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Em 1969, Vito Acconci mudou o campo de
sua prtica artstica da poesia e crtica de
arte para a performance, passando a utilizar
o prprio corpo e as ruas de Nova Yorkcomo territrio mtuo de interao. Essa
mudana imps no s uma variante de
meio e suporte, mas uma relao inteira-
mente nova, conceituada sobre o Eu e o
outro, o Eu e o mundo social. O crucial dessa
relao foi a observao compreendida
como necessidade corprea, temporal e
implicada na construo de subjetividade,
poder e desejo. Como iniciante nas artes
visuais, Acconci percebeu as possibilidades
desse novo territrio como categoria aber-
ta sem atributos distintos ou leis imanentes.
E registrou:
Arte para minha gerao era uma esp-cie de no-territrio..... No parecia haverali quaisquer caractersticas prprias. Arteera um espao em que voc podia im-portar e interagir com outros espaos, daeu me sentir livre para chegar a esse novoterritrio, vindo do campo da poesia comseus parmetros j como mediador en-tre o espectador e o objeto.1
Focalizando na relao objeto/espectador,
Acconci comeou a engajar-se emmetacrtica s maneiras convencionais como
as obras de arte eram vistas. Especialmente
aquelas ligadas ao formalismo dos anos 60,
Christine Poggi
Abordando performances de Vito Acconci como campo de discusso na relao objeto/especta-dor, considera a postura crtica do artista em relao definio do espectador como sujeitodesinteressado. Para a autora, pela fenomenologia da viso, Acconci procura registrar a relaode eu e mundo, e o papel do espectador na definio da obra.
Espectador, corpo, territrio, linguagem.
Seguindo Acconci/viso direcionada
que privilegiava a contemplao desinteres-
sada e puramente visual.
Acconci foi tomado de fascinao pelas nor-mas da crtica formalista enquanto escrevia
resenhas para a revista Art News, de 1968 adezembro de 1970. E, entrando nesse novo
campo de escrita, direcionou-se particular-
mente para o domnio dessa linguagem.
Eu estava ansioso para compreender asregras desse territrio as regras do jogo,sabe? gozado como muitas das coisasque mais significavam para mim na po-ca eram enfaticamente oriundas da crti-ca formalista como Michael Fried e
outros. No que eu concordasse, masaquilo tinha uma posio clara, qual euqueria resistir.2
Para Fried e Clement Greenberg, pureza e
qualidade em arte derivavam da adeso s
leis de um determinado meio. Na pintura
dos ltimos anos da dcada de 1950, isso
significava nfase no retinal, nas qualidades
que apelavam exclusivamente para a viso,
sem evocar tatibilidade ou sentido
escultrico.3 A Optical art era idealmente
endereada aos espectadores desinteressa-
dos e tinha a inteno de conquistar a pre-sena. No momento da observao, de-
sejo, temporalidade, contingncia e neces-
sidade eram evitados. O influente artigo de
T E M T I C A C H R I S T I N E P O G G I
TrademarksTrademarksTrademarksTrademarksTrademarks, 1970
Fotos: Bill BeckleyFonte: http://www.believermag.com/
issues/200612/
?read=interview_acconci
BlinksBlinksBlinksBlinksBlinks, 1969
Fotos de Greenwich
Street, NYC; com uma
Kodak Instamatic,filme p/b, 124Fonte: http://aleph-arts.org/art/lsa/
lsa39/eng/1969.htm
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Fried em 1967, Arte e objetidade,4 tornou-
se famoso por sua linha de concluso:
presentidade graa. Aqui a dimenso es-
piritual e atemporal do espectador desinte-ressado claramente revelada. Atravs do
ato instantneo de percepo, o espectador
v a obra de arte modernista inteiramente
unificada e coerente. A clareza do desenho
e a auto-reflexo manifestam a autonomia e
a plenitude da esfera esttica que ento
espelhada no senso de subjetividade, coe-
rncia e estabilidade do observador.5 De
acordo com Fried, trabalhos como as pintu-
ras de Frank Stella na metade dos anos 60
ou os Veils (Vus), de Morris Louis,exemplificam essa autonomia pictrica sem
exigir a conscincia do statusdesses objetosno espao tridimensional. O olhar que ob-
serva esses trabalhos constitudo como
veculo de um olhar incorpreo. Rejeitando
essa forma de modernismo, Acconci aban-
donou o critrio de especificidade do meio
e a definio do espectador como sujeito
desinteressado e transcendente.
Nos trabalhos iniciais de Acconci, a viso consistentemente situada na matriz do cor-po e de seus limites fsicos. A crtica do artis-
ta ao olhar incorpreo emerge, ntida, no
seu filme em super-oito, Soap and eyes, dejunho de 1970: durante trs minutos, o ar-tista olha diretamente para a cmera enquan-to derrama gua com sabo nos prpriosolhos. A durao da performance foi deter-minada experimentalmente pelo tempo que
Acconci precisa para tirar o sabo dos olhose poder olhar novamente para a cmera. Esseolhar no olhar, usando as palavras do pr-prio Acconci, evidencia o processo fsico depiscar, do cansao, de readaptao e recu-perao, 6 demonstrando a ao e airredutibilidade temporal do corpo como um
dos vrios territrios de viso.
Durante o vero e o outono de 1969,
Acconci havia tentado documentar a
interao de Eu e mundo, atravs de uma
anlise fenomenolgica da viso. Em uma
srie de fotografias, o artista usava na mo
uma cmera, como objeto anlogo e suple-mentar viso. EmBlinks, realizado na reaao sul da Ilha de Manhattan, Acconci anda
em linha contnua, tentando no piscar, en-
quanto segura, na altura dos olhos, a cmera
pronta para disparar. Toda vez que fora-
do a piscar, ele tira uma foto, equacionando
assim a ao do obturador da cmera com
o fechar de seus olhos, registrando o que
ele no pode ver enquanto realiza a
performance. Blinksinvestiga a limitao fsi-ca da viso, assim como de que forma a
posio espao-temporal do corpo deter-
minada quando vista o modo como a dis-
tncia inerente aos objetos enquanto eles
so vistos. Em vez de postular o olhar per-
petuamente unificado e transcendente, Blinksnos sugere uma seqncia de visualizaes
que indicam as mudanas de lugar do cor-
po, embora a cmera mantenha seu foco
num ponto distante e o prprio corpo no
esteja diretamente representado. ConformeKate Linker observou, o que se torna evi-dente nesses trabalhos fotogrficos que elesapresentam uma viso na qual o Eu even-
tual ou relativo e s pode ser compreendi-do por outro registro, por meio de impres-ses em seu entorno.7
Ao comentar seu trabalho em 1971, Acconcievocou a anlise de Maurice Merleau-Pontysobre a dinmica especfica de o corpo ha-
bitar ou fantasmatizar em vez de mera-mente existir no espao. Segundo o artista:
Voc no pode dizer que um corpo estno espao ou existe no espao o corpofantasmatiza o espao (essa frase deMerleau-Ponty, que descobri recentemen-
te e que foi uma revelao). Um corpoest aqui, mas, enquanto est aqui, eletambm est l. O corpo est em muitoslugares ao mesmo tempo, fazendo sinais
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e deixando marcas, pela forma como nos-sos sentidos se relacionam com as coisasem volta. como uma presena, mas uma
presena fantasmtica.8
Essas afirmaes referenciam as idias arti-
culadas no livro O primado da percepo:9
o corpo no meramente um objeto no
mundo, sob o propsito de um esprito in-
dependente. Ele est ao lado do sujeito,
o nosso ponto de vista no mundo. Para
Merleau-Ponty, certamente esse ponto de
vista abrange a totalidade da relao do cor-
po com o espao:
Compreendemos o espao externo atra-vs de nossa situao corprea. Um mo-delo corporal ou postural nos leva a todomomento prtica global e noo im-plcita da relao entre nosso corpo e ascoisas, nosso domnio sobre elas. Por umsistema de movimentos possveis, ou pro-
jetos motor, irradiamos para o ambienteque nos cerca. Nossos corpos no estono espao como as coisas; eles habitamou assombram o espao.10
Os trabalhos fotogrficos de Acconci podem
ser interpretados como uma srie do tipo
projetos motor, pela qual o artista investigasua atitude em relao ao ambiente. Em
Stretch, por exemplo, Acconci realizou uma
srie de quatro fotografias segurando a
cmera o mais alto possvel sobre a cabea,
esticando-a para o lado esquerdo, para bai-
xo em direo a seus ps, para sua direita.Em seguida, organizou essas fotos e textos
explicativos numa configurao de corres-
pondncia, para que cada foto mapeasse os
limites do corpo, estabelecendo relaes
entre esses limites e um campo visual mais
amplo. Em Lay of the Land,,,,, Acconci deitou-se de lado e tirou cinco fotografias com a
cmera segura junto aos ps, joelhos, est-
mago, peito e cabea. A obra resultante dessa
ao mostrava essas fotos horizontalmente
e o texto indicando a posio em que cada
foto havia sido tirada.Merleau-Ponty argumenta em O primado dapercepoque:
formas espaciais ou distncias no sonecessariamente relaes entre diferen-tes pontos no espao objetivo, mas rela-es entre pontos e uma perspectiva cen-tral o nosso corpo. Em sntese, essasrelaes so caminhos diferentes para oestmulo externo de testar, solicitar e va-riar nosso domnio sobre o mundo, nossa
ncora horizontal e vertical em um dadolugar e no aqui e agora.11
Segundo o filsofo, a perspectiva central no
poderia ser questionada apenas pelos olhos,
Three Adaptation StudiesThree Adaptation StudiesThree Adaptation StudiesThree Adaptation StudiesThree Adaptation Studies,
1970
9min, p/b, sem som, super
8mmFonte: http://
arttorrents.blogspot.com/2008/03/
vito-acconci-three-adaptation-
studies.html
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mas pelo corpo como um todo: Afinal, o
mundo est ao meu redor, no s a minha
frente.12 Os trabalhos fotogrficos de
Acconci revelam um corpo que pelo menosinicialmente parece estar ancorado numa
matriz espacial do aqui e agora; mas sua
srie fotogrfica subverte a hierarquia
normativa da cabea como local privilegia-
do de viso, sinnimo da prpria conscin-
cia. Recusando um s ponto de vista
totalizante, a cmera redistribui pelo per-
metro do corpo a funo de ver, para des-
crever sua completa distncia ou proximi-
dade de seu eixo horizontalmente alinhado,
de modo que esteja mais prximo confi-
gurao da terra. Paradoxalmente, as vises
apresentadas nos trabalhos finais permane-
cem como fragmentos descontnuos; embo-
ra, enquanto apontando para um tempo e
espao especficos, essas vises no
reproduzam as possibilidades de ver de
Acconci e, por conseqncia, falhem em
apresentar signo unificado da viso de sua
prpria situao. Semelhante a Blinks,essasfotografias operam como complementos ao
ato da percepo, constitudo em parte pelo
movimento e a ele contingente. As fotos fa-
zem referncia ao corpo a partir de uma
perspectiva central que, simultaneamente,derruba e descentraliza essa perspectiva. Em
relevante sentido, o Eu aparece dividido, cap-
turado no esforo para coincidir com os tra-
os fsicos de sua presena no mundo eu
tenho que continuar seguindo para onde
estou, declarou Acconci.13
Enquanto os trabalhos analisados remetem
fenomenologia da viso num mundo que
parece desabitado por Acconci, outros tra-
balhos simultneos investigam estruturas
intersubjetivas da viso. Neles, o olhar est
de novo situado no corpo, a fim de revelaro ato corporal de desejo transgressor por
conhecimento e poder sobre o outro. Signi-
ficativamente, nas primeiras anlises de
Acconci sobre o ato de percepo da arte,
ele a comparava com direcionar, mirar, tema
que se tornaria recorrente em suas
performances. Comeou por considerar aobservao da arte pelo ponto de vista ma-
terialista, perguntando:
Ora, como posso eu pensar em uma con-dio de arte generalizada? Parece queem qualquer tipo de situao em arte, oespectador entra no espao expositivo,direciona-se obra de arte, mirando-a.O espectador trata a obra de arte comoalvo, e essa me parece ser uma condi-o geral da totalidade de ver arte, ex-perimentar arte.14
De acordo com essa descrio, ver um
ato de agresso, comparvel ao de espreitar
uma presa. Ao mirar a obra de arte e acer-
tar o alvo, o espectador revela o desejo de
contato, de posse fsica ou controle. A noo
de alvo aqui evocada pode estar relacionada
aos primeiros trabalhos de Jasper Johns, que
foram importante precedente para Acconci.
Entre 1967 e 1969, ele e Bernadette Mayer
editaram um jornal intitulado 0 a 9, em ho-menagem s pinturas de nmeros de Jasper
Johns, que Acconci admirava pelo uso de
vocabulrio compartilhado.15 Acconci deve
ter sido atingido pelos alvos de Johns, emque o ato de ver figurado como fetichista,
violento e implicitamente recproco. Muitas
das primeiras performances de Acconci ques-
tionam, a partir de compreenso similar, a
percepo visual como forma transgressora
de mirar, direcionar, semelhante a tocar,
marcar ou at mesmo morder.
Um dos primeiros trabalhos de Acconci nas
ruas, Following piece, que ele desenvolveupara uma exposio coletiva em 1969,
exemplifica claramente o ato transgressor de
olhar.16 Para essa performance, Acconci es-
colhia aleatoriamente uma srie de indiv-
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duos, um por dia durante o perodo de trs
semanas, e os seguia at que entrassem em
algum local privado. Embora os indivduos
escolhidos estivessem inconscientes da pre-sena de Acconci, eram eles que controla-
vam os movimentos do artista. Em certo
sentido, Acconci entregava sua liberdade a
outra pessoa, tornando-se dependente dela
pela relao de seus movimentos para atra-
vessar o espao da cidade, como antes ele
prprio havia atravessado o espao das p-
ginas com sua escrita. O artista tambm com-
parava sua relao em observar o outro nes-
sa performance com a relao de um leitor
com um texto, algum que segue o outro
como modelo postular de leitura. Essa rela-
o assimtrica, porm, inseria Acconci numa
estrutura voyeurstica de desejo de coman-
dar e conhecer o indivduo seguido. Os re-
latrios estilo FBI, que o artista elaborava
sobre as atividades de cada indivduo segui-
do, eram enviados no ms seguinte a um
grupo seleto de pessoas do mundo da arte,
assumindo a linguagem objetiva de domina-
o e de controle. De acordo com o artista,
seguindo um conjunto de normas predeter-
minadas, ele se colocava na posio de perso-
nagem inserido em um sistema impessoal. Em
suas anotaes para Following piece,Acconciregistrou: Ser alocado num sistema Euposso ser substitudo por meu valor
posicional que conta aqui, no minhas
caractersticas individuais.17 Embora as
fotos encenadas tivessem sido tiradas a
posterioripara documentar esse trabalho,elas enfatizam a intensa concentrao ne-
cessria para a performance, e o olho do ar-
tista/eu permanece historicamente especfico,
singular, masculino, como se evitasse qualquer
manifestao de subjetividade expressiva.
Se Following pieceocorreu por definio numespao de domnio pblico, governado pela
malha das ruas de Nova York, em
Trademarks, de 1970, Acconci, inicialmentese instala em um espao fechado e privado,
visando internalidade, direciona-se para o
prprio corpo, utilizando-o como campopara um tipo diferente de escrita indicial. Essa
ao consistia em morder-se nos locais do
corpo que pudesse alcanar e em seguida
aplicar tinta nas mordidas, estampando es-
sas marcas em uma variedade de diferentes
superfcies. Segundo explicao do artista:
As mordidas me posicionam como alvo (Eu
posso mudar o foco aplicar tinta nas mor-
didas e torn-las disponveis. Posso apontar
para outros alvos e estampar marcas de
mordidas em papel, em parede, ou em ou-
tro corpo.)
18
Semelhante aos trabalhos deJasper Johns Target with plaster casts e Targetwith four faces, ambos de 1955, Trademarks
SeedbedSeedbedSeedbedSeedbedSeedbed, 1972
Registro fotogrfico
Gladstone Gallery,Nova YorkFonte: http://
www.hammer.ucla.edu/
collections/5/work_33.htm
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foi uma tentativa de compreender o Eu
como objeto fsico, posicionando-o como
alvo de outra linha de viso. Em Target with
four faces,os substitutos humanos esto dis-tanciados, estranhamente reproduzidos, frag-
mentados: cortados bem abaixo dos olhos,
os moldes em gesso permanecem cegos. A
habilidade desses semblantes truncados de
atrair o olhar do espectador deslocada para
o prprio centro do alvo, como enfatizam
vrios desenhos de Johns no incio dos anos
60. Em verso litogrfica do tema, em 1960,
o prprio olhar do espectador encontra-se
observado, mirado por um trabalho de arte
que opera como estranho dispositivo de
espelhamento.
De modo semelhante, as Trademarks deAcconci estabelecem um movimento dialtico
em que as posies de sujeito e objeto mu-
dam continuamente. As automordidas de
Acconci foram inicialmente pensadas no sen-
tido de abrig-lo num circuito auto-reflexi-
vo, uma parte do corpo marcada pela outra
e conectadas ao todo. Por concentrar-se
exclusivamente em si mesmo, Acconci es-
perava convencer seus espectadores de que
ele estava desligado do mundo exterior ou
do olhar dos outros. Semelhante aos traba-
lhos auto-suficientes de arte moderna, o ar-tista parecia existir dentro de uma esfera
autnoma. No texto que acompanha essa
performance, Acconci define o Eu em ter-
mos fsicos, como territrio fechado, cercado
pela moldura da pele. As fortes mordidas que
marcam a pele reabrem esse territrio, trans-
gredindo a fronteira que separa o lado de
dentro do lado de fora.19 Como uma forma
de escrita, as impresses das mordidas ex-
pandem esse princpio apresentando ao p-
blico uma ao privada e disponibilizando
outros futuros alvos. Mediante esse procedi-mento, o corpo idealizado para significar e
participar na circulao de signos, fato clara-
mente indicado pelo ttuloTrademarks.
Mas que tipo de negcio esse no duplo
sentido de produo e troca econmica que faz Acconci acertar o alvo? Inseridas no
mundo da arte, as marcas de mordidas ope-ram como substituto de traos gestuais, ouassinaturas, que auferem autenticidade e va-lor. De acordo com um sistema de nomes,o consumo de obras de arte aqui aceita umaperformance literal que prejudica suaidealizao e o princpio do distanciamentoesttico. Pode-se pensar no interesse deMarcel Duchamp pelo sarcasmo mordaz(mordant physique) algo que morda,20 ouna declarao freqentemente citada de
Jasper Johns Olhar e no comer e tam-bm ser comido.21 Como faz Jasper Johns
em The critic sees,de 1961, ou em outrostrabalhos que apontam para o ato de vercomo um consumo sdico oral, tal qual Apainting bitten by a man, tambm de 1961,Acconci esboa um paralelo entre mordere olhar. O enigmtico ttulo de Johns, Apainting bitten by a man, deixa aberta a ques-
to sobre quem mordeu, o artista ou o es-pectador/crtico. Ns s sabemos que se
trata de um homem e que sua relao comessa obra ultrapassa as fronteiras do deco-ro. Nessa supresso da identidade e nessasmarcas de uma experincia dolorosa de in-
corporao oral, poderamos ainda enten-der referncia dificuldade de encontrar umalinguagem de expresso do desejo reprimi-do ou proibido incluindo, mas (eu diria)no apenas limitado a, o desejo homosse-xual. No fica claro se essa obra se refere raiva contra o outro ou se ela se torna ma-nifesto da experincia do artista em ser oobjeto de tal raiva (ou ambos). Minimamen-
te, a observao decretada como formade prejuzo que rompe com a integridadecorporal: esse gesto que a pintura preser-va como a nica imagem/signo icnico no
campo pictrico.
Assim como nas Trademarksde Acconci, notrabalho de Johns a mordida literal, deixa
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seus rastros no quadro cuja superfcie
encustica simula a pele humana agora
solidificada e reificada. Como diversos crti-
cos apontaram, ao usar pintura encustica,Johns evoca analogia com o corpo humano,
especialmente no que diz respeito pele
como algo que proteo, mas, ao mesmo
tempo, vulnervel, uma abertura sensorial
ao mundo. A analogia entre pintura
encustica e pele permite ao artista lidar com
a superfcie pictrica como um local de re-
gistro visvel de acontecimentos fsicos e ps-
quicos, enquanto paradoxalmente distancia
e objetifica tais acontecimentos. Johns tam-
bm tratou seu corpo em alguns momentos
como matriz de impresso, cujas formas
entintadas poderiam ser transferidas a ou-
tras superfcies. Em cada trabalho de uma
srie de quatro obras intituladas Study for skin,de 1962, Johns pressiona sua face e suas mos
cobertas de tinta leo em uma folha de pa-
pel de desenho tcnico, polvilhando-a, em
seguida, com carvo, criando frgil monotipia.
A escolha do suporte importante, por ser
papel planejado para receber algo mais im-
pessoal, determinando contexto incongru-
ente para a manifestao de gestos expres-
sivos. Os vestgios da pele do artista trans-
mitem senso de empenho do corpo em
constituir uma imagem, ainda remanescente
e deformada pela bidimensionalidade dosuporte e seu formato materializado.No
quarto trabalho da srie, o resduo espectral
da presena corprea de Johns tornou-se
quase ilegvel, dirigido anulao do Eu, sua
no-presena e incoerncia em uma imagem
externa. A painting bitten by a manempregaa dialtica entre imagem e suporte, entre
presena e ausncia, na qual Johns imagina a
mordida como forma de escrita somtica
pelo fato de suas pinturas serem aproxima-
damente do tamanho de uma folha de pa-
pel e inferiores pintura encustica, a tela
quase a recobre, sendo seu suporte umatypeplatecom 24,13 x 17,5cm. O formatode A painting bitten by a man crucial parase compreender seus sentidos. A obra fun-
da-se em forte relao entre o corpo dos
espectadores, preservando as dimenses do
objeto/suporte (typeplate) e a ao (mor-der) que a constituiu. Essa literalidade e o
fato de que a marca da mordidarefere-se a
nenhum outro sinal ou marca na superfcie
encustica, lanam-na em relao direta com
o espectador diante dela. Centrada no ter-
o superior de seu campo de apresentao,a marca da mordidaganha fora total, equi-
valente de certo modo ao discurso infalvel
de um retrato holands do sculo 17.
O estado da marca de mordida, contudo,
permanece ambguo ela simultaneamente
singular marca indicadora que preserva o
gesto que a produziu e sinal universal apa-
rentemente infinito assim como a gravura
de Jackson Pollock NoI, de 1948, ou certa-mente as impresses das mos e face da obra
Study for skin I, de Johns. O ato de morder-
se tem carter polivalente, sugerindo a pri-mitiva fase oral no desenvolvimento sexual
de uma criana, assim como regresso se-
xual adulta ou, talvez, o sinal de frustrao
Step PieceStep PieceStep PieceStep PieceStep Piece, 1970
Acconci Studio
Fonte: Kate Linker, Vito Acconci,Rizzoli, Nova York, (1994: 24)
http://www.medienkunstnetz.de/
works/step-piece/
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mais genrica na capacidade de comunicar-
se verbalmente. A pintura de Johns e ele
cuidadoso ao cham-la de pintura levanta
a questo da relao entre os campos pic-trico e verbal, da imagem visual e do signo
verbal. A marca da mordida,,,,, para o especta-
dor, evoca o desejo de trazer o corposig-
nificao, elaborar uma linguagem gestual em
forma de escrita, preservando sua proximi-
dade corporal sua vida. O gesto, porm,
permanece enigmtico, recusando-se a libe-
rar completamente seu significado, e Johns
parece exatamente interessado nessa possi-
bilidade de ilegibilidade. Segundo o artista:
A pintura tem uma qualidade que no
pode ser totalmente traduzida em lingua-gem verbal. Eu penso verdadeiramenteque a pintura uma linguagem. lin-
gstica em certo sentido, mas no nosentido verbal. Eu penso que se quer dapintura um sentido de vida.E creio que verdade.22
O ttulo A painting bitten by a man indicaa obra com banal literalidade que se pe
em contradio com seu mtodo de cons-
truo sem precedentes e suas mltiplas e
contraditrias associaes. Se olhar (e no
) como morder, e morder (e no ) comoescrever, cada ato de interpretao seria uma
forma potencial de consumo? Essa obra me
faz consciente de meu prprio esforo ao
incorporar a pintura de Johns em um sistema
de significados e usos, certamente em parte
(e inevitavelmente) estranho a ele mesmo.
Enquanto a obra de Johns pe s vezes o
espectador na posio de agressor, no lugar
de realizador da marca, Acconci expe seu
corpo perfurado, seu ferimento gotejado
pela saliva, pelo olhar do espectador em ato
de visvel masoquismo. Contudo, mesmoquando se concentrando de modo mais ex-
clusivo, mais narcisista em seu prprio cor-
po, o artista rompe completamente seus
contornos e expe esse processo ao olho
documental da cmera. Como Amelia Jones
observou, em diversas obras de Acconci, ele
se torna um objetificado, feminizado espe-tculo, em que a insistente (e em alguns
momentos abjeta) corporeidade perturba a
performance de uma subjetividade transcen-
dente.23 A oscilao entre sujeito e objeto,
posies ativas e passivas, decretada na re-
lao entre Acconci e seu corpo, produz uma
dialtica secundria com os espectadores de
sua obra. Como no trabalho de Johns, so-
mos induzidos a participar da atividade de
mirar o alvo, transformando sua imagem fo-
tografada e as impresses das mordidas em
objetos do nosso olhar, testemunhando, si-
multaneamente, o controle de Acconci so-
bre seu corpo e como isso se manifesta, as-
sim como a produo de um cdigo auto-
referente.
Em Pull, de abril de 1971, Acconci estabele-ceu uma situao potencialmente mais
dialgica, que foi bastante estruturada em
torno de mtua e engendrada troca de olha-
res. Executado em parceria com Kathy Dillon,
mulher com quem vivia at ento, colabora-
dora freqente de suas atividades e vdeos,
essa obra tambm testava uma relao pri-
vada. Com durao de 30 minutos e execu-
tada primeiramente para uma platia da New
York University, consistia no movimento de
Acconci andando em crculo em torno de
Dillon, que girava no centro. Cada partici-
pante buscava manter o olhar do outro en-
quanto seguia sua direo ou, em movimen-
to sbito, tentava alter-la. O encontro ocor-
reu dentro de um quadrado de 10 ps de
lado, delimitado por uma fita adesiva presa
ao cho e fortemente iluminado por lmpa-
das de 500watts, o que deixava os especta-
dores quase invisveis na escurido em tor-no dele. A atividade e seu modo de apre-
sentao foram planejados a fim de estabe-
lecer entre Dillon e Acconci uma aparncia
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privada, at mesmo um espao pessoal,24
no qual eles manifestaram mtuas atrao e
influncia, esgotando o papel de quiasma do
sujeito e objeto, cada qual desempenhandoa representao de espelho do outro. Se-
gundo Acconci,
Ela pde tentar adquirir fora persistindoem um ponto fixo Eu pude tentar con-duzi-la, dirigi-la ao congelamento elapde tentar retratar-me nela, me parali-sar circulando ao meu redor e eu pudetentar resistir como um observador desin-teressado, observando de fora.25
A estrutura circular da obra oferece inter-
pretaes alternadas de poder, subentendi-do na mobilizao do ato de olhar, nos limi-
tes de um espao restrito. Dillon, cujo cam-
po de ao foi restrito a um ponto, pde
ser vista como mira, vtima do movimento
circular mais agressivo de Acconci. Por ou-
tro lado, Dillon tambm se mostra como su-
jeito em virtude de sua centralidade, enquan-
to Acconci torna-se objeto em seu horizon-
te. O texto de Acconci, como o prprio mo-
vimento oscilatrio e a explorao dessas
possibilidades, sugere territrio de jogo se-
melhante. Pensar desse modo, contudo,
ignorar o fato de que os homens tradicio-nalmente decretaram sua transcendncia
movendo-se de um extremo ao outro e rei-
vindicando seu espao, com carga intencio-
nal de significado, enquanto as mulheres fo-
ram comparativamente imobilizadas, e por
meio disso objetificadas.26 Embora revelan-
do a instabilidade da relao sujeito/objetoe o modo pelo qual cada uma dessas condi-
es envolve e solicita seu complemento,
Pullnunca abala o paradigma ocidental sujei-to/objeto. A viso permanece como um ins-
trumento de poder e de controle, cujo con-
trole quebrado apenas pelas palavras de
Acconci a Dillon, pronunciadas no momen-
to final da performance.
A agresso evidente em Trademarks e Pulltorna-se ainda mais declarada em Claim, desetembro de 1971. Para essa performance,
Acconci sentou-se em uma cadeira na esca-
daria do poro do Willoughby Sharps loft.
O artista estava de olhos vendados, equipa-
do com dois canos de metal e um p-de-
cabra; alternando assim de modo ambguo
postura de vulnerabilidade, ao olhar e apro-
ximao do outro, e atitude de domnio em
que reivindica o espao do poro. Os es-
pectadores foram alertados quanto postu-
ra ameaadora de Acconci e sua exigncia
territorial por um monitor de vdeo localiza-
do prximo porta da escadaria, no nvel
da rua. No monitor eles puderam observar
o artista falando consigo mesmo em estado
de obsesso possessiva:
Estou sozinho aqui embaixo neste poro...quero estar sozinho aqui... No quero nin-
gum comigo... Irei impedir quem desceras escadas... Preciso me manter falando...Eu tenho acreditado nisso... Eu tenho meconvencido disso...
Apesar dessa advertncia, eventualmente um
visitante abria a porta e se aproximava dasescadas. Acconci respondia violentamente,
empunhando suas armas e aumentando a
entonao de sua retrica:
PullPullPullPullPull, 1971
Still de Pull,
Coleo: National
Gallery of Victoria,
Electronic Arts Intermix(EAI), Nova YorkFonte: http://www.ngv.vic.gov.au/
videoresurrection/index.html
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Eu posso ouvi-lo algum vem descendoos degraus Eu movimento minhas ar-mas diante de mim as golpeia contra
as escadas, contra a parede ele semantm fora... Eu manterei voc fora...Eu farei qualquer coisa para impedi-lo...Eu matarei voc...27
Pronunciado do poro de um loft de doisandares, o obsessivo monlogo de Acconciparece irromper o poder cego do incons-
ciente recordando os delrios insanos da
me em Psycho(Psicose), de Hitchcock, fil-me que Acconci confessou considerar refe-
rncia. O monlogo tambm relata o
autoritarismo opressivo vivenciado por ele
durante o tempo de treinamento (fracassa-do) como fuzileiro naval em Quantico,
Virginia, onde os exerccios de combate eramorientados por voz transmitida por alto-fa-
lantes que procurava conduzi-los a um esta-
do mental predatrio: Voc um tigre.
Mate-os. Mate-os.28 Esses modelos violen-tos de retrica registram, por mais que si-
mulados, a fascinao de Acconci com a vi-
olncia no interior de perturbadora esferamachista. Como Amelia Jones afirmou so-
bre o flerte de Acconci com exagerada mas-
culinidade, assim como com masoquismo
teatralizado, cada ato performtico sem-pre recupervel por efeitos de linhas de base
no-pardicas.29 Esse o risco que as mais
notrias atividades de Acconci provocam eo que talvez ele igualmente deseje nelas
ainda que aqui eu queira resistir tentao
de enfraquecer seu trabalho em uma nicareduzida interpretao. Escolhi, como Jones
e Linker fizeram, focalizar o carter
ambivalente da crtica de Acconci subjeti-vidade masculina e, neste ensaio, sua crtica
ao ideal formalista de uma audincia indife-
rente, de gnero neutro (apesar de sempre
implicitamente branco e masculino).
Claim pode ser considerada esculturaminimalista por excelncia. Representa, lite-
ralmente, o que Michael Fried considerou
to deplorvel na obra de artistas como
Donald Judd, Robert Morris e Tony Smith.
Para Fried, suas esculturas reivindicam o es-pao adjacente, confrontando o pblico com
a presena perturbadora de objetos
antropomrficos. Deparar-se com algum
desses objetos significaria tornar-se imerso
em uma situao. Pode-se perceber, alm
disso, que essa situao foi deixada em aber-
to, aguardando o espectador, talvez se dei-
xando mesmo ficar espera dele. Em Arte
e objetidade, Fried declara que trabalhos
de arte literalista devem de algum modo con-frontaro espectador devem, quase se podedizer, colocar-se no apenas no espao do
observador, mas tambm em seu caminhoe ele concorda realmente que essa a fun-
o no apenas do papel obstrutor e, no
raro, mesmo da agressividade do trabalho
literalista, mas da especial cumplicidade que
o trabalho quer extorquir do observador.30
Acconci parece ter deduzido que, se a situ-
ao pode ser construda no entorno do
objeto escultural como se ele constitusse
uma forma violenta de interpelao, ele po-
deria intensificar esse enfrentamento envol-
vendo uma ameaa real.
O instinto territorial que conduz essa
performance carregado tambm de signi-
ficados polticos. Como Kurt Lewin afirmou,
Conflitos polticos, assim como conflitos
entre indivduos, so sempre conflitos pr-
ximos aos limites do espao e da liberdade
de movimentos.31 Fundamental a esse con-
ceito foi a permeabilidade de distinguir fron-
teiras entre espaos ou regies e a impor-
tncia da resistncia que essas fronteiras ofe-
recem para ser atravessadas.32 Em Claim,Acconci fixou um campo de poder em tor-
no de sua presena que s poderia ser pe-netrado sob risco de grande perigo. Acconci
declarou s querer encontrar seus especta-
dores e cumpriment-los. Mas, expulsou-os,
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deles se despedindo.33 O espectador que
tentou enfrentar o artista, posicionando-se
como alvo cego numa zona fechada, s pde
experimentar a reverso dos termos deAcconci ao alvej-lo. Em jogo estava um
conjunto de relaes definidas pela marca-
o de limites, controle invaso do espao
determinado e poder associado ao olhar.
Pela manifestao to violenta desse con-
trole, Claimparodiava a proibio do museude que o espectador pudesse aproximar-se
das obras de arte e toc-las, dedicando essa
interdio tanto no mbito do inconsciente
do indivduo quanto na extensa arena dos
conflitos polticos territoriais e de liberdade
de movimentos.
Os primeiros trabalhos de Acconci, em suas
exploraes da corporeidade e tem-
poralidade da viso, transgrediram os princ-
pios do alto modernismo, como definido
pelos crticos formalistas da dcada de 1960.
Mais do que afirmar a transcendncia do
sujeito em um momento idealizado de ob-
servao desinteressada, Acconci demons-
tra explorar o ato de olhar em suas implica-
es sociais e fenomenolgicas. Colocando
em mira a prpria viso, ele desafia a hip-
tese de que podemos isolar as condiesmateriais da observao ou suspender o
desejo que motiva a constituio da subjeti-
vidade. Suas obras participam de um deslo-
camento mais amplo, marcando ruptura com
a alegao de uma determinada viso mo-
dernista, que hoje categoria contestada. No
final da dcada de 1960, porm, ainda na
ausncia do termo ps-modernismo, o tra-
balho de Acconci exemplificou um novo
paradigma para questionar o ato do espec-
tador e os modos pelos quais ele estrutura
relaes contingentes do Eu e do outro, do
Eu e do mundo.
Neste ensaio minha tentativa foi seguir
Acconci, assim como ele seguiu os indivdu-
os que selecionou em outubro de 1969 para
a obra Following piece, bloco de notas e ca-neta nas mos, voltando-se para um ato
pretensamente simples de ler um texto nointerior da escritura do outro, o ato de es-
crever no interior de uma performance, de
um olhar investido pelo espectador. Leitura,
escrita, observao e performance so
inextricavelmente associados nas obras de
Acconci do final dos anos 60 e incio dos 70;
alm disso, essas atividades so planejadas
no interior de uma arena social conflituosa
que abre sua significao para mltiplas in-
terpretaes. Minha atrao pelas prticas
visuais desse perodo recente da histria, e
particularmente pelo trabalho de Acconci,vem de minha prpria convico ps-mo-
derna de que a arte uma famlia de prti-
cas para usar a expresso de Acconci
mais do que motivo para a experincia de
um olhar transcendente. Ainda estou ciente
de que essa verso do ps-modernismo al-
cana sua prpria coerncia mais
vigorosamente quando em oposio aos tex-
tos cannicos do criticismo formalista ex-
presso pela qual permaneo fascinado. Pri-
meiramente, definir meu interesse nesse
debate (um projeto em andamento) foi um
de meus motivos para escrever sobre/de-
senvolver minha relao com a obra de
Acconci e a problemtica do espectador que
a coloca em movimento.
Christine Poggi professora de Histria da Arte na
University of Pennsylvania. Os movimentos de vanguar-
da e os debates crticos no sculo 20 constituem o foco
de suas pesquisas.A verso original deste artigo intitula-
se Following Acconci/targetting vision e foi publicada em
Performing the Body/Performing the text,livro organizado
por Amelia Jones e Andrew Stephenson (Londres e Nova
York: Routledge, 1999: 255-272).
Traduo: Julie Pires e Marcos Bonisson
Reviso Tcnica: Thais Medeiros
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NotasNotasNotasNotasNotas
1 Apud E. Schwartz. Vito Acconci: I want to put the viewer
on Shaky Ground, Art News,v. 80, n.6, Vero 1981: 95.
Revela-se o interesse de Acconci por vrios segmentos
das artes, mais do que em distingui-las. Ele recusa con-
ceder arte uma essncia, tambm pela afirmao da
especificidade e do isolamento de um determinado meio
ou citando uma genealogia estvel de grandes mestres
do passado. Em 1971, Acconci disse a Cindy Nemser:
No existe essncia da arte. Arte apenas uma famlia
de prticas artsticas. Ver A interview with Vito Acconci.
Arts Magazine, v. 45, n.5, maro, 1971: 23.
2 Apud K. Horsfield. On Art and Artists: Vito Acconci, Profile,
Vero 1984: 7.
3 Para uma anlise criteriosa dos importantes deslocamen-
tos no pensamento de Greenberg nessas edies, ver
Y. A. Bois, The Limit of Almost, in Ad Reinhardt, Los
Angeles: Museum of Contemporary Art e Nova York:
Museum of Modern Art, 1991: 11-33.
4 No original Art and objecthood. Esse artigo foi publicado
em portugus, traduzido por Milton Machado, em
Ferreira, Glria; Venancio Filho, Paulo e Medeiros, Ro-
grio (eds.). Arte&Ensaios, n.9. Rio de Janeiro: Programa
de Ps-Graduao em Artes Visuais/Escola de Belas
Artes, 2002. [NT]
5 M. Fried. Art and objecthood. Artforum, Vero 1967, v.5,
n.10: 12-23; reimpresso em G. Battcock (ed.). Minimal
Art: A Critical Anthology. Berkley: University of California
Press, 1968: 116-47. Entre outros ensaios importantes de
Fried para tratar de autonomia pictrica, unidade e o
ideal de visualidade, ver especialmente: Shape as form:
Frank Stellas new painters. Artforum,v.5, n. 3, novembro1966: 18-27 e Three American Painters, Fogg Art Museum,
Harvard University, 1965. Tambm relevante nesse con-
texto so os ensaios de Clement Greenberg do final da
dcada de 1950 e incio da seguinte, nos quais a visualidade
inicia com o deslocar da planaridade como a irredutvel
essncia da pintura. Ver, por exemplo, The Pasted Paper
Revolution. Art News, v. 57, n. 5, setembro, 1958: 46-49,
reimpresso como Collage in Art and Cultura, Boston:
Beacon Press, 1961: 70-83 e The New Sculpture [1958]
in Art and Culture, op. cit.: 139-45.
6 V. Acconci. Body as place Moving in on myself, performing
myself, Avalanche n. 6, New York, edio especial
Acconci, Outono 1972: 20.
7 K.Linker. Vito Acconci: Photography Works 1969-1970, Chi-cago: Rhona Hoffman Gallery e Nova York: Broke
Alexander Gallery, 1988, n. p.
8 Apud C.Nemser, op. cit.: 20.
9 O primado da percepo e suas conseqncias filosficas.
Traduo de Constana Marcondes Cesar. Campinas:
Papirus, 1990. [N.T.: no original, a frase complementada
pela informao: traduzido para o ingls em 1964; ci-
tamos aqui a edio brasileira.]
10 Un indit de Merleau-Ponty, 1962. In Revue de
Mtaphysique et de Morale, n.4: 401-409.
11 Id., ibid. Ver tambm as discusses de Merleau-Ponty dessa
edio in The Childs Relation with Others, id., ibid.: 116-
18.
12 Eye and Mind, id., ibid.: 178. [N.T.: H uma edio brasi-
leira: O olho e o esprito. So Paulo: Cosac Naify, 2004.]
13 Acconci. Early work: moving my body into place. Avalanche,
Outono 1973: 6.
14 Acconci. Interview by Robin White at Crown Point Press.
View, outubro-novembro 1979: 15.
15 Acconci relembra que, at o momento, a publicao tevea denominao errada: deveria ser O Through 9. (Entre-
vista com o autor, 5 de outubro de 1991). Adiante nes-
sa entrevista, Acconci observa que as pinturas de Johns
forneceram um modelo para seu prprio uso do Rogets
ThesauruseWebsters Third International Dictionarycomo
sistema geral ou convencional com que trabalhar no fi-
nal dos anos 60. Em entrevista a Elle Schwartz, o artista
declara: Quando eu vi pela primeira vez o trabalho de
Jasper Johns em 1965, ele me sacudiu. Os nmeros e as
bandeiras de John eram pinturas planas de objetos pla-
nos, e isso parecia perfeito. Eu comecei a experimentar
a lngua como from the horses mouth (vindo da boca
dos cavalos), porque eles no existem exceto como lin-
guagem. Apud E. Schwartz, op. cit.: 95.
16 Following piecefoi a contribuio de Acconci para os Street
Works IV, patrocinados pela Architectural League of
New York e coordenado por Marjorie Strieder, Hanna
Weiner e John Perrault. O projeto Street Works IV acon-
teceu em outubro de 1969 em toda a cidade de Nova
York, e dele participaram outros artistas, incluindo
Stephen Kaltenbach, Arakawa, Abrahem Lubelski,
Bernadette Mayer, Les Levine, Scott Burton, Eduardo
Costa, Hannah Weiner, Marjorie Strider e John Perrault.
17 Acconci. Peopled space performing myself through
another agent. Avalanche, Outono 1972: 31.
18 V. Acconci. Body as place, op. cit.: 31.
19 Encontrando a mim mesmo tomando uma regio, atra-vessando uma regio... Abrindo uma regio fechada:construindo uma biografia, um registro pblico... Reali-
zando minha prpria aparncia enviando meu interiorao exterior (eu posso escapar para o lado de fora, en-
to, por que ainda me movimento no lado de dentro?),
id., ibid.
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20 Em nota de 1913, sob o ttulo Possible, Marcel Duchamp
escreveu: Le possible est seulement um mordant
physique (genre vitriol) brlant toute esthtique ou
callistique. (O possvel apenas um corpreocustico
(tipo de vitrolo) queimando toda a esttica do sensode beleza.) Ver Marcel Duchamp. Duchamp du signe:
crits, Michel Sanouillet (editor), Paris: Flammarion, 1994:
104. No contexto das notas de 1913, o uso que
Duchamp faz de possvel parece referir-se ao objeto
desejado (e diferido) e mordaz (custico) ao corro-
sivo efeito do desejo. Para comentrio sobre questes a
respeito da vitrine e da dor que consiste na ao de
cortar e experimentar seu pesar (mordendo os polega-
res) at a possesso estar consumada, ver: Spculations,
1913, id., ibid.: 105-6. O que Johns e Duchamp tm em
comum, do meu ponto de vista, um enorme senso do
recproco, influncia corprea do desejo, um sentido no
ato de desejar e possuir, que tambm consumido.
21 Jasper Johns. Book A, 1964: 55. Writings, Sketchbook No-
tes, Interviews. Kirk Varnedoe (ed.). Nova York: Museumof Modern Art, 1996: 59; publicado originalmente como
Sketchbook Notes. Art and Literature, n. 4, Lausanne,
Primavera 1965: 185.
22 Jasper Johns, indicao feita em entrevista a Yoshiaki Tono
em 1975, Writings, Sketchbook Notes, Interviews, op. cit.:
149.
23 A. Jones. Body Art/Performing the Subject. Minneapolis:
University of Minnesota Press, 1998, captulo 3, The Body
in Action: Vito Acconci and the Coherent Male Artistic
Subject. Agradeo a Amelia Jones a generosidade de
permitir a leitura desse captulo do livro antes de sua
publicao. Como ficou evidente durante este ensaio,
minha prpria abordagem da obra de Acconci instru-
da por sua leitura.
24 Acconci interessou-se por Edward Hall devido a suas
diferenciaes entre as distncias ntima, pessoal, social
e pblica. Hall definiu distncia pessoal (fase prxima)
como o intervalo entre um p e meio e dois ps e meio.
Essa distncia garante pequena esfera de proteo em
torno de cada indivduo, mas tambm encerra um sen-
so cinestsico de retraimento e uma capacidade de con-
siderar a outra pessoa fora da distoro de uma distn-
cia ntima. A fase afastada da distncia pessoal, entre
dois ps e meio e quatro ps, estabelece o limite da
dominao fsica. Ver: The Hidden Dimension, Garden
City: Doubleday, 1966: 107-22. Em Pull, Acconci per-
manece dentro da esfera da distncia pessoal, que paira
em torno dos limites entre as fases prxima e afastada.
No momento final da performance, entretanto, ele se
move perto de Dillon, aumentando o movimento circu-lar de modo mais agressivo.
25 Acconci. Occupied zone, moving in, performing on
another agent. Avalanche, Outono 1972: 52.
26 Acconci analisa os mitos territoriais que estruturam as
diferenas de gnero na cultura ocidental em Projections
of Home. Artforum, v. 26, maro 1988: 126-8. Desen-
volvo este ensaio no contexto do temor da
domesticao de Acconci em Vito Acconcis bad dreamof domesticity. In Christopher Reed (ed.). Not at home:
the suppression of domesticity in modern art and
architecture. London: Thames & Hudson, 1996: 237-52.
Amelia Jones tambm analisa esse ensaio em Body Art,
op. cit.: 122-4.
27 Acconci. Concentration Container Assimilation,
Avalanche, Outono 1972: 55.
28 Para uma discusso do breve percurso de Acconci como
estagirio na Marine Platoon Leaders Corp, ver K. Linker.
Vito Acconci. Nova York: Rizzoli, 1994: 11.
29 Jones, A., op. cit.: 104.
30 Fried, Art and objecthood, op. cit.: 127. [N.T.: as citaes
desse pargrafo esto em Ferreira, Glria; Venancio Fi-lho, Paulo e Medeiros, Rogrio (eds.). Arte&Ensaiosn.9,
2002: 135 e 137.]
31 K. Lewin [1936]. Principles of Topological Psychology. Nova
York e London: McGraw-Hill, 1966: 47. As performances
iniciais de Acconci foram influenciadas pela leitura de
Lewin e sua teoria sobre as relaes sociais como cam-
po estruturalmente dinmico controlado por regies,
fronteiras e campos de poder. Seu vocabulrio emerge
freqentemente nos escritos de Acconci. Para uma dis-
cusso das teorias de Lewin e sua influncia no trabalho
de Acconci, ver Linker, op. cit.: 30-5, 47-8.
32 Id., ibid.: 123.
33 Acconci fez a observao desse efeito pela primeira vez
quando eu o ouvi falar para um grupo de estudantes de
arte, no incio dos anos 80, numa das salas de um poro
lotado da Yale University. Segundo me recordo, embo-
ra no tenha feito nenhuma nota naquela ocasio, ele se
referia a Claim.
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