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BARBEAU – NFLUÊNCIA DOS FACTORES NATURAIS DO TERROIR NA VINDÍMA E NO VINHO : EXEMPLOS DO CABERNET FRANC E DO CHENIN NO VALE DE LOIRE PÀG 1 VINIDEA.NET-REVISTA INTERNET TÉCNICA DO VINHO, 2004, N 4 INFLUÊNCIA DOS FACTORES NATURAIS DO TERROIR NA UVA E NO VINHO : EXEMPLOS DO CABERNET FRANC E DO CHENIN NO VALE DE LOIRE Gérard barbeau Unité Expérimentale Vigne et Vin, Centre Inra d’ Angers 1 e-mail : [email protected] Introdução As áreas com denominações vitícolas resultam, historicamente, de uma selecção empírica que consagrou uma adequação entre factores naturais, castas e práticas enológicas. A noção de terroir é apresentada como a base das DOC (A. O. C. nos vinhedos franceses). As práticas agrovitícolas evoluem, padronizam-se e mundializam-se; os factores naturais do terroir, esses, mantêm-se. Eles constituem um património não reprodutível, que pode tornar- se um elemento importante da tipicidade do produto e a garantia da sua autenticidade. A tentativa de estabelecimento de uma relação do produto com o seu local de origem assume cada vez maior importância no contexto actual de forte concorrência internacional, para uma melhor informação do consumidor e uma boa traçabilidade. Numa AOC encontram-se, geralmente, diversas unidades de território e, dessa forma, uma grande variabilidade ao nível parcelar. Esta variabilidade coloca diversos problemas aos viticultores no que diz respeito à adaptação dos itinerários técnicos. Por vezes, o aprofundamento e a definição clara das delimitações AOC obrigam a recorrer a novos conceitos e novos instrumentos que devem levar à utilização de critérios de zonagem objectivos e mais eficazes. É neste contexto que se situam os trabalhos conduzidos pela Unité Vigne et Vin do centro do INRA de Angers. 1. A noção de terroir A noção de terroir pretende-se que seja globalizante. O sub-grupo «zonagem-terroir» do OIV 2 propôs a seguinte definição : «Conjunto denominado e delimitado por terras cuja natureza, a configuração geográfica e o clima permitem àqueles que os exploram elaborar produtos específicos». A um terroir está associada uma planta. Esse é o sentido das palavras de M. Paillotin, ex- Presidente do INRA quando afirma 3 : «Um terroir apenas (...) não constitui um terroir. É necessário juntar-lhe, pelo menos uma planta. É necessário que esta planta possa bem exprimir o terroir, isto é, que ela possa traduzir da melhor forma as diferenças que podem existir entre dois terroirs. Encontramos aqui um problema de diferenciação: o terroir é o testemunho de uma diferença que uma planta bem pode revelar.» M. Papin, viticultor da zona com denominação de origem Coteuax du Layon, fala da «... harmonia existente entre uma planta, um terreno, um clima, e mesmo uma cultura.» 4 Uma matéria-prima específica é por isso valorizada por um saber-fazer particular. 1 Este documento resulta de um trabalho de equipa cujos principais actores são: C. Asselin, G. barbeau, E. Besnard, E. Goulet, P. Guilbault, R. Morlat, D. Rioux e J. Salette. 2 Grupo de peritos em «Fisiologia da vinha» ; sub-grupo «Zonagem-terroir» do OIV. Angers 16/0796 3 Colóquio internacional «Os terroirs vitícolas». Angers, 17-19 de Julho de 1996. 4 Colóquio internacional «Os terroirs vitícolas». Angers, 17-19 de Julho de 1996.

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VINIDEA.NET-REVISTA INTERNET TÉCNICA DO VINHO, 2004, N 4

INFLUÊNCIA DOS FACTORES NATURAIS DO TERROIR NA UVA E NO VINHO : EXEMPLOS DO CABERNET FRANC E DO CHENIN NO VALE DE LOIRE Gérard barbeau Unité Expérimentale Vigne et Vin, Centre Inra d’ Angers1 e-mail : [email protected] Introdução As áreas com denominações vitícolas resultam, historicamente, de uma selecção empírica que consagrou uma adequação entre factores naturais, castas e práticas enológicas. A noção de terroir é apresentada como a base das DOC (A. O. C. nos vinhedos franceses). As práticas agrovitícolas evoluem, padronizam-se e mundializam-se; os factores naturais do terroir, esses, mantêm-se. Eles constituem um património não reprodutível, que pode tornar-se um elemento importante da tipicidade do produto e a garantia da sua autenticidade. A tentativa de estabelecimento de uma relação do produto com o seu local de origem assume cada vez maior importância no contexto actual de forte concorrência internacional, para uma melhor informação do consumidor e uma boa traçabilidade. Numa AOC encontram-se, geralmente, diversas unidades de território e, dessa forma, uma grande variabilidade ao nível parcelar. Esta variabilidade coloca diversos problemas aos viticultores no que diz respeito à adaptação dos itinerários técnicos. Por vezes, o aprofundamento e a definição clara das delimitações AOC obrigam a recorrer a novos conceitos e novos instrumentos que devem levar à utilização de critérios de zonagem objectivos e mais eficazes. É neste contexto que se situam os trabalhos conduzidos pela Unité Vigne et Vin do centro do INRA de Angers. 1. A noção de terroir A noção de terroir pretende-se que seja globalizante. O sub-grupo «zonagem-terroir» do OIV2 propôs a seguinte definição : «Conjunto denominado e delimitado por terras cuja natureza, a configuração geográfica e o clima permitem àqueles que os exploram elaborar produtos específicos». A um terroir está associada uma planta. Esse é o sentido das palavras de M. Paillotin, ex-Presidente do INRA quando afirma3: «Um terroir apenas (...) não constitui um terroir. É necessário juntar-lhe, pelo menos uma planta. É necessário que esta planta possa bem exprimir o terroir, isto é, que ela possa traduzir da melhor forma as diferenças que podem existir entre dois terroirs. Encontramos aqui um problema de diferenciação: o terroir é o testemunho de uma diferença que uma planta bem pode revelar.» M. Papin, viticultor da zona com denominação de origem Coteuax du Layon, fala da «... harmonia existente entre uma planta, um terreno, um clima, e mesmo uma cultura.» 4 Uma matéria-prima específica é por isso valorizada por um saber-fazer particular.

1 Este documento resulta de um trabalho de equipa cujos principais actores são: C. Asselin, G. barbeau, E. Besnard, E. Goulet, P. Guilbault, R. Morlat, D. Rioux e J. Salette. 2 Grupo de peritos em «Fisiologia da vinha» ; sub-grupo «Zonagem-terroir» do OIV. Angers 16/0796 3 Colóquio internacional «Os terroirs vitícolas». Angers, 17-19 de Julho de 1996. 4 Colóquio internacional «Os terroirs vitícolas». Angers, 17-19 de Julho de 1996.

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A noção de terroir conjuga então os efeitos dos factores naturais do meio e aqueles de um certo número de práticas vitícolas (factores humanos), os quais, em conjunto, imprimem à vinha um modo de funcionamento particular. O conjunto destes factores contribui para amplificar ou atenuar as características dos vinhos resultantes de uma dada casta. 2. Metodologia de caracterização dos factores naturais dos terroirs em vale de Loire. A qualidade e a tipicidade de um vinho DOC resulta de uma cadeia de influências que vão desde o solo de suporte da planta até aos métodos enológicos empregues para a vinificação. Ao nível do solo e do sub-solo encontram-se um certo número de variáveis de estado iniciais (tipo de rocha-mãe, nível de alteração, textura e estrutura dos diferentes horizontes), os quais determinam as propriedades físicas do perfil explorável pelo sistema radicular em termos de profundidade, porosidade, permeabilidade, capacidade de reaquecimento. Destas derivam as variáveis de estado compostas: reserva hídrica, temperatura do solo, localização das raízes secundárias, ... Ao nível da planta sobrepõem-se variáveis de funcionamento (precocidade do ciclo, regime de alimentação hídrica, potencial de vigor e de rendimento) induzidos por parâmetros climáticos e as disponibilidades em água e em minerais. Introduz-se assim à noção de potencial vitícola de um terreno ou de um território (Fig. 1)

Fig. 1. Abordagem integrada da noção de terroir

Um terroir vitícola é uma cadeia de influências que vai desde os factores naturais ao vinho

1. Factores de situação

2. Factores de intervenção (humanos)

Factores naturais do meio

Factores biológicos (casta, porta-enxerto)

Factores técnicos

Componentegeológica

Componente agropedológica

Componente paisagística

Clima dovinhedo

POTENCIAL VITÍCOLA

POTENCIAL DA VINDIMA

Gestão vitícola Gestão enológica

POTENCIAL ENOLÓGICO OPTIMIZADO

Neste território encontra-se uma determinada casta, enxerto e porta-enxerto. Este material vegetal tem uma duração de vida média de 50 anos, quase duas gerações de viticultores. Constitui então uma componente importante do sistema território-vinha-vinho e o viticultor espera obter uma certa qualidade das uvas na maturação, em termos de teor em açúcar, acidez titulável e composição fenólica. Com efeito, em terrenos iguais, uma combinação casta/porta-enxerto diferente dará lugar a mostos de composição diferente. A conjugação das variáveis de funcionamento com este factor biológico que é o material vegetal conduz à noção de potencial de vindima (Fig. 1). Bem entendido que o viticultor, através das suas intervenções (modo de condução, técnicas culturais) pode procurar optimizar a qualidade da matéria-prima adaptando um itinerário técnico apropriado a cada uma das suas unidades culturais.

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A qualidade da matéria-prima obtida (a uva), a partir de uma mesma combinação casta/porta-enxerto, vai determinar o tipo de vinho cuja elaboração é possível e razoável. Certas situações favorecem teores elevados em antocianas, podendo por isso ser visada a produção de vinhos tintos. Pelo contrário, outras não o permitem; a produção deve ser por isso orientada para os rosés. A qualidade da matéria-prima obtida determina um certo potencial enológico; o viticultor irá procurar exprimir melhor a qualidade da sua vindima no vinho que escolheu produzir, desenvolvendo uma gestão enológica apropriada. Tal conduz-nos à noção de potencial enológico optimizado (Fig. 1). Por outras palavras, um vinho de terroir é o resultado da interacção dos factores naturais do meio, dos factores biológicos que aí estão implantados e dos factores de intervenção humanos. O Estudo revela-se então bastante complexo. A metodologia de caracterização integrada desenvolvida pela Unité de Recherches Vigne et Vin do INRA de Angers é constituída por duas partes: a caracterização dos factores naturais dos terroirs e o estudo do efeito terroir sobre o vinho e o seu determinismo. A caracterização dos factores naturais do terroir Uma região vitícola é constituída por vários terroirs elementares. O terroir pode ser definido a partir de 3 componentes do meio natural: a geologia, a agropedologia e a paisagem. A componente geológica refere-se ao estado e à natureza da rocha-mãe. A agropedologia descreve a cadeia de solos que aí está associada. A componente paisagística fornece informações suplementares quanto ao tipo de relevo ou diversidade de altitudes. A Geologia e a agropedologia determinam as condições de funcionamento do sistema radicular – peDOClima. A agropedologia e a paisagem associada definem o mesoclima da parcela: as condições de funcionamento do sistema aéreo da vinha. É a sobreposição das variáveis de funcionamento do sistema radicular e daquelas relativas ao coberto aéreo que dará origem à noção de Unidade Terroir Base (Fig. 2).

Fig. 2. Bases de uma metodologia de caracterização integrada dos terroirsvitícolas

Uma região vitícola = diversos terroirs elementares

Um terroir é definido por 3 componentes

Geologia(litologia, estratigrafia,

estrutura)

Agropedologia(cadeia de solos associada, Modelo Rocha, alteração,

alterito

Paisagem associada(tipo de relevo, altitude,

outros elementos)

Pedoclimainterface vinha-terroir :

enraizamento

M esoclim aInterface vinha-terroir :

cobertura aéreo

CONCEITO DE UNIDADE TERROIR DE BASE

A Unidade Terroir de Base (UTB) é uma unidade espacial de funcionamento homogéneo da vinha, valorizável pela viticultura. Tal reafirma o facto de em qualquer ponto da área de uma

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UTB todas as cepas resultantes de uma mesma combinação casta/porta-enxerto terão um comportamento idêntico. Do mesmo modo, o viticultor poderá desenvolver as mesmas técnicas culturais sobre toda a superfície da UTB e em todas as UTBs similares. A identificação e a cartografia das unidades de terroirs é então baseada em:

- 2 chaves geológicas principais: estado e natureza da rocha-mãe, - 1 chave de solo principal. Um modelo de terreno foi desenvolvido para simplificar

esta chave; este modelo é baseado na profundidade do solo e no seu grau de argilização. Podem ser distinguidos 3 meios:

o rocha: rocha-mãe a 0,60m de profundidade o alteração: materiais parcialmente degradados a 0,60m, rocha-mãe a 1,20m, o alterito: materiais completamente degradados até mais de 1,20m.

Em redor destes 3 meios, podem ainda ser identificadas zonas coluviais. - Uma chave de orientação da inclinação se esta for superior a 10%, - O clima local ligado à paisagem associada.

O trabalho de terreno consiste em:

- Efectuar 1 a 2 sondagens por hectare, em função da complexidade do meio, até 1,20m de profundidade. A confrontação com cartas geológicas de 1/50.000 e fotografias aéreas permite determinar o estado geológico, a natureza da rocha-mãe e a variante do modelo rocha-alteração-alterito presente.

- Efectuar estudos de perfil de uma escavação pedológica – uma em cada 40 hectares – em solos plantados com vinha de modo a caracterizar a distribuição do sistema radicular

- determinar a orientação e a inclinação, - avaliar a distância e a altura de outros elementos da paisagem (corta-ventos, matas,

edifícios, ...)

A abordagem integrada do estudo dos factores naturais (geologia, petrologia, paisagem, mesoclítica e periclita) permite a hierarquização das variáveis de funcionamento da vinha em relação à tipicidade do vinho5. Três grupos de variáveis independentes ou associadas – precocidade, alimentação hídrica, vigor – que actuam sobre a qualidade das produções, foram evidenciados. A partir de dados recolhidos no terreno e de inquéritos efectuados junto dos viticultores, foram determinados algoritmos para estimar um valor do potencial de precocidade, da reserva em água utilizável e do potencial de vigor das UTB. A caracterização dos factores naturais do terroir permite então identificar e descrever as Unidades Terroirs de Base, as quais são seguidamente cartografadas à escala de 1/12.500 com a ajuda de um Sistema de informação Geográfica (SIG) espacial (Fig. 3). São igualmente cartografadas as variáveis resultantes dos algoritmos e das cartas de aconselhamento para a escolha de castas, de porta-enxertos e das técnicas culturais. O conjunto é apresentado na forma de atlas em formato A3.

5 Convém notar que a hierarquização dos factores naturais, do mesmo modo que aquela das variáveis de funcionamento da vinha, não é a mesma de uma região vitícola para outra.

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Fig. 3. Carta da UTB da zona de « Chaume », Rochefort sur Loire (Anjou)

Evolução e adaptação da metodologia A metodologia de caracterização dos factores naturais dos terroirs foi desenvolvida em Anjou, região que integra o massiço armoricano onde a rocha-mãe, constituída por rochas eruptivas e metamórficas, é uma constante. Neste meio, o modelo de terreno «rocha-alteração-alterito» aplica-se com relativa facilidade. O mesmo não acontece noutros vinhedos, por exemplo aqueles situados nas bacias sedimentares ou em zonas aluvionares. Aí, o modelo de terreno não se aplica e os algoritmos de cálculo de certas variáveis devem sofrer adaptação. Uma das variáveis de funcionamento que coloca mais problemas é a reserva útil de água dos solos. Novos instrumentos para uma melhor abordagem desta variável estão a ser desenvolvidos. 3. Influência dos factores naturais dos terroirs sobre a composição das uvas e a qualidade dos vinhos O estudo do efeito terroir sobre a vinha e o vinho é abordado através da escolha de parcelas experimentais as quais devem ser representativas da variabilidade dos terroirs e dos grandes tipos de vinhos presentes sobre um território. Assim, em Vale de Loire, o INRA tem instalado, desde à longa data, dois grupos de parcelas com Cabernet franc – um na zona da AOC Anjou e outro na zona AOC Saumur, Bourgueil et Chinon – e outro grupo com Chenin – na zona AOC Coteaux du Layon. Todas as parcelas de um mesmo grupo têm condução idêntica, sendo as únicas causas de variação imputáveis aos factores naturais do terroir. A resposta da vinha e do vinho foi aí estudada ao longo de diversos anos. Os pontos de interesse eram, em particular, a precocidade, a expressão vegetativa, o vigor, a composição da vindima e a análise sensorial dos vinhos.

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Caso do Cabernet franc Após o início dos anos 80, o acompanhamento da evolução fenológica, da evolução da maturação e da análise das uvas na fase de maturação nas vinhas de castas tintas do vale médio do Loire (AOC Bourgueil, Chinon et Saumur), numa larga gama de solos, permitiram colocar em evidência uma influência importante do terroir sobre o comportamento da vinha e a composição da vindima, como é demonstrado pela Tabela 1. As diferenças obtidas em 1997 eram já bem evidentes em 1982, ano em que a vinha se encontrava, apenas, no seu quinto ano de produção. O estudo de uma rede de parcelas terroirs durante um determinado número de anos evidencia a interacção entre terroir e colheita. Certos terroir induzem um comportamento da vinha idêntico qualquer que seja a colheita, noutros a resposta da vinha varia de forma significativa em função da evolução do clima durante o ano. Reciprocamente, podem ser distinguidos terroirs com fraca interacção com a colheita e terroirs com forte interacção com a colheita. Por vezes, a análise multidimensional das variáveis de comportamento da vinha mostra que as diferenças entre terroirs para uma mesma colheita são da mesma ordem de grandeza que as diferenças constatadas para um mesmo terroir de uma colheita para outra. A análise sensorial dos vinhos desta rede de parcelas, interpretada graças à análise factorial múltipla, permitiu constituir três grandes grupos de vinhos, principalmente em função do eixo «vigor e harmonia». Os vinhos bem classificados em função dos critérios de coloração, olfacto e prova, com um bom equilíbrio e uma forte harmonia qualquer que seja a colheita, provêm de terroirs diversos, como as areias espessas de Sénonien, as argilas espessas de Eocène ou o cré areno-glauconoso de Turonien (parcela 1 DAM). Podem ser associados estes tipos de vinhos às vindimas mais ricas em compostos nobres do bago. Os vinhos menos cotados em função dos critérios sensoriais, muitas vezes ácidos e com falta de equilíbrio, têm também origem em terroirs variados como os limos siliciosos de Sénonien, de limos de acumulação eólica (1TUR) ou de coluviões arenosos grosseiros sobre argilas (2ING). Estes vinhos provêm, em geral, das uvas menos ricas. Por fim, certos vinhos têm características sensoriais que variam fortemente em função da colheita e são provenientes de solos arenoso-cascalhosos sobre grés e seixos de Eocène (parcela 1CHA), de solos arenoso – dos terraços baixos do Loire bem como das areias argilosas sobre argilas arenosas de Sénonien. Convém notar que as noções de potencial qualitativo da vindima e de interacção do terroir com a colheita, anteriormente referidas, são parte integrante da apreciação de vinhos pelos júris de prova. Em 1985, uma outra rede de parcelas foi instalada na AOC de Anjou. Aí encontravam-se terroirs de solo delgado sobre xistos ou sobre conchas fósseis, logo muito sensíveis ao stress hídrico. A análise sensorial destes vinhos, comparada com aquelas dos vinhos da primeira rede de ensaios, fez aparecer uma componente «estrutura tanínica» que não aparecia anteriormente. As análises multidimensionais elaboradas a partir de séries de dados independentes – variáveis de funcionamento e qualidade da vindima, por um lado, análise sensorial dos vinhos por outro – são coerentes. Na primeira série de dados, as variáveis são distribuídas em função de dois eixos principais: um eixo de precocidade e qualidade e um eixo de vigor e produtividade. Na outra série de dados, a análise faz aparecer dois eixos correspondentes: um eixo de potência e harmonia dos vinhos e um eixo de qualidade dos taninos.

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Tabela 1. Exemplo de composição química das vindimas provenientes de diversos terroirs e diversas colheitas, em Val de Loire (casta Cabernet franc / SO4, plantada em 1973)

Parcelas 1DAM 1CHA 2ING 1TUR Tipo de terroir Areias argilo-

calcárias sobre cré em tufos

Areias pedregosas sobre grés e

seixos

Areia espessa sobre argilas

profundas

Limos argilosos de aluvião sobre

argilas

Ano 1980 (colheita desfavorável, vindima em 29 de Outubro) Açúcares (g/l

mosto) 155 147 131 137

Ácido málico (meq/l)

100 82 149 119

Antocianas(mg/Kg bagos)

1180 1180 900 960

Rendimento (hl/ha)

68 69 61 39

Ano 1982 (colheita favorável, vindima em 03 de Outubro) Açúcares (g/l

mosto) 184 175 151 159

Ácido málico (meq/l)

63 73 78 75

Antocianas(mg/Kg bagos)

1510 1320 890 1510

Rendimento (hl/ha)

122 139 116 93

Ano 1984 (maturação chuvosa, vindima em 15 de Outubro) Açúcares (g/l

mosto) 171 173 120 155

Ácido málico (meq/l)

109 84 130 124

Antocianas(mg/Kg bagos)

1110 1170 540 1170

Rendimento (hl/há)

74 64 96 36

Ano 1990 (ano muito seco, vindima em 01 de Outubro) Açúcares (g/l

mosto) 220 191 205 201

Ácido málico (meq/l)

30 19 53 34

Antocianinas (mg/Kg bagos)

1520 1430 1350 1870

Rendimento (hl/ha)

112 72 108 90

Ano 1997 (colheita favorável, vindima em 06 de Outubro) Açúcares (g/l

mosto) 233 216 197 193

Ácido málico (meq/l)

26 18 44 49

Antocianinas (mg/Kg bagos)

1470 1800 1120 1370

Rendimento (hl/ha)

113 82 100 62

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A rede multilocal de parcelas experimentais de Cabernet franc permitiu associar o conceito de potencial vitícola de um terroir ao potencial qualitativo da vindima e à apreciação sensorial dos vinhos. A caracterização analítica das vindimas e a caracterização analítica e sensorial dos vinhos são, actualmente, o objecto de ensaios de investigação mais aprofundados os quais visam melhor identificar as componentes da «pool» polifenólica, suporte da cor, da estrutura e dos aromas dos vinhos, o qual se supõe ser fortemente influenciado pelo terroir. O objectivo final é o de associar uma tipicidade bem definida a um terroir particular. Caso do Chenin Uma rede de parcelas «terroirs» baseadas em Chenin foi criada no final dos anos 90. Ela comporta 5 parcelas que diferem, basicamente, nos seus níveis de precocidade e regime de alimentação hídrica e podem ser classificados em função das variantes do modelo de terreno em parcelas sobre o meio «rocha», «alteração» ou «alterito». Estas parcelas situam-se na AOC Coteaux du Layon e produzem vinhos brancos licorosos a partir de uvas em sobrematuração, ou por empassamento, ou por botrytisação ou uma combinação das duas. As parcelas foram alvo de um acompanhamento intensivo entre 1996 e 2000 no que diz respeito ao comportamento da vinha (estados fenólicos, vigor, evolução da maturação), ao estudo das cinéticas de desenvolvimento do fungo Botrytis cinerea e a qualidade dos bagos na maturação. Em particular, as diferentes formas de evolução de B. cinerea em podridão cinzenta ou podridão nobre foram avaliadas durante a maturação e a sobrematuração das uvas. Este estudo permitiu relacionar as características físico-químicas dos bagos com a intensidade e as características da botrytisação induzida pelo terroir. Os meios «rocha» e «alterito» estão bem discriminados. Os terroirs tipo «rocha» induzem uma grande precocidade, um fraco vigor, um desenvolvimento tardio e pouco importante de B. cinerea o qual evolui, preferencialmente, para a forma podridão nobre; o empassamento dos bagos pode atingir uma proporção importante. Os bagos são ricos em açúcares e pouco ácidos; particularmente o teor em ácido málico é fraco. Ao contrário, os terroirs tipo «alterito» são mais tardios, induzem um forte vigor, um desenvolvimento precoce e rápido de B. cinerea o qual evolui muitas vezes para uma proporção importante de podridão cinzenta; o empassamento geralmente não existe. Os bagos são geralmente menos ricos em açúcares que nos terroirs do meio «rocha» mas a sua acidez é sempre mais elevada. O estudo permitiu igualmente evidenciar a influência da climatologia do ano. Globalmente, a hierarquia dos terroirs não é colocada em causa, mas situações climáticas extremas (stress hídrico importante) levam a uma relativização da aptidão de certos terroirs para produzirem ou não uma vindima de qualidade. A confrontação entre meio «rocha» e «alterito» encontra-se muitas vezes ao nível da análise sensorial dos vinhos, enquanto a análise estatística dos resultados não permite, em qualquer situação, evidenciar diferenças significativas. Constatam-se então diferenças importantes entre as vindimas e os vinhos resultantes de diversos terroirs. Quais são então as variáveis que permitem melhor explicar o efeito terroir?

4. Procura de factores explicativos. Os estudos desenvolvidos até à data, evidenciaram o papel de duas variáveis interdependentes: a precocidade do ciclo da vinha e a alimentação hídrica.

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A precocidade do ciclo da vinha é função do pedoclima térmico ao nível das pontas das raízes na primeira parte do ciclo (abrolhamento – floração) e posteriormente da expressão do potencial do vigor ao longo da Segunda parte do ciclo (pintor – maturação). A precocidade desempenha um papel importante sobre a qualidade da vindima, em particular sobre os teores em açúcares e ácido málico e sobre as antocianas das uvas tintas, pelo menos em vinhas setentrionais. A noção de precocidade pode ser compreendida como um avanço do ciclo vegetativo (precocidade de desenvolvimento da superfície foliar) que faz coincidir esse avanço com um período do ano mais favorável, em que a duração do período útil de luz solar para a realização da fotossíntese é mais longo e eficaz. Precocidade significa também que a maturação da uva terá lugar num período do ano menos propício à podridão. É por isso razoável pensar que a maior precocidade contribui para uma melhor acumulação de açúcares e de compostos fenólicos nos bagos e permite vindimar nas condições mais favoráveis, de onde resulta uma qualidade dos mostos melhorada.

Uma abordagem da caracterização da precocidade do ciclo da vinha consiste em utilizar as datas de meia-floração e meio-pintor para definir uma série de índices de precocidade, e assim um índice de precocidade do ciclo. Estes índices de precocidade permitem comparar as castas entre elas, os terroirs e as colheitas. No caso do nosso estudo eles contribuem para evidenciar os terroirs de fraca interacção com a colheita, os quais são quer sempre precoces quer sempre tardios, e os terroirs com forte interacção com a colheita cuja precocidade flutua em função do grau de aquecimento do solo ao longo da primeira parte do ciclo – antes da floração – e da alimentação hídrica ao longo da segunda parte do ciclo – após a alimpa. Uma precocidade de ciclo elevada está sempre correlacionada com uma boa qualidade do mosto. Um certo número de relações globais entre a precocidade do ciclo da vinha e a qualidade da vindima puderam ser evidenciadas:

- Um abrolhamento tardio traduz-se por uma acidez titulável elevada e um fraco teor em açúcares.

- Uma floração precoce traduz-se por um teor em açúcares elevado na altura da vindima e uma taxa de ácido málico fraca.

- Existe igualmente uma relação negativa (de nível não significativo) entre a data do pintor, data de colheita e teor em antocianas que indica que quanto maior a precocidade da maturação maior a possibilidade de ter um nível elevado de antocianas.

A alimentação hídrica. O efeito da alimentação em água sobre o funcionamento da vinha e a qualidade da uva foram objecto de numerosos estudos. Foi demonstrado nos grandes crus do Bordelais que uma alimentação hídrica regular da vinha, em relação com um abaixamento progressivo do potencial matricial da zona radicular activa no solo, durante o período de floração – vindima, contribui para uma maturação óptima da uva. Foi igualmente demonstrado que uma alimentação da vinha, em água, muito deficitária é nefasta à qualidade, uma vez que a actividade fotossintética diminui devido à redução das trocas gasosas ao nível da folha, consequência do fecho mais ou menos importante dos estomas. Em função do tipo de terroir, a alimentação hídrica vai variar consideravelmente ao longo das diferentes fases vegetativas. No Vale de Loire, certos terroirs podem induzir constrangimentos hídricos fortes da vinha (solos gravelo-arenosos dos terraços aluvionais, solos arenoso-cascalhosos sobre grés e seixos) produzem vinhos tintos cuja expressão sensorial varia fortemente em função das condições hídricas das colheitas. Em anos de seca, como em 1990, o efeito do stress hídrico fez-se sentir sobre a cinética de acumulação

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dos açúcares e das antocianas que é significativamente retardada, enquanto que a combustão do ácido málico nos tecidos vegetais é exacerbado, da mesma forma que sobre a síntese de polifenóis, do que resultaram vinhos considerados como menos harmoniosos e menos aptos para envelhecimento. Estes stresses hídricos estão relacionados com reservas do solo em água muito fracas, por vezes não reconstituídas durante o Inverno e muito rapidamente esgotadas, por um enraizamento limitado em profundidade, por uma rocha compacta ou por bancos de pedra Se existir hidromorfia na Primavera, os solos reaquecem menos rapidamente e o início do ciclo vegetativo é retardado. Se a alimentação em água é abundante durante todo o ciclo, e particularmente do pintor à vindima, os vinhos serão pouco colorados, ácidos e sem estrutura. A melhor qualidade da vindima é obtida com uma alimentação hídrica moderada e regular. Um ligeiro stress hídrico durante a Segunda parte do ciclo é favorável à qualidade. Terroirs e itinerários fisiológicos da maturação da uva Cabernet franc A consideração das variáveis de funcionamento, precocidade e alimentação hídrica em numerosos terroirs do vale médio do Loire entre 1980 e 2000 permitiu definir quatro tipos de itinerários fisiológicos de maturação da uva de Cabernet franc. Dois entre eles, um em terroirs precoces e outro em terroirs tardios, demonstram uma fraca interacção com a colheita e induzem qualidades de vindima relativamente fáceis de prever de um ano para outro. Os dois outros são fortemente influenciados pela pluviometria estival e dependem por isso, largamente, do ano de colheita. Eles correspondem, por um lado, a terroirs precoces mas nos quais o stress hídrico severo pode manifestar-se em determinados anos e, por outro lado, a terroirs geralmente mais tardios nos quais o sistema radicular de profundidade explora argilas com reservas de água facilmente utilizáveis. Com este modelo, é possível, a partir da medição precisa de dois estados fenológicos (meia-floração e meio-pintor), estimar a data e a qualidade da vindima com uma boa probabilidade. Os terroirs sempre precoces e sempre tardios, logo com fraca interacção com o ano de colheita, têm uma forte probabilidade de originar vindimas respectivamente de boa e de menos boa qualidade. Os terroirs com forte interacção com o ano de colheita são aqueles em que o comportamento é o menos previsível; em função do clima do ano, eles podem encontrar-se quer nos grupos de terroirs de melhor qualidade, quer naqueles de menor qualidade. Chenin. Na área da AOC de Coteaux du Layon, o Chenin é uma casta cultivada quer para a elaboração de vinhos brancos secos, quer para efervescentes ou licorosos. Os resultados obtidos entre 1996 e 2000 mostram um efeito importante originado pelo terroir (combinação das propriedades físicas do solo e do mesoclima) sobre a composição dos mostos, a data de início de infecção por B. cinerea e a cinética de desenvolvimento deste fungo, agente da podridão cinzenta e da podridão nobre. Os resultados permitiram propor um modelo de evolução da maturação e da sobrematuração do chenin (Fig.4).

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Fig. 4. Proposta de modelo de maturação e de sobrematuração do chenin em função da variante «solo».

Variante Rocha Variante alterito

Concentração em ácido málico

Fraco Forte

Desenvolvimento do empassamento

Desenvolvimento de Botrytis

Muito seco Clima Normal Seco Clima Húmido

Podridão nobre Podridão cinzenta

Colheita em maturação normal

Colheita em maturação normal

Colheita em maturação normal

Sobrematuração

Qualidade vinho seco

Qualidade vinho seco

Qualidade vinho efervescente

Qualidade vinho licoroso

++-

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Na maturação, os solos delgados em encostas xistosas com orientação Sul-oeste (variante Rocha do modelo de terreno) produzem os mostos mais ricos; os solos arenoso-argilosos profundos em situação de planalto variante Alterito induzem o aparecimento precoce dos fungos e níveis de infestação elevados. A produção de vinhos licorosos necessita de um período de sobrematuração ao longo do qual ocorre uma importante concentração de açúcares e se desenvolvem novos aromas, devido à presença da podridão nobre e /ou empassamento. A podridão nobre desenvolve-se cedo e atinge níveis elevados em terroirs da variante Alterito, mas a proporção de podridão cinzenta é sempre importante. Nos terroirs da variante Rocha, a podridão nobre desenvolve-se mais tardiamente e de forma mais limitada, com reduzida infestação de podridão cinzenta; ela é muitas vezes acompanhada de empassamento. As condições climáticas durante o período de sobrematuração das uvas podem acentuar ou, pelo contrário, atenuar esta evolução. Nos terroirs da variante Rocha, é possível produzir vinhos licorosos de qualidade, após a sobrematuração das uvas, qualquer que seja o ano de colheita. Nos vinhedos situados em terroirs da variante Alterito não podem ser produzidos bons licorosos a não ser em anos de colheitas precoces e secos; caso contrário, a vindima deve ser realizada aquando da maturação para produzir vinhos brancos secos ou efervescentes. A realização de práticas culturais adaptadas pode resolver, em parte, os problemas inerentes aos territórios da variante Alterito, o que, no entanto, contribui para aumentar os custos de produção. 5. Valorização dos estudos sobre os terroirs vitícolas A metodologia de caracterização dos terroirs produziu atlas cartográficos utilizáveis à escala da parcela. Estes atlas constituem um referencial permanente para os ensaios em vinhedo na óptica de uma verdadeira gestão optimizada. É agora possível localizar objectivamente as parcelas vitícolas que deverão ser alvo de ensaios. O viticultor tem a possibilidade de melhor ter em consideração as características dos seus terroirs e assim os potenciais que ele descobre a diferentes níveis: vitícola, qualidade de vindima e enológico. O mesmo é dizer que ele pode adaptar os itinerários técnicos na vinha e os métodos enológicos na adega. Uma valorização enológica específica em função do terroir é possível, não apenas ao nível de uma exploração individual, mas também de uma adega cooperativa. Alguns exemplos concretos permitem-nos desde já medir o interesse da metodologia:

- - elaboração de cartas de aconselhamento para a escolha de castas, - elaboração de cartas de aconselhamento para a escolha do porta-enxerto, - elaboração de cartas de aconselhamento para a condução das vinhas, - Efeito de feed-back sobre os métodos de selecção clonal. Com efeito, a

precocidade pode constituir um critério importante de selecção, pelo menos em vinhedos setentrionais, uma vez que pôde ser constatado que este desempenha um papel importante sobre a qualidade. Por outro lado, deveria ser possível, no futuro, seleccionar o material vegetal em função da sua adaptação a um terroir particular.

- Gestão das entregas de uva nas adegas cooperativas

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Conclusões. A metodologia de caracterização dos factores naturais dos terroirs mostra que a um dado terroir corresponde um modo de funcionamento da vinha que permite um potencial de vindima e, assim, uma determinada riqueza em açúcares, polifenóis e percursores de aromas. Obtém-se então uma metodologia que permite relacionar a qualidade e a tipologia de um vinho com a tomada em consideração de factores naturais do meio, e isto de forma objectiva. O facto de as unidades de terroir serem cartografadas a grande escala – cada parcela de viticultor é identificada na carta – constitui uma ferramenta para os agentes encarregues da zonagem vitícola. Os conhecimentos de base sobre os terroirs e os seus efeitos sobre a qualidade e a tipicidade dos vinhos devem permitir a elaboração de vinhos cuja originalidade advirá sobretudo do terroir de produção e em que a autenticidade e a traçabilidade do produto são as bases do sucesso comercial.

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