ET-005 Maria Geralda de Almeida

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    A DIMENSO TERRITORIAL DAS FESTAS POPULARES NATALINAS E DOTURISMO: ESTUDO COMPARATIVO DO PATRIMONIO IMATERIAL EM GOIS,

    CEAR E SERGIPE1

    ALMEIDA, Maria Geralda de/UFG2 OLIVEIRA, Christian Dennys Monteiro/UFC3

    VARGAS, Maria Augusta Mundim/UFS4Resumo

    Neste texto o propsito de descrever aspectos culturais e patrimoniais dos estadosde Gois, Cear e Sergipe. As festas natalinas desses lugares so descritas eproblematizadas sob um ponto de vista cultural-geogrfico-patrimonial. O estudo temrevelado que o tema demanda novos olhares e no se esgota na valorizao de

    bens culturais como fator de desenvolvimento e de cidadania. Com envolvimentodas Universidades Federais de Gois, do Cear e de Sergipe, estamosdesenvolvendo e produzindo conjuntamente a anlise das polticas culturais e osseus impactos; a percepo das festas populares; a caracterizao do territrio dasfestas populares enfocando os pontos fortes e os pontos fracos para o turismo e asoportunidades e ameaas em cada festa.Palavras chave : Festas Populares. Turismo. Polticas Culturais.

    1 INTRODUO

    Os resultados aqui apresentados constituem parte da pesquisa A dimensoterritorial das festas populares e do turismo: estudos comparativos do patrimnioimaterial nos estados de Gois, Cear e Sergipe, desenvolvida desde 2010. Nossoobjetivo nessa empreitada comparativa foi de ampliar as reflexes no campo daGeografia, sobre um tema que vem despertando ateno das mais diversas reasdas Cincias: a cultura. Devido ao seu carter dinmico, a cultura se situa entre ostemas constantemente analisados, investigados, interpretados, enfim, pesquisados.

    No Cear, onde se constata a diversidade de manifestaes culturais, importantescontribuies foram produzidas nos principais centros de ensino e de pesquisa do1 Pesquisa financiada pelo Edital Pr-Cultura/2009-MINC/CAPES.Equipe de Gois : Maria Geralda de Almeida,Maria Idelma Vieira DAbadia, Mary Anne Vieira Silva, Isis Maria Cunha Lustosa, Rosiane Dias Mota, MaisaFrana Teixeira, Jorgeanny de Ftima Rodrigues Moreira, Danielle Dantas e Leila Sobreira Bastos.Equipe deSergipe : Maria Augusta Mundim Vargas, Benizrio Correia de Souza Junior, Aucia Matos Dourado, Solimar Guido Messias Bonjardim, Rodrigo Santos de Lima, Ronilse Pereira de Aquino Torres, Denise Renata dosSantos, Angela Fagna Gomes de Souza, Roseane Cristina Santos Gomes, Adriane lvaro Damascena, IsabellaCristina Chagas Correa, Jorgenaldo Calazans Santos, Maryane Meneses Silveira e Tiago Conceio. Equipe doCear: Alexandra Maria de Oliveira, Maryvone Moura Gomes, Tiago Vieira Cavalcante, Luiz Raphael Teixeira daSilva, Glamer Fernandes de Sousa, Raimundo de Freitas Arago, Fbio de Oliveira Matos, Vldia Silva, HelionLima, Lucas Bezerra, Icla Tamara Carneiro, Francisco John Lennon Ferreira, Antonio Evangelista de Oliveira.2

    [email protected] [email protected] 4 [email protected]

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    estado. Gois, a despeito do interesse manifesto, carece de estudos sistemticosassim como ocorre com o Sergipe. Portanto, o tema demanda novos olhares, nose esgota e muito ainda est por fazer no que tange valorizao ou ao

    aproveitamento de bens culturais como fator de desenvolvimento econmico e decidadania.

    O entendimento de cultura, sobre o qual nossa anlise encontra-sefundamentada, baseado na concepo de Geertz (1989, p. 43), que a consideracomo uma rede tecida pelas sociedades, carregada de significados mltiplos que spodem ser decifrados quando inseridos em seu prprio devir histrico e social.

    Nas ltimas dcadas, o interesse pela cultura, assim como pelo meio

    ambiente, acarretou usos diferenciados desses por diversos sujeitos e agentes.Esse uso contribuiu para acelerar as transformaes, assim como os impactos, juntos populaes, suas manifestaes e espaos resultando em paisagens.

    As paisagens com marcas sociais e culturais, assinala Claval (1995),formando paisagens culturais, atraem cada vez mais o interesse dos gegrafos.Paisagens culturais em constantes apropriaes e usos pelos homens soreveladoras de uma historicidade, das condies de materialidade e de

    geograficidade de todo fato humano e social. A subutilizao, a m utilizao ou ainutilizao das paisagens culturais por parte dos mais diferentes agentes despertoua preocupao para com a proteo, a conservao e a interpretao do patrimnio,buscando explicaes para sua dimenso territorial.

    Efetivamente, o conceito de patrimnio amplo. Engloba paisagens,conjuntos histricos, aspectos naturais, biodiversidade, arquitetura, prticas culturaistradicionais e atuais, conhecimento e experimentao. A utilizao desse patrimnio

    material e imaterial - em atividades tursticas tem sido recorrente em diversoslugares no mundo j h bastante tempo. A essa utilizao, visando, sobretudo, umarevalorizao econmica do bem cultural, costuma-se denominar Turismo Cultural 5, razo pela qual vrios estudos assimilam a discusso sobre turismo para explicar aspolticas destinadas ao patrimnio.

    No estudo aqui proposto, o turismo tambm objeto de discusso na medidaem que se relaciona com manifestaes culturais, dentre elas a festa. Dessa forma,

    5 Na concepo de Cerro (1992), por atrativos tursticos, devemos entender todo elemento material que temcapacidade prpria, ou em combinao com outros, para atrair visitantes de uma determinada localidade ouzona. Para o turismo, tais manifestaes so atrativos importantes. So recursos com os quais podemosplanejar atividades tursticas. (Cerro, 1992, in RUSCHMANN,1997, p. 45).

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    atribudo s festas. A festa no deve ser reduzida ao carter de utilidade, casocontrrio, corre-se o risco de perder de vista sua capacidade subversiva, uma vezque a vida coletiva realizada com o imprevisvel e o inelutvel e que a experincia

    comum faz romper em fragmentos, no tempo e no espao, as belas construesunitrias, estruturais ou funcionais (1983, p. 25). Aps as festas, restam asinquietaes criadoras das mudanas sociais.

    Amaral (1998, p.108) considera a festa como sendo o modo pela qual umasociedade se organiza num dado momento histrico. Ela analisou os principaismodelos tericos das Cincias Sociais sobre a festa - Durkheim e Caillois - eobservou que os dois modelos foram construdos tendo por referncia as festas das

    sociedades simples, cujos membros, diferentemente das sociedades complexas,aderem de maneira um pouco mais homognea aos valores culturais.

    Em seu estudo, concluiu que a festa brasileira ao mesmo tempo em quenega e reitera o modo como a sociedade se organiza - constitui um modelointermedirio entre os dois clssicos. Ou seja, para Amaral (1998, p.109), ela seapresenta unindo o passado ao presente, o presente ao futuro, a vida e a morte [...],o sagrado e o profano, a fantasia e a realidade, o simblico e o concreto, os mitos e

    a histria, o local e o global, a natureza e a cultura .Segundo Del Priore (2000, p. 10), a abordagem funcional da festa pode ser

    verificada quando observamos a transformao dela em exultrio para suportar asrduas condies de vida das classes subalternas na Colnia. A festatransformava-se numa pausa nas inquietaes cotidianas, num derivativoprovisrio, numa pontualdtente, numa vlvula de escape, ideia criticada por Davis(1990, p.87). Para este, a vida festiva pode, por um lado, perpetuar certos valores

    da comunidade (at garantindo sua sobrevivncia) e, por outro, fazer a crtica daordem social.De acordo com Felsentein e Flischer (2003), o uso de festividades ganhou espaoentre as modalidades de turismo. Isso provocou no s a reativao ou areformulao dos acontecimentos tursticos, dos j consagrados atos locais decarter cultural ou religioso, mas tambm a re-inveno de novas festividades. Defato, a busca de experincias autnticas e peculiares de muitos turistas os conduza acontecimentos tradicionais por eles desconhecidos.

    A concorrncia do mercado religioso ou de atrativos tursticos abertos eagressivos em sua oferta, contudo, contribui para que cada evento e cada

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    investimento na realizao de uma festa se traduzam num processo deespetacularizao com intuito de fortalecer sua eficincia material e simblica,segundo Oliveira (2006). A religio tambm pode vir a ser espetculo, divertimento,

    viso e exterioridade (cores, smbolos).Atualmente, nos Estados de Gois, Cear e Sergipe so as festas os

    principais agentes de mobilidade e deslocamentos para certos locais onde serealizam festas populares sejam elas de carter sagrado e/ou profano. Elas estodispersas pelos vrios municpios dos estados. No caso de Cear, comadensamentos em algumas regies, conforme mapa elaborado por Oswald Barrosopara o Atlas Escolar do Cear, organizado por Silva e Cavalcante (2004). Em

    Sergipe, de acordo com o recente inventrio cultural (VARGAS; NEVES, 2009), oestado uma festa!, distinguindo-se as festas de massa e as tradicionais. J emGois, elas aparecem ciclicamente ligadas a eventos como Cavalhadas, Procissode Fogaru e s tradicionais exposies agropecurias. Boa parte delas permaneceno desconhecimento ou marginalizadas. Isto ocorre, tambm, pela falta de umadivulgao, a disperso, o difcil acesso e, em alguns casos, o desconhecimento e odescaso at mesmo por parte da populao local.

    Apresentam-se a seguir, o mapeamento das festas natalinas dos trs estados.Aps breve exposio esclarecemos que, por meio das festas levantadas,pretendemos conhecer melhor a coletividade, buscando empreender uma anliseque contemple tempo-espao, paisagem-cultura, tradio-modernidade.Acreditamos, como nos prope Brando (1989), que no h melhor maneira para secompreender a cultura de um povo, a no ser por meio de sua religiosidade.

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    PAISAGENS E TERRITRIOS DAS FESTAS RELIGIOSAS

    As festas do ciclo natalino em Gois, no Cear e no Sergipe acontecementre os meses de Novembro e Janeiro. As manifestaes catlicas reproduzem aencenao do nascimento de Jesus Cristo e a visita dos Reis Magos ao MeninoJesus. Em muitos municpios so inseridas neste ciclo as festas de alguns santospadroeiros como So Sebastio, So Benedito, Nossa Senhora do Rosrio, NossaSenhora do Carmo, Nossa Senhora da Conceio, Nossa Senhora da Penha, BomJesus dos Aflitos, Bom Jesus dos Navegantes, Santa Luzia e Santa Ins. Fazemparte deste ciclo as produes e visitaes a prespios, lapinhas, cantatas de natal,

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    apresentaes de grupos de corais, mas, no entorno das manifestaes catlicas,secularmente e de forma muito especial no Brasil, so produzidas festas tradicionaisassociadas celebrao da vida e da vinda de Jesus Cristo, tais como as

    pastorinhas, reisados, folias de reis, taieiras, cacumbis, cheganas, configurandomanifestaes populares, muitas delas, sincrticas e definidoras da festa, a festada f do povo brasileiro!

    O marco inicial do ciclo natalino estabelecido com as comemoraes aNossa Senhora da Conceio, no dia 8 de dezembro. Em Fortaleza, capital doCear, h 260 anos, se festeja todo dia 08 de dezembro Nossa Senhora daConceio no bairro Messejana. Oraes, procisses e quermesses - barraquinhas

    instaladas no interior de um salo construdo para esse fim -, fazem parte daprogramao do perodo dedicado santa. Fato que podemos destacar aocorrncia da denominada Pr-festa que consiste na visita da imagem da santanas comunidades de Messejana, entre os dias 15 e 27 de novembro. A Missaprincipal j chegou a contar com a presena de 10 mil fiis e pudemos observar clara devoo dos fiis na liturgia pregada pela igreja. Em Sergipe, Nossa Senhora padroeira de 9 dos 75 municpios, mas em Aracaju, capital do estado que sua

    festa adquire destaque pela singular manifestao sincrtica. Na mesma data, de 8de dezembro, comemora-se Oxum. A cidade vestida com o sincretismo. NossaSenhora da Conceio reverenciada na Igreja Matriz com alvorada festiva emissas da manh noite. A reverncia a Oxum demarca a paisagem urbana comvrios cultos e cortejos. Inicia-se pela manh na colina de Santo Antnio, onde osterreiros se renem para, em cortejo, alcanarem, por volta das 11 horas, a IgrejaMatriz e realizarem o ritual da lavagem de suas escadarias. noite, todos os

    terreiros deslocam-se para a praia, na avenida da orla da cidade num ritualespetculo, que envolve mais de 4 mil mulheres com abadas, seguindo o trio eltricoAfox. Beleza e leveza, comandadas pelas batidas do trio, movem uma multido deassistentes/participantes conformando uma onda humana no ritmo do Afox. Nasareias da praia, junto s guas do mar, Iemanj reverenciada desde as primeirashoras do dia at a noite. Assim, as toponmias de Oxum e de Iemanj, marcadas nocho e na areia, fazem suas marcas e vo embora, at o prximo ano.

    O dia de Natal marcado por cultos no interior das igrejas. As missas dogalo, realizadas meia noite, so cada vez mais raras, assim como as quermessese ceias nas praas. Algumas ainda ocorrem em pequenos municpios e povoados de

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    Sergipe, de Gois e do Cear. Nesses estados, a montagem de prespios elapinhas envolve as comunidades. Esses lugares constituem-se posteriormente empontos de visitao. Segundo Cascudo (1986), os povos grafos e isolados so

    como contemporneos primitivos, associando o sagrado e o profano. O prespioNatalino, nesse contexto, como smbolo universal do nascimento de Jesus Cristo.Ele inspira os sentidos da arte: encenao, escultura, literatura, msica, entreoutros.

    Tinhoro (2000) argumenta que antigamente imperava o prespio comosmbolo da festa da famlia, sendo poucas as casas em que no se armava oprespio. O fator principal para essa aproximao das manifestaes natalinas,

    contudo, foi a predominncia da religio catlica, principalmente pelauniversalizao do prespio de Natal. No estado de Gois, ressalta-se o prespionatalino do Santurio da Baslica do Divino Pai Eterno em Trindade/GO e o da Igrejade Santo Antnio em Anpolis/GO, este foi, considerado um dos maiores prespiosexpostos no interior de uma igreja catlica. Outros prespios so exibidos na cidadede Trindade e em outro municpios, constituindo os principais atrativos nesteperodo, apesar de tornarem-se cada vez mais raros.

    Os prespios destacam-se pela singeleza de tocar a sensibilidade crist.Particularmente, no interior do Cear, suas variaes so nomeadas de lapinhas. Apopularizao dessas lapinhas passou a incorporar caractersticas tnicas,geogrficas, como tambm, culturais nas mais diversas comunidades catlicas. Oselementos compositores do prespio representam o prprio Natal e a visita dos ReisMagos. Eles configuram uma sntese dos elementos religiosos cristos/catlicos.

    Os corais e as cantatas restringem-se ao interior dos templos e so comuns

    tambm nas festas dos santos e das santas que so comemorados nesse perodo,como Santa Luzia, no dia 13 de dezembro, que, alm de novenas, reverenciadacom procisses nos trs estados.

    A comemorao do Natal est se tornando cada dia mais uma manifestaourbana, com a presena de smbolos como a rvore de Natal e do Papai Noel. Emcontrapartida, os elementos populares tradicionais como a lapinha, os prespios eas quermesses esto cada vez mais distantes, resistentes num espao perifricodos grandes centros.

    Em Fortaleza, o Centro Drago do Mar de Arte e Cultura um espaodestinado ao encontro das pessoas, ao fomento e difuso da arte e da cultura. O

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    espao foi idealizado pelo Secretrio da Cultura do Cear, o jornalista PauloLinhares, na dcada de 1990. A programao do ciclo natalino no Centro nomeadaNatal de Luz e conta com apresentaes de grupos de todo estado do Cear. So

    territorializadas nesse espao, manifestaes culturais tpicas do perodo natalinocomo Pastoril, Reisado, corais e autos de natal que animam as plateias bastantenumerosas. Destaque ainda para o formato de participao dos grupos queconcorrem editais da prefeitura para se apresentarem no espao Rogaciano Leite doCentro. Tal iniciativa denota a importncia do papel do estado em incentivar,espetacularizar e exibir os rituais de natal, sobretudo, dos interiores no centrocultural Drago do Mar de Arte e Cultura.

    J o Municpio de Maracana, Regio Metropolitana de Fortaleza, conta coma festa Natal de Brilho , que se estende de 20 a 25 de dezembro, patrocinado pelaprefeitura. O evento, tambm em formato de espetculo, conta com apresentaesde corais, Pastoril, grupos de dana, grupos de teatro e grupos de Reisado. Na ruaem frente praa, ocorre uma feirinha de artesanato com venda de bijoux, bonecasde pano, tapearia, quadros, arranjos, sandlias, caixas de madeira, alm decomidas e bebidas.

    Na simbologia crist catlica, a comemorao do Natal demarcadora dofim do Advento, perodo de quatro semanas que antecede o nascimento de Cristo,mas tambm o incio da Epifania, que celebra a manifestao de Jesus aos ReisMagos. O natalcio de Jesus marca tambm o solstcio de vero comemorado emcultos, nas praas e ruas. Da a profuso de comemoraes de santos emanifestaes. Cultos, novenas e missas especiais demarcam o territrio dostemplos e os bailados de vrios ritmos, cores e formas redefinem as praas e as

    ruas, num refazer tradicional e popular da f e da vida.A Folia de Reis uma manifestao religiosa de destaque em Gois.

    Consiste numa memria do relato bblico, livro de Mateus, captulo dois, da jornadados Reis Magos (Gaspar, Baltazar e Melquior), que viajaram do Oriente a Belm. AsFolias de Reis, presentes neste estado, se concentram, significativamente, naRegio Metropolitana de Goinia, pois so mais de 25 grupos somente na Capital.As festas de outros santos presentes no ciclo natalino, mas distintos da concepoda natividade, tambm aderem ao formato de folias para suas celebraes. o casoda Folia e Festa em homenagem a So Sebastio, que ocorrem no ms de Janeiroem Jespolis e Uruau. Em Jespolis, a Folia teve incio com uma promessa de um

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    devoto. Mesmo aps o cumprimento da promessa, houve continuidade da folia. Osmoradores do municpio de Jespolis identificaram-se com a manifestao ecomearam tambm a fazer promessas e cumprir votos ao santo. De acordo com o

    fundador da Folia, o evento se transformou numa tradio do municpio deJespolis. Segundo ele, por meio dessa manifestao, h a unio entre amigos,demonstrao de f e devoo a So Sebastio.

    Os giros de Folias so divididos em trs partes. A primeira consiste nasada da procisso. Nesse momento, os grupos realizam cantorias e rezasagradecendo ao santo da bandeira a oportunidade de demonstrar sua devoo epedem proteo para conseguirem cumprir a misso de realizar o giro at a

    entrega. A segunda parte consiste no giro propriamente dito. Os folies saem decasa em casa, cantam, rezam e pedem esmola para a realizao da festa deentrega. Durante o giro, ocorrem os pousos de folia, que so almoos e jantaresoferecidos pelos devotos. Aps essas refeies, os pousos ganham outra animao,quando acontece a dana da catira ou a curraleira. Existem outras folias como a doDivino Esprito Santo que faz os giros nos meses de junho e julho. Cabe ressaltar que o turismo tem dado impulsos para que as apresentaes das folias ocorram fora

    do seu contexto religioso e tradicional.A Festa de So Sebastio , que ocorre no municpio de Uruau, Gois, tem

    durao de dez dias. Essa manifestao acontece h mais de trinta anos comoforma de arrecadar recursos para a Igreja e organizada pela Parquia de SoSebastio. A programao religiosa composta por novena seguida de missa equermesses, alm dos leiles. So dezenas de barracas que comercializamalimentos - batata frita, cachorro quente, sorvete, pamonha, pastis, salgados,

    caldos, frango assado entre outros. O proco da Igreja de So Sebastio afirma quea festa tradicional, porm, algumas prticas ressignificam-na, como a presena daimagem do Divino Pai Eterno do Santurio de Trindade durante a procisso e avenda de CDs e camisetas. O proco da Igreja informou que a comercializao dosartigos religiosos citados foi um pedido do Santurio de Trindade, pois uma formade arrecadar recursos financeiros para Baslica do Divino Pai Eterno.

    No Cear, assim como em Sergipe, os grupos de Reisado so numerosos eno se denominam Folia como em Gois. Existem grupos tradicionais e outrostantos formados por jovens inseridos em projetos de polticas pblicas de incluso,mas todos com performance de autos religiosos seguidos de versos profanos, que

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    no deixam de louvar o nascimento. Outra caracterstica desses grupos que asapresentaes no se restringem ao perodo natalino. Eles danam o Reisado o anotodo, em outras comemoraes religiosas e cvicas. H muitas variaes dos

    Reisados. As figuras principais variam dos palhaos, cuja funo era despistar ossoldados de Herodes para que no encontrassem a Virgem Maria fugindo com omenino Jesus, at o caboclo e o boi janeiro, que lutam em cena, ao som desanfonas, cavaquinho e pandeiros. Os cortejos podem ser longos pelas ruas dascidades ou restritos a apresentaes em palcos e praas.

    As festas de outros santos presentes no ciclo natalino, mas distintos daconcepo da natividade, aderem ao formato de Folias em Gois, como j citado na

    comemorao de So Sebastio. O cenrio festivo composto tambm pelascatiras, principalmente nos municpios de Goinia, Anpolis, Aparecida de Goinia,Silvnia e So Joo DAliana.

    De acordo com Rdua (2010), a manifestao cultural da catira est presentepelos interiores do Brasil, destacando-se o estado de Minas Gerais, So Paulo, MatoGrosso do Sul, Tocantins e , principalmente, o estado de Gois. Essas danas sedesenvolvem por meio de um ritmo de sapateado brasileiro semelhante a um bate-

    p ao som de palmas e violas. Pode ser exercitado somente por um grupo dehomens ou tambm por um grupo de mulheres.

    A catira tradicionalmente faz parte de outra manifestao cultural popular emGois, a Folia de Reis, pois de acordo com vrios autores, uma dana folclricaque vem por meio de uma divindade para complementar o que se tem na folia.Assim, o grande papel da catira, quando inserida na Folia de Reis, exclusivamenteanimar os folies bem como atrair o pblico. Sua espacializao no estado de Gois

    to significativa quanto as Folias. A dana marcada por violas e batidas dasmos, uma contra as outras. Ela ainda se embeleza pelos trajes comuns utilizadospelo grupo: chapu, botina, cala comprida, camisa manga longa e gravatas delenos. A coreografia alternada em cada regio, o estado de Gois, baseia-seprincipalmente na linhacountry americana.

    Ainda conforme Rdua (2010), a dana inicia-se com puxado do violeiro comseu rasqueado 6 e os danadores que fazem a escova, ou seja, um bate-p e bate-mo. Logo, o violeiro canta parte da moda ajudada pela segunda voz, e assim,

    6 No meio popular, o rasqueado significa a msica popular que tem as suas origens nos ritmos que formaram posteriormente a msica popular brasileira.

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    voltam ao rasqueado. Os danadores entram no bate-p, bate-mo intercalados por pulos, transpasses e voltas. Quando encerra a moda, eles realizam o que sedenomina Serra Acima, na qual rodam uns atrs dos outros, da esquerda para a

    direita, mantendo os movimentos de ps e mos. Feita a volta completa, osdanadores viram-se e se voltam para trs, realizando a chamada Serra Abaixo. Aoterminar cada um deve estar no seu lugar, a fim de executar novamente os ritmosdos ps e das mos.

    Encerra-se o recortado, no qual as fileiras trocam de lugar e assim tambm osdanadores, at que os violeiros se colocam na extremidade oposta e depois voltamaos seus lugares. Durante o recortado, depois do levante, no qual todos levantam a

    melodia, cantando em coro, os cantadores entoam quadrinhas em ritmo vivo. Nofinal do recortado, os danadores concluem numa evoluo mais acentuada do bate-p, bate-mo e dos pulos, que exige uma maior coordenao e preparo fsico.

    Em Sergipe, So Benedito e Nossa Senhora do Rosrio, protetores dosnegros, so comemorados no ciclo natalino, com destaque para as cidades deLaranjeiras e Japaratuba que, ao promoverem festivais e encontros culturais,proporcionam a reunio de grupos de religies e manifestaes populares diversas.

    O Maracatu, a Taieira, o Pastoril, a Chegana, o Cacumbi e o Guerreiro,principalmente, so encenados em vrias localidades, com destaque nos citadosencontros culturais. As Taieiras e o Pastoril danam e cantam versos de louvaoaos santos. J o Cacumbi uma variao de autos e bailados como Congada,Guerreiro e Reisado, mas igualmente, tem como objetivo a louvao a So Beneditoe a Nossa Senhora do Rosrio. Em Japaratuba, a coroao da rainha do Cacumbiocorre no dia da procisso de So Benedito e ela tem lugar de destaque na

    procisso catlica. O Maracatu, o Guerreiro e a Chegana se distinguem por noencenarem rituais de louvao. Cada um, sua maneira, insere-se, contudo, nosfestejos dos Santos. O Maracatu no possui um enredo para exibio, pois desfilaem homenagem ao santo protetor e ao som de batuques, personagens reaisafricanos: rei, rainha, prncipe, princesa, vassalos, ministros, cavaleiros, lanceiros,porta-bandeira e tocadores danam, do umbigadas e fazem reverncias.

    O Guerreiro, assim como a Chegana, so autos que se manifestam durantea maioria das festas religiosas do perodo natalino e se constituem de jornadas. AChegana resulta de uma promessa feita por tripulantes durante uma tempestade. Aembarcao ancorou no dia 6 de janeiro e a primeira igreja que encontraram para

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    agradecer foi a de So Benedito. Assim, piloto, capito tenente e demaiscomponentes vestem trajes de marinheiro e, em fileiras, desenvolvem coreografiasque imitam o balano de um barco, ao som de marchas. O Guerreiro conta a histria

    de uma rainha que se envolve com o ndio Peri. O rei dana uma luta de espadacom o ndio e o combate termina com sua morte. Os componentes (contra-mestre,embaixador, tocadores, vassalos, dentre outros) intercalam passos de danas comcharadas e louvaes.

    Em Gois, a Festa de So Benedito, especial protetor dos escravos e dospovos negros ocorre na cidade de Gois no incio do perodo natalino com missas,procisses e expresses da cultura afrodescendente, tais como o Congo, a Catira e

    a Capoeira Angola. Entretanto, alguns municpios como Itapaci, Santa Cruz deGois, Acrena, Itaguari realizam as Festas de So Benedito e de Nossa Senhorado Rosrio nos meses de junho e julho.

    Em Janeiro, ainda comemoram-se Nossa Senhora da Glria, Santo Amaro,So Cristvo e Bom Jesus dos Aflitos, mas Bom Jesus dos Navegantes quem sedestaca como um dos festejos catlicos mais significativos de Sergipe e Cear. Ele festejado beira de rios em inmeros municpios e povoados, com cortejo

    terrestre e fluvial. O percurso fluvial geralmente aplaudido por fiis em canoas e smargens, com muitos fogos de artifcio. Em Aracaju, ocorrem duas procissesdedicadas a Bom Jesus dos Navegantes, sinalizando a sua importncia para ospescadores e fiis ribeirinhos.

    Em todas as festas, a imagem do Santo consiste no principal elemento dapaisagem festiva. Nos rituais catlicos, geralmente, a imagem fixada em umabandeira que segue frente da procisso, e tambm fica exposta na sala de estar,

    na qual erguido um altar, espao onde abriga o encontro dos folies, moradores evisitantes. Nas manifestaes populares, o elemento paisagstico de destaque oalferes da bandeira nas folias e os condutores dos estandartes dos folguedos.

    Ocorrentes em casas, templos, praas, ruas e rios, as festas invadem oslugares, distinguem-se do tempo do trabalho, rompem madrugadas, marcam sons,ritmos e saberes mltiplos nos gestos e nos instrumentos, mas sempre agregadas f e aos festejos da f. Terminado janeiro, outros santos esperam suas revernciasnos templos, mas os grupos populares guardam seus apetrechos e vestimentas ato prximo ciclo, ou como vem ocorrendo, aguardam convites para apresentaes

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    espordicas, ao se espetacularizarem, conforme j foi mencionado. So, assim,transformadas em atrativos tursticos.

    3 FESTAS, DIMENSES EM ABERTO: PERMANNCIAS E MUTAES

    Embora tendo sentido ecumnico, as festas natalinas tornam-se ruidosasquando a elas incorporamos as manifestaes populares ocorrentes no entorno dascelebraes. Como separar a f de quem dana e evolui nos folguedos daquelesque rezam novenas e ladainhas aos santos! Muitas festas elaboram-se entre algica dos contedos daquilo que permanece e renovam-se nas representaes da

    religio, da f e da identidade de cada indivduo e de sua construo coletiva.As festas so preparadas, custeadas, planejadas e montadas segundo regras

    elaboradas no interior da vida cotidiana. As festividades envolvem a participaocoletiva da sociedade em seu conjunto ou em grupos nos quais os participantesocupam lugares distintos e especficos; articulam-se em torno de um objeto focal:um ente real ou imaginrio, um acontecimento, um anseio ou uma satisfaocoletiva, modificando a paisagem e o territrio do local onde acontece.

    Em vista de tudo isso, o presente trabalho procurou apreender a paisagem eo territrio formado pelas festas religiosas presentes nos trs estados, buscandocompreender mobilidades, permanncias, mudanas, e singularidades de cadaevento. Mostramos a existncia de diversas festas religiosas com configuraes esentidos prprios, jeito mpar de se manifestar. Com efeito, embora as festas deorigem catlica do ciclo natalino girem sempre em torno da celebrao donascimento de Jesus, o calendrio das festas populares permeado pela influncia

    africana e indgena.Constatou-se, no decorrer do texto, que as festas religiosas so

    majoritariamente de padroeiro, seguem os mesmos ritos, diferenciando-se pelosanto de devoo e pela manifestao dessa devoo. Algumas festas congregam,contudo, elementos mais voltados para a valorizao cultural mesmo estandorelacionadas Igreja Catlica. A festa de padroeiro possui um sentido peculiar navida do fiel, pois significa o dia de agradecer as bnos recebidas, de comunhocom a Igreja e seus ritos. A presena do fiel na festa, alm de um compromisso coma religio e um sinal de devoo, tambm possibilitar a sociabilidade e asolidariedade. A festa o dia de encontrar amigos e familiares, se divertir, enfim,

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    festejar. As manifestaes populares, igualmente tradicionais, ampliam o festejar agregando vestimentas, ritmos e sons que extrapolam os limites permitidos nosrituais dos templos. Saem para o resguardo de uma herana de famlia, lembrando

    as pisadas, as marcaes e as histrias danadas pelos antepassados. Da aconstituio de grande parte dos grupos ser predominantemente de familiares enomeadas como, por exemplo, o Cacumbi de Joo, o Pastoril de Josefa.

    No percurso das tradies , identificamos certo deslocamento das festas paraa espetacularizao , tal como em eventos de massa. Por um lado, novenas,ladainhas, missas e a formao dos grupos populares permanecem limitados devoo e herana. Por outro, esto cada vez mais inseridos em grandes eventos

    de massa que se realizam aps os rituais e as danas de rua. Est se tornandocomum a montagem de palcos com shows de bandas que se apresentam noite,muitas das vezes, esvaziando as festas de f. Tais sinais nos remetem discussoe ao aprofundamento do sentido do turismo religioso, bem com das polticaspblicas, sobretudo, devido forte participao de governos no patrocnio de showsde massa.

    A despeito dessas constataes, as manifestaes presentes no ciclo

    natalino representam a identidade e a reproduo de costumes sociais em ummomento festivo, de convvio social e de devoo. Os elementos da paisagemfestiva consolidam seus significados individual ou coletivamente nos participantesdas festas.

    Os estudos empreendidos at o momento instigam a dar continuidade nomesmo tema, aprofundando e avanando no conhecimento j existente. Com talProjeto, repetimos, acreditamos contribuir para investigaes geogrficas sobre a

    dimenso territorial das manifestaes culturais, as paisagens culturais; pararepensar as polticas pblicas relacionadas apropriao de bens culturais e suautilizao em diversos setores da sociedade, no somente no estado do Gois, noCear, em Sergipe, bem como em outros estados que tm a mesma preocupao.Alm disso, por meio de tal projeto, acresce-se, poderemos conhecer polticas depreservao das tradies culturais da histria e memria do povo e com elascolaborar.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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