é positivo que não se tolerem os atos que

as ofendem.

A penalidade e as sanções são signos que atestam que os sentimentos coletivos

são sempre coletivos, “que a comunhão dos espíritos na mesma fé permanece inteira e,

através disto, ela repara o mal que o crime fez à sociedade” (p. 56). Sem essa satisfação

a “consciência moral” não poderia ser conservada.

Pode-se dizer que o castigo está destinado a agir mais sobre as pessoas

honestas, porque serve para curar as feridas feitas nos sentimentos coletivos e só

preenche este papel onde estes sentimentos estão vivos. “[...] existe uma solidariedade

social que provém do fato de que um certo número de estados de consciência é comum

a todos os membros de uma mesma sociedade” (p. 57).

ASOLIDARIEDADE ORGÂNICA corresponde à sanção restituitória. Ou seja, ao contrário da

expiatória que exige pena, ela constitui-se de uma restituição sob condição. A pessoa

que perde o processo paga os custos.

Corresponde a instâncias administrativas da sociedade e não corresponde em nós

a nenhum sentimento. Diferente em casos de corrupção, por exemplo, que abala a

opinião pública e gera sentimentos repressivos. Isto indica que os diferentes domínios

da vida moral não estão radicalmente separados uns dos outros.

O direito repressivo se mantém difuso na sociedade, o direito restituitório cria

órgãos especializados (tribunais consulares, administrativos) – o direito civil também faz

parte dele e também funciona baseado em funcionários particulares (magistrados,

advogados) que estão aptos para este papel devido à sua formação especial.

Mas mesmo estando fora da consciência coletiva, interessa também a toda a sociedade

senão não teria nada em comum com a solidariedade social, “pois as relações que ele

regulamenta reuniriam os indivíduos uns aos outros, sem ligá-los à sociedade”. Seriam

simples acontecimentos da vida privada como a amizade.

Page 26: Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

O direito restituitório não intervém por si mesmo, mas precisa ser acionado pelos

interessados. Mas não é meramente como árbitro que a sociedade é levada a interferir

através desse direito e sim para legitimar socialmente o acordo entre as partes. No

casamento, os esposos não podem estabelecê-lo nem rescindi-lo dependendo da sua

vontade.

Os contratos podem ser rompidos por acordo entre as partes, mas se o contrato

tem o poder de ligar é por causa da sociedade que o comunica, do contrário seriam

apenas promessas que teriam meramente uma autoridade moral. Por trás dos contratos

está a sociedade que interfere de modo a fazer cumpri-lo. Ela confere esta força apenas

aos contratos regulados por regras do direito.

O direito repressivo é diferente do restituitório. O primeiro liga a consciência

particular à consciência coletiva. O segundo estabelece relações entre as partes restritas

e especiais da sociedade, podendo ser negativo ou positivo.

A relação negativa do direito restituitório une a coisa à pessoa. Coisas fazem parte

da sociedade e desempenham um papel, então é necessário que suas relações com a

sociedade sejam determinadas. Há uma solidariedade das coisas, cuja natureza é

bastante especial para se traduzir exteriormente por conseqüências jurídicas de um

caráter muito particular.

Direitos restituitórios são: 1 - Reais direito de propriedade, hipoteca

2 - Pessoais direito de crédito

A solidariedade real é negativa porque é somente através das pessoas que as

coisas são integradas na solidariedade. As vontades não se movem para fins comuns,

mas as coisas gravitam em torno das vontades, não existe consenso (consenso é geral

e coletivo). As pessoas não convergem, não há cooperação.

A solidariedade (orgânica) que estas relações exprimem é apenas para reparar ou

prevenir uma lesão (delito) aos interesses do outro, com efeito, o direito individual,

referente a pessoas e a coisas, só pode ser determinado por compromissos e

concessões mútuas. Para que os homens garantem mutuamente seus direitos é preciso

que se apeguem uns aos outros e à sociedade de que fazem parte.

Os direitos restituitórios formam um sistema e exprimem uma positividade, uma

Page 27: Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

cooperação fruto da divisão do trabalho. São eles:

Direito de processos

Direito administrativo

Direito constitucional

O direito doméstico determina quem se encarrega das diferentes funções

domésticas, que é esposo, pai, filho legítimo, tutor etc. Qual o tipo normal dessas

relações e funções. O contrato de casamento, sua validade, filiação legítima, natural,

adotiva etc. Direitos e deveres dos cônjuges, estado das relações em caso de divórcio,

anulação de casamentos, separação de corpos e bens, poder paterno, efeitos da

adoção, relação tutor/pupilo etc. Regula funções familiares e exprime solidariedade que

une os seus membros em decorrência do trabalho doméstico.

O contrato é a expressão jurídica da cooperação. O compromisso de uma parte

resulta do compromisso de outra ou de um serviço já prestado. Esta reciprocidade só

existe onde há cooperação e esta depende da divisão do trabalho – cooperar e dividir

tarefa comum. Contrato é o símbolo da troca.

2.5 O suicídio

Este livro está ligado ao estudo da Divisão do Trabalho. Trata de um aspecto

patológico das sociedades modernas e revela de modo mais marcante a relação entre

indivíduo e coletividade.

Procura mostrar até que ponto os indivíduos são determinados pela realidade

coletiva. Aparentemente nada mais individual que alguém destruir sua própria vida. Mas,

segundo Durkheim, mesmo quando o indivíduo está só e desesperado, a ponto de se

matar, é ainda a sociedade que está presente na sua consciência e o leva a este ato

solitário (Aron, 1990:308).

O método de Durkheim nesse livro segue os seguintes passos:

1. definição do fenômeno;2. refutação das interpretações anteriores;3. estabelecimento de uma tipologia;4. e com base na tipologia desenvolve uma teoria geral do fenômeno considerado.

Page 28: Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

Define suicídio como “todo caso de morte provocado direta ou indiretamente por

um ato positivo ou negativo realizado pela própria vítima e que ela sabia que devia

provocar esse resultado” (Aron :309).

A expressão direta ou indiretamente compara-se à distinção entre positivo e

negativo. Um tipo de revolver ou uma greve de fome. Enquadram-se ainda na definição

de suicídio as mortes voluntárias envoltas com aura de heroísmo e glória, como por

exemplo, o capitão que afunda com seu navio; o samurai que se mata por se sentir

desonrado etc.

As estatísticas mostram que as taxas de suicídios, isto é, a freqüência do

fenômeno em relação a uma população determinada é relativamente constante, fato

considerado essencial por Durkheim.

A taxa de suicídio é característica de uma sociedade global, de uma região ou de uma província. Não varia arbitrariamente, mas em função de múltiplas circunstâncias. A tarefa do sociólogo é estabelecer correlações entre essas circunstâncias e as taxas de suicídio, variações que são fenômenos sociais.

Durkheim procura explicar e buscar uma relação entre os dois fenômenos o individual e o social. Ele afasta as explicações do tipo psicológico ou psicopatológico. Embora admitindo haver predisposição psicológica ao suicídio, afirma que a força que determina o suicídio éso cial.

Para demonstrar a distinção entre predisposição psicológica e determinação social, ele emprega o método das variações concomitantes, ou seja, estuda as variações da taxa de suicídio em diferentes populações e procura provar que não há relação entre a freqüência dos estados psicopatológicos e a freqüência dos suicídios. Entre os judeus, grande número de alienados, taxa de suicídio baixa. Refuta a idéia do suicídio ser uma predisposição hereditária pelo estudo de ocorrências em uma mesma família.

Ele vai de encontro às idéias de Gabriel Tarde, que afirma que a imitação é o fenômeno-chave da ordem social. Segundo Durkheim, a imitação confunde três fenômenos distintos: A fusão das consciências, na qual o mesmo sentimento afeta um grande número de pessoas. Ex. a massa revolucionária, onde os indivíduos tendem a perder a identidade de sua consciência. Os sentimentos que agitam os indivíduos são sentimentos comuns a todos. Mas o suporte dos sentimentos é a própria coletividade e não os indivíduos. A adaptação do indivíduo à coletividade sem haver fusão de consciências. Nesse caso o sujeito se submete a uma regra coletiva. Ex. a moda imperativo social.

E a imitação que é apenas aquele ato que tem como antecedente imediato a representação de ato semelhante, realizado anteriormente por outra pessoa, sem que entre a representação e execução se intercale qualquer operação intelectual.

Page 29: Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

Ele afirma que a taxa de suicídio não seria determinada nem pela imitação, nem

pelo contágio, pois do contrário seria possível rastreá-lo através de um mapa. Porém, a

distribuição de taxas é irregular.

Após definir o suicídio e refutar algumas explicações anteriores, Durkheim procura

estabelecer uma tipologia. Define três tipos de suicídio: o egoísta, o altruísta e o

anômico.

Realiza sua análise sobre o suicídio egoísta com base na correlação entre taxas

de suicídio e os contextos sociais integradores – família e religião. A taxa de suicídio

varia com a idade, é maior entre os mais velhos. Flutua com a religião, é mais freqüente

entre os protestantes. Compara as taxas entre os casados, solteiros e viúvos. Os

casados sem filhos detêm a maior taxa.

Toda situação que tende a fazer aumentar a disparidade entre desejos e

satisfação se traduz por um coeficiente de agravamento.

Chama de suicídio egoísta aquele em que homens e mulheres pensam

essencialmente em si mesmos, quando não estão integrados no grupo social e pela

força de obrigações impostas por um meio estrito e vigoroso.

O suicídio altruísta pode ocorrer pelo completo desaparecimento do indivíduo no

grupo (ex. viúva indiana que se deixa queimar na fogueira junto com o corpo do marido)

e por imperativos sociais, sem pensar nem sequer em defender seu direito à vida.

O suicídio anômico é o mais característico da sociedade moderna. É revelado pela

correlação estatística entre a freqüência do suicídio e as fases do ciclo econômico.

Ocorre tanto em períodos de crise, quanto também em épocas de grande prosperidade.

Há uma tendência à redução durante os grandes acontecimentos políticos e

também durante os períodos de guerra. O suicídio anômico cresce também com a crise

da sociedade moderna, definida pela desintegração social e a debilidade dos laços que

prendem o indivíduo ao grupo. Além disso, a concorrência, as expectativas diante da

vida favorece o desenvolvimento dessa “corrente suicidógena”.

Procura demonstrar os tipos sociais que corresponderiam à tipos psicológicos:

O suicídio egoísta a estados de apatia e ausência de vinculação com a vida.

O suicídio altruísta a energia e paixão.

Page 30: Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

O suicídio anômico a irritabilidade associada às inúmeras situações de decepção da vida moderna.

Resumo da teoria de Durkheim:

O suicídio são fenômenos individuais cujas causas são essencialmente sociais. Há

“correntes suicidógenas” que atravessam a sociedade, originando-se não no indivíduo,

mas na coletividade e, que são a causa real e determinante dos suicídios. Sem dúvida,

essas correntes suicidógenas não atingem qualquer indivíduo indiscriminadamente.

Quem se suicida está predisposto psicologicamente, possui fraqueza nervosa ou

distúrbios neuróticos. Mas as circunstâncias sociais que criaram essas correntes, criam

também essas predisposições psicológicas, porque a vida na sociedade moderna torna

os indivíduos mais sensíveis e mais vulneráveis.

As causas reais dos suicídios são forças sociais que variam de sociedade para

sociedade,

de grupo para grupo e de religião para religião. Emanam do grupo e não do indivíduo.

Para tirar conseqüências práticas do estudo do suicídio, Durkheim questiona o

caráter normal ou patológico deste fenômeno (Aron: 316). Considera o crime normal

como fenômeno social, o que não impede que os criminosos sejam por vezes

psiquicamente anormais, nem que o crime deva ser punido.

Um fenômeno é normal quando há uma determinada freqüência na sociedade,

como é o caso do crime e do suicídio. O aumento do fenômeno para além das taxas

normais é que é patológico.

O aumento do suicídio na sociedade moderna é patológico e revela aspectos

patológicos da sociedade moderna: a diferenciação social, a solidariedade orgânica, a

densidade da população, a intensidade das comunicações, a luta pela vida. Esses

fenômenos em si não podem ser considerados anormais. Mas Durkheim afirma que as

sociedades modernas apresentam sintomas patológicos como a pouca integração do

indivíduo na coletividade.

Nesse aspecto o suicídio que interessa a Durkheim é o anômico. Embora causado

por alguns fenômenos inseparáveis da vida em sociedade, a partir de um certo limite

torna-se patológico.

2.6 As formas elementares da vida religiosa

Page 31: Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

Como acontece em outras obras suas, Durkheim começa relembrando o método

utilizado em suas investigações:

- Que os fatos sociais devem ser tratados como coisa, porque são dados empíricos, sendo diferentes das idéias, pois estas não são dadas diretamente à observação;

- Que são exteriores aos indivíduos;

- Que independem da vontade destes e de suas manifestações individuais;

- Que exercem uma ação coercitiva sobre os mesmos.

Neste livro – As formas elementares da vida religiosa – ele se propõe a estudar a

forma religiosa mais simples conhecida na época, analisá-la e depois dar uma

explicação sociológica. Isto porque considera a finalidade da ciência positiva explicar a

realidade social atual (de sua época no caso), próxima a nós e que pode afetar nossas

idéias e atos. A explicação só pode ser alcançada estudando os fenômenos a partir de

suas manifestações primitivas às mais complexas. No caso em questão o totemismo

(mais simples, mais homogênea) ao cristianismo, que exige funções mentais mais

elevadas, mais ricas em idéias e sentimentos, possui mais conceitos e se baseia menos

em imagens. Em suma, é uma religião possuidora de uma maior sistematização.

Os ritos, por mais bárbaros que sejam, traduzem uma necessidade humana, seja

individual ou social. Portanto, respondem a condições objetivas da existência humana.

Ele critica a explicação histórica que coloca os fenômenos sociais numa hierarquia mas

classificando-os como inferiores. Para ele, não existem religiões verdadeiras ou falsas,

embora se possa colocá-las em uma hierarquia. Afirma então que “se nos dirigimos às

religiões primitivas, não é com a Segunda intenção de depreciar a religião em geral, pois

aquelas religiões não são menos respeitáveis que as outras. Elas respondem às

mesmas necessidades, desempenham o mesmo papel, dependem das mesmas causas;

portanto, elas podem servir para manifestar igualmente bem a natureza da vida religiosa

e, por conseguinte, para resolver o problema que desejamos tratar” (Durkheim,

1983:206).

Escolhe estas religiões ditas primitivas por razões de método, com o objetivo de

compreender as religiões mais recentes. Segundo ele, “a história é o único método de

análise explicativa que é possível aplicar-lhes. Apenas ela nos permite resolver uma

Page 32: Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

instituição em seus elementos constitutivos, porque ela no-los mostra nascendo no

tempo, uns após os outros. Por outro lado, situando cada um deles no conjunto das

circunstâncias nas quais ele nasceu, ela coloca em nossas mãos o único meio que

temos para determinar as causas que os suscitaram. Portanto, todas as vezes que se

empreende explicar uma coisa humana, tomada em um momento determinado do tempo

[...] é preciso começar por retroceder até a sua forma mais primitiva e mais simples,

procurar dar conta dos caracteres pelos quais ela se define neste período de sua

existência, depois mostrar como ela se desenvolveu e se complicou pouco a pouco,

como ela se tornou o que é no momento considerado” (Durkheim, 1983:206-07).

O objetivo é buscar o que existe de mais geral que perpassa as religiões de um

modo geral, em detrimento de uma religião em particular. Busca a essência do

fenômeno que é o que há de comum a todas as representações fundamentais,

independente das formas variadas. É nas religiões primitivas que Durkheim vai buscar a

essência do fenômeno religioso, aquilo sem o quê não haveria religião, e por ser isenta

de excesso de formas, possui uma maior facilidade de enxergar os fatos e suas

relações.

Durkheim parte das categorias de entendimento para construir sua argumentação.

Segundo ele, as primeiras representações do homem a respeito do mundo e de si

mesmo são religiosas. Essas representações são chamadas categorias fundamentais do

entendimento – tempo, espaço, gênero, número, substância, personalidade, força etc.

Elas nasceram da religião. Religião, portanto, é algo eminentemente social, pois

expressam realidades coletivas. Os ritos nascem no meio de grupos sociais, assim como

as noções de tempo, espaço etc., por isso são representações coletivas (Durkheim,

1983:212).

O conhecimento tem então, segundo Durkheim, uma origem social. Ele descarta os

apriorismos, ou seja, idéias que ultrapassam a experiência como as categorias do

entendimento e

que são fruto da razão divina e são imutáveis.

Introduz então o conceito de representações individuais e sociais ou coletivas. As

primeiras são construídas a partir de sensações que as coisas suscitam nos espíritos

individuais. As representações sociais ou coletivas representam estados da coletividade,

dependem de como a coletividade é formada, de suas instituições religiosas, morais,

econômicas etc. E são produtos do espaço, do tempo e da cooperação coletiva.

Exercem influência também nas representações individuais.

Page 33: Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

O homem é um ser, ao mesmo tempo, individual e social. Ele manifesta o caráter

social quando aceita uma idéia sem exame prévio, tomando-a como verdade (caso das

categorias fundamentais do entendimento). Essa unanimidade – a verdade – é o que faz

com que se viva em sociedade. São as noções fundamentais, ou seja, as

representações coletivas e, em última instância, a própria autoridade daSO C IED A D E. A

sociedade se impõe sobre os indivíduos através da opinião pública e através da moral

(que é uma opinião interna – a consciência).

Diferencia as funções da religião e da ciência. A primeira procura nos auxiliar a

viver e a agir, religar, produzir sentido para existência, a outra auxilia-nos a pensar e a

produzir conhecimento. A religião permite que amemos algo e “é preciso que deste

objeto emanem energias superiores àquelas de que dispomos e, além do mais, que

tenhamos algum meio de fazê-las penetrar em nós e de misturá-las à nossa vida interior.

[...] Numa palavra, é preciso que ajamos e que repitamos os atos que são assim

necessários, todas as vezes em que isso é útil para renovar seus efeitos” (:222). Os ritos

são cultos simbólicos da sociedade, que causa a experiência religiosa e só se manifesta

quando os indivíduos estão reunidos e agem em comum – cooperação ativa.

“A ação domina a vida religiosa apenas porque a sociedade é sua fonte” (:223). O

direito e a moral, antes faziam parte dos rituais religiosos, depois tornaram-se

instituições. Portanto, se a religião gerou o que há de essencial na sociedade é porque a

sociedade é a lama da religião.

As forças religiosas são morais e humanas. São expressas por meio de

sentimentos coletivos que só tomam consciência de si mesmos através de

manifestações exteriores (rituais). Esta sociedade não é um dado empírico. É um sonho

que os homens nunca viveram. É uma sociedade IDEAL. Mas que, ao mesmo tempo,

tem seu lado negativo/positivo, por isso, por ser uma representação social, a religião é

também a imagem da sociedade.

Na experiência religiosa o homem não se reconhece, sente-se transformado e,

dessa maneira, transforma o seu ambiente. Cria então uma explicação, atribuindo às

coisas poderes excepcionais. Ele superpõe ao mundo real, um outro que existe apenas

no seu pensamento e ao qual atribui uma dignidade mais elevada. Porém, a sociedade

ideal não está separada da sociedade real, mas faz parte dela. Uma sociedade não é

um mero ajuntamento de indivíduos, mas também é formada pela idéia que faz de si

mesma. É na sociedade que o indivíduo aprende a idealizar. Os ideais coletivos,

Page 34: Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

encarnados nos indivíduos, tendem a individualizar-se, pois cada um os compreende à

sua maneira.

Periodicamente as sociedades sentem necessidade de se reunirem para reatar,

conservar e reforçar os sentimentos e idéias coletivos que as ligam. Reuniões,

assembléias etc. isso é o que há de eterno nas religiões.

A religião é um sistema de práticas e idéias que tem o objetivo de exprimir o

mundo. Tanto a religião como a ciência tem como fonte a vida social. A ciência apenas

utiliza o pensamento lógico, cuja matéria-prima são os conceitos. Estes se diferenciam

das representações sensíveis (percepção, sensação etc.) porque, enquanto estas são

mutáveis, os conceitos são permanentes. Esta maneira de pensar está cristalizada

através da linguagem que forma um sistema de conceitos. O conceito é universalizável.

É comum a todos os homens ou pode ser transmitido. É comunicável.

A linguagem exprime a forma pela qual a sociedade, em seu conjunto, representa

os objetos da experiência. As palavras são representações coletivas. Acrescentam à

nossa experiência pessoal tudo o que a coletividade acumulou de conhecimento no

decorrer dos séculos. Como então as categorias são coisas sociais?

Porque elas são CONCEITOS – representações coletivas;

Porque as coisas que elas exprimem são sociais.

As categorias não se aplicam apenas ao que é social, mas à realidade inteira.

Uma coisa não existe até que seja socialmente pensada e, a partir daí, toma lugar na

sociedade. A sociedade é a TOTALIDADE, porque engloba todas as coisas, a classe

suprema que engloba todas as outras.

3. Bibliografia

ARON, Raymond (1990). As Etapas do Pensamento Sociológico. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes; Brasília: UnB.BERNARDI, Bernardo (1992). Introdução aos Estudos Etno-antropológicos. Lisboa: Edições 70.COMTE, Auguste. (1983).Os p ensa d ores. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural.CUIN, Charles-Henry et GRESLE, François. (1994). História da Sociologia. São Paulo: Ensaio.DURKHEIM, Émile (1983). Os Pensadores. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural.–––––––––– (1978). As regras do método sociológico. 9 ed. São Paulo: Ed. Nacional.

Page 35: Texto POSITIVISMO - Auguste Comte e Durkheim

RODRIGUES, José Albertino (org.) (1990). Sociologia: Durkheim. São Paulo: Ática. SILVA, Augusto Santos (1988). Entre a razão e o sentido. Durkheim, Weber e a teoria das Ciências Sociais. Lisboa: Afrontamento.