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Fabrício Cardoso de Mello I 1 Universidade Vila Velha (UVV-ES), Programa de Pós Graduação em Sociologia Política, Vila Velha, ES, Brasil, [email protected] https://orcid.org/0000-0003-2674-107X AS TRANSFORMAÇÕES DE FRANCIS CHATEAURAYNAUD: PERCEPÇÃO E REFLEXIVIDADE NA SEGUNDA ONDA DA SOCIOLOGIA PRAGMÁTICA FRANCESA INTRODUÇÃO A quebra epistemológica promovida pelo projeto de uma sociologia da crítica na França de meados dos anos 1980, dirigida à forte presença da sociologia bourdieusiana em seu âmbito acadêmico, concentrou-se sobre a oposição à hipostasia da violência como forma predominante de sociabilidade. O Groupe de Sociologie Politique et Morale (GSPM) da EHESS foi fundado por Luc Boltanski, junto a nomes como Michael Pollak e Laurent Thévenot, em uma iniciativa para fomentar o desenvolvimento de outro enfoque sociológico, voltado não às formas de reprodução da estrutura, mas à competência crítica dos atores sociais ordinários para a resolução de situações conflituosas e problemas cotidianos. Um forte programa teórico na forma de uma sociologia da justiça e da moral cristalizou-se desde tal esforço, aparecendo, até hoje, como tendência mestra dessa tradição. O trabalho de Boltanski & Thévenot (1991) sobre as justificações consta desde então como sua espinha dorsal, fornecendo-lhe as bases teóricas, metodológicas e temáticas principais, ainda que não exclusivas. Outra característica relevante desse esforço em comparação à escola bourdieusiana é sua divisão interna do trabalho intelectual. Bem menos hie- rárquico, a ele a sociologia da crítica boltanskiana, conquanto central, serviu mais como um guia inspirador do que como um projeto teórico fechado. A isso se soma a proximidade do projeto de Boltanski e Thévenot com as propostas de outros autores, que concomitantemente buscaram vias de renovação ao sociol. antropol. | rio de janeiro, v.09.01: 159 – 184, jan.– abr., 2019 http://dx.doi.org/10.1590/2238-38752019v917

AS TRANSFORMAÇÕES DE FRANCIS CHATEAURAYNAUD: … · de Sociologie Politique et Morale (GSPM) da EHESS foi fundado por Luc Boltanski, junto a nomes como Michael Pollak e Laurent

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Fabrício Cardoso de Mello I

1 Universidade Vila Velha (UVV-ES), Programa de Pós

Graduação em Sociologia Política, Vila Velha, ES, Brasil,

[email protected]

https://orcid.org/0000-0003-2674-107X

AS TRANSFORMAÇÕES DE FRANCIS CHATEAURAYNAUD: PERCEPÇÃO E REFLEXIVIDADE NA SEGUNDA ONDA DA SOCIOLOGIA PRAGMÁTICA FRANCESA

INTRODUÇÃO

A quebra epistemológica promovida pelo projeto de uma sociologia da crítica

na França de meados dos anos 1980, dirigida à forte presença da sociologia

bourdieusiana em seu âmbito acadêmico, concentrou-se sobre a oposição à

hipostasia da violência como forma predominante de sociabilidade. O Groupe

de Sociologie Politique et Morale (GSPM) da EHESS foi fundado por Luc Boltanski,

junto a nomes como Michael Pollak e Laurent Thévenot, em uma iniciativa

para fomentar o desenvolvimento de outro enfoque sociológico, voltado não às

formas de reprodução da estrutura, mas à competência crítica dos atores sociais

ordinários para a resolução de situações conflituosas e problemas cotidianos.

Um forte programa teórico na forma de uma sociologia da justiça e da moral

cristalizou-se desde tal esforço, aparecendo, até hoje, como tendência mestra

dessa tradição. O trabalho de Boltanski & Thévenot (1991) sobre as justificações

consta desde então como sua espinha dorsal, fornecendo-lhe as bases teóricas,

metodológicas e temáticas principais, ainda que não exclusivas.

Outra característica relevante desse esforço em comparação à escola

bourdieusiana é sua divisão interna do trabalho intelectual. Bem menos hie-

rárquico, a ele a sociologia da crítica boltanskiana, conquanto central, serviu

mais como um guia inspirador do que como um projeto teórico fechado. A isso

se soma a proximidade do projeto de Boltanski e Thévenot com as propostas

de outros autores, que concomitantemente buscaram vias de renovação ao

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pensamento sociológico francês e que recorrentemente são associados, de uma

forma ou outra, à linhagem contemporânea de uma sociologia pragmática. Po-

demos assim citar a abordagem sociotécnica de Bruno Latour e Michel Callon,

os trabalhos de Isaac Joseph, Louis Queré e Bernard Conein (muito próximos

ao interacionismo simbólico estadunidense e à etnometodologia) e a economia

das convenções como constelações desse universo que se vinha formando des-

de os anos 1980.1 No encontro dessas influências deu-se o desenvolvimento,

por parte de uma geração de epígonos, de uma segunda onda do pragmatismo

francês, a ganhar força em meados dos anos 1990, apontando na direção de

uma expansão de seu alcance analítico por meio de críticas imanentes a alguns

de seus principais suportes. O balanço coletivo sobre as três décadas desse

“estilo pragmático” realizado por alguns nomes dessa segunda onda nos leva a

ver como, com ou contra seus antigos mestres, eles lograram aprofundar temas

antigos e explorar novas questões (Barthe et al., 2013). Francis Chateauraynaud,

antigo aluno de Boltanski, tem estado na dianteira desse processo, sua obra

sendo marcada por constante preocupação com regiões teóricas e metodológi-

cas inexploradas por seus predecessores e, ultimamente, também com a (re)

afirmação do compromisso com a herança clássica do pragmatismo.2

O presente artigo apresenta a obra produzida por Chateauraynaud até

o momento por meio de uma revisão pontuada por reflexões metateóricas que

visam avaliar o conjunto da contribuição do autor à sociologia. O elemento

teórico de sua obra receberá a maior parte de nossa atenção, em primeiro lugar

porque ao nos deslocar por esse eixo podemos acessar outras importantes con-

tribuições nela contidas. Em segundo lugar, e mais importante, porque, ao ten-

tar superar, a partir de dentro, alguns dos limites teóricos da sociologia prag-

mática francesa, Chateauraynaud termina por fortalecer o potencial dessa

abordagem para a renovação da teoria social contemporânea.

A ideia geral que o desenvolvimento das partes seguintes defende é que

Chateauraynaud elabora as mais sólidas e pertinentes reconstruções conceituais

na sociologia pragmática francesa em sua segunda onda, oferecendo uma perti-

nente articulação entre os aspectos perceptivo e comunicativo da ação. O texto

sustenta essa afirmação ao longo de quatro seções. A primeira delas está focada

no projeto de uma sociologia da percepção elaborado ao longo dos anos 1990; a

segunda é dedicada à pragmática das transformações, abordagem iniciada pelo

autor no final daquela década, e que hoje concentra os mais importantes resul-

tados de seu projeto de renovação teórica; a terceira dedica-se especificamente

à forma como poder e conhecimento têm sido pensados por Chateauraynaud

neste último período de sua obra. Na última seção abordarei a forma como as

inovações pontuadas anteriormente confluem para uma complexificação teórica

que ajuda a reposicionar os papéis do discurso e da argumentação na sociologia.

Embora o artigo atravesse os principais trabalhos do autor, em autoria

individual ou compartilhada, dois livros específicos receberão maior atenção.

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Ao nos dedicar à questão da percepção na primeira seção, nosso foco se cen-

trará sobre Experts et faussaires (E&F)3 que, escrito em parceria com Christian

Bessy e publicado em 1995, pioneiramente enfatizou o peso da questão onto-

lógica dentro da sociologia pragmática. Grande parte das duas seções seguintes

segue as discussões de Aux bords de l’irréversible (ABI), parceria com Josquin

Debaz publicada recentemente (2017). O olhar a partir de ABI, que representa

um marco de organização e sistematização de algumas das principais propos-

tas que Chateauraynaud desenvolveu ao longo de sua carreira à luz da incor-

poração de novas questões, oferece uma visão panorâmica sobre a obra em

discussão e facilita o deslocamento entre as propostas presentes em outros

trabalhos do autor. O artigo não se limita à simples visitação da obra examina-

da, critica-a também, ressaltando seus pontos fortes e fracos e, nesta última

situação, apontando algumas possíveis mudanças de rota.

UMA SOCIOLOGIA DA PERCEPÇÃO

Propondo uma “sociologia da percepção” em seu subtítulo, E&F tem como pon-

to de irradiação de inovações ao pragmatismo francês a incorporação a ele da

preocupação com o elemento perceptivo presente tanto na abordagem ecoló-

gica de James Gibson quanto na fenomenologia materialista de Merleau-Ponty.

A essas referências, somam-se um diálogo com a mesma questão na obra de

Deleuze, autor cuja influência já pesava sobre Latour, além de elementos da

etnometodologia e da economia das convenções. Em traços gerais, o projeto de

Christian Bessy e Francis Chateauraynaud era construir uma sociologia das

competências cognitivas enquanto competências perceptivas, estando elas

presentes nas experiências ordinárias das pessoas no mundo. Para isso, abrem

o programa da sociologia da crítica para formas interativas que escapam à

racionalidade comunicativa das justificações e abordam o tema dos objetos na

ação sem o tratar apenas como um fluxo contínuo de agregações reticulares.

Os apoios convencionais da ação (Dodier, 1993) que aqui aparecem, portanto,

não dizem respeito a princípios de bem comum, mas às representações de

realidade a que recorrem os atores em processos interacionais de qualificação

das experiências que, em seu proceder, estabelecem padrões de verdade e fal-

sidade que sustentam o plano ontológico das relações sociais. Não obstante,

como deixam claro os autores (E&F: 252) e como sublinha Lemieux (1995: 228),

uma das principais propostas de E&F é que as representações não bastam como

fundamento de acordos; a partilha da experiência perceptiva é de parelha im-

portância para o entendimento no curso da interação. A reflexão teórica ence-

tada pelo trabalho se apoia em corpos de dossiês qualitativos produzidos por

Bessy e Chateauraynaud, e que giram em torno da relação entre pessoas e

objetos na produção do conhecimento de especialistas e experts (técnicos, co-

lecionadores, críticos e connoisseurs em geral), bem como de sua apropriação

insidiosa por golpistas e falsários.

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Esses dossiês se distribuem por diferentes questões relacionadas à ló-

gica de autentificação (E&F: 21-229): dinâmicas de produção e de investigação

de falsificações no universo comercial; a atividade profissional de avaliadores,

desde empregados de casas de penhor a experts em arte; por fim, a relação

entre autenticidade/falsificação de dados históricos. Os autores se utilizam dos

casos cobertos pelos dossiês para pôr em destaque quatro pontos sensíveis dos

tipos de prática de que tratam: a existência de codificações de natureza sim-

bólica que auxiliam na comunicação intersubjetiva em torno da incerteza sobre

a validade de algum objeto; as impressões sensoriais provocadas pela fricção

corpórea entre tal objeto e as pessoas que se relacionam com e sobre ele; os

instrumentos de mensuração controlada que auxiliam na verificação e estima-

ção dos objetos; e, por fim, os movimentos fluidos das redes que os fazem

circularem em diferentes coordenadas. Seu intento é mostrar como os atores

sociais organizam e qualificam suas experiências do tecido ontológico da vida

social ao atravessar satisfatoriamente esses quatro elementos, o que não de-

penderia apenas de um saber fazer (savoir faire) procedimental, mas de saber

tomar ou preender (savoir prendre) o real (Bessy & Chateauraynaud, 1992; E&F:

78). A expressão designa a competência necessária para o sucesso nos testes

(épreuves) ontológicos que são identificados por Bessy e Chateauraynaud: quan-

do o conflito e a incerteza soam mais alto do que o senso partilhado sobre a

natureza das coisas, é preciso restituí-lo com base nos suportes convencionais,

sensoriais, técnicos e reticulares ao alcance dos atores. Como observou Corrêa

(2014: 52), é a um imperativo de restabelecimento da “facticidade do mundo”

que esse tipo de atividade responde.

Nesses testes convivem equivalência e incomensurabilidade. A respeito

desse ponto, uma palavra se faz necessária sobre La faute professionelle (LFP),

publicação em livro da tese de doutorado de Chateauraynaud (1991a), que fo-

caliza as atribuições de responsabilidade no mundo do trabalho. Desde então,

o trabalho do sociólogo é marcado por uma tentativa de explorar os limites

colocados pelos principais nomes da sociologia pragmática e de seu entorno

(ver também Chateauraynaud, 1991b). Na transição entre as décadas de 1980 e

1990, duas concepções distintas sobre o conceito de teste rivalizavam. Latour

(2001: 243) anunciava só existirem testes de força ou fraqueza, enquanto Bol-

tanski e Thévenot (1991: 168-174; ver também Nachi, 2013: 59-61) dedicavam a

maior parte de seu projeto aos testes de legitimidade. Em LFP (165ss), além de

definir o teste como um momento em que simultaneamente ocorrem determi-

nação e possibilidade de mudança de um estado de coisas, Chateauraynaud

(1991a: 165-178) desafia a polarização entre força e legitimidade ao propor que

esses dois elementos traduzem-se mutuamente no curso de tais processos.

Em sua parceria com Bessy, entretanto, a busca por renovação vai ainda

mais longe, e é descortinada toda uma nova dimensão da ação social. Na parte

final de E&F (239) encontra-se seu conceito central, apenas pontualmente já

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referido. Trata-se da preensão, “produto do encontro entre um dispositivo trazi-

do pela ou pelas pessoas engajadas no teste e uma rede de corpos fornecendo

saliências, dobras e interstícios” ou, posto de outra forma, da dialética entre os

pontos de referência (repères) informacionais e as dobras da matéria (plis) ex-

perimentadas em testes corpóreos na relação entre pessoas e objetos.4 Para

Bessy e Chateauraynaud o estudo da organização qualificativa da experiência

deve romper ao mesmo tempo com o legado representacionista durkheimiano

e com o empirismo. A análise desse processo via o conceito de preensões visa

conferir importância equiparada às representações sociais e às percepções

corpo a corpo que se dão fora do âmbito da significação linguística, de manei-

ra que estas constantemente desafiam as categorizações simbólicas suprain-

dividuais, ainda assim indispensáveis para a coordenação coletiva das qualifi-

cações. Aqui a influência de Merleau-Ponty (1945) se destaca dentre as demais

(Chateauraynaud, 1997: 123; Bessy & Chateauraynaud, 2014: 477); a formulação

do conceito de preensão apresenta um tratamento sociológico ao projeto de

integração entre ser e mundo elaborado pelo filósofo, que passa necessaria-

mente pelo balanceamento entre a percepção e a objetividade da consciência

no processamento da experiência. Assim sendo, a preensão é um processo ge-

nerativo (ABI: 606) que inicia uma restituição entre corpo e qualificação, enga-

jamento físico e enunciado (Bessy & Chateauraynaud, 1993: 159).

Deve-se salientar que a maneira como os autores abordam a dimensão

simbólica da ação, por meio da ideia de representações, é sobremaneira gené-

rica. Sob influência da economia das convenções, que apresenta o mesmo pro-

blema, eles não especificam o que querem dizer conceitualmente com o termo,

afora menções a dispositivos e padrões referenciais. Assim sendo, não sabemos

com precisão o papel que valores, regras e normas, memórias ou elementos

imaginários desempenham em seu modelo.5 Os autores tentam contornar o

sabor kantiano do termo representação ao substituí-lo recorrentemente pela

noção de ponto de referência (E&F: 244ss). Tal procedimento, contudo, não logra

especificar as dinâmicas próprias encontradas nos universos simbólicos, mes-

mo se os pensarmos em ligação direta à materialidade e suas sensações.

Não obstante, a solução encontrada pelos autores é inovadora por inte-

grar em um mesmo arco de ação diferentes manifestações reflexivas. Ao passo

que não deixam de lado a propriedade teleológica de espaços de cálculo abertos

sobre as experiências ontoformativas, Bessy e Chateauraynaud também enxer-

gam as sensações intuitivas provocadas pela extensão do corpo ao universo

material que o circunda como portadoras de intencionalidade reflexiva. A for-

mação de preensões por meio de testes possibilita a convergência dessas dife-

rentes competências. De tal sorte, a expertise profissional de determinada ativi-

dade não repousa apenas sobre dispositivos formais, mas em grande medida se

nutre dos âmbitos prático e intuitivo das experiências (E&F: 243). Outra forma

de enxergar essa asserção é entender o sucesso do especialista como derivação

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de sua operação na região média entre um regime de captura (emprise),6 em que

o ator se encontra “possuído” sensorialmente pela matéria devido à drástica

proximidade, e um regime de objetividade, em que consegue colocá-la a distân-

cia e atuar exclusivamente por representações dela abstraídas (E&F: 259-267; ver

também Bessy & Chateauraynaud, 1993: 158). Nesse sentido, a preensão se dis-

tingue da formulação bourdieusiana do habitus enquanto elemento articulador

das práticas classificatórias da experiência pelo fato de esse se manter fiel à

redução kantiana das sensações aos julgamentos, porquanto em sua conceitu-

alização são codificações estruturais interiorizadas nos corpos que guiam, em

primeiro plano, a sensorialidade (E&F: 266-267). Desde essa visão, a reflexivida-

de para Bourdieu só seria possível a partir de uma postura objetivista, posição

combatida com a simetria visada pelo conceito de preensão (idem, ver seção 5

abaixo). Temos nesse ponto uma fonte rica de possibilidades à teoria da ação

social. Com a figura da preensão em E&F podemos começar a pensar em uma

forma alternativa de princípio articulador das práticas, porquanto Bessy e Cha-

teauraynaud forjam um instrumento analítico que nos permite enxergar o di-

namismo que se dá na mediação entre os atores e o mundo externo a eles,

sendo a cognição um processo em que convenções objetivamente estruturadas

e percepções corporais tensionam-se mutuamente. Dessa forma, a inércia cre-

ditada às socializações primárias não necessariamente define de antemão o

curso das ações, que ganham seus contornos sempre praticamente, disso abun-

dando criatividade e inovação. Como veremos mais abaixo, esse é um ponto

retomado, com restrições, em momento posterior da obra de Chateauraynaud.

CONTROVÉRSIAS ECOLÓGICAS E TRANSFORMAÇÕES PRAGMÁTICAS

Durante as duas décadas que se passaram até a publicação de Aux bords de

l’irréversible, Chateauraynaud continuou a explorar o horizonte de possibilida-

des aberto em E&F, o que contribuiu para a sofisticação das ferramentas heurís-

ticas da sociologia pragmática francesa. Foram três os movimentos mais gerais

que marcaram sua obra ao longo desse intervalo. Em primeiro lugar, uma preo-

cupação com a dilatação das escalas de análise a ser utilizadas por tal aborda-

gem. Em 1999 ele escreveu com Didier Torny Les sombres précurseurs (LSP), um

trabalho em que começou a incorporar a análise de problemas públicos, há tem-

pos praticada na França por Isaac Joseph e seus associados. Temos aqui o marco

inicial da segunda fase de sua obra. Sua aposta foi em uma perspectiva diacrôni-

ca, visando ao acompanhamento de problemas e controvérsias socioambientais

desde seu nascimento, nas fases de vigilância e alerta, até sua normalização

institucional. Na mesma ocasião, uma segunda tendência de seu pensamento se

organizava ao apresentar o plano ontológico como indissociável de outros domí-

nios da ação, o que se vê em sua caracterização da produção do alerta como uma

atividade de natureza perceptiva e ética a um só tempo. Finalmente, a questão

do poder também passa a ocupar suas reflexões em uma série de textos em que

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a figura da assimetria é retratada como aspecto que permeia amplamente as re-

lações sociais, uma correção de rota que visava preencher a lacuna deixada pela

sociologia da crítica quanto a esse ponto. Dessa forma, a crítica ao situacionis-

mo metodológico das primeiras versões do pragmatismo francês, a afirmação da

multidimensionalidade da ação e a tensão entre poder e contrapoder somam-se

à questão da percepção e se tornam os pilares do que Chateuraynaud chamou de

uma sociologia pragmática das transformações ou de balística sociológica.7

O trabalho de pesquisa presente em LSP se debruça justamente sobre as

operações críticas tocadas pelos atores quando se deparam com sinais de que

um determinado fenômeno representa uma ameaça ou um risco coletivo. Inau-

gurando sua jornada no estudo sobre a temática socioambiental, ao qual se

filia até o presente, nosso sociólogo muda a qualidade e a escala dos conflitos

aos quais dedica sua atenção. Se no livro com Bessy as disputas giravam, em

primeiro plano, em torno da autenticidade dos objetos, no trabalho com Torny

passamos para grandes debates públicos de cariz técnico e político. A figura do

alerta, central ao livro, é apresentada como um regime de testes que exige dos

atores que por ele passam, os lançadores de alerta, provas (preuves) específicas

para que suas denúncias sejam bem recebidas publicamente. Diferente dos

regimes de justificação, o que está em jogo não é o engrandecimento moral dos

atores, mas a tangibilidade das suas provas, determinada por sua resistência

às variações perceptivas, instrumentais e argumentativas colocadas pelos con-

flitos em que são oferecidas (LSP: 40-46; ACF: 255). No caso em questão, a ação

do lançador está a meio caminho da experiência corporal e da metrologia da

deliberação pública e dirige às autoridades uma demanda de ação ou verifica-

ção sobre o risco percebido (LSP: 26-27).

O problema da configuração variável das arenas públicas em que mobi-

lizações como o alerta tomam lugar, já assinalado em LSP, é trabalhado em

profundidade em Argumenter dans un champ de forces, de 2011. À diferença de

Daniel Cefaï, que aborda sistematicamente os problemas públicos na segunda

onda da sociologia pragmática a partir de um enfoque concentradamente et-

nográfico (Cefaï et al., 2012), Chateauraynaud associou a seu estudo ferramen-

tas retiradas do campo das teorias da argumentação.8 Produzido sempre nas

interações, o trabalho argumentativo organiza discursivamente o senso crítico

dos atores engajados em controvérsias, e ao mesmo tempo em que é suporte

para sua performance política junto a outras partes do conflito é também fun-

damental para a metaconfiguração coletiva das causas em jogo (ACF: cap. 2).

Para entender o alcance de um argumento, a amplitude e a preensão que ele

conquista, se faz necessária a observação de como os atores atravessam dife-

rentes conformações de arenas de discussão e de confronto. De acordo com os

tipos de interlocutores e de público e com o grau de simetria dos intercâmbios

que cada configuração de arena apresenta teremos restrições (e facilitações)

específicas sobre a performance argumentativa dos atores (ACF: 143ss).9

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O olhar dirigido ao desdobramento temporal do constante movimento

de remodelamento dos problemas públicos a partir do trânsito dos atores por

diferentes registros de argumentação é justamente o que sustenta a proposta

de uma pragmática das transformações. É significativa a nova recolocação da

concepção de teste que Chateauraynaud realiza nessa sua segunda fase. Assim

como é recorrente na sociologia pragmática francesa, em seus primeiros tra-

balhos ele ainda limitava a utilização do conceito à sua capacidade de encer-

ramento de controvérsias. Desde a pesquisa sobre o alerta e o risco, entretanto,

aquilo que Martuccelli (2015) chamou de teste-sanção aparece entremeado por

características de um teste-desafio: a abertura de arenas públicas e o ingresso

nelas não são definidos apenas pela possibilidade de conclusão de problemas,

mas também por lá se encontrarem horizontes de superação de obstáculos,

especialmente aqueles de origem societal e histórica, que se interpõem ao lon-

go das trajetórias dos atores. Mesmo se o fim de um conflito estiver na lista de

objetivos de um ou mais sujeitos nele envolvidos, o que nem sempre ocorre, a

pragmática das transformações se preocupa com a maneira reflexiva com a

qual eles contornam ou ultrapassam os desafios que aparecem na esteira das

transformações das arenas públicas.

As disputas nas arenas públicas continuam como objetos centrais em

ABI, parceria com Josquin Debaz, historiador das ciências e colaborador do

Groupe de Sociologie Pragmatique et Réflexive (GSPR-EHESS), fundado e dirigi-

do por Chateauraynaud. Ele traz a conciliação de várias áreas de experimenta-

ção abertas pelo autor ao longo dos anos pelo diálogo com um dos mais can-

dentes temas da reflexão sobre o mundo contemporâneo: a possibilidade de

uma catástrofe global, total e irreversível, gerada pela trajetória da relação

entre ser humano e natureza ao longo daquilo que muitos têm chamado de

período do antropoceno. ABI expande a articulação iniciada em ACF entre a

sociologia da percepção e a pragmática das transformações, ou, visto de outra

forma, a incorporação sistemática daquela nesta.

Crise, risco e, principalmente, irreversibilidade são as figuras que povo-

am de forma mais proeminente a argumentação inicial de Chateauraynaud e

Debaz, que começam do alto, visitando tanto as teses do crescente debate em

torno do conceito de antropoceno quanto, no plano institucional, alguns ele-

mentos das principais formações discursivas produzidas por controvérsias

ambientais correntes (ABI: caps.1 e 2). De início, os autores localizam na lite-

ratura sobre o antropoceno uma espécie de grande narrativa crítica que, a par-

tir de uma preocupação com o futuro do planeta por conta das mudanças cli-

máticas e problemas ecológicos recentes, segue na direção da universalização

de uma “humanidade comum”, ambiguamente tratada como vítima e culpada

da extensão dos danos (ABI: 37). Em muitas ocasiões essa grande narrativa dá

a base para o presságio do colapso e da catástrofe total, uma vez que as ações

desse “nós” universalizado sobre o planeta teriam já alcançado o ponto de ir-

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reversibilidade, ou estariam, ao menos, muito próximo disso. Para Chateauray-

naud e Debaz, o problema com esse tipo de enunciado não está em seu conte-

údo crítico ou político, mas no tipo de raciocínio sociológico totalizante que

abraça, já que as causas e processos que constituem os conflitos ecológicos são

assim tomados como autoevidentes, determinados por uma lógica pré-progra-

mada estabelecida pelo padrão nocivo de interação entre humanos e natureza

desde a modernidade industrial. A entrada pela pragmática das transformações

a esse tema não desconsidera tal padrão, tampouco as ameaças que dele deri-

vam, mas opta pelo acompanhamento das disputas e discussões que dão base

a diferentes enunciados coletivos elaborados nas interações entre os atores

que delas participam. O olhar para as grandes narrativas deve assim tomá-las

como objetos, buscar retroceder às suas origens, acompanhar seus pontos de

inflexão e períodos dormentes e, principalmente, observar como os atores se

esforçam para classificar e hierarquizar, cooperativa ou conflituosamente, pro-

blemas, causas e soluções em busca de uma mínima convergência para a ação

conjunta.

A própria noção de risco, cuja popularidade nas ciências sociais cresceu

junto com a obra de, entre outros, Ulrich Beck, passa por essa lente. A ideia

nesse ponto é que o alcance a e força do paradigma do risco no mundo con-

temporâneo podem ser compreendidos com a observação dos fluxos de inter-

câmbio e disputa entre diferentes setores e especialistas, desde teóricos do

social a técnicos e analistas de ONGs e agências governamentais (ABI: cap. 3).

Com isso, os autores entram em uma de suas discussões mais importantes: a

relação entre as articulações críticas encetadas pelos atores nos debates públi-

cos e os processos de encenação de futuro a que lançam mão para coordenar

seus projetos presentes. Chateauraynaud e Debaz propõem que a reflexividade

dos atores não está somente na abertura de espaços de cálculo em que preva-

lece a racionalidade instrumental, mas também na tensão deles com a postura

investigativa ou abdutiva (Dewey e Peirce, respectivamente) que rotineiramen-

te é adotada por eles em suas buscas de superação da incerteza e da insegu-

rança (ABI: 134-135; 161). O vai e vem entre o sensível das investigações, os

dispositivos de mensuração e equivalência e as ponderações dentro de padrões

axiomáticos preestabelecidos é o que fornece as provas de que precisam os

atores para demonstrar a tangibilidade de suas queixas, demandas ou argu-

mentos e assim fortalecer suas causas (ABI: 133-136; 146-147). Mas, justamen-

te pelo fato de o jogo de provas ser definido sempre na prática, a incerteza é

elemento passível de redução, não de eliminação total. Por esse motivo, visões

de futuro permeiam a atuação crítica e reflexiva dos atores, que prospectiva-

mente traçam linhas do porvir em relação direta com experiências passadas e

presentes. Ao mesmo tempo em que as disputas que correm nos problemas

públicos e nas controvérsias competem pela mudança ou conservação do es-

tado de coisas atual elas divergem quanto à caracterização do possível. Aqui

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temos uma importante característica da primeira inflexão da obra de Chateau-

raynaud mencionada neste tópico: seu reposicionamento quanto ao quadro

temporal da ação não se limitou a um gesto cronográfico, porquanto, para além

da proposta da diacronização da análise, encontramos também a valorização

de um olhar à temporalidade metadiscursiva dos atores, o que ele retira das

teorias da argumentação (PRO: 78; 113ss). Grande parte do fator desafiante dos

testes críticos está relacionada com os arranjos que os atores tecem entre pro-

vas sensíveis, axiomáticas e de mensuração e delas com os marcos temporais

em suas produções discursivas (ABI: 160-161; ACF: 103-107).

Há nisso uma importante reflexão sobre a dinâmica de determinação na

relação entre ação e estrutura, algo não muito bem discutido pelo pragmatismo

francês. Em um diálogo com Wallerstein, afirmam os autores que “enfrentar as

incertezas conduz a ligar as tendências longas marcadas por forte inércia, ela

própria considerada indiscutível, aos eventos reconfiguradores cujo alcance

permanece indeterminado por certa duração” (ABI: 144). Chateauraynaud e

Debaz não negam a existência de grandes forças sociais extrassituacionais, mas

submetem seu potencial de causalidade aos testes vivenciados pelos atores e

às provas que eles produzem em engajamento reflexivo com seu meio. Ambos

são fontes de bifurcações e ricochetes que podem mudar mais ou menos dras-

ticamente o curso de processos aparentemente irreversíveis. A mudança, por-

tanto, é colocada como um constante desafio nos testes vivenciados pelos ato-

res em suas investigações, pois eles devem administrar em suas articulações

críticas diferentes referências temporais que vão de memórias a projetos.

Essas discussões atualizam o tema das preensões com relação aos ob-

jetos e concepções metodológicas trabalhadas por Chateauraynaud desde LSP,

quando começou a tratar de riscos e alertas. Com início naquele livro, mas com

maior intensidade em ABI, observamos um processo de complexificação do

conceito de maneira que as preensões não estão mais limitadas a testes pon-

tuais em situações face a face, como na verificação de autenticidade de uma

cédula ou de um quadro. Em acompanhamento à nova abordagem com relação

aos testes, fala-se, em vez disso, a respeito dos processos de formação de gran-

des preensões coletivas que, embora possuam alcance variado, muitas vezes

se alongam no tempo e envolvem uma miríade de atores. Conciliando a feno-

menologia perceptiva com o pragmatismo, as preensões estão agora associadas

à ideia da (auto)produção dos públicos por meio do entrecruzamento dos atores,

seus argumentos e contra-argumentos. Uma coletividade é formada à medida

que suas partes buscam bases mínimas comuns para uma mesma (ou aproxi-

mada) preensão sobre o mundo, o que ocorre a partir da dinâmica entre as

experiências partilhadas pelos atores em seu meio e os dispositivos e repre-

sentações axiomáticas que pesam sobre eles. Dessa forma, a constante fricção

entre dobras materiais e pontos convencionais de referência continua como

elemento operacionalizador do conceito, mas dessa vez, como já indicado pela

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natureza dos três tipos de provas acima mencionados, a dimensão ontológica

das preensões é posta lado a lado das dimensões epistêmica e axiológica (ABI:

135; ver também ACF: 47, 104-107; Chateauraynaud, 2016: 368-370). Ainda que

também ancorados nas experiências perceptivas e afetivas de seus atores, os

agenciamentos coletivos que se cruzam nas arenas de disputa dependem igual-

mente de conhecimentos práticos e técnicos e de normas e valores para poder

abrir seus espaços de cálculo e articular sua expressão pública.

Tudo isso é muito positivo, ainda que seja discutível a utilização do ter-

mo federação de causas (ACF: 54-61; ABI: 29ss) para o tratamento desse proces-

so; demasiadamente descritivo, ele se limita às operações de hierarquização e

convergência de causas, não captando um sem-número de propriedades que

fazem parte da constituição de um grupo. No livro de Chateauraynaud e Debaz,

bem como em LSP e ACF, a noção de subjetividade coletiva é geralmente con-

templada a partir de um movimento radial, que leva em conta exclusivamente

aqueles elementos necessários para as interações e disputas com outros grupos.

Quando não é esse exatamente o caso, é tratada de maneira ad hoc devido à sua

importância empírica, mas não conceitualizada sistematicamente.10 Com rela-

ção a esse ponto, Martuccelli (2015: 49) está parcialmente correto em sua lei-

tura de Chateauraynaud, uma vez que as propriedades mais subjetivas do

teste-desafio, voltadas para a problematização de si, não são bem abordadas

pelo autor.11 Muito pontualmente, ele apenas anuncia a necessidade de uma

“pragmática da interioridade” articulada à ecologia da percepção como desdo-

bramento de sua abordagem às assimetrias do poder e referencia o conceito

de conversas internas de Archer como subsídio a contar para tal esforço (Cha-

teauraynaud, 2015: 17; ABI: 776, 243-244). Esse exercício pode ser promissor,

mas é preciso cuidar para que ele não reduza o espaço dos elementos não ra-

cionalizados da experiência na compreensão das formulações da crítica social,

algo que, como temos visto, está no centro das preocupações da obra de Cha-

teauraynaud.12 Uma opção é retornar à ideia de preensão e pensá-la com e

contra Bourdieu. Se for possível assumi-la como princípio articulador das prá-

ticas, é preciso voltar o conceito para o universo interno dos atores individuais

e coletivos e assim acompanhar o modo como eles concebem, “tomam” e “ade-

rem” a si mesmos no seu engajamento reflexivo com o mundo. Para isso não

faltam subsídios no pragmatismo (fonte, aliás, do debate sobre conversas in-

ternas na sociologia contemporânea), que devemos acessar observando suas

afinidades com a fenomenologia da percepção, o que preservaria a síntese que

se encontra no coração da pragmática das transformações. Se o habitus bour-

dieusiano é um sistema de disposições incutido nos atores, a preensão pode

ser pensada como uma ergonomia existencial que se desdobra entre eles e seus

ambientes.13

Sem embargo, tanto em ACF (cap. 7) quanto em ABI (pt. 3) a renovação

do conceito de preensão leva a análise dos problemas públicos à aspereza do

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chão, utilizando termos de Wittgenstein (2009: 51). Isso parece responder ao

questionamento sobre a possibilidade de se aliar a análise de temporalidades

longas e o acompanhamento próximo das experiências dos atores, endereçado

anos atrás por Caïra (2000: 246-247), às ideias presentes em LSP. Deve-se notar

o modo como o meio (milieu), entendido tanto como campo interativo quanto

como mundo sensível, veio a tomar o lugar da concepção latouriana de rede

no pensamento de Chateauraynaud, que de opção heurística foi reduzida a

forma de descrição de configurações grupais. Isso parte de um esforço de re-

formulação da noção de plano de imanência, importante nas sociologias de

Latour e Boltanski, de forma a adequá-la à abordagem da pragmática das trans-

formações. Inicialmente, Chateauraynaud referenciava a ideia de meio por in-

fluência de Simondon (E&F: 66; ACF: 290) em encontro a uma presença difusa

da ideia de mundo sensível em Merleau-Ponty. Mais recentemente, o conceito

de malha (meshwork) de Tim Ingold (2011: 63) tem sido importante para o soci-

ólogo caracterizar o meio como o ambiente singularmente experimentado pe-

los atores (Bessy & Chateauraynaud, 2014: 481-486; ABI: 105-106), a discussão

de Foucault sobre a governamentalidade o ajuda a pensá-lo junto à temática

do poder (Chateauraynaud, 2015: 6-7) e a filosofia de James confere um apoio

pragmático a esse exercício (ABI: 420-421, 602). Portanto, à diferença da agre-

gação actancial das redes latourianas, o meio é tomado como a textura material

da vida, como o entorno vivido pelos seres em seus encontros cooperativos ou

conflituosos.

Com efeito, nesse movimento um posicionamento adotado por Chateau-

raynaud desde E&F é reforçado e aprofundado. Se o aspecto mais visível das

disputas públicas é o intercâmbio argumentativo entre as partes (altamente

dependente do universo representacional, como sói ser), não o devemos tomar

como mero arranjo linguístico, pois suas articulações estão sempre entremea-

das pelo percebido e pelo sentido. No trabalho com Debaz, por exemplo, ele se

vale de uma série de casos localizados entre os Estados Unidos e a Europa, mas

atravessando diferentes escalas, com o intuito de mostrar como os meios em

que transitam os atores são fontes constantes de imprevisibilidade e criativi-

dade à ação, o que faz com que grandes narrativas institucionais de convergên-

cia, de teor tanto técnico quanto político, sejam a todo tempo lançadas a teste.

Em virtude disso, ao se limitar ao elemento estritamente verbal das controvér-

sias, como dar conta, por exemplo, da complexidade da tensão ontológica de-

rivada dos materiais do ciclo de combustível nuclear (corium) em disputas sobre

a energia proveniente dessa fonte? A produção de preensões sobre tais materiais,

especialmente em situações de desastre, é extremamente difícil devido à sua

altíssima instabilidade, que desafia até mesmo o regime epistêmico do discur-

so científico; isso leva cientistas e demais especialistas a se utilizar de recursos

metafóricos (magma, lava, massa, mistura) na tentativa de os descrever, pro-

duzindo apenas, ao fim e ao cabo, “vagas aproximações” (ABI: 254-262). Ques-

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tionamentos como esses, com forte teor pragmático, nos convidam a observar

o prolongamento da percepção desde os meios até instâncias de sistematização

expressiva e a reconhecer o trabalho despendido pelos atores, que comunica-

tivamente se engajam nesse processo ao partilhar suas subjetividades afetivas

e perceptivas (ABI: 376, 421). Isso aponta para a importância da articulação

entre a análise discursiva e formas mais correntes de trabalho de campo, que

possibilitam ao pesquisador um contato direto com os atores e os meios. A

síntese entre pragmatismo e a fenomenologia merleau-pontiana está bem avan-

çada a essa altura. Podemos enxergar claramente como Chateauraynaud e De-

baz conciliam o fator da percepção com o fundamento interativo dos públicos

e a epistemologia investigativa de Dewey (ela própria comportando uma onto-

logia exploratória do mundo). Como resultado, “a atitude de olhar além das pri-

meiras coisas, dos princípios, das ‘categorias’, das supostas necessidades [...]” (James,

1979: 21, grifo do original) e assim ver o laço entre o pensável e o sensível, o

dizível e o tátil.

PODER, CONHECIMENTO E ASSIMETRIA

Como mencionado, a solidificação de uma reflexão sobre o poder também está

na base da pragmática das transformações. O raciocínio aqui é relativamente

simples. Nem todos os atores desfrutam do mesmo grau de autonomia para

elaborar ou disputar preensões sobre o mundo e sobre si mesmos, pois em

grande parte das vezes isso é feito sob a influência de terceiros, o que gera um

constante enviesamento das práticas de categorização das experiências. A fi-

gura do regime de captura, mencionada acima, é retomada como o ponto ex-

tremo em um gradiente de assimetrias de preensão, sendo ele o momento-li-

mite em que a totalidade dos projetos e dos recursos de uma entidade torna-se

material de manipulação de outra. Estando ligada ao conceito de preensão,

essa forma de desproporção manifesta-se não só no plano simbólico da expe-

riência, mas também na forma como os atores acessam e vivenciam os meios.

Constituídas por fora das hierarquias visíveis, não raro entre os nós de redes

cooperativas supostamente horizontais, e amparadas pela legitimidade de seus

estatutos, essas assimetrias podem enraizar-se mais ou menos profundamen-

te na interioridade dos seres. Mas, condicionadas elas próprias aos movimentos

entre estes e seus meios, são também, a princípio, sempre reversíveis; Giddens

e, como observado, Foucault são referências importantes aqui (Chateauraynaud,

2006: 6ss, 2015: 7-8).

Chateauraynaud e Debaz exploram mais detidamente essa dinâmica

assimétrica quando abordam o papel do lobby nas controvérsias sanitárias e a

tensão entre interesses privados e saúde pública que ele suscita (ABI: 228-235).

A inseparabilidade entre força e legitimidade, que ocupa as reflexões de Cha-

teauraynaud desde o início de sua carreira, se faz transparente nesse ponto

(Chateauraynaud, 1999: 9). A polêmica questão do desvelamento, enraizado na

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tradição crítica da sociologia e explicitamente renunciado pelo projeto de Bol-

tanski, é recolocado em discussão, devido, principalmente, ao aspecto invisível,

não público da captura. Os autores oferecem uma pertinente ponderação ao

tema, mostrando que a competência dos atores não é anulada necessariamen-

te pelo envolvimento não consciente em assimetrias de força desde sub-reptí-

cios enviesamentos de percepção, e que é justamente isso que faz com que a

possibilidade de reversão esteja sempre no horizonte. Como colocado por Cha-

teauraynaud, devemos tomar o desvelamento não como “operação necessária

a priori, mas como uma investigação que começa por conferir o maior crédito

ao que fazem e dizem os atores” (PRO: 57; ver também LSP: 90-91).

Em ABI essa discussão conduz às bases de uma leitura da pragmática das

transformações ao capitalismo contemporâneo. A principal proposta é a neces-

sidade de renunciar à visão unitária tanto com relação à interpretação da natu-

reza do capitalismo quanto à apreensão das formas de resistência e de luta

contra a dominação. A produção da hegemonia, na perspectiva de Chateauray-

naud e Debaz, vale-se de uma pluralidade de formas de exploração e de sujeição

não necessariamente ajustáveis umas às outras, o que faz com que os sistemas

de dominação sejam eles próprios complexos e instáveis (ABI: 534-535); logica-

mente, os movimentos críticos que nascem em resposta a tais esquemas espe-

lham tal pluralidade em suas experiências contestatórias. Sete dessas formas

são tipificadas pelos autores: o capitalismo de Estado industrial-militar, o capi-

talismo financeiro, o capitalismo cognitivo, o capitalismo biogeofísico, o capita-

lismo da grande indústria, o capitalismo de marcas e distribuição e o capitalis-

mo de mão de obra (ABI: 534-539).

O posicionamento epistemológico da pragmática das transformações

marcado por Chateauraynaud e Debaz enceta uma reflexão sobre a relação entre

poder e conhecimento. Em nome de um pluralismo epistemológico que dirigem

contra o modelo clássico das teorias gerais das ciências sociais, que se esforça-

riam pela fixação de modelos logicamente coerentes e, por isso, supostamente

mais aptos à explicação dos fenômenos, os autores propõem que o bom aparato

analítico deva unificar sem uniformizar suas ferramentas conceituais, de manei-

ra que elas possam captar as transformações experimentadas pelos atores e lhes

conferir um quadro interpretativo “tão flexível quanto transponível” (ABI: 496).

Como estratégia para fazer valer a pluralidade anunciada sem assim abra-

çar o relativismo, Chateauraynaud e Debaz introduzem mais um procedimento

analítico, dessa vez voltado para a tipificação dos diferentes registros possíveis

a suportar as transformações das disputas públicas. Seis lógicas (de relações)

sociais, distribuídas em três pares opostos, são então apresentadas. O discurso

dominante é uma lógica que produz a coerência entre conceitos, normas, repre-

sentações, instituições e valores das forças hegemônicas, sendo a todo tempo

desafiado pela lógica do contradiscurso (ABI: 499-503). A terceira lógica é a dos

dispositivos de avaliação e de gestão, que em nome da técnica atuam na proce-

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duralização das experiências sociais. Oposta a ela está a lógica dos alertas e riscos

emergentes, que constantemente desafiam suas projeções e normalizações (ABI:

503-508). Os meios sob controle de uma entidade fornecem a quinta lógica, mar-

cada pela busca forçosa da unificação daquela a ela oposta, fornecida pelos meios

heterogêneos em interação, altamente diversos e incertos (ABI: 508-512). De

certa forma, podemos ver que em cada um desses três pares predomina uma das

dimensões da ação que já vimos − o plano axiológico, o epistêmico e o ontológico,

respectivamente. A principal novidade aqui estabelecida é que no curso dos pro-

blemas e controvérsias os elementos a que correspondem essas três dimensões

são movimentados pelas disputas de poder que se desenvolvem entre os atores.

O eixo que separa em lados opostos os três pares de lógicas sociais pode ser en-

tendido como a tensão entre a produção e o reequilíbrio de assimetrias. Sem lugar,

portanto, para mundos compostos exclusivamente por violência e dominação ou

para a utopia da regulação universal da justiça. Para Chateauraynaud e Debaz, o

erro de muitas abordagens sociológicas está na visão exclusiva que elas lançam

a uma ou outra dessas lógicas. Para eles, não é possível alcançar a amplitude do

mundo social ao se investir apenas em uma teoria da dominação ou da resistên-

cia, em uma ciência do risco ou de sua administração etc. Em vez disso, é mais

frutífero acompanhar a dinâmica de transformações entre esses diferentes mo-

delos, o que é conduzido pelos atores e por suas causas.

Como apontado pelos autores (ABI: 133-134), essa proposta está em sinto-

nia com a visão sobre a relação entre os dados da experiência e a produção cien-

tífica presente nas discussões epistemológicas da fase tardia de Mead. Esse posi-

cionamento revela semelhanças com a epistemologia de Whitehead, autor que

frequenta pouco as referências de Chateauraynaud, mas que além de Mead in-

fluenciou tanto Merleau-Ponty quanto Latour. Em sua crítica à ortodoxia da ciên-

cia moderna e sua concepção de posição simples, Whitehead (2006: cap. 4) defen-

deu o movimento contínuo das relações ao longo do espaço-tempo como o fun-

damento processual da realidade. Ora, é justamente um conceito de preensão,

entendido como a apreensão que pode ou não ser cognitiva (Whitehead, 2006: 91),

que em suas páginas aparece como o elemento de unificação entre duas ou mais

entidades; a operação pela qual uma delas toma a(s) outra(s) como objeto(s) de

sua experiência. Assim como na filosofia de Whitehead, na sociologia pragmática

de Chateauraynaud e Debaz a formalização teórica precisa atentar para o perigo

da falácia da concretude deslocada e acompanhar de perto as formas com as

quais os atores alcançam e se relacionam com aspectos do mundo, perpassadas

amiúde por assimetrias de graus variados.

COMENTÁRIOS FINAIS: REFLEXIVIDADE SIMÉTRICA,

OU O QUE FALAR PODE FAZER?

Em conclusão, podemos especificar uma característica derivada das proposições

de maior destaque vistas acima. Com a forma com que se amontaram ao pro-

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jeto colocado em E&F os três movimentos apresentados nas duas últimas seções,

o trabalho de Chateauraynaud logrou estabelecer uma relação entre as ideias

de percepção e discurso que inclui uma concepção simétrica da noção de re-

flexividade, o que o leva a superar a forma como esta aparece no projeto da

sociologia da crítica de Boltanski e Thévenot, mas também nos escritos de

outros autores mais ou menos próximos daquela constelação teórica e que

também lhe serviram de influência, como Latour e Bourdieu. Em consequência,

no lugar de nos conduzir à busca sobre o que falar quer dizer (Bourdieu, 1982),

Chateauraynaud dirige nossa atenção especificamente a um questionamento:

o que falar pode fazer?

Para entendermos como essa versão de simetria aparece em Chateau-

raynaud, vejamos como o autor estabelece a relação entre discurso e reflexivi-

dade em contraste a esses autores.14. Tomando o discurso como ponto de par-

tida, encontramos em Bourdieu uma apropriação importante do tema, que a

partir de ambições antiestruturalistas se esforçou por desautonomizar seu

estudo, retratando a fala e suas formas como veículos da distinção hierárquica

entre os diferentes grupos da sociedade, característica essa geralmente inaces-

sível ao controle consciente dos atores ordinários. Elaboradas em franca opo-

sição a tal formulação, as sociologias de Boltanski e Latour ofereceram renova-

das posturas metodológicas que recolocaram a posição do discurso no estudo

da ação. O primeiro privilegia o tratamento daquele como um meio de expres-

são do senso de justiça dos atores, o ele que faz de maneira a identificar a re-

flexividade a altos níveis de formalidade e clareza dos testes de legitimidade

(Boltanski e Chiapello, 1999: 406-412). No segundo o discurso é apresentado não

como uma modalidade de ação, mas como uma rede de actantes que “se mis-

tura tanto às coisas quanto às sociedades” (Latour, 1997: 123). Seus componen-

tes são tratados de maneira qualitativamente indistinta por um proceder que

se preocupa, em primeiro plano, com o acompanhamento dos jogos de poder

sem fim presentes nas traduções e retraduções de um actante a outro. A ideia

de reflexividade presente nos dois casos é marcada pelos aspectos prático e

rotineiro com os quais ela aparece associada ao conceito de account na etno-

metodologia, embora Latour não retenha sua definição como uma operação

interpretativa dos indivíduos (Lynch, 2000: 34). A mesma corrente influenciou

igualmente as posturas simétricas de ambos os autores, o primeiro adotando

uma simetria restrita (Nachi, 2013: 33-36), de natureza mais claramente meto-

dológica, e o segundo abraçando uma simetria generalizada (Nachi, 2013: 32-33),

com alcance metafísico.

Ainda que comprometida com uma análise não polarizada entre pessoas

e objetos, de forma a reconhecer o papel ativo destes juntos àquelas, a pragmá-

tica das transformações rejeita a reflexividade compressa a que chega Latour ao

negligenciar as diferentes propriedades das classes de actantes que mobiliza,

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entre elas a dos seres humanos. A alternativa, contudo, não é a aderência à so-

ciologia de Boltanski, para quem a reflexividade é elemento eminentemente

racional. Ao concentrar sua abordagem pragmática sobre as relações entre seres

humanos em extensão aos seus meios, Chateauraynaud localiza a reflexividade

na profusão de experiências vividas entre domínios de representação e mate-

rialidade ou, mais especificamente, nas preensões elaboradas pelos atores neles

engajados. Assim como na antropologia de Ingold (2011: 3) a ação humana está

em alça de mira não como derivação de qualquer essência a-histórica, mas co-

mo produto de contínuas movimentações de pessoas pelos meios que habitam,

atravessam e experimentam. A ideia de reflexividade enquanto elemento práti-

co e rotineiro da ação humana também se encontra aqui presente, mas é desdo-

brada em complexificações conceituais de considerável relevância. Em primeiro

lugar, ela atravessa igualmente os planos ontológico, axiológico e epistêmico.

Em segundo, e mais importante devido ao impacto que traz ao pensamento

sociológico, manifesta-se tanto como ação racional e teleológica quanto como

percepção, quando opera por fora da linguagem, mormente nos âmbitos sensó-

rio e afetivo da experiência. Temos então uma reflexividade simétrica em dois

eixos.15

Sendo assim, a abertura de espaços de cálculo é indissociável das sen-

sações corporeamente vivenciadas pelos atores, cumprindo a lógica de argu-

mentação em situações de disputa, um papel muito importante na comunica-

ção/transição de uma dessas formas da experiência à outra. No curso da ativi-

dade crítica os atores operam na coordenação da atenção sobre os dados sen-

síveis e em sua verificação mediante códigos e padronizações (Chateauraynaud,

1997: 119ss), produzindo assim ajustes (mais ou menos coesos e duradouros)

na forma de argumentos com o potencial de fortalecer suas causas. Na produ-

ção da tangibilidade de tais argumentos, sua consistência moral é, a princípio,

de igual relevância a sua constituição epistêmica e ontológica. Na pragmática

das tranformações, portanto, a ação discursiva não se resume à presença ou

ausência de razão ou força. Pelo contrário, ela ocorre no entrelaçamento de

diferentes formas reflexivas que se manifestam variável e assimetricamente

pela movimentação dos atores em seus meios e que colaboram com o estabe-

lecimento de preensões comuns sobre as experiências coletivas. Em resposta

à questão colocada no início da seção, vemos que o discurso é então conside-

rado um meio possível, mas não necessariamente suficiente, aos atores para

se colocar no mundo, apropriar-se de suas experiências e se lançar ao trabalho

de cenarização de futuro. Sua modelagem sobre a experiência não substitui

nem tampouco ultrapassa a percepção; na verdade, ambas são constantemen-

te desafiadas pelos testes recíprocos que correm de parte a parte. Justamente

por isso a produção discursiva pode ser catalisadora da agência ao levar os

atores à constante justaposição entre suas vivências e seus projetos por meio

de suas investigações sobre o mundo.

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Ao fim e ao cabo, essa contribuição excede os limites da sociologia prag-

mática. A sociologia de Chateauraynaud engrossa o movimento difuso, mas

vigoroso, de uma “virada afetiva” iniciada em meados da década de 1990 (Clough,

2010) e que vem dando continuidade às inovações trazidas desde a década de

1970 pelo “novo movimento teórico” nas ciências sociais. A síntese entre a sen-

sorialidade da experiência e a discursividade das argumentações, que alterna-

tivamente podemos pensar como aquela entre dobras/pontos de referência, ou

percepção/linguagem atende à observação de Vandenberghe (2012: 15) sobre a

necessidade atual de a teoria social explorar outras oposições para além da-

quela bastante trabalhada entre ação/estrutura.

Recebido em 5/5/2018 | Revisto em 21/10/2018 | Aprovado em 16/11/2018

Fabrício Cardoso de Mello é doutor em sociologia

pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade

do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ) e pós-doutorando

(PNPD-CAPES) junto ao Programa do Pós-Graduação em

Sociologia Política da Universidade Vila Velha (PPGSP-UVV).

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NOTAS

1 Há hoje ampla literatura secundária sobre a formação da

sociologia pragmática francesa e sobre suas principais con-

tribuições às ciências sociais. Destaco o livro de Nachi

(2013) e os textos de Barthe et al. (2013) e Corrêa & Dias

(2016).

2 Além dele, nomes como Daniel Cefaï, Cyril Lemieux, Marc

Breviglieri, Danny Trom, Luca Pattaroni, entre outros,

também fazem parte dessa segunda onda. Trata-se, por-

tanto, de uma definição tanto geracional quanto substan-

cial, dada a renovação que esse grupo de autores trouxe

a essa constelação sociológica (e não obstante a partici-

pação de nomes mais antigos nessa renovação). Sobre a

ligação desigual e indireta entre a sociologia pragmática

francesa e o pragmatismo clássico, ver Boltanski (2013:

10). O início de um diálogo mais explícito com a herança

estadunidense ganharia força ao final dos anos 1990 (Sta-

vo-Debauge, 2012).

3 Para facilitar a leitura, sempre que um dos livros de Cha-

teauraynaud for referenciado isso será feito com recurso às

iniciais de seu título. Portanto, procederemos da seguinte

forma: La faute professionelle (LFP), Experts et faussaires (E&F),

Les sombres précurseurs (LSP), Prospero (PRO), Argumenter dans

un champ de forces (ACF), Aux bords de l’irréversible (ABI). A

citação de artigos seguirá a padronização normal.

4 Os autores tomam o termo plis do diálogo que Deleuze

estabelece com Leibniz (E&F: 245-246). Especificamente

sobre seu uso do termo prise, a dupla identifica noções

próximas nos trabalhos de Gibson, Bergson e do geógrafo

Augustin Berque (E&F: 238-239). Posteriormente, Chateau-

raynaud (2006: 6) nota que Foucault utilizara a palavra,

entretanto não conceitualmente, em sua formulação da

noção de estratégia.

5 Bessy e Chateauraynaud poderiam ter ido mais a fundo

em sua exploração da obra de Merleau-Ponty e se apro-

veitado da forma como ele pensava a “textura imaginária

do real” em sua estreita relação com a percepção e o in-

consciente. Ver Merleau-Ponty (1964: 23-24).

6 O termo francês emprise, como outros conceitos impor-

tantes de Chateauraynaud, é de difícil tradução para ou-

tras línguas. Neste artigo, adoto captura, em português,

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a partir da tradução de Diogo Silva Corrêa (ver Chateau-

raynaud, 2017). Não obstante, é preciso reconhecer que

no campo político a palavra captura pode abranger signi-

ficados não necessariamente alinhados ao conceito em

tela, não raramente sendo aplicada como forma de nega-

ção da ref lexividade dos “capturados”. Quanto ao concei-

to de prise, também de difícil tradução, opto pelo termo

preensão, proposto em outra ocasião pelo mesmo tradutor

em versão não publicada do artigo “L’épreuve du tangible”,

que veio a compor ACF como seu capítulo 6.

7 Em discussão não limitada à obra de Chateauraynaud já

mencionei esses três elementos (Mello, 2017, cap. 4). Além

disso, em seu trabalho comparativo entre as sociologias

de Boltanski e Thévenot, Latour e Chateauraynaud, Corrêa

(2014) indica a distensão temporal da análise e a sensibi-

lidade ao elemento ontológico na ref lexividade crítica

como principais inovações do último autor à sociologia

pragmática. A partir desse ponto do texto, busco mostrar

que sua contribuição ultrapassa esses elementos.

8 A partir de seu olhar de linguista especialista na análise

de argumetações, Doury (2012: 4-5) considera “geralmen-

te indeciso” o emprego de conceitos como “argumento”,

“argumentações” e “enunciados” por parte de Chateauray-

naud, assim como “discutível” a leitura que ele faz de

alguns autores daquela área do conhecimento. Por outro

lado, ela considera que essas “liberdades” derivam de uma

“irreverência às vezes irritante, mas sem dúvida necessá-

ria” para que o sociólogo adapte tais subsídios à sua dis-

ciplina e ao seu projeto pragmático; assim sendo, o resul-

tado de ACF seria “inegavelmente produtivo”.

9 Associada a essa guinada argumentativa está o projeto

do software Prospéro, desenvolvido junto com Jean-Pierre

Charriau e dedicado à análise de dossiês textuais com-

plexos. O Prospéro e sua utilização demandariam um es-

paço exclusivo para discussão, o que não cabe no enfoque

teórico deste comentário à obra de Chateauraynaud. Além

do livro de 2003 (PRO), o leitor pode encontrar ampla lis-

ta de indicações bibliográficas sobre o programa em: ht-

tp://socioargu.hypotheses.org/623. Acesso em 23 fev. 2018.

10 Portanto, uma categoria residual (Parsons, 1949: 16-20).

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11 Martuccelli ignora que desde LSP a concepção de teste em

Chateauraynaud não se reduz apenas à forma teste-san-

ção, o que já vimos não ser procedente.

12 A cenarização de futuro presente nesse alerta se deve ao

aceno de Chateauraynaud à sociologia archeriana, uma

vez que a teoria das conversas internas da britânica é

marcada por forte cartesianismo. Uma crítica a esse re-

centramento do sujeito, que vai na contramão do self do

pragmatismo, pode ser encontrada em Oliveira (2011: 131).

13 Em minha tese de doutorado, dedicada à dinâmica das

coletividades, propus uma leitura da preensão como um

conceito analítico, que se volta para um duplo e insepa-

rável processo empírico: quando um grupo se dedica à

expansão em direção ao mundo engaja-se, ao mesmo tem-

po e em medida variável, na constituição de um self cole-

tivo. Em uma palavra, a lógica sugerida é que tomar o

mundo é tomar a si próprio, e vice-versa (ver Mello, 2017).

Penso que o mesmo procedimento pode ser válido no que

tange à subjetividade individual, tema que, aliás, frequen-

ta as discussões da sociologia pragmática desde a sua

formação (especificamente na obra de Michael Pollak),

embora sua importância tenha permanecido periférica ao

estudo das controvérsias públicas. Essa sugestão, portan-

to, coaduna-se com a necessidade de maior investimento

em uma pragmática das tensões individuais, algo apon-

tado por Corrêa e Dias (2016) e que já vem sendo trabalho

por autores como Pérrilleux (2001) e Breviglieri (2007).

14 Em Prospéro (PRO: 53-59, cap. 4) Chateauraynaud discute

abertamente suas diferenças especificamente metodoló-

gicas quanto a Bourdieu, Boltanski e Thévenot e Latour

no que concerne à análise discursiva.

15 Há aqui uma similaridade com a forma com que Domin-

gues (2004: 101-102) pensa a ref lexividade. Não sendo lei-

tores um do outro e mantendo diálogos com universos de

autores com pequena interseção, penso que essa proxi-

midade tem a ver com projetos semelhantes em testar os

limites do pensamento sociológico a partir da década de

1990. Um esforço mais sistemático de aproximação entre

os dois autores está em Mello (2017).

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AS TRANSFORMAÇÕES DE FRANCIS CHATEAURAYNAUD:

PERCEPÇÃO E REFLEXIVIDADE NA SEGUNDA ONDA DA

SOCIOLOGIA PRAGMÁTICA FRANCESA

Resumo

O artigo apresenta uma revisão da obra de Francis Chateau-

raynaud, contextualizando o autor no âmbito da sociologia

pragmática francesa e discutindo suas principais contribui-

ções para tal corrente. Chateauraynaud desponta como um

dos principais nomes desse movimento surgido na França

em meados da década de 1980, participando ativamente de

sua renovação a partir da década seguinte. No artigo enfati-

za-se o aspecto teórico da sua obra, em especial a comple-

xificação da reflexão pragmática sobre a produção da críti-

ca, o que o autor faz, principalmente, a partir de uma sínte-

se dos elementos perceptivo e dialógico da ação social. Des-

sa forma, ele acompanha o desdobramento de sua sociolo-

gia da percepção em uma pragmática das transformações.

THE TRANSFORMATIONS OF FRANCIS CHATEAURAY-

NAUD: PERCEPTION AND REFLEXIVITY IN THE SE-

COND WAVE OF FRENCH PRAGMATIC SOCIOLOGY

Abstract

This article presents a review of the work of Francis Cha-

teauraynaud, situating the author within the context of

French pragmatic sociology and discussing his main con-

tributions to the current. Chateauraynaud stands out as

one of the main names of this movement that emerged

in mid-1980s France, participating actively in its renewal

from the following decade. Emphasis is given in the ar-

ticle to the theoretical dimension of his work, especially

the complexification of the pragmatic ref lection on the

production of critique, which the author primarily does

through a synthesis of the perceptual and dialogical ele-

ments of social action. In the process, the article accom-

panies the evolution of his sociology of perception into

a pragmatics of transformations.

Palavras-chave

Francis Chateauraynaud;

sociologia pragmática;

percepção;

problemas públicos;

controvérsias socioambientais.

Keywords

Francis Chateauraynaud;

pragmatic sociology;

perception;

public problems;

socio-environmental

controversies.