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Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 8, n. 4, p. 27-34, out/dez 2011 Adolescência & Saúde 27 Adolescentes grávidas acompanhadas em uma unidade de saúde da família: análise de suas representações sociais sobre a escola Pregnant teens monitored at a family health unit: analysis of social representations of school Ivany Pinto Nascimento 1 Kleber Augusto Fernandes de Morais 2 Talita Pompeu da Silva 3 1 Doutora em educação, Universidade Federal do Pará – UFPA, Belém-Pará, Brasil. 2 Mestre em educação, Universidade Federal do Pará – UFPA, Belém-Pará, Brasil. 3 Mestre em biologia de agentes infecciosos e parasitários, Escola Superior da Amazônia - Esamaz, Belém- Pará, Brasil RESUMO Objetivo: Analisar as representações sociais de adolescentes grávidas acompanhadas no pré-natal em uma unidade de saúde da família sobre a escola, a partir da caracterização das adolescentes, da identificação das imagens e dos sentidos consensuais que as mesmas possuíam sobre a escola e da verificação de quais as implicações da teoria das representações sociais destas adolescentes grávidas sobre o ambiente escolar. Métodos: O estudo teve uma abordagem qualitativa, adotando como matriz teórica a teoria das representações sociais em sua vertente processual, sendo utilizada a técnica de análise de conteúdo, com a utilização de um questionário e um roteiro de entrevistas. O locus da pesquisa foi uma unidade de saúde da família localizada no bairro do 40 horas em Ananindeua – PA, sendo os sujeitos deste estudo, trinta e duas (32) adolescentes grávidas entre 14 e 17 anos que participavam regularmente do programa de pré-natal e puerpério na referida unidade de saúde. Resultados: Identificaram-se os sentimentos relacionados ao significado da escola antes, durante e depois da gravidez, as práticas pedagó- gicas de orientação sexual promovidas no ambiente escolar, às mudanças ocorridas após a gravidez, bem como os prazeres e desprazeres vivenciados pelas adolescentes na escola. Conclusão: Após a realização das análises tornou-se perceptível a necessidade, por parte da escola, de melhor acolher estas adolescentes e contribuir para a melhoria de suas perspectivas de vida a partir do favorecimento de alternativas que possibilitem a continuidade dos estudos por parte destas adolescentes. PALAVRAS-CHAVE Representações sociais, adolescentes grávidas, escola. ABSTRACT Objective: To analyze social representations of school among pregnant adolescents subject to prenatal monitoring at a Family Health Unit, as characterized by these girls, identifying common images and feelings about school and examining the implications of the theory of social representations among these pregnant teenagers in terms of the school environment. Methods: Adopting a qualitative approach, this study is grounded on the theoretical framework of the theory of social representations for procedural aspects, applying the content analysis technique through a questionnaire and interview guide. This survey was conducted at a Family Health Unit in the 40 Horas district of Ananindeua, Pará State. Its subjects were 32 pregnant adolescents between 14 and 17 years old, participating regularly in its pre- and post-natal care program. Results: Feelings were identified related to the meaning of school before, during and after pregnancy; sexual guidance and education in the classroom; and post-pregnancy changes; in addition to the pleasures and problems encountered by these teenagers at school. Conclusion: After the analyses, it became apparent that there was a clear need for the school to offer more effective options to these adolescents, helping enhance their prospects in life through opening up alternatives that would allow them to continue studying. KEY WORDS Social representations, pregnant teenagers, school. ARTIGO ORIGINAL Kleber Augusto Fernandes de Morais ([email protected]) - Av. andorinhas 249, Bairro Parque Verde, Conjunto Sol Ponte, BL I AP 404 Cep: 66635-240 Belém - Pará Recebido em 02/08/2011 - Aprovado em 27/09/2011 > > > >

Nascimento Ivany Pinto Adolescentes grávidas ...ação da vida escolar, na medida em que a insti-tucionalização precoce de relacionamentos e a restrição das opções de vida e

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Adolescentes grávidas acompanhadas em uma unidade de saúde da família: análise de suas representações sociais sobre a escolaPregnant teens monitored at a family health unit: analysis of social representations of school

Ivany Pinto Nascimento1

Kleber Augusto Fernandes de

Morais2

Talita Pompeuda Silva3

1Doutora em educação, Universidade Federal do Pará – UFPA, Belém-Pará, Brasil.2Mestre em educação, Universidade Federal do Pará – UFPA, Belém-Pará, Brasil.3Mestre em biologia de agentes infecciosos e parasitários, Escola Superior da Amazônia - Esamaz, Belém- Pará, Brasil

RESUMO Objetivo: Analisar as representações sociais de adolescentes grávidas acompanhadas no pré-natal em uma unidade de saúde da família sobre a escola, a partir da caracterização das adolescentes, da identifi cação das imagens e dos sentidos consensuais que as mesmas possuíam sobre a escola e da verifi cação de quais as implicações da teoria das representações sociais destas adolescentes grávidas sobre o ambiente escolar. Métodos: O estudo teve uma abordagem qualitativa, adotando como matriz teórica a teoria das representações sociais em sua vertente processual, sendo utilizada a técnica de análise de conteúdo, com a utilização de um questionário e um roteiro de entrevistas. O locus da pesquisa foi uma unidade de saúde da família localizada no bairro do 40 horas em Ananindeua – PA, sendo os sujeitos deste estudo, trinta e duas (32) adolescentes grávidas entre 14 e 17 anos que participavam regularmente do programa de pré-natal e puerpério na referida unidade de saúde. Resultados: Identifi caram-se os sentimentos relacionados ao signifi cado da escola antes, durante e depois da gravidez, as práticas pedagó-gicas de orientação sexual promovidas no ambiente escolar, às mudanças ocorridas após a gravidez, bem como os prazeres e desprazeres vivenciados pelas adolescentes na escola. Conclusão: Após a realização das análises tornou-se perceptível a necessidade, por parte da escola, de melhor acolher estas adolescentes e contribuir para a melhoria de suas perspectivas de vida a partir do favorecimento de alternativas que possibilitem a continuidade dos estudos por parte destas adolescentes.

PALAVRAS-CHAVERepresentações sociais, adolescentes grávidas, escola.

ABSTRACT Objective: To analyze social representations of school among pregnant adolescents subject to prenatal monitoring at a Family Health Unit, as characterized by these girls, identifying common images and feelings about school and examining the implications of the theory of social representations among these pregnant teenagers in terms of the school environment. Methods: Adopting a qualitative approach, this study is grounded on the theoretical framework of the theory of social representations for procedural aspects, applying the content analysis technique through a questionnaire and interview guide. This survey was conducted at a Family Health Unit in the 40 Horas district of Ananindeua, Pará State. Its subjects were 32 pregnant adolescents between 14 and 17 years old, participating regularly in its pre- and post-natal care program. Results: Feelings were identifi ed related to the meaning of school before, during and after pregnancy; sexual guidance and education in the classroom; and post-pregnancy changes; in addition to the pleasures and problems encountered by these teenagers at school. Conclusion: After the analyses, it became apparent that there was a clear need for the school to offer more effective options to these adolescents, helping enhance their prospects in life through opening up alternatives that would allow them to continue studying.

KEY WORDSSocial representations, pregnant teenagers, school.

ARTIGO ORIGINAL

Kleber Augusto Fernandes de Morais ([email protected]) - Av. andorinhas 249, Bairro Parque Verde, Conjunto Sol Ponte,BL I AP 404 Cep: 66635-240 Belém - ParáRecebido em 02/08/2011 - Aprovado em 27/09/2011

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INTRODUÇÃO E OBJETIVOS

O fenômeno da gravidez na adolescência é concebido como aquele que ocorre de forma não planejada, durante os dois primeiros anos ginecológicos da mulher, sendo a bibliografi a sobre este tema ampla, extensa e variada, exis-tindo um número signifi cativo de trabalhos di-recionados à prevenção, aos cuidados e às refl e-xões sobre a gestação precoce1, 2.

Desta forma, o estudo enveredou-se pela compreensão do fenômeno da gravidez na ado-lescência e sua relação com a escola, articulado à teoria psicológica das “representações sociais”, uma vez que a gravidez compromete a continu-ação da vida escolar, na medida em que a insti-tucionalização precoce de relacionamentos e a restrição das opções de vida e das oportunida-des de inserção no mercado de trabalho acabam por favorecer o desligamento precoce das ado-lescentes do ambiente formal de ensino3.

O autor citado acredita que a gravidez pre-coce resulta na evasão e na repetência escolar de adolescentes, gerando consequentemente uma lacuna no desenvolvimento de habilidades aca-dêmicas e de vida, tão necessárias para forma-ção, aprimoramento e inserção destes sujeitos na vida produtiva.

Quando uma adolescente engravida, mu-danças de ordem emocional, física e social passam a atuar no seu cotidiano, sendo estas responsáveis, na maior parte dos casos, por au-sências na vida escolar, o que a distancia dos gru-pos de convivência e de seus projetos de vida4.

A partir do estudo sobre vivências da ma-ternidade na adolescência precoce no Estado do Rio de Janeiro, o impacto da gravidez na adoles-cência sobre a educação é percebido pelo nú-mero de adolescentes grávidas fora da escola, em especial na faixa etária de 16 anos, sendo em número limitado as que retornam aos estudos5.

Ainda segundo este autor, dentre as ado-lescentes que ainda continuam estudando, a maioria está em séries atrasadas em relação à sua idade cronológica e muitas abandonam o curso, tendo a 6ª série do ensino fundamental como limítrofe para o abandono.

Comunga das ideias dos autores mencio-nados ao afi rmar que as adolescentes, quando engravidam, representam um contingente sig-nifi cativo de jovens brasileiras que abandonam a escola6. Isto é causado por uma série de de-terminantes como: mudança de foco no projeto de vida, pois a preparação para a maternidade é o objetivo maior; desestímulo escolar, provocado pelo surgimento de novos interesses pessoais; vergonha, em função das mudanças corporais serem alvo de curiosidades dos outros; alterações orgânicas, como enjôos e sono, dentre outras7.

Em síntese, estes e outros determinantes biopsicossociais não estão sozinhos, pois agre-gam outras variáveis externas, permitindo ou não que estas adolescentes continuem no am-biente escolar após o nascimento de seus fi lhos, ou seja, quando se tornam mães.

Cumpre notar que estes determinantes da gravidez na adolescência, por mobilizarem a cons-trução de saberes partilhados pelo grupo de per-tença ao qual estas adolescentes grávidas estão inseridas, suscitam a formação de um fenômeno coletivo conhecido na psicologia como “represen-tações sociais”, ou seja, pensamentos, sentimen-tos e ações consensuais e capazes de explicitar o que pensam acerca de determinado tema.

Portanto, para a compreensão das repre-sentações sociais que adolescentes grávidas atri-buem sobre a escola, torna-se importante a iden-tifi cação do contexto em que as mesmas estão inseridas, a partir de seus vínculos, os quais as fa-zem expressar as representações sociais por meio de mensagens que se refl etem nos seus diferentes atos e nas suas diversifi cadas práticas sociais.

Diante do exposto, surge a necessidade de pesquisar as adolescentes grávidas no sentido de compreender o que pensam sobre o ambiente es-colar, a fi m de ampliar o conhecimento e a com-preensão destes sujeitos singulares, inseridos em uma determinada realidade familiar, com expec-tativas diferenciadas, difi culdades vivenciadas e diferentes níveis de apreensão crítica da realidade.

Estes novos olhares sobre a relação ado-lescência-gravidez-escola encontram, na Teoria das Representações Sociais, a dimensão psicos-

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social destas interações e as práticas educativas inerentes a esses processos.

As representações sociais apresentam-se como suporte-teórico metodológico de grande importância no campo da psicologia, educação e saúde pois se confi guram de forma oposta às teorias que tendem a isolar e a fragmentar, em suas análises os fenômenos sociológicos8.

No que tange ao universo adolescente, a re-ferida teoria apresenta-se como importante ins-trumento facilitador de sua compreensão, pois representa um conjunto de conceitos, proposi-ções e explicações originado na vida cotidiana e no curso de comunicações interpessoais, sendo o equivalente, em nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais, podendo também ser vista como a versão con-temporânea do senso comum. São modalidades de conhecimento que se articulam no dia a dia, de acordo com dois processos formadores fun-damentais: a objetivação e a ancoragem9.

Desta forma, esse modo de conhecimen-to, que corresponde ao universo consensual das adolescentes grávidas sobre a escola, por ser gerado sempre para e sobre algo, constituiu-se no eixo norteador deste estudo, a fi m de que se pudesse adentrar o universo das adolescen-tes, identifi cando e analisando as repercussões da gravidez em suas vidas, principalmente em seu processo educacional, na construção de suas independências econômicas e nos relaciona-mentos sociais, especialmente o familiar. Nesta direção, a pesquisa possuiu como objetivo geral analisar as representações sociais de adolescen-tes grávidas sobre a escola.

MÉTODOS

Pela natureza e especifi cidade do objeto de estudo apresentado, tratou-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, descritiva e transversal. A forma de abordagem da problemática em ques-tão considera que existe uma relação dinâmica entre o mundo objetivo (aqui representado pela escola) e o mundo subjetivo (das representações

sociais) que não pode ser traduzido em números e nem analisado em separado8.

Para realização desta pesquisa, foi selecio-nado como locus a Unidade de Saúde da Famí-lia “Nova União”, localizada na rodovia do 40 horas em Ananindeua, cidade situada na região metropolitana de Belém, com uma população de 484.278 habitantes, sendo 161.366 formada por mulheres acima de 10 anos com aproxima-damente 31% deste total possuindo renda fami-liar em média de um salário mínimo10,11.

A unidade de saúde “Nova União” foi se-lecionada pelo fato de que a mesma apresenta 31,2% de adolescentes grávidas10, sendo estas acompanhadas através dos programas de saúde do adolescente e saúde da mulher, o que confi -gura este estabelecimento como uma considerá-vel área de enlace de culturas, ideologias, visões de mundo diferenciadas, e, portanto de cons-truções de representações sociais, sendo assim um espaço importante para o desenvolvimento de pesquisas desta natureza por constituir-se em um cenário privilegiado de fala, escuta, diálogo, produção de afetos e de saberes destes sujeitos.

Os sujeitos desta pesquisa foram 26 adoles-centes compreendidas na faixa etária de 14 a 17 anos que participaram do Programa de Pré-natal e Puerpério, fazendo parte de um universo for-mado por 44 grávidas de variadas faixas etárias.

Para executar este estudo com adolescen-tes grávidas, utilizou-se como técnica de coleta de dados um questionário com perguntas aber-tas e fechadas e um roteiro de entrevista semies-truturada, uma vez que esta possibilitou a ob-tenção de dados subjetivos relacionados com os valores, atitudes e opiniões dos sujeitos.

Nestes referidos instrumentos de coleta de dados, as adolescentes tiveram seus nomes omi-tidos, e substituídos por números de um (01) a vinte seis (26), a fi m de manter o anonimato des-tes sujeitos. De posse deste roteiro de pergun-tas, foi realizado o agrupamento das informa-ções fornecidas pelas adolescentes grávidas de acordo com o sentido das ideias apresentadas, o que permitiu o estabelecimento de categorias interpretativas. Em seguida, suas ideias principais

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foram compiladas, destacadas e explicitadas em forma de gráfi cos para uma melhor visualização das opiniões fornecidas por este seleto grupo.

Posteriormente, foi realizado o reagrupa-mento das informações colhidas, de tal forma que as mesmas puderam dar origem as chama-das categorias analíticas, onde a discussão dos dados e a exposição das representações sociais foram auxiliadas por um organograma que des-taca as objetivações e ancoragens das adoles-centes grávidas sobre a escola.

Por fi m, para que fosse possível obter uma melhor visualização geral do estudo, foi constru-ído outro organograma, o qual permitiu a iden-tifi cação de todas as etapas do processo de de-senvolvimento da pesquisa, da coleta e análise dos dados até a identifi cação das representações sociais das adolescentes grávidas sobre a escola.

Ressalta-se que os dados obtidos por meio destas entrevistas foram analisados com base na análise de conteúdo de Franco, que destaca o envolvimento e a complexidade das manifesta-ções da linguagem, pois se leva em conta a in-teração entre interlocutor e locutor, o contexto social de sua produção, além da infl uência ide-ológica e idealizada da mensagem. Esta técnica de análise forneceu elementos para a identifi -cação das objetivações e das ancoragens que compuseram as representações sociais que as adolescentes grávidas atribuíram à escola.

Para melhor trilhar o terreno epistemológico da interpretação da realidade quotidiana da vida moderna, a teoria das representações sociais foi convidada a fazer parte deste cenário, já que esta teoria “permite compreender e explicar (cons-truir) a realidade, guiar ou orientar os comporta-mentos e as práticas sociais, defi nir a identidade social e sustentar a especifi cidade dos grupos, permitindo, a posteriori, a justifi cativa das toma-das de posição e dos comportamentos prévios12”.

Em função dos objetivos propostos para este estudo estarem relacionados ao desenvol-vimento de um saber espontâneo e manuten-ção de um saber tradicional, ausente do saber erudito, estruturado e amplamente difundido,

o mesmo desenvolveu-se seguindo os matizes conceituais das representações sociais13, a partir de sua abordagem processual8,12,13,14.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Os dados obtidos com a pesquisa eviden-ciaram os signifi cados da escola para as adoles-centes grávidas, visando retratar como estas se relacionam com a escola e como a representam em suas vidas, o que dizem a respeito desta ins-tituição, quais as imbricações existentes entre ambas, como se confi guram as formas mais fre-quentes de comportamentos destas jovens no ambiente escolar e quais signifi cados e sentidos são determinantes na história da vida escolar das adolescentes entrevistadas. A síntese das infor-mações obtidas nas entrevistas realizadas com as adolescentes grávidas, seguida das respecti-vas ideias e sentimentos que mais se repetiram a partir dos quais se construíram as categorias interpretativas acerca do ambiente escolar, en-contram-se expostas no Diagrama 1.

As categorias que emergiram da reorgani-zação das categorias interpretativas foram: Am-biguidade, Desvalor e Prazer. Estas três categorias assinalaram respectivamente a objetivação e an-coragem sobre a escola.

Estes signifi cados contidos nestas catego-rias propiciaram o desvelamento das categorias analíticas, que além de terem sido socialmente compartilhadas, orientaram a conduta destas adolescentes na escola, onde “...as representa-ções sociais oferecem possibilidades de estudo das percepções e conceitos que refl etem e orien-tam pensamentos, opiniões e ações no contexto escolar e frequentemente implícitos pelos sujei-tos envolvidos na interação pedagógica15.”

Cumpre notar que as três categorias re-feridas se encontram intimamente inter-rela-cionadas constituindo um amalgama das re-presentações sociais em estudo, desta forma apresentaremos a lógica analítica de cada uma sem distinção de hierarquia.

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DIAGRAMA 1: Síntese da pesquisa

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1) Categoria Ambiguidade - Esta catego-ria implica no grau de importância que as ado-lescentes grávidas atribuíram à escola, sendo esta importância fortemente vinculada a uma imagem mental do ambiente escolar como algo valoroso em suas vidas. Esta imagem organizou a objetivação sobre a escola, no entanto, os ele-mentos que a ancoraram, ou seja, que a vincula-ram à objetivação, variaram entre a dúvida que estas nutriram em permanecer ou não na escola.

Neste sentido, constatamos que a objeti-vação e a ancoragem, que constituem as repre-sentações sociais de adolescentes grávidas so-bre a escola, possuem elementos contraditórios na medida em que a imagem mental que ma-terializou a ideia de escola carregou um valor por entenderem que é um meio de realização das expectativas futuras; contudo o sentido im-presso a esta imagem se contrapõe a esta ob-jetivação na medida em que estas futuras mães adolescentes imprimiram a incerteza quanto à permanência na escola.

2) Categoria Desvalor - Esta categoria também se relacionou ao grau de importância que este grupo de adolescentes imprimiu à es-cola, sendo que esta importância em uma escala de valor tende para zero, ou seja, para um nível alto de desvalorização. Este fato implica dizer que a imagem mental que materializou a obje-tivação sobre a escola recaiu na falta de aten-dimento por esta instituição das necessidades específi cas das adolescentes.

As necessidades relatadas se traduziram sobretudo por um ensino que pudesse opor-tunizar uma aprendizagem baseada no desen-volvimento de habilidades de vida e acadêmicas desses adolescentes. Estas formas de aprendizado proporcionam o despertar de competências que vão do conhecimento metódico até o conheci-mento aplicado, como fundamentais para que se possa alcançar a valorização de cada sujeito16.

As habilidades de vida foram entendidas aqui como certas formas críticas das situações que implicam em decisões, como utilizarem pre-servativos para o exercício sexual e consequen-temente postergar uma gravidez indesejada. As

habilidades acadêmicas foram compreendidas como a informação decorrente da aprendiza-gem que possibilita o acesso ao conhecimento por parte das adolescentes, permitindo o acom-panhamento e atualização de novos aprendiza-dos e inserção no mundo contemporâneo.

A ancoragem que se vincula a esta objetiva-ção é concernente à imagem mental na perspec-tiva do desvalor atribuído às práticas pedagógi-cas dos docentes por não orientarem este grupo de adolescentes sobre as coisas do cotidiano.

Em síntese as representações sociais que as adolescentes grávidas atribuem à escola são constituídas por uma imagem frágil, e corrobo-rada com a vivência escolar durante a gravidez, o que acaba por não contribuir para o desenvolvi-mento das habilidades esperadas destas jovens. Esse conjunto de determinantes sociais contribui signifi cativamente para o abandono escolar, na medida em que a escola passa a não atender as necessidades das adolescentes grávidas, uma vez que as práticas pedagógicas utilizadas por esta instituição deixam lacunas quanto à apren-dizagem que essas jovens podem obter para transformar as suas vidas.

3) Categoria Prazer - Esta categoria vincu-la o sentimento de alegria e satisfação à imagem mental dos relacionamentos que são vividos en-tre amigos, na escola; este signifi cado que arti-cula esta imagem mental constitui a objetivação dessas adolescentes, o que ancora a escola como espaço de brincadeira e descontração, local este onde as adolescentes podem conversar, se rela-cionar, partilhar segredos, etc. Observa-se que as representações sociais que esse grupo especí-fi co de adolescentes possuem articula-se muito fortemente aos laços e entrelaços de amizade, fato este que está para além do que a própria escola oferta para eles.

Nesta pesquisa, foi utilizada a forma verbal como caminho de acesso às representações so-ciais das adolescentes grávidas sobre a escola, a qual nos levou a inferir, após estas análises, que as objetivações e as ancoragens concernentes à teoria constituem-se numa dinâmica de incon-sistência, na medida em que a escola é impor-

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tante, mas não vai ao encontro das necessidades específi cas das adolescentes grávidas.

A fi m de proporcionar uma melhor visuali-zação e favorecer o entendimento das imagens e sentidos obtidos através das entrevistas, foi construído um organograma de identifi cação das categorias nomeadas de desvalor, prazer e ambiguidade, oriundas das falas das adolescen-tes grávidas, além de apresentar as respectivas objetivações e ancoragens que as compõem.

CONCLUSÃO

Após a realização deste estudo, que por sua vez não se fecha em si mesmo, pois ainda existem lacunas a serem preenchidas e análises a serem gestadas, foi possível compreender, a par-tir dos resultados obtidos, que as representações sociais que as adolescentes grávidas enlaçam à escola, estruturam-se em um campo psicossocial em que os acontecimentos relacionados à gravi-dez, unem-se aos do espaço escolar, confi guran-do um amálgama responsável pela produção de imagens e sentidos sobre a escola.

Com base neste processo dinâmico, deli-neou-se o referencial explicativo presente em tais elaborações, sendo possível evidenciar diferentes representações da escola, que emergiram a partir dos distintos contextos vivenciais das entrevista-das. Destaca-se que o engravidar na adolescência somado às experiências educacionais na escola depreende duas conotações com polaridades inversas – condicionantes negativos e positivos – componentes da estrutura das representações que traduzem os modos de reconstrução das no-ções circulantes acerca da escola pelas adolescen-tes grávidas. Nesta perspectiva, o engravidar na adolescência e frequentar a escola constituem-se de objetivações e ancoragens de caráter negati-vo, prazeroso e ambíguo, que, por conseguinte, orientam e constróem as interpretações das ado-lescentes grávidas sobre a escola, repercutindo, assim, nas práticas cotidianas destas adolescentes.

Este fato acaba por traduzir quatro refl exões importantes sobre este espaço educacional, a sa-

ber: 1) a percepção de que a escola pode contri-buir para a melhoria da perspectiva de vida das adolescentes grávidas, já que a gestação precoce nos dias atuais materializa-se como um elemento cada vez mais comum na sociedade brasileira; 2) a importância do acolhimento, por parte da escola, de adolescentes que estejam vivenciando uma gravidez, o que atualmente não é perceptí-vel na forma como as jovens são recebidas, após o evento da gravidez em suas vidas; 3) o papel da escola enquanto espaço de formação, na perspectiva de uma importante instituição social responsável pela orientação educacional e cha-mada a participar da gravidez adolescente; 4) a necessidade da escola em favorecer alternativas às adolescentes grávidas, para que as mesmas deem continuidade aos seus estudos em conso-nância com seus projetos de vida futura, os quais perpassam pela responsabilidade de ser mãe e ainda manter a escola em adequado nível de im-portância em suas vidas.

Estas considerações, tecidas a partir das re-presentações sociais das adolescentes grávidas, necessitam de um olhar mais profundo por par-te da escola, pois, no momento atual, a neces-sidade desta instituição em participar de forma mais ativa dos eventos singulares com os quais seus alunos se deparam constitui uma perspecti-va da diversidade, igualdade, valorização e res-peito de identidades.

O que se busca não é a adaptação do indi-víduo àquilo que a escola e a sociedade esperam dele, mas defi nir uma política de educação que considere a diversidade de comportamentos e de situações vividas por seus alunos, de forma a possibilitar uma maior reciprocidade entre este espaço de educação formal e os indivíduos que dele fazem parte. Esta diversidade cultural, ét-nica e socioeconômica responsável pela hetero-geneidade entre os alunos, leva-nos a perceber que o reconhecimento das particularidades de cada um é fundamental e corresponde a uma lacuna no atual sistema de ensino.

Inicialmente estes elementos podem ser identifi cados como obstáculos, porém constituem desafi os no campo educacional rumo ao novo,

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8. Franco MLPB. As Representações sociais de alunos da 8ª série inseridos em oito escolas estaduais do município de São Paulo. Psicologia da Educação. São Paulo: PUC; 2000, n.14/15, jan/maio. p.189-205.

9. Padilha MICS. Representações sociais: aspectos teórico-metodológicos. Passo Fundo (RS): Universidade de Passo Fundo; 2001. p. 109.

10. Instituto Brasileiro De Geografi a e Estatística. Síntese de indicadores sociais 2002. Rio de Janeiro: IBGE; 2004.11. Ministério da Saúde(Brasil). Sistema de informação da atenção básica-SIAB. 3º ed. Brasília: Ministério da

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Paulo: Brasiliense; 2000. p. 19-45.13. Jodelet D. Loucuras e representações sociais. Paris: PUF; 1989. p. 123.14. Moscovici S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar; 1978. p. 291.15. Mazzotti AJA. A Abordagem estrutural das representações sociais. Psicologia da Educação. São Paulo: PUC/

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MSS, Shimizu AM. Experiência e representação social: questões teóricas e metodológicas. SP: Casa do Psicólogo; 2005. p. 201.

AGRADECIMENTOS

A todos que direta e indiretamente contribuíram para a realização desta pesquisa, em especial:

- Aos funcionários e a comunidade atendida na área de abrangência da Unidade de Saúde da Família “Nova União.”- Às adolescentes e suas famílias pela sinceridade e verdade de suas palavras- Aos docentes, pesquisadores, diretores acadêmicos, gestores e coordenadores da atenção básica, por acreditarem nesta pesquisa e nos benefícios que a mesma poderá trazer.

que necessitam de articulação e estrutura de no-vos saberes por parte da escola para lidar com es-tas situações, necessitando de participação efetiva dos educadores (aqui entendidos como professo-res, pais, estudiosos do fenômeno educacional e gerenciadores das políticas educacionais) na res-ponsabilidade de estimular o desenvolvimento de uma escola mais preparada para os novos para-digmas sociais com os quais se defronta.

Diante do exposto, entendemos que o per-curso trilhado ao longo deste estudo sobre a Esco-la e Adolescência permite reconhecer que as várias dimensões de um fenômeno social, como é a gra-videz na adolescência, não podem ser resumidas em um único trabalho e, portanto, não se esgo-tam com esta trajetória, estando aberto o convite ao diálogo e à difusão destas e de novas análises sobre a gravidez na adolescência e a escolas.

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ADOLESCENTES GRÁVIDAS ACOMPANHADAS EM UMA UNIDADE DE SAÚDE DA FAMÍLIA: ANÁLISE DE SUAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE A ESCOLA

Nascimento et al.34