A descoberta museu versão para Itália

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A DESCOBERTA DO MUSEU PELOS INDIOS DA AMAZNIA1

Jos Ribamar Bessa Freire2

Je pense rellement que cela est lavenir des muses. Sils veulent rester adapts, les muses doivent tablir ces connexions avec les communauts qui ont produit les objets, et cela bnficiera la fois aux communauts et aux institutions, dans la mesure o les objets gagnent beaucoup plus de sens grce cette connexion quils nen ont dans le cas contraire . (Ralph Regenvanu Actes des Rencontres Inaugurales du Muse du Quai Branly 21 juin 2006 in LATOUR,2007, P.109)

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Verso revisada e atualizada de artigo publicado originalmente em portugus in Abreu, Regina e Chagas, Mrio (orgs): Memria e patrimnio: ensaios contemporneos. Rio de Janeiro. DP&A Editora/FAPERJ. 2003 pp.219-254. O artigo foi dedicado a quem, em vida, contribuiu com muita generosidade, eficcia e paixo para a causa indgena: Berta Ribeiro, historiadora, antroploga, museloga, amiga dos ndios. 2 Jos Ribamar Bessa Freire professor do Programa de Ps-Graduao em Memria Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-Rio) e Coordenador do Programa de Estudos dos Povos Indgenas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

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I. As experincias indgenas Algumas expressivas lideranas indgenas da Amaznia descobriram que museus so potencialmente explosivos, podendo contribuir para recuperar a memria perdida e reconstruir destrudas formas de vida. Encantados com a descoberta decidiram, ento, lutar pela criao de um museu indgena na Amaznia, capaz de exercer papel educativo e mobilizador, organizar a memria e revigorar a identidade de diferentes etnias. Este artigo pretende refletir sobre o encontro dos ndios da Amaznia com a instituio museu. Para isso, rene informaes acerca de seis experincias ocorridas no Brasil nos ltimos anos, que direta ou indiretamente contriburam para essa descoberta. So dois ensaios vivenciados pelos prprios ndios: o Museu Magta e a Embaixada dos Povos da Floresta; duas grandes exposies etnogrficas montadas por instituies pblicas: o Museu Amaznico da Universidade do Amazonas e o Museu Paraense Emlio Goeldi e dois projetos: o Museu Aberto do Descobrimento e o Museu do ndio de Braslia, um elaborado pela iniciativa privada e o outro para o Governo do Distrito Federal. 1.1 O Museu Maguta O Museu Magta um museu tribal, destinado a promover e preservar a cultura dos ndios Ticuna, que vivem em quase 100 aldeias espalhadas por oito municpios do Estado do Amazonas, na regio do Alto Solimes. Sua populao est estimada em 30.000 ndios no Brasil, 7.500 na Colmbia e 5.500 no Peru. Quase todos eles falam a lngua Ticuna - uma lngua isolada, isto , no filiada a

3 qualquer famlia lingstica - sendo que, no Brasil, 60% so bilinges e falam tambm o portugus.3 O Museu est situado em Benjamin Constant, uma pequena cidade de 15 mil habitantes, localizada na confluncia dos rios Javari e Solimes, prximo fronteira do Brasil com o Peru e a Colmbia. Foi instalado em uma casa de arquitetura simples, com varandas ao redor, cinco salas de exposio e uma pequena biblioteca, cercado por um jardim com flores, onde crescem tambm algumas espcies botnicas usadas na confeco e decorao de artefatos indgenas. Suas colees foram formadas, uma parte com o trabalho de artistas indgenas, especializados em diferentes artes: confeco de mscaras rituais, esculturas de madeira e de cocos de palmeira, pintura de painis decorativos de entrecasca, fabricao de colares, cestos, redes e bolsas. Outra parte, com a recuperao de certos artefatos hoje j em processo de extino ou em desuso, reconstitudos a partir de fotografias antigas pertencentes a museus etnogrficos, entrevistas com ancios e registros feitos, desde 1929, pelo etnlogo Curt Nimuendaj. 4 As atividades de organizao do Museu iniciaram-se em 1988, num momento crtico em que os Ticuna estavam mobilizados na luta pela defesa de seu territrio, enfrentando-se at mesmo com grupos armados. Neste ano, no ms de maro, pistoleiros emboscaram um grupo de ndios no Igarap do Capacete, matando 14 deles entre homens, mulheres e crianas e ferindo 23, com 10 desaparecidos, num massacre que teve ampla repercusso nacional e internacional (OLIVEIRA FILHO e LIMA: 1988).

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Sobre os Ticuna, ver NIMUENDAJU: 1929; OLIVEIRA: 1964 e OLIVEIRA FILHO: 1988. Para mais detalhes sobre o Museu Magta, ver GRUBER:1994, GRUBER:1995 e cinco nmeros do BOLETIM DO MUSEU MAGTA, de onde retiramos grande parte dos dados aqui apresentados

4 Os conflitos no impediram que os trabalhos do museu prosseguissem. Durante trs anos, de 1988 a 1991, os ndios participaram ativamente na organizao do acervo, colaborando na definio dos objetos, no levantamento dos dados sobre cada pea, na seleo daquelas destinadas exposio e no desenho das ilustraes para sua contextualizao, como testemunha Jussara Gomes Gruber que, como assessora, teve um papel decisivo na criao, planejamento e instalao do Magta. Segundo ela, a notcia da existncia do Museu se espalhou rapidamente pelas aldeias, as mais distantes, de onde comearam a chegar objetos, alguns confeccionados fora dos padres usuais daqueles destinados venda, denominados de experincias, criados especialmente para o Magta, como a escultura em madeira representando um ndio pescador. O resultado foi que antes da montagem final, o acervo j dispunha de 420 peas, todas registradas e devidamente fichadas por Constantino Ramos Lopes Cupeatc, ndio Ticuna, que havia escapado do massacre do Capacete com um ferimento bala e tornarase responsvel, depois do treinamento correspondente, pela guarda do acervo e sua dinamizao. Essa surpreendente mobilizao tem vrias explicaes, que no se excluem. Uma delas parece estar relacionada luta pela demarcao das terras. que o direito dos Ticuna terra dependia, em grande parte, de serem reconhecidos como ndios pela sociedade brasileira, assumindo plenamente sua identidade tnica, muitas vezes escondida por eles prprios e negada sempre pela populao regional, para quem os ndios eram caboclos. O Museu Magta, servindo como renascimento da cultura Ticuna, fortalecia essa identidade (CUPEATC: 1991, 257). Mas os ndios no foram os nicos a pressentir essa relao museu - terra. Desconfiaram dela polticos, madereiros e latifundirios, que buscaram apoio

5 popular local contra o Museu, com relativo sucesso. O prprio prefeito de Benjamin Constant convocou uma concorrida manifestao de rua, carregada de hostilidade, contra a demarcao das terras indgenas, em frente ao museu, na hora prevista para sua inaugurao, obrigando o cancelamento da solenidade e seu adiamento. A exposio permanente s foi aberta ao pblico trs semanas depois, em dezembro de 1991, graas repercusso na imprensa, aos protestos de instituies como a Universidade do Amazonas e o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB) e interveno do Comando Militar da Amaznia.5 A exposio inaugurada mostrava, logo na entrada, um mapa com a localizao das aldeias Ticuna, iconografias histricas de cronistas e viajantes e fotos de antigas malocas, que confirmavam a presena dos ndios em reas que os madereiros agora reivindicavam. Depois, desenhos feitos pelos prprios ndios, com textos de apoio, reproduziam o mito de criao, seguidos de dados sobre a lngua, a organizao social e fotos de objetos que hoje esto em desuso. Os demais objetos, contemplando diferentes aspectos da cultura Ticuna, estavam expostos nas outras salas. Alguns deles representavam para os ndios a nostalgia, a idealizao de um tempo passado e o desejo de conservar e perpetuar esse tempo. o caso exemplificado pelo Ticuna Gilberto Lima, que depois de visitar a Exposio, escreveu: Gostei mais da msica de festa que estava tocando no Museu. Da msica, porque minha me cantava para mim. E era muito bonita, realmente era (Boletim Maguta, mai/out.1993, p. 8). Outras, expressavam a vontade de mudana, a atualizao da cultura, as adaptaes a uma nova maneira de viver e reinterpretar o mundo. Etiquetas registravam em portugus e em

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No dia 7 de dezembro de 1991, a denncia foi feita pela Universidade do Amazonas ao CRUB, reunido em Manaus, o que originou um protesto formal dessa entidade. Para a histria mais recente do movimento indgena, ver KRENAK:1997.

6 lngua Ticuna o nome de cada pea e o nome de quem a fabricara (Boletim Maguta: 1994, p. 3/9). Na montagem da exposio teve-se o cuidado de apresentar os objetos de maneira a no reforar o estigma de atraso e primitividade que marca as populaes indgenas de modo geral. Na ambientao das peas optou-se por recursos que podem ser vistos nos melhores museus do pas (GRUBBER: 1994, 90). Nos primeiros cinco anos, a exposio do Museu Magta foi visitada por mais de seis mil pessoas, de acordo com o livro de registro de visitantes. Trata-se de um pblico bastante variado, composto por turistas estrangeiros de mais de 40 pases, brasileiros de todos os recantos, populao regional, pesquisadores, alunos e professores das escolas de Benjamin Constant e os prprios ndios. Alm disso, apoiou as atividades do curso de formao de professores indgenas da OGPTB Organizao Geral de Professores Ticuna Bilinges (FREIRE: 1995). Devido inexistncia de bibliotecas escolares ou municipais, a biblioteca do Magta, com um acervo de quase 3.000 ttulos, atendeu anualmente mais de mil alunos no indgenas das escolas da rede pblica (FARIA:1996). O Museu importante para os Ticuna porque a tem muita coisa boa da gente. Os brancos vo ver e vo nos respeitar (BOLETIM DO MUSEU:1993, p. 2/10). Essa era a avaliao do ndio Alfredo Geraldo. Nascido sob o signo do conflito, o Museu Magta, efetivamente, interferiu na imagem etnocntrica que parte da populao local tinha sobre os ndios, contribuindo para pacificar e serenar os nimos na regio. Os madereiros j no encontraram apoio da populao local, quando em junho de 1995 ameaaram incendiar o Museu, segundo denncias feitas pela COIAB. Em outubro de 1995, durante a exposio Esculturas Ticuna organizada em Manaus, foi possvel fazer o seguinte balano:

7 O trabalho educativo do Museu - atravs de um programa de interao com as escolas da cidade, que tem por finalidade aproximar as novas geraes da cultura e da histria dos Ticuna - vem cumprindo a importante funo social de promover uma maior harmonia nas relaes intertnicas na regio, colaborando para que sejam desfeitas, gradativamente, as idias preconceituosas e discriminatrias a respeito das populaes indgenas (GRUBER: 1995). Devido sua singularidade e importncia, o Museu Magta foi premiado pelo ICOM - o International Council of Museums - como Museu Smbolo de 1995, o que repercutiu favoravelmente no Congresso Internacional desta entidade filiada UNESCO, realizado em julho do mesmo ano em Stavanger, Noruega. No plano nacional, obteve o prmio Rodrigo Mello Franco de Andrade, concedido pelo IPHAN - Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, por sua contribuio na preservao da memria cultural brasileira. No entanto, quando tudo parecia concorrer para a consolidao do Museu Magta, suas atividades foram suspensas, em meio a uma grande crise interna, envolvendo o grupo de apoio e os prprios ndios. Posteriormente retomou suas atividades e agora, no ano de 2008, continua funcionando, sem os ndios que participaram de sua fundao. Uma anlise mais cuidadosa da crise poder esclarecer o que aconteceu, efetivamente, com uma instituio que foi nica no Brasil e que merece continuar existindo. Duas muselogas, Maria Helena Cardoso de Oliveira e Alessandra Marques, estiveram na rea e aplicaram cerca de 400 questionrios para avaliar a relao do Museu Magta com os ndios, a populao regional e os turistas. Uma informao aflorou imediatamente nos questionrios, mostrando que a maioria da populao no-indgena de Benjamin Constant sequer tinha visto antes um museu, acreditando alguns at hoje que a instituio de origem Ticuna (MARQUES: 1998).

8 No se pode prever o futuro do Magta. Mas certamente ele possibilitou que ndios e no-ndios entrassem pela primeira vez em um museu. Mostrou s lideranas indgenas de todo o Brasil a fora que pode ter um museu para reafirmar a identidade de uma etnia e para modificar a imagem que os brasileiros tm sobre os ndios. E despertou em muitos grupos indgenas, que tomaram conhecimento de sua existncia, a vontade de criar novos museus tribais, como o caso dos Guarani, que vivem nas aldeias situadas em Angra dos Reis e Parati (RJ), e dos Desana da aldeia So Joo, no rio Tiqui, alto rio Negro, (AM). (LANA & RIBEIRO: 1991). Suas atividades repercutiram sobre duas outras experincias realizadas na mesma poca a mais de 3.000 km. de distncia, em So Paulo: A Embaixada dos Povos da Floresta e o Centro Cultural Indgena Amb Arandu. 1.2 A Embaixada da Floresta No perodo colonial, os bandeirantes organizavam expedies armadas, que saam da cidade de So Paulo para as mais diferentes regies do Brasil, com o objetivo de escravizar ndios. No sculo XVIII, eles construram um prdio, que duzentos anos depois seria tombado para sediar um museu, com um respeitvel acervo etnogrfico - a Casa do Sertanista - subordinado ao Departamento do Patrimnio Histrico da Prefeitura de So Paulo. ndios desarmados, fazendo o caminho inverso dos bandeirantes, obtiveram em 1989 a permisso da prefeita de So Paulo, Luza Erundina, eleita pelo Partido dos Trabalhadores, para instalarem a, na Casa do Sertanista, em Caxingui, Zona Oeste, um centro cultural ndigena, denominado Embaixada dos

9 Povos da Floresta. O prdio, em estado precrio de conservao, foi restaurado e, no ano seguinte, a Embaixada foi inaugurada. 6 Uma ONG formada por ndios - o Ncleo de Cultura Indgena (NCI) administrou a Embaixada dos Povos da Floresta. Seu presidente Ailton Krenak, reconhecido nacionalmente, sobretudo depois de defender, em setembro de 1987, uma das emendas populares sobre direitos dos ndios no plenrio do Congresso Nacional, em Braslia. Do seu conselho consultivo fazem parte vrios lderes indgenas: xavante, terena, krenak, karaj. O NCI j havia acumulado alguma experincia, com a montagem de exposies de pequeno porte em sua sede, instalada na poca no prdio do Instituto Sedes Sapientiae. Desde sua criao em 1985, realizou inmeros eventos, utilizando imagens, textos e objetos como importantes meios de divulgao e promoo da cultura indgena. A sua primeira grande exposio - A Terra Azul - aconteceu durante a Semana do ndio de 1986, no Centro Cultural So Paulo, com mostra de fotografias, textos, mapas, informaes, vdeos, shows e ampla repercusso na mdia. O Ncleo atuou ainda em outros campos. Criou e manteve no ar durante cinco anos o primeiro programa de rdio dirigido e apresentado por ndios - o Programa de ndio - transmitido pela Rdio Universidade de So Paulo e por outras emissoras em outros estados do Brasil. Deu incio a outro ensaio radiofnico - o Jornal Indgena e apoiou vrios projetos pilotos em reas da Amaznia, Cerrado e Mata Atlntica. Toda essa experincia acumulada contribuiu para o desenvolvimento de atividades na Embaixada dos Povos da Floresta que, ao longo de trs anos, promoveu exposies, performances, workshops, cursos, mostras de vdeos, shows, encontros entre culturas e manteve aberta para consulta uma biblioteca6

Para mais detalhes sobre a Embaixada dos Povos da Floresta e o Ncleo de Cultura Indgena, ver KRENAK: 1996, de onde retiramos as principais informaes aqui apresentadas.

10 especializada na temtica indgena e meio ambiente, com obras de vrios pases, arquivo de fitas dos programas de rdio e um importante acervo de msica indgena, conforme informa Ailton Krenak. As exposies ali montadas foram visitadas por milhares de crianas de escolas da cidade de So Paulo e do interior do Estado, num trabalho de reeducao, permitindo o contato direto das crianas com o povo indgena atravs de oficinas de arte, de canto, dana e convvio com a tradio oral (KRENAK: 1996, 15). No seu ltimo ano de funcionamento, em 1992, a Embaixada/NCI montou uma grande exposio fotogrfica sobre o povo Yanomami e lanou, na ocasio, uma srie de cartes postais, a partir de fotos da fotgrafa Rosa Gauditano, com imagens do cotidiano de vrios grupos indgenas: Yanomami, Tukano, Xavante, Kayap e Karaj, dentro da estratgia de divulgao do que existe de mais forte e belo nas culturas indgenas. A Embaixada dos Povos da Floresta foi obrigada a encerrar suas atividades no final da gesto Luza Erundina, quando a Casa do Sertanista foi ento devolvida Prefeitura de So Paulo, no incio de 1993. Mas o NCI continuou realizando exposies, mostras e intervenes culturais em outros espaos de So Paulo, Bahia e Minas Gerais, com o apoio de vrias instituies nacionais e internacionais, entre as quais a Comunidade Econmica Europia e a Chancelaria da ustria. O pblico das exposies e mostras do NCI, diferentemente do Museu Magta, basicamente um pblico branco, urbano, escolarizado, de cidade grande, acostumado a freqentar museus, familiarizado com sua linguagem e educado por eventos como a Bienal de So Paulo que, ao exibir em 1983 como seu carro-chefe a arte plumria dos ndios no Brasil, permitiu o encontro deste

11 pblico com a produo artstica indgena, mantida quase sempre margem de manifestaes de carter erudito. O outro pblico, formado pelos ndios que vivem em So Paulo, foi contemplado por um projeto de Centro Cultural Indgena, batizado de Amb Arandu, desenvolvido pelos Guarani da aldeia de Barragem, em Parelheiros (SP), com financiamento de doaes alems. A sede do Centro Amb Arandu era ento a nica construo de concreto da aldeia, formada por construes em pau-apique e madeira. Apesar disso, foi planejada para obedecer as mesmas linhas arquitetnicas usadas pelos Guarani: a frente voltada para o nascer do sol e a cobertura em ponta. Este Centro, semelhana do Magta, foi pensado tambm como apoio ao da escola indgena, alfabetizando as crianas em Guarani e ensinando o portugus como segunda lngua, alm de organizar aes pedaggicas na rea de apicultura, piscicultura e outras atividades.( Folha de So Paulo - 13/11/91). Essas iniciativas - a Embaixada dos Povos da Floresta e o Centro Cultural Amb Arandu - constituem duas abordagens diferenciadas, mas complementares: uma em rea urbana, voltada para uma audincia externa, com uma preocupao temtica mais ampla, pluri-tnica; a outra, na periferia, prioriza o pblico interno e focaliza uma determinada cultura, aprofundando a viso sobre ela. De qualquer forma, ambas - como o Museu Magta - familiarizaram os ndios com as prticas e os efeitos museogrficos, ao mesmo tempo em que se constituam como prolongamentos das tradies indgenas de contar histrias, de colecionar objetos e de represent-los visualmente. (CLIFFORD: 1991, 214). II. As Exposies Etnogrficas

12 Os ndios da Amaznia participaram ativamente de duas grandes exposies etnogrficas, uma organizada pelo Museu Amaznico, da Universidade Federal do Amazonas, em Manaus, e a outra pelo Museu Goeldi, em Belm do Par. interessante avaliar o quanto essa participao contribuiu para a imagem que as lideranas indgenas passaram a ter da instituio museu. 2.1 O Museu Amaznico: as malocas e a arte indgena s margens do igarap de Manaus, que corta o centro da cidade, entre as antigas pontes romanas, foi construdo um palacete no incio do sculo, para ser a residncia particular do cnsul da ustria em Manaus (AM), o empresrio Waldemar Scholz. Com a crise da borracha, em 1918, o Governo do Estado do Amazonas comprou-o para ser sede do Poder Executivo, funo que cumpriu at bem recentemente, quando foi transformado no Centro Cultural Palcio Rio Negro. Foi a, nesse palacete, em 1997, que o Museu Amaznico da Universidade do Amazonas realizou a exposio Memrias da Amaznia: Expresses de Identidade e Afirmao tnica. Seu diretor na poca, Geraldo Pinheiro, j havia aberto as portas da instituio para os ndios, realizando mostras de arte indgena, esculturas e tranado, quando ento definiu uma linha de defesa da preservao do patrimnio histrico-cultural, do fazer e refazer das memrias sociais, das lutas de restituio das vivncias histricas silenciadas e das complexas culturas dos Povos Indgenas da Amaznia e seus signos identitrios (PINHEIRO: 1995). Esta exposio, montada pela Universidade de Coimbra, em 1991, com o ttulo Memria (no singular) da Amaznia, se situava dentro dessa perspectiva. formada por peas das colees etnogrficas de Alexandre Rodrigues Ferreira,

13 que escaparam da pilhagem das invases francesas do incio do sculo XIX e se encontram, atualmente, sob a guarda de instituies portuguesas (MAUC: 1991). As peas foram coletadas entre 1783 e 1792 pelo cientista Alexandre Rodrigues Ferreira, que percorreu o Gro-Par com objetivos cientficos. Milhares de exemplares de plantas, animais, minerais e objetos fabricados pelos ndios que habitavam a regio foram enviados a Portugal. Trata-se da primeira coleta sistemtica feita na Amaznia, inaugurando uma tradio desenvolvida por outros naturalistas e viajantes no sculo XIX (AREIA e MIRANDA: 1991). Selecionados e descritos por Tekla Hartmann, cerca de 300 objetos desta coleo, confeccionados pelos ndios, foram trazidos, temporariamente, de volta Amaznia, duzentos anos depois. Quando possvel, foram identificados individualmente por regio e etnia, o que permite perceber as especificidades de culturas particulares e comparar objetos semelhantes de culturas diferentes (MUSEU AMAZNICO: 1997). Foram agrupados em quatro conjuntos, nos espaos correspondentes aos diferentes domnios do mundo em que so utilizados: a Aldeia, a Floresta, o universo dos Brancos e, finalmente, o mundo dos Sobrenaturais (HARTMANN: 1991,178). No entanto, o toque extraordinrio da exposio, pela surpresa que provocava e pela forte carga simblica que continha, foi dado por duas malocas indgenas, erguidas nos jardins dos fundos do Palcio, voltadas para o igarap. O contraste era impactante: de um lado, o Palcio, outrora centro do poder, responsvel pela violncia cometida contra os ndios e de outro, as malocas, cujos tetos de palha, com declive acentuado para proporcionar um rpido escoamento das chuvas, quase tocavam as grades de ferro da varanda do Palcio. Tanto o antigo cnsul da ustria, como os sucessivos governadores do Amazonas que ali residiram, nunca poderiam imaginar que um dia as dependncias do Palcio Rio Negro seriam ocupadas pelos ndios e que, nos seus

14 jardins seriam construdas duas grandes malocas. Elas serviram como porta de entrada e passagem obrigatria aos visitantes da Exposio Alexandre Rodrigues Ferreira. Nessas malocas, a Coordenao das Organizaes Indgenas da Amaznia Brasileira (COIAB) organizou uma programao especial, realizada pelos ndios. Uma das malocas foi construda em trs dias por trinta ndios WaimiriAtroari, com material que eles mesmos coletaram e trouxeram de sua reserva. Esses ndios, que falam uma lngua do tronco Karib, viviam isolados at 1969. Tiveram seu territrio decepado pela estrada Br-174 (Manaus-Boa Vista) e lutaram, com armas na mo, para mant-lo. Enfrentaram uma hidreltrica construda dentro de terra indgena, invadida tambm por empresas de minerao. Sofreram sucessivos massacres e uma drstica reduo demogrfica. Hoje, com uma populao de 715 pessoas, vivem em quatorze aldeias. A outra maloca foi construda pelos Tuyuka, da famlia lingstica Tukano, com uma populao de 600 pessoas que vivem no Alto Rio Negro, e tm uma longa tradio de contato, luta e resistncia. O interior da grande maloca circular dos Waimiri-Atroari foi ambientado por tcnicos do Museu Amaznico com utenslios e objetos produzidos pelos prprios ndios, simulando umas das significativas dimenses do seu quotidiano. J a maloca Tuyuka apresenta uma arquitetura diferente em forma retangular: uma grande habitao tambm comunal, composta de vrios esteios, cada um deles com funo e significado prprio, com reas reservadas para a fabricao de farinha e espao para a realizao de festas rituais. As malocas foram palcos de apresentao de danas e rituais indgenas, como a Dana da Tucandeira dos ndios Sater-Maw, o Dabakuri, dos Tuyuka, o Ritual de Xamanismo dos Yanomami, o Ritual Ayawaska dos Marubo. Nelas,

15 tambm, cantores e contadores de histrias indgenas narraram episdios que envolvem a cultura de seu povo e cantaram msicas tradicionais. Durante oito semanas, diferentes grupos tnicos se alternaram na maloca Tuyuka, realizando oficinas permanentes de tecelagem, tranado, pintura, cermica, escultura. O Desana, Feliciano Lana, da Aldeia de Pari-Cachoeira, ensinou pintura e desenhos indgenas. Outros artistas Baniwa e Tukano demonstraram a arte do tranado com folhas de palmeiras e cips. Ao final da Exposio, cerca de 40 artistas, representando oito etnias, passaram pelas oficinas, desenvolvendo suas formas de expressar a vida, atravs da arte, diante dos visitantes, demonstrando diversas dimenses de um saber refinado. No auditrio, foram exibidos vdeos etnogrficos e realizados trs seminrios, com a participao de ndios e pesquisadores de universidades brasileiras e portuguesas. Durante trs meses, muitos ndios circularam pelo espao da Exposio, acompanhando a sua montagem, convivendo com os tcnicos e especialistas brasileiros e portugueses, vendo a colocao das peas, o arranjo, a iluminao, os pedestais e vitrines, enfim os bastidores de um trabalho, que atraiu um pblico recorde na cidade de Manaus: mais de 43.000 visitantes, cujas reaes foram tambm observadas pelos ndios. As peas extraordinariamente belas produzidas no sculo XVIII provocaram um sentimento de orgulho nos visitantes, ndios e no ndios, pela revelao de um passado compartilhado de refinamento. Operaram quase um milagre na conscincia da identidade regional: muitos amazonenses passaram a lembrar suas origens indgenas, freqentemente olvidadas. Os prprios ndios recuperaram a auto-estima e comearam a exigir que o acervo no fosse devolvido a Portugal. A COIAB enviou carta ao governo portugus, solicitando a permanncia definitiva das peas no Amazonas: Elas nos pertencem.

16 As discusses foram calorosas e ganharam as pginas dos jornais impressos e televisivos. Se essa compreenso generalizar-se, quase todo o patrimnio do Museu rico, com milhares de peas de vrias pocas, povos e regies - pode vir a ser reivindicado por terceiros, causando seu esvaziamento. Os museus etnogrficos no teriam mais condies de sobreviver. (JB: 1986) Mas os dirigentes da COIAB consideravam-se os primeiros e no os terceiros. No convencidos, realizaram reunio com o reitor da Universidade do Amazonas e o diretor do Museu Amaznico para conhecer os aspectos tcnicos indispensveis preservao dos objetos. Foram informados que a Universidade no tinha condies de conserv-los e que deveriam ser devolvidos. A antrpologa Lux Vidal, conferencista em um dos seminrios, questionou o conceito dominante de arte, esclareceu que a arte indgena s chamada de artesanato por falta de sensibilidade, por preconceito e at mesmo por desprezo, destacou o sentido esttico dos objetos da Exposio e analisou seu grande impacto sobre os ndios hoje, achando previsvel, mas inoportuno, o pedido de repatriamento. Para ela, o importante no tanto o retorno dos objetos a qualquer preo, mas que os ndios se reconheam neles, reconheam a sua memria e se juntem para fazer essa demanda. Acho que quando os ndios viram esses objetos, os reconheceram como antigos e como algo muito bem feito (VIDAL: 1997). O clima emocional e radicalizado do debate no impediu que os lderes indgenas concordassem, finalmente, com o retorno das peas a Portugal, por entenderem que, efetivamente, no tinham naquele momento condies de preserv-las. Mas foi justamente ai que ficou bastante clara a necessidade de se criar essas condies e se enraizou definitivamente a idia de se organizar um museu indgena, a exemplo do que ocorreu no Canad e em outros pases:

17 O surgimento de centros culturais e de museus tribais torna possvel um repatriamento efetivo e uma circulao de objetos, considerados por muito tempo - sem ambigidade - como propriedades, pelos colecionadores e curadores de museus metropolitanos. (CLIFFORD:1991, 241). 2.2 O Museu Goeldi: a Cincia Kayap Foi no Palcio do Rio de Janeiro que o Prncipe Regente assinou, em maio de 1808, a declarao de guerra de extermnio contra os ndios Botocudo do vale do Rio Doce. Construdo em meados do sculo XVIII, o palcio serviu de moradia aos governadores e vice-reis, abrigando depois a famlia real. Tornava-se agora, no Brasil, o quartel-general de um combate contra os ndios que Portugal no ousara manter, na Europa, contra os franceses. O Pao Imperial - denominao pela qual ficou conhecido - de onde emanaram polticas de extermnio dos grupos indgenas, recebeu, em 1992, a exposio itinerante Cincia Kayap - Alternativas contra a destruio, organizada pelo Museu Paraense Emlio Goeldi. Uma vez mais, o museu realizava a operao extraordinria de colocar a maloca dentro do palcio, como numa espcie de reparao histrica. Na abertura da exposio, esse fato mereceu uma observao de sua curadora geral, Denise Ham: A honra de partilhar o Pao Imperial, marcando o inicio da itinerncia desta exposio, e a magnfica receptividade de seus dirigentes quase nos fez esquecer que no palcio dos conquistadores expunhamos o esplio cultural dos conquistados. A superioridade do conhecimento destes sobre o que nos legaram os primeiros, uma espcie de nobre revanche. (OLIVEIRA E HAM: 1992, xi). Ela no estava exagerando, pelo menos quanto densidade dos saberes indgenas. Afinal o Museu Goeldi, com suas pesquisas, adquiriu autoridade para

18 sustentar tal afirmao. Desde a sua fundao em 1866, vem acumulando conhecimentos sobre os ndios, tornando-se um respeitado centro de pesquisa, dedicado ao estudo da histria natural e do homem da Amaznia, com um quadro de pesquisadores reconhecidos. Seu acervo contava em 1985 com 12.004 artefatos etnogrficos cadastrados, incluindo as peas coletadas entre os Kayap por Frei Gil de Vila Nova, em 1902 (RIBEIRO: 1989, 499). Os ndios Kayap habitam uma vasta rea situada no Par e Mato Grosso. Falam uma lngua do tronco J e se autodenominam Mebngkre (povo da nascente dgua). O seu contato com a sociedade nacional evoluiu lentamente at 1983, quando se intensificou a explorao do ouro na reserva indgena. Sua populao atual superior a 3.000 pessoas. Sua influncia histrica deixou uma marca profunda na composio do ambiente da Amaznia, especialmente no que diz respeito ao manejo da natureza (POSEY, 1992: 23). 7 Preocupada com a devastao da floresta e com a educao ambiental, a Exposio procurou mostrar que as estratgias agrcolas indgenas oferecem novos modelos para o desenvolvimento da Amaznia, sem a destruio irreversvel que caracteriza os atuais empreendimentos. Desta forma, o ndio passa a ser encarado como uma valiosa fonte de informao sobre o conhecimento dos ecossistemas e os saberes por ele produzidos passam a fazer parte do futuro da regio e no apenas do seu passado, como ainda acreditam alguns setores atrasados da sociedade brasileira. A montagem da Exposio s se tornou possvel, porque foi precedida por uma pesquisa prvia prolongada por parte de 20 cientistas e tcnicos de pesquisa, que trabalharam para documentar o conhecimento Kayap acerca de plantas medicinais, agricultura, classificao e uso do solo, sistemas de reciclagem de nutrientes, mtodos de reflorestamento, pesticidas e fertilizantes naturais,7

Sobre os Kayap, ver os trabalhos de Darrell A. POSEY, sobretudo o citado, de onde retiramos parte da informao aqui apresentada. Ver tambm Lux VIDAL(1987) e Anton LUKESCH (1976).

19 comportamento animal, melhoramento gentico de plantas cultivadas e semidomesticadas, manejo da pesca e da vida selvagem e astronomia. A participao dos ndios na pesquisa foi decisiva: Os pesquisadores aprenderam que especialistas nativos, que nunca estiveram em uma sala de aula, podem guiar at mesmo Ph.Ds. no desenvolvimento de novas hipteses para testar ou expandir o conhecimento cientfico ocidental. O Projeto Kayap tem sido capaz de mostrar que o conhecimento tradicional oferece algumas das opes mais viveis e promissoras para uso de recursos sustentveis nos trpicos (POSEY: 1992, 19). Essas foram algumas das grandes linhas da Exposio apresentada no Pao Imperial, que ocupou um espao de 430 m2, com centenas de objetos da cultura material Kayap, coletados desde o incio do sculo, entre os quais se destacava o mekutom - um cocar cerimonial colorido, com um adorno emplumado na parte vermelha. Lateralmente, o cocar aparece como um tracaj, nadando atravs do espao e do tempo para impedir a Humanidade de autodestruir-se e, consigo, o Cosmos (POSEY: 1992, 25). Objetos da cultura material, textos, fotografias, instalaes cenogrficas, jogos interativos, elementos audio-visuais e de apoio museolgico, estavam distribudos em dez ambientes diferentes, dispostos de acordo com um roteiro temtico, obedecendo a uma seqncia. O visitante encontrava, logo na entrada, informaes gerais sobre os Kayap. O espao seguinte era dedicado Cosmoviso, onde foram musealizados alguns mitos de origem, de forma bastante criativa, contribuindo para a percepo da dimenso universal e da funo simbolizante dos enredos mticos. Dos demais ambientes, cabe destacar uma aldeia antiga e a trilha do conhecimento, que o visitante era convidado a percorrer para descobrir como os

20 ndios acumularam saberes teis para o manejo dos recursos nativos da Amaznia, em vrios campos das etnocincias. No final, aps atravessar uma sala interativa, se penetrava no espao da resistncia. A exposio chamava a ateno para a dvida da Humanidade para com os ndios no campo do conhecimento e da domesticao de plantas e conclua que com a dizimao de cada grupo indgena, o mundo perde milnios de conhecimento acumulado sobre a vida e a adaptao aos ecossistemas tropicais (POSEY, 1992). Destinada a um publico intelectualizado, que buscava uma informao ao mesmo tempo cognitiva, emotiva e esttica, a mensagem principal da Exposio pode ser resumida nos seguintes termos: Se o conhecimento do ndio for levado a srio pela cincia moderna e incorporado aos programas de pesquisa e desenvolvimento, os ndios sero valorizados pelo que so: povos engenhosos, inteligentes e prticos, que sobreviveram com sucesso por milhares de anos na Amaznia. Essa posio cria uma ponte ideolgica entre culturas, que poderia permitir a participao de povos indgenas, com o respeito e a estima que merecem, na construo de um Brasil moderno.(POSEY,1992: 43) Essas duas instituies pblicas - o Museu Goeldi e o Museu Amaznico realizaram exposies dentro de antigos palcios, que haviam servido de residncia a governadores. Contriburam, cada uma a seu modo, com a descoberta do museu pelos ndios, formulando questes, abrindo pistas e permitindo comparaes. As palavras do responsvel pelo Museu Magta, Constantino Cupeautc, depois de visitar o Museu Goeldi, permitem dimensionar essa contribuio: Foi importante principalmente porque eu achava que um museu grande era muito diferente do nosso, mas agora vi que tem muitas coisas parecidas. Percebi que nossa exposio mais bonita ainda, porque mais viva, porque ns estamos aqui (CUPEATC: 1994, 4).

21 3. Os projetos: o descobrimento e os ndios Dois projetos polmicos, de origem diversa, tambm contriburam para o debate feito pela liderana indgena sobre o tema: o primeiro o Museu do Descobrimento, na Bahia, o segundo do Museu do ndio, em Braslia. 3.1 - O Museu do Descobrimento O chamado Museu Aberto do Descobrimento um mega-projeto, que cobre uma ampla faixa do litoral da Bahia, abrangendo vrios municpios. Num deles, est localizada a rea da Coroa Vermelha. Ali, no ano de 1.500, ancorou a frota de Pedro lvares Cabral e foi celebrada a Primeira Missa no Brasil. justamente este stio histrico, ocupado hoje por uma comunidade de cerca de mil ndios Patax, que sediar um dos sub-projetos: o Memorial do Encontro ou Parque Temtico da Coroa Vermelha, de autoria do arquiteto Wilson dos Reis Neto. O Memorial do Encontro pretende celebrar os 500 anos da chegada dos portugueses ao litoral brasileiro. Prev a edificao de quatro grandes conjuntos: a Taba Indgena, o Terreiro da Cruz, o Museu do Encontro e o Ptio Jesutico. A Taba Indgena foi planejada para ter cinco ou seis malocas, que sero construdas segundo tcnicas descritas na carta de Pero Vaz de Caminha: de madeira, cobertas de palha, de razovel altura, e todas de um s espao, sem repartio alguma. Dentro delas, sero expostos artefatos indgenas e haver espao destinado a apresentaes pblicas dos ndios, incluindo danas tpicas. O Terreiro da Cruz a denominao sincrtica dada a uma grande plataforma de 1.000 m2, em concreto e granito, que ser erguida no mar, sobre o

22 prprio ilhu da Coroa Vermelha. Servir de base para um monumento encimado por uma cruz de pau-brasil e local para realizao de grandes cerimnias e solenidades. Depois, vem o terceiro conjunto: o Museu do Encontro. Trata-se de uma gigantesca construo, dentro da qual sero expostas rplicas de caravelas, ncoras, instrumentos nuticos e outros objetos histricos, relacionados chegada dos portugueses e ao encontro - assim o esto denominando - com os ndios. Abrigar ainda auditrios, salas de projeo, teatro, etc. A quarta e ltima unidade composta por uma cadeia de lojas - uma espcie de grande shopping center, com um amplo estacionamento para carros, ao longo da praia. Foi denominada Ptio Jesutico, o que no deixa de soar ironicamente, por sugerir, mesmo involuntariamente, uma analogia com as atividades de explorao econmica desenvolvidas no Brasil colonial pela Companhia de Jesus, deixando de lado a catequese e a educao. Elaborado por uma fundao denominada Quadriltero do Descobrimento, este projeto contou com o apoio governamental. O ento presidente da Repblica, Fernando Henrique Cardoso, assinou decreto, oficializando-o, em solenidade realizada em Porto Seguro, em abril de 1996. Acontece que a Coroa Vermelha territrio dos ndios, reconquistado depois de uma impressionante mobilizao dos Patax de todas as 12 aldeias da Bahia. Portanto, do ponto de vista legal, o projeto s podia ser viabilizado, se fosse negociado com os ndios. Abriu-se, ento, um debate em torno da criao do Memorial do Encontro. O antroplogo Jos Augusto Sampaio opinou que qualquer iniciativa para valorizar o sentido histrico da rea era, em princpio, compatvel com a destinao constitucional da terra indgena e com as tradies dos Patax. No entanto, fez restries forma como se pretendia implantar o projeto. Relatou que

23 os Patax se vem premidos pela frentica especulao imobiliria que levou, nos ltimos anos, a uma grande concentrao fundiria na ampla faixa coberta pelo mega-projeto (SAMPAIO: 1996). Outros questionamentos foram feitos, inclusive pelos Patax, temerosos com a agresso ao meio ambiente, j que a iluminao projetada afetaria a fauna costeira e a restinga, prejudicando a mariscagem noturna dos ndios. No entanto, uma das crticas mais contundentes se referia relao com as etnocincias. O Museu do Descobrimento no tinha qualquer proposta para recuperar e valorizar os saberes indgenas, enquadrando-se naquela situao descrita anteriormente pelo ndio Jorge Terena, quando considera que uma das conseqncias mais graves do colonialismo foi justamente enterrar ou congelar experincias milenares, ao tax-las de primitivas, opondo-as modernidade: Vem a tradio viva como primitiva, porque no segue o paradigma ocidental. Assim, os costumes e as tradies, mesmo sendo adequados para a sobrevivncia, deixam de ser considerados como estratgia de futuro, porque so ou esto no passado Tudo aquilo que no do mbito do Ocidente considerado do passado, desenvolvendo uma noo equivocada em relao aos povos tradicionais, sobre o seu espao na histria. (TERENA: 1997). Trata-se de um enfoque etnocntrico diametralmente oposto ao apresentado pela Exposio Kayap, que apresenta as estratgias agrcolas indgenas como novos modelos para a Amaznia. Da, dessa viso etnocntrica, surge a concepo espetacular e monumental do conjunto museolgico, que no procura esconder o carter triunfalista com que pretende oficialmente comemorar o 5 Centenrio do Descobrimento. O Museu Aberto do Descobrimento no parece estender a mo aos ndios com este tipo de celebrao, considerado pelo filsofo catalo, Eduardo Subirats,

24 como uma vitria do obscurantismo intelectual e, portanto, um retrocesso, um atraso, a comear pela prpria denominao do evento, extensiva ao Museu projetado: A palavra Descobrimento um conceito banal e obscuro, porque supe uma viso eurocntrica do mundo que podia ser alimentada pelo universalismo cristo imperialista do Renascimento, mas que no pode ser aceita pela nossa moderna concepo secular, pluricultural e multitnica das civilizaes e das culturas, preocupada pela restituio e pelo reconhecimento das diferenas culturais e histricas dos povos. (SUBIRATS:1994, 14). Concebido desta forma, o Memorial incompatvel com uma historiografia crtica e com um projeto intelectual de renovao profunda e radical da cultura brasileira. No pensa esta ltima como uma totalidade histrica e no v a especificidade do acervo cultural indgena dentro do patrimnio cultural brasileiro (SANTOS e OLIVEIRA,1997: 6). Desperdia um momento importante, que devia servir para a reflexo sobre a contribuio de ndios e portugueses na formao da nacionalidade brasileira. No abre espao para uma avaliao das formas violentas do encontro - do conflito trgico - entre culturas to diversas, com a runa e a destruio das populaes indgenas. No inclui no seu campo de viso os sculos de dominao colonial, a escravizao dos ndios, a usurpao de suas terras, os massacres, a resistncia, o etnocentrismo, a incompreenso da alteridade. A recusa em avaliar o conflito histrico grave pelas conseqncias que traz para as relaes atuais da sociedade brasileira com os ndios, que continuam submetidos hoje a condies de opresso equivalentes quelas do passado. Ignorar o processo de destruio que sofreram no passado a condio epistemolgica para poder continuar ignorando a sua atual realidade, sob uma

25 nova etapa histrica de recolonizao da Amrica Latina (SUBIRATS: 1994, 72). A discusso sobre o Museu do Descobrimento vem contribuindo, dialeticamente, para o descobrimento do museu pelas lideranas indgenas, chamando a ateno para o fato de que empresrios e o prprio governo tambm descobriram o seu potencial, pelo menos comercial e ideolgico. Felizmente, sua construo no prosperou, da mesma forma que o outro projeto, do Museu do ndio de Braslia, que foi elaborado com uma perspectiva diferente. 3.2 O Museu de Braslia Tudo estava acertado. Agora, preenchendo uma vergonhosa lacuna, a capital da Repblica teria, finalmente, um Museu do ndio. Ele seria construdo numa rea nobre, bem em frente ao Memorial JK, no Eixo Monumental, em Braslia. A antroploga Berta Ribeiro tomou a iniciativa de elaborar o projeto conceitual. Oscar Niemeyer ficou responsvel pelo desenho do projeto arquitetnico e seu escritrio pelo detalhamento tcnico-funcional. A Fundao Banco do Brasil proporcionaria os recursos financeiros necessrios. A FUNAI/Ministrio do Interior contribuiria com a formao do acervo. O Governo do Distrito Federal se encarregaria da estrutura funcional e administrativa. 8 Berta Ribeiro cumpriu sua parte: criou, no papel, o Museu do ndio, elaborando o seu plano-diretor. Planejou tudo: definiu seus objetivos, organizou a temtica da exposio inaugural, fez propostas para a constituio do acervo e o desenvolvimento das atividades cientficas e educacionais, elaborou o8

As autoridades que se comprometeram, na poca, com o projeto do Museu do ndio foram: o presidente da Fundao Banco do Brasil, Camillo Calazans; o ministro do Interior, Ronaldo Costa Couto, a quem a FUNAI se encontrava subordinada e o governador do Distrito Federal, Jos Aparecido de Oliveira, nomeado logo depois, em agosto de 1986, ministro da Cultura do Governo Jos Sarney (RIBEIRO, Berta: 1986, 18)

26 cronograma de implantao e deu indicaes para a programao visual e o planejamento arquitetnico (RIBEIRO, B.: 1986 e 1987).9 Oscar Niemeyer tambm fez a sua: em base s opes museolgicas definidas no plano-diretor, concebeu o edifcio sede do Museu como um anel circular maneira de casa-aldeia dos ndios Yanomami, belo e funcional, mas sem qualquer marca de suntuosidade, com uma preocupao de que o visitante comum - criana ou homem do povo - no se sentisse constrangido de nele ingressar. Seu escritrio responsabilizou-se pelo detalhamento tcnico do conjunto arquitetnico. No entanto, os demais parceiros - Banco do Brasil, Governo do Distrito Federal e Ministrio do Interior/FUNAI - no cumpriram a parte que lhes tocava. O projeto foi engavetado. No momento em que os ndios manifestam uma vontade de criar um museu indgena, vale a pena retir-lo da gaveta, conhec-lo, discuti-lo e compar-lo com outros projetos, aproveitando conhecimentos e experincias acumulados nesse campo por sua autora. Berta Ribeiro, autora do projeto, acompanhou de perto a criao do Museu do ndio do Rio de Janeiro, na dcada de 1950, havendo posteriormente assumido a a direo do Setor de Museologia (VAN VELTHEN: 1998,12). Para ela, um Museu do ndio em Braslia fortalecia a identidade nacional, combatendo os estigmas e a discriminao contra o ndio, que ainda continuam presentes na ideologia dominante brasileira. Por isso, ela recupera para a instituio de Braslia o lema Um museu contra o preconceito (RIBEIRO, Darcy: 1955). Mas o Museu de Braslia deveria ser mais do que isso, precisava ser tambm Um museu a favor, o que foi delimitado pelos dez objetivos traados por Berta Ribeiro, numa espcie de dez mandamentos do museu etnogrfico.9

As informaes bsicas sobre o projeto do Museu do ndio de Braslia se encontram em RIBEIRO, Berta: 1987 e RIBEIRO, Berta: 1986.

27 Deveria ser a favor da preservao da herana indgena, da recuperao do seu patrimnio histrico-cultural, da pesquisa etnolgica e sua divulgao cientfica, conscientizando a opinio pblica e o prprio governo da contribuio indgena cultura brasileira e universal e, desse modo, aliando-se aos ndios em suas lutas por terra, educao, sade e cultura. O Museu do ndio de Braslia s se justificava tambm se fosse capaz de render um tributo a incontveis artesos indgenas, em sua maioria contemporneos, cujas mos captaram a essncia dos conceitos do belo, segundo as normas e valores de suas sociedades (RIBEIRO, B.: 1986, 1-2). Nesse esprito de uma instituio cientfica, educativa e cultural, e no de um depsito de excentricidades que foi concebida a Exposio Inaugural do Museu do ndio de Braslia, denominada ndios no Brasil: cultura e identidade, prevista para durar dez anos e projetada em seis unidades: Origem e antigidade do homem nas Amricas; O Brasil em 1500; Contribuio do ndio cultura brasileira e universal, com destaque para as etnocincias; a Reproduo da sociedade, abordando a cosmoviso de diferentes grupos indgenas; O ndio no Brasil, hoje; O ndio perante a Nao brasileira. O ambicioso projeto elaborado por Berta Ribeiro detalha cada uma dessas unidades em dez circuitos temticos, desdobrados por sua vez em 287 temastextos. Sugere uma integrao, em propores praticamente iguais, de textos com iconografia e objetos, mas alerta que sua realizao dependia da viabilidade de traduzi-las em linguagem museolgica e da disponibilidade do acervo. A formao do acervo seria feita no maneira do sculo XIX, isto , despojando os ndios de praticamente todos os seus haveres, profanos e sagrados. Previa, inicialmente, a utilizao do acervo da ARTINDIA - empresa de venda de artesanato indgena vinculada FUNAI - composto por cerca de 1.500 peas contemporneas, todas elas coletadas, seja nas aldeias indgenas por

28 ocasio dos moitars o mercado externo. O enriquecimento gradual das colees se faria com peas encomendadas a antroplogos que realizam pesquisas de campo, troca com outros museus, doao de particulares e de instituies e com a contribuio dos prprios ndios, que deveriam ser tratados como especialistas, habilitados a realizar, no mbito dos museus, trabalhos de identificao, montagem e restaurao de artefatos, bem como a recontextualizar e resgatar, para seu uso, material diversificado. (RIBEIRO & VAN VELTHEM, 1992: 108). A reserva tcnica, devidamente adaptada s exigncias climticas do planalto central, teria um amplo espao para armazenar as colees e laboratrio para a conservao e restaurao do acervo. As tcnicas de cadastramento, restaurao, imunizao e conservao das colees deviam ser renovadas, com treinamento e especializao do pessoal tcnico. A organizao do acervo etnogrfico, a descrio dos objetos e seu registro em fichas catalogrficas, a criao de uma linguagem documental e at mesmo a catalogao com normalizao vocabular para uso de computador - tudo isso est contemplado no plano-diretor do Museu do ndio de Braslia. Duas questes abordadas pela autora em seu projeto merecem ainda destaque: o papel educativo do Museu e a relao com a arte indgena ou a denominada esttica da mudana. Todo um captulo especial dedicado programao concreta de atividades educativas, com laboratrios e oficinas ligadas s cincias fsicas e biolgicas, arte, e histria, para as quais o projeto prev a delimitao de espaos, alm de auditrio para cursos e conferncias, sala para projeo de filmes, slides e audiovisuais, livrarias, biblioteca, salas para o10

10

, seja confeccionadas espontaneamente pelos ndios para

Termo tupi empregado no alto Xingu para significar rituais de troca intertribal. No Dia do ndio (19 de abril), a Artindia promove uma feira-mostra de uma determinada tribo, reservando para seu acervo as peas mais elaboradas (RIBEIRO: 1986, 10).

29 corpo tcnico, arquivo, documentao e oficina de montagem de exposies. A proposta pretende que o Museu se aproprie de todos os recursos modernos de comunicao, rompendo com os procedimentos museolgicos tradicionais, numa articulao com outras instituies similares nacionais e internacionais (RIBEIRO, B.: 1986, 7-8). O conjunto arquitetnico seria detalhado pelo escritrio de Oscar Niemeyer, mas o projeto de Berta Ribeiro delimita o espao para a construo de uma maloca indgena - do alto Xingu ou do alto rio Negro - para servir como um modelo de arquitetura indgena e lugar para atividades escolares e recreativas da populao infantil. Espaos externos foram reservados para exposies especiais e, sobretudo, para o jardim botnico, onde cresceriam plantas nativas e cultivadas pelos ndios e onde o visitante dialogaria com as etnocincias. Segundo Berta Ribeiro, era necessrio imprimir uma orientao poltica ao Museu de Braslia, para que ele cumprisse sua funo social: Nos pases da Amrica Latina, a funo primordial de um museu etnogrfico contribuir para que a nao se reconcilie e se identifique com sua herana pluritnica e policultural (RIBEIRO, B.:1986, 15). A outra questo que mereceu particular ateno de Berta Ribeiro foi a da arte indgena. A Sala do Artista Indgena - uma rea destinada a exposies temporrias - exibiria artefatos elaborados por diferentes etnias, tendo ao lado um local para a venda, colocando o artista em contato direto com seu pblico (RIBEIRO, B.:1985, 87). Como a autora esclareceu posteriormente, em base s consideraes de alguns estudiosos, muitas etnias encontraram na venda de artesanato no apenas uma aprecivel fonte de renda, mas tambm a possibilidade de manuteno de uma cultura material diferenciada, que serve de marca ao movimento de resistncia tnica, como sinal de autonomia a ser reconquistada. (GALLOIS, 1989: 140 apud RIBEIRO e VAN VELTHEM, 1992, 108).

30 A proposta elaborada por Berta Ribeiro traz para os lderes indgenas, que esto descobrindo o museu, muitos elementos de reflexo de ordem tcnica, poltica e ideolgica. Um deles o destaque para o papel crucial desempenhado pelo museu etnogrfico na luta ideolgica, como um instrumento de combate s teorias racistas. 4. Lies de Museologia As seis experincias aqui registradas no foram as nicas que tiveram influncia sobre a viso dos ndios acerca do museu. Algumas outras deviam ser includas nesse relato, no fosse a limitao de espao. interessante ver como os dirigentes da COIAB incorporaram rapidamente ao seu discurso um conjunto de conceitos - patrimnio, reserva tcnica, restaurao e outros que fazem parte da literatura especializada. Eles descobriram o museu e esto aprendendo como faz-lo. No est longe o dia em que haver ndios especializados nesta rea, com curso universitrio, como j ocorre no Canad. O conceito de museu, que vem sendo refinado na ltima dcada pelos muselogos, tem sido tambm discutido pelos ndios. Quase todos identificam a instituio como um lugar de conhecimento, de pesquisa, de estudo, de guardi da memria. No entanto, os ndios, agora, no aceitam mais passivamente que os museus construdos por no-ndios tenham o monoplio do discurso histrico que lhes diz respeito. Querem deixar de ser apenas um objeto musealizvel e serem tambm - eles prprios - agentes organizadores de sua memria. A existncia de museus tribais pode enriquecer no apenas os museus etnogrficos, mas contribuir para a formao dos grandes museus nacionais.

31 A compreenso da funo de um museu tribal na articulao do discurso e da identidade tnica pode ser avaliada nas palavras dos prprios ndios, conforme relatos de alguns Ticuna. O professor Ticuna Valdomiro da Silva considera que: O Museu Maguta um documento; uma casa que tem msica; um lugar de olhar desenhos; um lugar para todo mundo dar valor; uma casa de alegria para os Ticuna. Um colega seu, Liverino Otvio, escreveu: o Museu Magta serve para guardar nosso futuro. Diodato Aiambo v o museu como um lugar de tudo; um lugar para colorir o pensamento, enquanto para Orcio Atade, museu o lugar que segura as coisas do mundo. (Boletim do Museu Maguta: mai/out.1993). O ndio Cocama Bernado Romaina fez uma avaliao do valor histrico de uma pea, num relato contado pelo etnlogo francs Raphael Girard (1963, p.170), que aqui resumimos. Os Cocama, grupo da famlia lingstica Tupi, habitavam o alto Solimes, quando por ali passou o bergantim de Orellana em 1540. Lutaram contra espanhis e portugueses, usando a estlica - um propulsor de dardos, bordunas, lanas, escudos e zarabatana, conforme registram as crnicas da poca. Depois de 400 anos de contato, os Cocama pouco diferiam da populao mestia que vivia nas proximidades de Iquitos, no Peru. Caavam com armas de fogo, abandonando completamente suas armas tradicionais, que cairam em desuso, at desaparecerem. Da a enorme surprsa do etnlogo, em visita aldeia Unyurahui, no Peru, em 1960, quando viu uma antiga zarabatana o nico exemplar de toda a aldeia - guardada cuidadosamente numa viga do teto da maloca. Indagou ao ndio Bernardo Romaina se ele ainda a usava. Diante da

32 resposta negativa, perguntou: Ento, para que guardar?. O ndio respondeu: Para no esquecer(GIRARD, 1963: 170). Para que museu? Toda a aprendizagem dos ndios sobre museu, realizada com as experincias aqui descritas, pode ser condensada nesta sbia resposta: Para no esquecer.REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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