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8/7/2019 MARQUES et al_Dossie Metodos e Explicacoes da Politica
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DOSSI: MTODOS E EXPLICAES DA POLTICA
Para onde nos levam os caminhos recentes?
Dossi organizado a partir de mesa redonda realizada no XXX Encontro da Anpocs, Caxamb, 2006.
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Apresentao
Eduardo Marques
Pretendemos discutir os mtodos e as explicaes sobre a poltica, enfocando
sobretudo abordagens recentes, como os mecanismos institucionais e relacionais, o lugar da
histria e a contribuio da antropologia da poltica.
A discusso sobre mtodo relativamente rara entre ns, visto que no temos tradio
de pensar em nossas explicaes, nem tampouco nos modelos de anlise que so mobilizados
por nossa produo cientfica. Na verdade, essa discusso muitas vezes substituda por
falsas oposies entre elementos necessariamente complementares para a produo do
conhecimento. Acredito que o problema tenha vrias origens, e embora conhea melhor o
caso da cincia poltica parece-me que tambm atinge as demais disciplinas. Pretendo neste
texto introdutrio estabelecer alguns pontos preliminares. No se trata de esgotar as questes
destacadas, mas de diferenciar alguns elementos presentes nesse debate.
Em primeiro lugar, o espao da discusso sobre mtodo , por vezes, ocupado entre
ns por falsas dicotomias entre tcnicas ou entre teoria e anlise emprica. Com efeito, essa
dicotomia ecoa oposies clssicas entre dedutivismo e testemunho das coisas na histria
da cincia que o desenvolvimento do conhecimento e a sua anlise recente pelas cincias
sociais superaram ou reintegraram (Latour, 2005). A maior parte do ensino de metodologia
em nossos cursos, por exemplo, oscila entre a apresentao dos paradigmas tericos de uma
determinada disciplina e o ensino das tcnicas de pesquisa ali presentes.
No que diz respeito s tcnicas, alm disso, somos at mesmo mobilizados para nos
posicionar em relao superioridade de certas tcnicas sobre outras, como, por exemplo, na
falsa oposio entre quantitativo e qualitativo. Talvez este seja o equvoco mais grave que se
pode incorrer na matria em pauta. Tcnicas de pesquisa devem ser apenas aplicadas de formacorreta (sob o ponto de vista de seus elementos tcnicos) e apropriada para um certo objeto e
um conjunto de perguntas e objetivos de pesquisa. As polmicas abstratas e principistas sobre
tcnicas ou sobre estratgias analticas so completamente desprovidas de sentido cientfico e
servem apenas para ocultar conflitos de interesse e poder no interior da comunidade
acadmica e de suas instituies. Por vezes representam at mesmo uma defesa em relao a
desconhecimentos e incapacidades. O avano do conhecimento depende, diferentemente, da
discusso de interpretaes e argumentos a respeito de fenmenos.
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Apesar disso, verdade que enfrentamos um problema localizado no que diz respeito
s tcnicas. A produo cientfica brasileira, em geral, e o ensino de cincias sociais, em
particular, apresentam uma lacuna significativa no campo das tcnicas de pesquisa, sejam elas
quantitativas ou qualitativas, sejam exploratrias ou analticas. O problema causado em
parte por um crculo vicioso, visto que poucos entre ns foram formados (quando estudantes)
para ensinar esse assunto, o que mantm as novas geraes de cientistas sociais pouco
conhecedoras das principais ferramentas tcnicas existentes.
Uma outra falsa oposio presente com alguma freqncia entre ns diz respeito s
estratgias de pesquisa. Assim como no caso anterior, a realizao de investigaes mediante
estudos de caso ou estudos de variveis com grande nmero de casos representa uma escolha
importante entre estratgias de pesquisa, mas que deve apenas ser apropriada aos objetos
estudados e s perguntas que o trabalho pretende responder. Como j fartamente discutido
pela literatura internacional, as escolhas analticas representam decises com relao a
nfases. A utilizao de uma estratgia baseada em um grande nmero de casos com poucas
variveis (usualmente quantificadas) permite, na maior parte das vezes, uma capacidade de
generalizao elevada, mas, por definio, leva o analista para longe dos detalhes e restringe o
conjunto de elementos que podem ser estudados conjuntamente (Przeworski e Teune, 1970).
Por outro lado, estudos baseados em casos esto muito mais interessados nos detalhes e tiram
a sua capacidade de anlise do entrelaamento e da ordem dos fenmenos e das variveis
(Ragin, 1987), em troca de uma maior dificuldade de generalizar. A generalizao e a
compreenso dos detalhes e da variabilidade dos fenmenos somente podem ser alcanadas
por meio da combinao dessas duas estratgias, tarefa que normalmente realizada com o
trabalho cooperativo no interior da comunidade cientfica entre perspectivas diferentes.
Embora essas vrias escolhas sejam importantes, a questo mais geral a que me referi
anteriormente no se resume a elas, mas se encontra nas estruturas da explicao, ou no maior
ou menor controle dos pesquisadores sobre seus prprios argumentos.O ponto de partida de todo o conhecimento em cincias sociais a idia de que
possvel observar e interpretar as regularidades do mundo social, sem que isso signifique a
abolio das variaes individuais. Isso pode parecer bvio, mas representa uma primeira
distino com relao a perspectivas cticas que defendem a impossibilidade de construirmos
explicaes em nossas cincias. Alm de assumirmos uma postura no ctica em relao ao
conhecimento, entretanto, quase todos ns partimos de uma viso probabilstica dos
fenmenos no mundo social (Przeworski e Teune, 1970), incluindo autores que no abordamos seus fenmenos quantitativamente. Probabilstico tem aqui um sentido ontolgico e
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descreve o fato de que os fenmenos sociais sempre variaro de um caso para outro. Nesse
sentido, o tipo de explicao que podemos produzir diferente de grande parte das produzidas
nas cincias fsicas, em que a maioria dos fenmenos entendida como determinstica, sendo
possvel prever o comportamento futuro dos fenmenos incorrendo-se apenas em erros de
medida. Na verdade, esse tipo de explicao era amplamente hegemnico sob o paradigma da
fsica newtoniana, mas hoje nem mesmo nas chamadas cincias duras a determinao faz
mais parte das explicaes responsveis pelos mais importantes desenvolvimentos (Prigogine,
1996). De qualquer forma, no caso dos fenmenos sociais, as variaes em relao ao previsto
por um determinado modelo explicativo no se devem apenas aos erros de nossos
instrumentos de medida, ou s complexas multicausalidades do mundo social (King,
Keohane e Verba, 1994), mas variabilidade da ocorrncia dos fenmenos no mundo social
(King, Keohane e Verba, 1994; Przeworski e Teune, 1970). Isso ocorre mesmo quando h
acordo a respeito de explicaes, para alm das diferenas de perspectiva sociais e ticas que
marcam o conhecimento na rea. Por todas essas razes, portanto, a construo de teorias de
mdio alcance parece ser para ns a postura analtica mais parcimoniosa, ao menos como
estratgia provisria de produo cumulativa do conhecimento em cincias sociais.
A discusso detalhada desses pontos, entretanto, nos levaria para longe de nosso
argumento. Para os objetivos deste debate, basta que estabeleamos que a produo do
conhecimento possvel e que nossos fenmenos tem uma ontologia probabilstica,
comportando variaes em torno dos casos. Dado isso, uma das grandes clivagens presentes
no debate diz respeito ao estatuto e s estratgias de nossas explicaes. Esse ponto
analisado por vrios autores de forma dispersa, e em Tilly (2001) de maneira mais explcita.
Embora a classificao que esse autor prope apresente alguns problemas, bastante til
como ponto de partida.
Para Tilly, h basicamente quatro tipos de explicao, alm da perspectiva ctica (que
representa, de fato, a recusa da possibilidade de explicaes). Em primeiro lugar, as leisgerais, em que o esforo recai sobre a construo de generalizaes amplas baseadas em
informaes empricas de grande envergadura. Neste caso, a pesquisa organizada
metodologicamente como uma grande coleo de informaes, controlando as variaes em
torno do que seriam mdias estatsticas e apontando para as condies associadas ocorrncia
de um determinado fenmeno. As informaes podem ser qualitativas ou quantitativas, mas,
ao final, passam por alguma forma de quantificao. Quando as leis gerais centram a sua
ateno na existncia de motivaes e cognies, Tilly as considera um segundo tipo deexplicao denominado explicao por propenses. Com grande freqncia, em ambos os
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casos os estudos mobilizam o que Mahoney (2001) chama de anlise de correlao em um
sentido lato.
Um terceiro conjunto de explicaes de grande generalidade incluiria as sistmicas,
segundo Tilly. Neste caso, as anlises compreendem a ocorrncia de um dado fenmeno a
partir do lugar que ele ocupa em uma estrutura ou sistema com funcionamento
preestabelecido pela teoria. O funcionamento dos fenmenos considerado automtico e
autoregulado, sendo derivado de processos e eventos que ocorrem sem a necessidade direta de
ao social ou atores.
Por fim, um quarto e amplo conjunto de explicaes mobiliza mecanismos e
processos, indicando elementos singulares como causas e recorrendo a analogias explicativas
parciais e localizadas. Os elementos mobilizados aqui esto prximos da ao social e situam-
se, portanto, em um nvel menos abstrato do que nos trs tipos de explicao anteriores.
Mahoney ajuda a precisar ainda mais o argumento, ao definir que um mecanismo causal
uma entidade no observada que, quando ativada, gera um resultado de interesse (2001, p.
580). Essa definio parece-me bastante interessante, pois no apenas chama a ateno para a
dimenso suficiente dos mecanismos (que os diferenciam de meras variveis intervenientes),
mas principalmente destaca o fato de que os mecanismos causais so relaes postuladas que
o pesquisador imagina que existam (Idem, p. 581). Isso de fundamental importncia, uma
vez que remete ontologia dos mecanismos, indicando que eles no esto no mundo social,
mas em nossas teorias. As explicaes por mecanismos, portanto, no intencionam descobrir a
existncia de um dado elemento da sociedade, mas abrir a caixa-preta da causao de
determinados fenmenos, levando a uma melhor compreenso das dinmicas sociais.
Tilly descreve trs tipos de mecanismos: ambientais, cognitivos e relacionais. No
primeiro caso, temos aes que se vinculam a caractersticas dos contextos que influenciam a
vida social. Dentre esses, podemos incluir as instituies, destacadas pelo
neoinstitucionalismo, e o espao ou o territrio, destacados pela geografia e os estudosurbanos e regionais. Os mecanismos cognitivos incluem as aes que se relacionam com as
percepes e os estados mentais dos indivduos e grupos sociais, englobando as vrias
explicaes derivadas da teoria da escolha racional e suas aparentes violaes, como o
devaneio e a compensao. A maior parte dos elementos classificados por Elster (1998) como
mecanismos pode ser includa nessa categoria. Por fim temos os chamados mecanismos
relacionais, que, de alguma forma, mobilizam as relaes entre indivduos, grupos e
organizaes, assim como os padres gerais formados por tais conjuntos de relaes,conformando redes sociais.
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Parece-me que a classificao de Tilly confunde a ambio das explicaes (presente
nos trs primeiros conjuntos de explicao) com a localizao do elemento causal (presente
nos mecanismos). Assim, possvel que sustentemos que um determinado mecanismo de tal
forma importante que ocorre sempre e, portanto, o fundamento de uma lei geral. Nesse
sentido, as explicaes por mecanismos, apesar de se localizarem em nveis de abstrao
inferior aos descritos pelo primeiro conjunto, podem almejar uma generalizao elevada. A
fora de sua classificao, entretanto, diz respeito proposio dos tipos de mecanismos, o
que me parece bastante importante para organizarmos as explicaes que temos produzido.
Em nosso caso especfico, se articulamos essa classificao com o que afirmei
anteriormente em relao s teorias de mdio alcance, parece-me que a postura mais
parcimoniosa a adotar est em buscar os mecanismos e os processos de nvel intermedirio
que explicam os fenmenos, em uma estratgia ao mesmo tempo provisria e cumulativa de
produo do conhecimento. Os textos que compem este Dossi partem desse ponto de vista.
Marta Arretche discute os principais elementos mobilizados em um tipo de explicao
ambiental, de natureza institucional; Gilberto Hochman apresenta os principais elementos que
as abordagens histricas comportam; em meu texto discuto os avanos trazidos recentemente
pelo estudo dos mecanismos relacionais; por fim, Karina Kuchnir explora a abordagem da
antropologia da poltica, problematizando nossas representaes sobre a poltica (dos
pesquisadores e dos prprios atores polticos) e contribuindo para um melhor entendimento
dos mecanismos cognitivos to caros a diversas tradies do estudo da poltica.
BIBLIOGRAFIA (SUB 1)
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A AGENDA INSTITUCIONAL
Marta Arretche
We seek not dogma, but disciplined thought.
(KING, KEOHANE E VERBA, 1994, p. 7)
A anlise do efeito das instituies polticas sobre o comportamento dos atores
polticos ou sobre o contedo das decises polticas ganhou grande proeminncia nos estudos
em cincia poltica realizados no Brasil. O postulado bsico de que as instituies importam
foi incorporado agenda de pesquisa da cincia poltica brasileira, assim como parte
expressiva do debate entre os cientistas polticos est voltada a responder pergunta de quais
so as instituies mais adequadas para que tenhamos um sistema democrtico, representativo
e estvel.
De fato, o tema das instituies tem grande apelo tanto para os cientistas sociais
motivados a produzir orientaes normativas e/ou recomendaes polticas como para aqueles
motivados a produzir conhecimento cientfico. Como demonstraram Ferejohn e Pasquino, a
longa histria da teoria poltica reveladora das estreitas conexes entre os projetos
normativo e positivo, posto que:
O terico interessado em persuadir uma audincia [...] [visa a] nos convencer de como a vida
poltica deveria ser vivida, e tentando fazer isso nos trata como capazes de acompanh-lo na
contemplao de como as instituies alternativas ou os sistemas normativos deveriam funcionar.
[Ora], quem prescreve uma ao deve ser capaz de antecipar suas conseqncias relevantes [...].
Para que uma teoria normativa seja atrativa, ela deve ser ao menos um pouco plausvel, assim
como atrativa, luz da teoria positiva. Ela deve conseguir acertar (ao menos na maior parte das
vezes), caso contrrio qual seria a atrao das prescries normativas que se apiam nela?(Ferejohn e Pasquino, 2001, p. 6).
Em outras palavras, qualquer prescrio normativa sobre um estado desejvel de vida
social deve ser capaz de demonstrar que as instituies propostas produziro efeitos
compatveis ou prximos deste estado de coisas. Simetricamente, a justificativa para a
mudana institucional est assentada sobre uma condenao dos efeitos produzidos pelas
instituies presentes. Portanto, as relaes entre instituies e seus efeitos desejveis ou
indesejveis devem estar assentadas sobre um conhecimento de natureza positiva. Em suma,
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proposies normativas devem se apoiar em conhecimentos relativos s regularidades da vida
social, campo da cincia social positiva. Obviamente, esta proposio vlida para qualquer
nvel de abrangncia, desde propostas que envolvam amplas reformas polticas at
recomendaes de mudana em polticas especficas.
O apelo da agenda institucional tanto normativo como positivo assenta-se sobre o
suposto de que o comportamento humano as preferncias e os valores dos indivduos no
manufaturvel, ao passo que as instituies so um artefato humano, passvel de construo
consciente. Nesse contexto, o que importa para a vida social so os comportamentos dos
indivduos e no, suas preferncias. Logo, a contribuio desse programa de pesquisas
consistiria na possibilidade de identificar o modo como as instituies afetam os
comportamentos, de tal sorte que seja possvel influir na vida social propondo instituies
polticas que criem incentivos favorveis aos comportamentos desejados.
Tal conexo entre teorias normativas e positivas remete para questes relativas
teoria do conhecimento e de metodologia. No campo da primeira, falar de uma cincia social
positiva supe admitir que seu objetivo descobrir regularidades da vida social (King,
Keohane, e Verba, 1994), negando a perspectiva que Tilly (2001) chamou de ctica, por
postular que as aes polticas seriam totalmente indeterminadas e, portanto, imprevisveis.
Na evoluo recente das cincias sociais, a negao das premissas dos paradigmas
holsticos, assim como a refutao emprica de suas explicaes, implicou a aceitao do
postulado de que a cincia social positiva no capaz de estabelecer leis gerais. Os
argumentos de que os desejos e as aes humanos no podem ser totalmente determinados
(Elster, 1994), de que eventos sociais so afetados por fatores no-sistemticos (King,
Keohane e Verba, 1994), ou, ainda, de que um mesmo fenmeno geral pode ocorrer atravs
de trajetrias distintas (Esping-Andersen, 1991; Bendix, 1996), todos eles conduziram
ampla aceitao de que o objetivo da cincia poltica positiva pelo menos, em seu estgio
atual produzir conhecimentos de natureza probabilstica isto , cuja capacidade depreviso estaria limitada alta probabilidade de termos B como resultado, caso sejamos
capazes de identificar A (Pierson, 2004) e de portabilidade limitada, concentrados em
teorias de mdio alcance (Merton, 1970) isto , orientados a explicar um conjunto restrito de
fenmenos sociais.
No plano metodolgico, o reconhecimento do carter probabilstico e de portabilidade
limitada da cincia social positiva no torna menos necessrio o emprego de regras de
inferncia lgica que deixem confiveis as concluses alcanadas (King, Keohane e Verba,1994). Ao contrrio, o fato mesmo da incerteza do conhecimento que torna absolutamente
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necessrio o respeito a regras de inferncia que permitam estabelecer uma relao de
causalidade entre um determinado fenmeno social ou poltico (B) e outro fenmeno que lhe
d origem (A). Da a importncia da citao que inicia este artigo, uma vez que este talvez o
maior desafio de nossas anlises em cincia poltica, qual seja, o de produzir pensamento
disciplinado por regras de mtodo. Basicamente, a diferena entre uma especulao uma
hiptese plausvel sobre a causa de um fenmeno e uma explicao causal (Elster, 1994)
supe o respeito a regras bsicas que disciplinem o pensamento do analista, protegendo-o de
suas prprias preferncias.1
Para a agenda institucionalista como de resto para todos os programas de pesquisa
orientados a produzir teorias de mdio alcance , isto implica que no so todos os
fenmenos polticos que podem ser explicados por estas teorias, mas apenas aqueles cujas
caractersticas se ajustem s suas premissas. O postulado de que as instituies importam,
porque afetam as estratgias dos atores e o contedo das decises polticas, deu origem a um
extenso programa de pesquisa que busca explicar tanto as relaes entre instituies,
comportamentos e resultados as teoria institucionais como a origem das prprias
instituies polticas as teorias das instituies (Diermeier e Krehbiel, 2003).
A ampla difuso dos pressupostos das teorias institucionalistas causaria, entretanto,
grande desservio causa da produo de conhecimento se esta se convertesse em um novo
dogma, que oferecesse respostas fceis para fenmenos complexos. Em outras palavras,
explicar um fenmeno poltico qualquer afirmando que as as instituies importam tornou-
se quase uma trivialidade. Na verdade, a contribuio central est em identificar quais
instituies de fato afetam comportamentos e decises, e como, isto , por meio de que
processos e mecanismos.
1 A definio de estratgias de pesquisa que construam proposies explicativas empiricamente
falsificveis e internamente consistentes (King, Keohane e Verba, 1994) distinta da escolha das
tcnicas de coleta de dados (Tilly, 2001). Na verdade, a excessiva concentrao das atenes na
superioridade das tcnicas qualitativas ou quantitativas tem deslocado o ponto central da discusso. De
fato, para obter resultados analticos confiveis, a deciso mais importante diz respeito estratgia de
pesquisa. As tcnicas de coleta de dados so apenas uma conseqncia da estratgia de pesquisa, que,
por sua vez, depende da pergunta a ser respondida. Tcnicas qualitativas ou quantitativas no so
superiores em si mesmas, mas devem ser avaliadas por sua adequao pergunta a ser respondida, natureza dos dados e indicadores a serem construdos e qualidade da informao disponvel.
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Um exemplo desse desafio a anlise das relaes entre a forma de Estado e o welfare
state. Desenvolvimentos recentes no campo da anlise comparada contriburam para
questionar a amplamente aceita premissa [...] de que o federalismo inimigo do crescimento
do Estado de Bem-Estar em todos os pases e em todas as eras (Leibfried, Castles e Obinger,
2005, p. 307). A anlise comparada de decises e resultados de polticas pblicas tem
concludo que praticamente sem significado analtico a diviso binria entre estados
federativos e unitrios (Filippov, Ordeshook, Shvetsova, 2004; Obinger, Leibfried e Castles,
2005).
Confrontados com concluses desse tipo, os cientistas sociais esto normalmente
propensos a afirmar que o fenmeno em questo complexo. Esta, entretanto, no constitui
uma soluo satisfatria, uma vez que nada mais do que uma confisso do insuficiente
desenvolvimento da teoria existente, posto que quer dizer que no sabemos quais so as
variveis que explicam o comportamento do fenmeno analisado (King, Keohane e Verba,
1994). Alternativamente, poder-se-ia afirmar que esta uma evidncia de que as instituies
no importam, uma vez que diferentes instituies no produzem diferenas relevantes nos
resultados. A aceitao dessa resposta implicaria, evidentemente, o abandono da agenda
institucionalista e a adoo de outro paradigma de investigao. Uma terceira alternativa seria
admitir que no so estas as instituies que de fato importam, qual seja, os estudos empricos
que admitiram a premissa da existncia de uma distino fundamental entre estados
federativos e unitrios no estavam observando as instituies de fato relevantes para explicar
a emergncia e o desenvolvimento das polticas de proteo social.
Longe de significar um fracasso desse programa de pesquisa, isso na verdade indica
sua maturao, na direo de excluir com base em slida investigao emprica variveis
explicativas que no se mostraram relevantes. Assim, o avano desse programa exigiria
examinar quais instituies polticas favorecem o desenvolvimento e a ampliao de polticas
de proteo social abrangentes e inclusivas.Alm disso, o avano desse programa envolveria examinar como tais instituies
polticas afetam as decises, problema este ainda mais difcil de ser enfrentado, pois implica
abrir a caixa preta do processo decisrio e identificar os mecanismos postos em marcha
(Elster, 1994) pelas instituies identificadas (Tilly, 2001). Examinar mecanismos
institucionais distinto de examinar instituies, pois diferentes instituies podem por em
marcha mecanismos institucionais similares. Por exemplo: a disperso ou a centralizao da
autoridade poltica so mecanismos institucionais centrais na anlise do desempenho dosestados federativos. Tanto a facilidade para aprovar emendas constitucionais como a
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concentrao de recursos tributrios na Unio favorecem a centralizao da autoridade
poltica, na medida em que limitam a autonomia decisria dos governos locais. Embora sejam
instituies distintas, pem em marcha um mecanismo institucional similar.
No menos relevante nessa agenda de pesquisa a controvrsia relativa questo da
seleo de casos para anlise. Muitos trabalhos no campo da escolha racional pretendem
identificar leis gerais, parcimoniosas, com base na investigao de um grande nmero de
casos. Na teoria do neoinstitucionalismo histrico, a prioridade dada aos efeitos derivados da
combinao de variveis em contextos especficos e ao carter endgeno da formao das
preferncias dos atores implicou que a grande maioria dos trabalhos desta corrente seja feita
com base em comparaes de um pequeno nmero de casos. Tais divergncias de mtodo do
a impresso de que as divergncias entre essas duas correntes esto centradas em tcnicas de
pesquisa, quando, na verdade, se referem a tipos de explicao vlida (Tilly, 2001). Mais do
que isto, difundiu-se a errnea proposio de que o mtodo dos neo-institucionalistas
enfatizaria a singularidade dos casos.
claro que para um analista interessado em fazer recomendaes para um
determinado pas, o conhecimento de suas especificidades da maior relevncia. Entretanto,
para a produo de conhecimento positivo, relativo s regularidades da vida social, os
fenmenos singulares podem ser apenas expresso de eventos estocsticos (King, Keohane e
Verba, 1994) e, portanto, sem relevncia. Por outro lado, um caso singular pode ter grande
relevncia para a teoria social se suas caractersticas particulares desafiam o conhecimento
terico existente. A relevncia do caso norte-americano em Weir et al. (1988) e Skocpol
(1992) no est em descrever as particularidades da poltica social nos Estados Unidos, mas
em explicitar que as diferenas dos resultados no desenho daquele sistema de proteo social
poderiam ser atribudas a variveis ainda no examinadas pelas teorias existentes. No a
singularidade do caso que motiva sua seleo, mas sua capacidade de trazer luz teoria
existente. Portanto, o que interessava no era o que particular ao caso norte-americano, maso que geral e ainda no havia sido descoberto pelo conhecimento disponvel. Tratava-se,
portanto, de converter nomes prprios em variveis (Przeworski e Teune, 1970).
Em suma, entre os cientistas polticos envolvidos na agenda de pesquisa
institucionalista, no h apenas divergncia quanto aos postulados bsicos facilmente
acessveis em resenhas e artigos (Levi, 1997; Immergut, 1998; Hall e Taylor, 2003), mas
tambm quanto aos mtodos a serem empregados para fazer inferncias sobre a regularidade
da vida social (Lieberman, 2001; Levi, s.d.).
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Contudo, no me parece produtivo empenhar-se na defesa da superioridade de
qualquer uma de suas vertentes, particularmente a teoria das escolhas racionais e o
neoinstitucionalismo histrico. Extensa e produtiva produo recente (Bates, 1998; Elster,
2000; Skocpol, 2000; Mahoney e Rueschemeyer, 2003; Pierson, 2004) dedicou-se a enfrentar
pontos de controvrsia entre as duas correntes, explicitando divergncias e produzindo
algumas convergncias em torno de questes substantivas, tais como a formao das
preferncias dos atores (se endgenas ou exgenas), as causas da mudana institucional (se
endgenas ou exgenas), o postulado do equilbrio institucional, as disciplinas com as quais
deve dialogar preferencialmente a cincia poltica (se a economia ou a sociologia) e a
influncia do fator tempo no desenvolvimento institucional. A atitude intelectualmente mais
produtiva neste caso seria enfrentar tais questes e argumentos especficos.
BIBLIOGRAFIA (SUB 1)
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HISTRIA E POLTICAS
Gilberto Hochman
A histria importa? Essa uma pergunta cuja resposta de cientistas polticos, na trilha
de economistas e socilogos da poltica, tem sido, nas ltimas duas dcadas, crescentemente
incisiva e insistentemente positiva, ainda que longe de unnime. Tanto o substantivo
histria, como o adjetivo histrico,passaram a freqentar mais o vocabulrio corrente da
disciplina, ainda que se saiba que a histria esteve mais presente na formao e nos caminhos
das cincias sociais (Abrams, 1982; Reis, 1998). no campo disciplinar da sociologia que
esse dilogo tem sido mais constante e persistente, de onde derivam a expresso virada
histrica das cincias sociais (McDonald, 1996), a constatao de que vivemos uma era de
ouro da sociologia macro-histrica (Collins, 1999) ou estamos em uma segunda ou terceira
onda da sociologia histrica (Adams et al., 2005). Parte dessa reflexo tem produzido fortes
interseces com a anlise histrica comparada e com as anlises de polticas pblicas
(Ashford, 1992; Mahoney e Rueschemeyer, 2003).
Essa diferenciao entre histria, como disciplina e mtodo distintivo, e histrico,
como atributo de processos e prticas que ocorrem no tempo e no espao, no apenas um
recurso para ressaltar dimenses da articulao entre histria e poltica, mas indica diferentes
compreenses sobre a histria. Para alm da distino weberiana entre singularidade e
generalizao, que diferencia analiticamente a causalidade histrica da sociolgica, surgiu um
vocabulrio que contaminou certos segmentos da cincia poltica: por exemplo, tempo,
conjuntura, contexto, evento e seqncia.
No Brasil, os estudos de polticas pblicas em perspectiva histrica obtiveram amplo
acolhimento multidisciplinar e grande audincia. Os embates travados com o behaviorismo e
as perspectivas no-histricas de anlise, to cruciais para a virada histrica no mundoanglo-saxo, no foram muito influentes nas cincias sociais brasileiras. Desse modo, os
campos da cincia poltica, da economia, da histria e da sociologia produziram importantes
estudos sobre as origens, o desenvolvimento, as continuidades e as mudanas de polticas
pblicas especficas, , em particular no perodo republicano. A gnese e o desenvolvimento
A Elisa Pereira Reis, que me introduziu no tema das relaes entre cincias sociais e histria, e a
Simone Kropf, que me ensinou a conviver, mais tranqilamente, com as inmeras intersees da vidae da academia.
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das polticas sociais de proteo ao trabalhador e das polticas econmicas voltadas para a
industrializao foram temas privilegiados nas anlises histricas das polticas estatais.
At a dcada de 1980, a nfase foi desvelar polticas estatais especficas em sua
dimenso nacional, com poucos empreendimentos comparativos ou de incorporao dos entes
subnacionais. Tratava-se de compreender a natureza do Estado brasileiro, seu vis autoritrio
e centralizador, a modernizao econmica e a desigualdade, e refletir sobre as possibilidades
de construo de uma ordem democrtica. Esse conjunto extenso de trabalhos transitou entre
uma narrativa organizada pela teoria e a pesquisa histrica, esta muitas vezes criticada pelos
historiadores. Assim, os processos histricos seriam cenrios e contedos de um argumento
terico e formal que os organizaria e os interpretaria. Nesse sentido, o singular e o contextual,
que caracterizam a explicao histrica, foram bases para generalizaes e teorizaes. Neste
dilogo frtil entre poltica e histria, nem sempre explcito ou pacfico, houve
reconhecimento mtuo os cientistas sociais adotaram categorias como periodizao e
contextualizao em seus estudos, e os historiadores, por sua vez, passaram a utilizar
categorias analticas e interpretativas das cincias sociais.
A redemocratizao do pas trouxe novos temas e problemas de investigao para as
cincias sociais, e novos arsenais tericos e metodolgicos adentraram o campo. Novas
agendas e problemas de pesquisa e o processo natural de disciplinarizao certamente tornou
o dilogo entre a histria e a cincia poltica mais complexo em relao quele estabelecido
em dcadas anteriores. preciso reconhecer que, no campo especfico da cincia poltica, a
questo por que a histria importa? (Pierson e Skocpol, 1999) ganhou um sentido particular
quando os cientistas polticos perceberam a importncia da anlise das instituies, e,
portanto, a perspectiva histrico-comparada passou a ser fundamental. Desse modo, a histria
tem exercido atrao para os que enveredam na investigao de processos e escolhas que se
deram no passado, mesmo prximo, e que influenciam o presente. Por outro lado, o setor de
histria poltica passou a enfrentar dilemas do tempo presente, isto , entendeu que eranecessria uma interpretao histrica para os eventos do presente, mas tinha que manter, ao
mesmo tempo,as caractersticas distintivas e constitutivas da rea. Alm disso, os
historiadores adentraram tambm o terreno da cincia poltica, tratando de temas como
eleies, partidos, opinio pblica e aes governamentais a partir de suas circunscries
temporais e espaciais (Rmond, 2003). Mas, nesse processo, como sugere Sewell (2005), os
historiadores no tm participado ativamente da discusso com as cincias sociais.
A adeso sentena a histria importa constatvel pelo nmero crescente detrabalhos publicados no Brasil e no exterior que comportam temas afins. Porm, a idia de
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voltar para trs e olhar (Pierson, 2004, p. 47) no completamente nova, nem to simples
como poderia parecer em princpio, mas polmica dentro do prprio neoinstitucionalismo
(Hall e Taylor, 2003; Pierson, 2004); e talvez no desfrute de prestgio em certas
comunidades acadmicas que associam a histria a mtodos qualitativos, com baixa
capacidade de formalizao e reduzida capacidade de comparao.
Avanos e problemas so assinalados pela literatura que tem buscado refletir sobre o
tema e empreender anlises historicamente orientadas de polticas. Parte considervel desses
avanos advm do crescimento e da visibilidade das anlises comparadas e contextualizadas.
Esses estudos abordam um nmero determinado de casos para delinear similitudes e
divergncias e identificar causalidades nos processos histricos, tais como democratizao,
efeitos de polticas sociais e conformao dos modernos Estados nacionais (Mahoney e
Rueschemeyer, 2003). Tambm vm produzindo impulsos positivos no campo dos mtodos
histrico-comparativos. Os avanos e as novas proposies podem ser observados na
produo da vertente histrica do novo institucionalismo que se articula, mas no se
confunde, com as anlises histricas comparadas (Steinmo et al., 1992; Mahoney e
Rueschemeyer, 2003). O desafio dessa vertente procurar explicar processos e resultados
polticos a partir de variveis institucionais, ou melhor, considera as instituies regras do
jogo ou limites estruturantes da ao e da interao humana. Aqui, histrico refere-se viso
de que as instituies so produtos de lutas polticas e processos temporais concretos, o que
remete ao conceito de dependncia de trajetria. Escolhas so feitas em determinadas
conjunturas e restringem as chances de trajetrias alternativas em poltica e polticas, processo
esse que varia em contextos diferentes, potencialmente comparveis. Enfim, existiria uma
causalidade social dependente da trajetria percorrida observada no tempo, na histria
(Mahoney, 2001).
Todos se reconhecem vinculados ao movimento que levou a essa virada histrica das
cincias sociais e, na rea especfica da cincia poltica, os estudiosos tm trabalhado proficuamente com conceitos e processos correlatos na explanao de processos polticos.
Alguns autores desejam dar seguimento e aprofundar o debate em torno desse tema, outros
preferem no reforar o vnculo entre as cincias sociais e a histria. Nessas diferentes
perspectivas, h de se levar em conta que o exame de processos temporais no apenas uma
mudana metodolgica, ou aprimoramento tcnico, mas tambm uma mudana terica
(Skocpol e Pierson, 2002; Pierson, 2004; Thelen, 2004). Ou seja, a construo de teorias de
continuidade e mudana pressupe o poder causal de conexes temporais entre eventos. Issorequer conceitos que reconheam a diversidade dos padres dessas conexes. Contudo, talvez
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ainda estejamos nos marcos tradicionais. Skocpol, por exemplo, em meados dos anos de
1980, lembrava que os clssicos, no seu esforo de compreender os processos de mudana e
as estruturas sociais da Europa moderna, se preocuparam em explicar seqncias particulares
de eventos histricos buscando a chave para entender as mudanas cruciais e os contrastes na
formao do mundo moderno (Skocpol, 1985, p. 2)
Alguns autores entendem a histria como uma trajetria ou uma ordem particular de
eventos que produz resultados. mais interessantes analiticamente quanto mais se auto-
reforam e ou se reforam positivamente. Essa noo de histria associada anlise de
trajetrias incorre no risco de se criar generalizaes simplistas como, por exemplo, o
passado influencia o presente e se enclausurar na busca de causas remotas. H trabalhos
que naturalizam a idia de dependncia de trajetria, alm de um uso bastante lato desse
conceito, como identificam Mahoney (2000) e Pierson (2004). Este autor sublinha que a
histria importa nos processos de retroalimentao positiva, nos quais a seqncia
fundamental, e que preciso identificar no apenas os eventos, mas a ordem temporal em que
eles ocorrem, alm de estar atento possibilidade de comparar cursos de eventos diferentes.
Um ltimo comentrio sobre obstculos para se investigar os aspectos temporais no
entendimento de seus resultados em termos de poltica e polticas. Feitas as ressalvas
anteriores, parece que a histria como disciplina e arsenal metodolgico no tem sido
acionada quando proclamam seu papel na anlise de polticas. A dependncia de trajetria e
as dinmicas de auto-reforo, os efeitos de bloqueio e os processos de retroalimentao
positiva, entre outros, ao fornecerem um instrumental para analistas de polticas pblicas
eximiu-os (mas nem todos) do dilogo sistemtico com a histria. Desse modo, eles iriam
alm da descrio ou da simples narrativa. A histria poderia se tornar simplesmente fonte e
arsenal emprico.
Se histria narrativa no tempo, pensar historicamente indissocivel do tempo
cronolgico, que, por sua vez, no apenas seqncia temporal de eventos. Na narrativahistrica os eventos se relacionam entre si e no so facilmente organizveis e realocveis.
Aqui a distino disciplinar, sem dilogo, produz um fosso. Vale lembrar que h cada vez
mais estudos histricos de qualidade sobre polticas e aes do Estado fora da moldura da
cincia poltica. A pergunta seria como, desprovidos da histria, podemos acessar o
histrico? O caminho, creio, refletir sobre os instrumentos que do acesso ao contexto,
contingncia e aos eventos na organizao de uma seqncia temporal, o que nos permitiria
identificar mecanismos sociais importantes.
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OS MECANISMOS RELACIONAIS
Eduardo Marques
Em um sentido abstrato, a discusso sobre mecanismos relacionais confunde-se com a
prpria anlise da poltica, visto que o poder tem uma natureza intrinsecamente relacional.
Entretanto, a maior parte das linhas de anlise da poltica historicamente buscou elementos
explicativos localizados em duas escalas opostas de abstrao de um lado, nas estruturas e
nos sistemas sociais e, do outro, nos indivduos e nos processos de deciso individual ,
mesmo que pensadas estrategicamente. Apesar disso, a maioria dessas anlises incluiu e levou
em conta as relaes, embora de maneira contextual e metafrica.
A partir dos anos de 1970, entretanto, desenvolveu-se um programa de pesquisas
focado no nvel intermedirio e concentrado na anlise dos padres de relaes de indivduos
e entidades que cercam as situaes sociais a sociologia relacional. Esses padres de relao
estariam presentes em praticamente todas as situaes sociais, sendo muito difcil estudar
fenmenos sociais sem consider-los, como no caso dos fenmenos econmicos, por exemplo
(Granovetter, 1985). Concretamente, essa anlise reproduz, por meio de representaes
grficas e matemticas, os contextos relacionais dos mais variados tipos, onde se inserem os
atores sociais. Nas anlises desse tipo, pessoas, grupos, organizaes e entidades so
representadas como ns, e as relaes, como vnculos de vrios tipos. Os vnculos podem ser
materiais e imateriais, apresentar contedos mltiplos e usualmente so pensados como em
constante transformao. Na verdade, tais anlises tentam sempre reproduzir dedutivamente
por meio das redes certas estruturas relacionais de mdio alcance, construindo um nvel
analtico intermedirio entre estrutura e ao social. A tarefa similar estabelecida com o
espao, pelos socilogos urbanos marxistas nos anos de 1970, ou com as instituies, pelos
neoinstitucionalistas nos anos de 1980.As redes podem ser entendidas, basicamente, de trs formas. Seguindo diversas
tradies das cincias sociais, podemos consider-las apenas de maneira metafrica ou de
forma descritiva e ensastica. So definidas tambm como prescrio normativa para uma
determinada situao, como em estudos em administrao de empresas, por exemplo. Por fim,
so consideradas um conjunto de ferramentas analticas para o estudo de situaes sociais
especficas por meio da anlise das conexes sociais nelas presentes. Concentro-me neste
texto nessa ltima acepo, pois acredito que os avanos na rea advm da utilizao dasredes como mtodo de investigao a anlise de redes sociais , uma vez . Os ganhos
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analticos do uso do mtodo advm do fato de que os padres de relao de diversas situaes
sociais apresentam complexidade to elevada que no podem ser analisados satisfatoriamente
por meio de narrativas que explorem metaforicamente as redes. Em fenmenos com baixa
complexidade, evidentemente, o uso de metforas pode permanecer como a melhor estratgia,
e a anlise de redes talvez apenas adicione novos aspectos tcnicos e conceituais
desnecessariamente.
Como a cincia poltica enfoca centralmente o poder poltico (institucionalizado ou
no), e como este apresenta uma natureza relacional intrnseca, o estudo das redes sociais
pode ajudar bastante. As anlises envolvem, por exemplo, o estudo da influncia dos padres
de relacionamento em mobilizaes coletivas, seja em trabalhos de corte mais tradicional
(Gould, 1991), seja em trabalhos mais contemporneos centrados nas dimenses discursivas
da ao poltica (Mische e White, 1998). De forma similar, a literatura investigou as
influncias das redes no comportamento eleitoral (Niuwbeerta e Flap, 2000) e na estruturao
dos partidos polticos (Hedstrom et. al., 2000). Os estudos sobre as elites polticas tambm
representam um importante campo para a anlise das redes, seja do ponto de vista das
relaes internas elite poltica (Gill-Mendieta e Schmidt, 1996) e elite econmica (Minz e
Schwartz, 1981; Kadushin, 1995), seja comparando elites polticas e econmicas (Laumann et
al., 1992). Um outro conjunto de trabalhos investiga os padres de relao no interior do
Estado, envolvendo burocracias, agncias estatais e polticas pblicas (Marques, 2000, 2003)
e investigando especificamente a produo de polticas (Knoke, 2003; Laumann e Knoke,
1987). Como a anlise de redes permite a realizao de estudos detalhados sem o
preestabelecimento das fronteiras entre Estado e sociedade, representa tambm uma
importante ferramenta tanto para o estudo de lobby (Heinz et al., 1997) e de novas
institucionalidades de governana (Schneideret al., 2003), como para a anlise das relaes
entre pblico e privado no entorno do Estado (Marques, 2000, 2003).
A anlise de redes sociais parte do pressuposto de que as relaes sociais constituem aunidade bsica da sociedade, ao invs dos atributos dos indivduos. Nesse sentido, o mundo
social seria formado ontologicamente por padres de relao de vrios tipos e intensidades em
constante transformao. Nas primeiras snteses tericas sobre essa questo, atributos
individuais e relaes sociais eram vistos, de uma forma reducionista, como elementos em
oposio (Emirbayer, 1997). Atualmente, eles so pensados em associao, visto que, em
muitas situaes sociais, entidades com atributos comuns tm maior probabilidade de
estabelecer relaes por causa da presena de mecanismos de homofilia (Kadushin, 2004). Ao
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mesmo tempo, as relaes ajudam a construir atributos de vrios tipos, sendo muitas vezes
difcil estabelecer uma direo causal nica.
Embora os autores enfatizem questes diferentes, possvel reconhecer ao menos trs
tipos de anlise. O primeiro investiga os efeitos das posies dos atores e entidades sobre os
fenmenos polticos. Essas posies podem potencialmente: a) : alterar os resultados; b)
influenciar as aes, estratgias, alianas e oposies e c) influir inclusive sobre as propenses
cognitivas dos atores (inclusive as suas preferncias). O segundo tipo de uso analtico das
redes foca nos efeitos da estrutura da rede sobre os fenmenos existentes em uma dada
situao. Nesse caso, analisam-se a conformao geral de densidades e grupos, e os padres
de contigidade, conectividade e distncia presentes na rede social. Por fim, o terceiro grupo
discute os efeitos de modelos diferentes de estrutura sobre tipos de fenmenos. A nfase,
nesse caso, est na comparao entre estruturas de vrias redes de um mesmo tipo. De fato,
essas trs estratgias foram empreendidas a partir da dcada de 1970, em um caminho de
crescente generalizao explicativa.
Como qualquer estrutura, as redes costumam ser duradouras. Isso porque, embora elas
se transformem continuamente com a construo ou o rompimento de vnculos, a parcela em
transformao tende a ser relativamente pequena comparada ao conjunto dos vnculos. Alm
disso, estudos recentes sugerem a existncia de elementos associados ao comportamento
matemtico das redes (Watts, 1999), os quais lhes garantiriam sua continuidade, mesmo em
contextos de mudanas intensas de vnculos. A combinao desses elementos faz com que as
redes apresentem, a um s tempo, dependncia da trajetria, sobretudo em relao estrutura,
e tendncias constantes de mudana, principalmente em termos localizados.
Embora a complexidade tcnica do tema no seja muito grande, esse tipo de anlise
envolve escolhas que determinam os resultados dos estudos.
A primeira escolha analtica fundamental diz respeito ao tipo de rede a ser estudada.
Em todos os casos, as redes podem ser conceituadas para reproduzir os padres de relaocentrados em um ou mais indivduos ou em contextos mais amplos, que modelam o tecido
relacional de uma determinada situao social (as chamadas redes totais). A escolha de redes
pessoais ou amplas depende das preocupaes analticas da investigao.
A segunda escolha refere-se aos elementos que compem as redes indivduos,
famlias, grupos, organizaes etc. Esses agrupamentos institucionais e grupais, por sua vez,
conectam-se muitas vezes por meio dos indivduos que os constituem. As entidades nas redes,
portanto, esto sempre submetidas a uma natureza dual entre indivduos e grupos e
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organizaes (Breiger e Mohr, 2004) e, novamente, a questo se associa intrinsecamente aos
pressupostos analticos envolvidos.
Por outro lado, os vnculos considerados na anlise podem envolver elementos
materiais, como dinheiro e mercadoria, e imateriais, como informaes, afetos e idias. Eles
podem incluir, virtualmente, qualquer coisa, embora a considerao de certos tipos de vnculo
possa trazer dificuldades com relao operacionalizao da pesquisa e mesmo
confiabilidade das informaes obtidas no campo.
A essa dimenso se soma outra ligada intensidade dos vnculos. Desde que
Granovetter (1973) demonstrou a importncia fundamental dos vnculos fracos para a difuso
de informaes associadas a emprego, os autores vm discutindo essa questo, e hoje h um
consenso de que ambos os vnculos devem ser considerados, mas em relao a fenmenos
distintos. Os fracos geralmente se fazem presentes na veiculao de informaes e na
construo de coordenao poltica. Os fortes, em contrapartida, so importantes quando se
trata de fenmenos de coeso, comando e relaes mais verticalizadas. Mas ambos no so
excludentes, podendo ser considerados inclusive na anlise de uma mesma situao, como
mostraram Carroll e Fennema (2002).
As redes tambm podem incluir vnculos formais e informais. Na verdade, uma das
potencialidades trazidas pela anlise de redes diz respeito exatamente possibilidade de
considerarmos esses dois tipos de vnculos de forma conjunta e sistemtica. Embora nem toda
a literatura trabalhe dessa forma, a incorporao de vnculos informais e no intencionais vem
enriquecendo o estudo sobre elites econmicas (Kadushin, 1995) e sobre atores estatais e no
estatais na produo de polticas pblicas (Marques, 2003). Especificamente a este respeito, a
incorporao de vnculos informais e no intencionais (construdos ao longo da formao das
comunidades de polticas) parece ser um caminho promissor para o estudo do Estado de
forma mais prxima da realidade emprica (Marques, 2006).
A sociologia relacional tambm no tem pressupostos fortes com relao racionalidade dos atores, sendo inclusive possvel integr-la com perspectivas da escolha
racional e ferramentas da teoria dos jogos. A anlise de redes apenas incompatvel com a
adoo de princpios estritos de individualismo metodolgico. Na verdade, a ela apenas indica
como funciona um dos settings em que os indivduos esto inseridos, sendo compatvel com
vrios pressupostos de racionalidade. As prprias redes, entretanto, parecem ser o produto de
uma conjugao entre ao orientada a fins, acaso, e herana dos padres de vnculo
anteriores. Como os atores individualmente no tm controle sobre a estrutura das redes esobre as posies dos demais atores, mesmo que hajam racionalmente para construir e
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desmontar vnculos (e provavelmente o fazem), conseguiro influenciar apenas uma parte
muito pequena do tecido relacional em que se inserem. Parodiando Marx, possvel dizer que
os indivduos fazem as redes, mas no as fazem como querem.
Todas as dimenses destacadas sugerem que a anlise de redes envolve um grau
elevado de escolha da parte do analista no que diz respeito conceituao dos elementos
relacionais presentes nas situaes estudadas. Essa caracterstica no trs em si nada de
problemtico, desde que as escolhas sejam apropriadas s perguntas formuladas e se
desdobrem em estratgias e instrumentos de pesquisa tambm apropriados. Dado o grau de
detalhe envolvido, entretanto, a anlise de redes trabalha sempre com estudos de caso. Como
j destacado na apresentao deste dossi, no uso dessa estratgia de pesquisa, a generalizao
dos resultados obtida com as comparaes, variando os elementos presentes e investigando
detalhadamente a combinao dos fatores causais em cada conjunto de casos. Assim, apenas a
realizao de muitos estudos comparativos de redes em situaes sociais distintas pode, no
mdio prazo, sugerir quais os tipos de influncias que elas provocam, dadas as circunstncias
e os processos presentes. Embora ainda estejamos longe desse momento, avanamos
consideravelmente nas ltimas trs dcadas na compreenso das caractersticas, do
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contexto, como a coletneaAfrican political systems (Fortes e Evans-Pritchard, [1940] 1961)
e a monografia Os Nuer (Evans-Pritchard, [1940] 1978). Essa abordagem, por sua vez,
tambm gerou crticas. A definio de poder teria se tornado to ampla que poderia ser
encontrada em qualquer situao social, englobando literalmente todos os temas da disciplina
(Vincent, 2002). Mas nessa fase que se consolidou institucionalmente o campo de uma
antropologia poltica (Easton, 1959). fundamental ressalvar que, embora dialogando entre
si com mais ou menos freqncia, esses antroplogos no produziram em absoluto
abordagens homogneas da poltica. Se numa primeira etapa foi dada maior nfase aos
aspectos de coeso e equilbrio social, medida que avanamos no tempo, observamos uma
maior preocupao com as transformaes sociais, discutindo as relaes de poder no tempo e
no espao, a partir de temticas relacionadas a conflitos, rituais, mitos, identidades, status,
representaes e prticas.
A partir da dcada de 1950, principalmente depois do clssico Sistemas polticos da
Alta Birmnia, de Edmund Leach ([1954] 1996), desenvolve-se uma nova fase no campo da
antropologia poltica, com o afastamento do cnone tradicional e a pulverizao de problemas
tericos e temas de pesquisa, cujo alcance foge ao mbito deste texto. Entretanto, h um certo
consenso de que esses novos campos so fruto sobretudo do enfrentamento dos desafios
impostos por uma conjuntura mundial na qual convivem foras polticas e culturais em
diversos nveis como comunismo, capitalismo, colonialismo e movimentos sociais de diversos
tipos. Entre estes, a rea dos estudos feministas e dos movimentos anticolonialistas ganhou
destaque por sua importante contribuio para a reflexo em torno do poder (Vincent, 2002).
No contexto brasileiro, desenvolveu-se, na dcada de 1990, um conjunto de trabalhos
autodenominados antropologia da poltica, que tiveram sua institucionalizao mais
importante no Ncleo de Antropologia da Poltica (NuAP), sediado no Museu Nacional da
UFRJ, mas envolvendo grupos em outras universidades federais, como as de Braslia, Cear e
Rio Grande do Sul, entre outras. O objetivo do NuAP, como definiu Peirano (1998), era partirda suposio bsica de que a categoria poltica sempre etnogrfica. Ao investigar a
poltica legitimada pelos padres ocidentais modernos, deslegitimando pretenses
essencialistas, sociocntricas e conformistas, revela-se que a prpria percepo da poltica
como uma esfera social parte de outras esferas produto dessa ideologia moderna. No caso
brasileiro, alerta Peirano, o antroplogo enfrentaria uma combinao complexa de
universalismo cientfico e ideologia nacional de moldes holistas.
Isso tem sido observado em muitos estudos empricos, desde o clssico Coronelismo,enxada e voto (Leal, 1948) at as recentes etnografias e coletneas publicadas no mbito do
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NuAP (Palmeira e Goldman, 1996; Barreira e Palmeira, 1998; Heredia, Teixeira e Barreira,
2002; Palmeira e Barreira, 2006). A poltica entendida, aqui, principalmente como um meio
de acesso aos recursos pblicos, no qual o poltico atua como mediador entre comunidades
locais e diversos nveis de poder. Esse fluxo de trocas regulado pelas obrigaes de dar,
receber e retribuir, o que o antroplogo Marcel Mauss ([1924] 1974) chamou de lgica da
ddiva, e cujo princpio fundamental est no comprometimento social daqueles que trocam
para alm das coisas trocadas.
As pessoas que participam dessas redes, seja como eleitores, seja como polticos,
nunca concordariam com os acadmicos que consideram suas aes um mero clientelismo.
Do ponto de vista nativo, os polticos no esto privatizando bens pblicos (para usar
uma definio clssica de clientelismo); ao contrrio, os polticos esto dando acesso a bens e
servios pblicos a pessoas que no os teriam de outra forma. Nesse contexto, a palavra
pblico no significa recursos que pertencem a todos, mas recursos monopolizados pelas
elites polticas e econmicas. Ou seja, pessoas ordinrias de estratos inferiores da
sociedade no participariam dessa definio de pblico. Por isso mesmo, o acesso s
fontes pblicas de bens e servios precisa ser intermediado pelo poltico e visto como um
bem extraordinrio, que no tem preo.
No entanto, essa rede no se constitui apenas pelo acesso e intermediao de recursos
pblicos. A distribuio de bens e servios em locais de atendimento, como centros de
assistncia social ou escritrios polticos, prtica corrente. Para manter esse tipo de servio,
o poltico precisa manter fortes laos com empresrios ou grupos economicamente
favorecidos que lhe forneam dinheiro ou mercadorias demandados pela comunidade. Essa
ajuda externa retribuda, por sua vez, na forma de alvars, licenas, anistia de multas e
outros benefcios diversos. Pode tambm, sem dvida, em certos casos, caracterizar-se como
corrupo pura e simples.
Como se coloca, ento, a antropologia da poltica ante a questo da democracia? Senos basearmos nos seus princpios conceituais, relaes de troca do tipo acima mencionadas
so um grande desservio. Entretanto, como intelectuais, temos que evitar que nosso desejo
de melhorar a qualidade da democracia interfira na forma como coletamos e interpretamos os
dados de pesquisa. Seno, ficaremos perpetuamente rotulando as pessoas em vez de tentar
compreend-las. Seguindo a proposta de Peirano (1998), esses mesmos rtulos operam
segundo lgicas de poder da academia ou at lgicas de poder mais amplas. Assim, o mesmo
fenmeno classificado como mquina poltica, nos Estados Unidos, torna-se clientelismo,na Amrica Latina, ou servios aos eleitores, no Reino Unido (Posada-Carb, 2005).
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Categorias como mandonismo, coronelismo, clientelismo, entre outras, trazem
embutidas a idia de que as nossas prticas polticas so imperfeitas, atrasadas ou inferiores.
Trata-se de classificaes que tomam por base o princpio de que as sociedades modernas
devem estar comprometidas com os princpios democrticos universais inspirados nas
experincias europia e norte-americana. Desse ponto de vista, o clientelismo ser sempre
visto como sintoma de nosso estgio de subdesenvolvimento e, portanto, um problema para
a modernizao da poltica.
Seguindo em outra direo, podemos tomar o clientelismo como expresso de
valores culturais que privilegiam as relaes sociais entre pessoas, por oposio s relaes
entre indivduos, no sentido que Roberto Da Matta (1979) emprestou ao termo. Isto , trata-se
de trocas e relaes sociais que envolvem noes como honra, gratido e dvida moral. Em
muitos casos, isso ajuda tambm a perceber que as relaes de troca empiricamente
observadas no se constituem numa esfera poltica parte, muito menos so a principal
fonte de recursos da populao. Tanto assim que muitos dos bens doados por polticos so
itens aparentemente suprfluos, como perucas, camisas para times de futebol, brinquedos,
latas de tinta etc.
Para a antropologia, preciso investigar tais trocas dentro do contexto etnogrfico em
que ocorrem, buscando a compreenso das relaes sociais envolvidas. Em muitos casos, essa
compreenso fundamental para percebermos que a poltica opera com valores da sociedade
mais abrangente, tradicionalmente associados a outras esferas da vida social, como famlia e
religio, mas considerados ilegtimos quando operados na esfera poltica. Isso no quer dizer,
obviamente, que se queira justificar nem defender essas prticas cumpre, antes de tudo,
compreend-las.
Onde ficaria, ento, a responsabilidade e a contribuio da antropologia para com os
princpios da democracia representativa e o aperfeioamento das suas instituies?
Como afirmou Abls (1997), a antropologia no tem como objetivo criticar as prticas polticas, mas entender a maneira pela qual as relaes de poder emergem numa
situao determinada, adquirindo significado para os atores sociais. Parte sempre do
pressuposto de que a democracia um modelo terico, e que, portanto, no existe de forma
pura. Questionar conceitos como clientelismo deixar de tomar esse modelo como ponto de
partida; no considerar universais termos como, por exemplo, individualismo,
representao e domnio pblico; , finalmente, perceber que o universalismo um valor
inspirado no paradigma da modernizao, na crena de que a imparcialidade e a objetividade
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devem prevalecer sobre as emoes e a subjetividade (como as que esto presentes nas
relaes baseadas na honra e na ddiva).
A abordagem antropolgica privilegia tcnicas de pesquisa qualitativas, voltadas para
a realizao de trabalho de campo com observao participante e entrevistas em profundidade,
freqentemente produzindo estudos de casos. No entanto, o antroplogo no ignora que as
prticas e as representaes observadas esto inseridas numa sociedade maior, num sistema
poltico formal, com instituies de larga escala. Nesse esforo, a antropologia de um modo
geral oscila entre sua fidelidade ao particular e a necessidade de produzir generalizaes
(Lewellen, 1992). Por isso, fundamental que se estabelea um dilogo com outras
disciplinas, como a histria, a cincia poltica, a sociologia, a lingstica e a comunicao. a
partir de abordagens multi e interdisciplinares e da adoo de uma perspectiva comparativa
que se pode chegar a compreender no s as representaes e as prticas da poltica num
grupo especfico, mas tambm as relaes desse material etnogrfico com a sociedade mais
ampla.
A antropologia pode contribuir nesse debate porque sua principal tarefa estudar no
o que a poltica deve ser, mas o que ela para um determinado grupo, em um contexto
histrico e social especfico. Compreender, do ponto de vista do nativo, prticas muitas
vezes diferentes daquelas que idealizamos pode gerar incmodo, intelectual ou cvico, mas
um incmodo necessrio, pois, como disse Geertz, se quisssemos verdades caseiras,
deveramos ter ficado em casa (2001, p. 67).
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