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NOTA LIVRE Bauru, Maio de 2015, no 1. independentes A realidade do mundo da música independente De bares a estúdios, de cds a internet Garota Musical Som Virtual Receita Caseira Conversamos com a multi-instrumentista Maria Alves sobre rotina e o espaço da mulher na música Os artistas que usam a internet para entrar no disputado mercado fonográfico no Brasil Músicos que gravam seus discos sem precisar sair de casa Compositores | Roadies | Músicos de Rua | Bandas de Acompanhamento Estúdio Gratuitos | Bastidores | Crowdfunding | Ensaio Fotográfico

Nota livre

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Suplemento produzido para a disciplina de Jornalismo Impresso II, 2015, do curso de Jornalismo da Unesp, câmpus Bauru, sob a orientação do Prof. Dr. Angelo Sottovia Aranha

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NOTA LIVREBauru, Maio de 2015, no 1.

independentesA realidade do mundo da música independente De bares a estúdios, de cds a internet

Garota Musical

Som Virtual

Receita Caseira

Conversamos com a multi-instrumentista Maria Alves sobre rotina e o espaço da mulher na música

Os artistas que usam a internet para entrar no disputado mercado fonográfico no Brasil

Músicos que gravam seus discos sem precisar sair de casa

Compositores | Roadies | Músicos de Rua | Bandas de Acompanhamento Estúdio Gratuitos | Bastidores | Crowdfunding | Ensaio Fotográfico

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Nota livre 2

Falando em música...O palco é muito grande

para apenas pou-

cos subirem. Os sons,

múltiplos. Na esqui-

na, garagem, repúbli-

ca ou bar .... seja onde

for, o som é pulsante.

O atual cenário da músi-

ca independente no Bra-

sil é fértil e promissor.

Nunca antes foi tão

acessível juntar os equi-

pamentos e instrumen-

tos e, mesmo em casa,

gravar seu próprio tra-

balho. Por que então

fechar os olhos e ouvi-

dos a esse seguimento?

O suplemento Nota

Livre busca trazer uma

perspectiva do cenário

da música independen-

te em nosso país. Com

as já sabidas dificul-

dades de conseguir uma

produtora ou gravadora

- que, em alguns casos,

restringe ou não aceita a

proposta de um artista

ou banda - é necessário

criar um espaço, sem

amarras, de ideias, de-

bates e informações

acerca de tal cenário.

Há muito a ser mostra-

do. Muito a ser desc-

oberto. Mas, em con-

trapartida, há poucos

lugares para se mostrar,

divulgar. Atualmente, a

grande mídia fecha a

sete chaves suas por-

tas para os artistas e

músicos que não con-

tam com o apoio das

gigantes gravadoras.

O cenário independente

se desenvolve de forma

contrária à lógica já esta-

belecida pela Indústria

Fonográfica. Novos

modelos são propos-

tos, se aproximando

cada vez mais da ideia

da “economia criativa”.

Modelos horizontais, co-

laborativos e, por con-

sequência, mais social

e culturalmente justos.

Frente a essa modern-

ização no campo da pro-

dução e distribuição de

música e cultura, o Nota

Livre se propõe a não só

analisar o rico cenário

independente, como

também fomentá-lo.

Sem amarras ou vendas.

Índice 3 Entre o bem e o mal 4 A garota musical Grato Dessabor

5 Os dois lados da moeda Bastidores

6 Ensaio fotográfico

9 O mercado dita o ritmo

10 Quanto você pagaria por um CD? Mãos invisíveis

11 A Banda mais independente da internet Vaquinha Virtual

12 E se eu quiser fazer música?

13 Música para quem quer tocar Review

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Reitor: Dr. Julio Cezar Durigan Vice-Reitora: Dra. Marilza Vieira Cunha Rudge

Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação – FAAC Diretor: Dr. Nilson Ghirardello Vice-diretor: Dr. Marcelo Carbone Carneiro Departamento de Comunicação Social Chefe: Dr. Juarez Tadeu de Paula Xavier Vice-chefe: Dr. Angelo Sottovia Aranha

Expediente

Curso de Jornalismo Coordenador: Dr. Francisco Rolfsen Belda Vice-coordenadora: Dra. Suely Maciel Planejamento Gráfico Editorial II Professor: Dr. Francisco Rolfsen Belda Jornalismo Impresso II Professor: Angelo Sottovia Aranha Equipe Daniel Linhares | Herculano Foz | Lucas Ayres Letícia de Maceno | Raphael Soares

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Entre o bem e o malAs experiências com o mercado nacional de música independente segundo artistas

Letícia De Maceno

O Brasil é um país onde a con-vergência de diferentes cos-tumes e tendências é constante. Segundo Marcelo Campos, can-tor de bares da região de Bau-ru e compositor desde seus 12 anos, “estamos vivendo tempos onde a troca cultur-al é intensa e consequente-mente as pessoas procuram meios de se expressarem e as-sim mostrarem para o mun-do o porquê de estarem aqui”. Por consequência dessa inten-sa miscigenação cultural e pelo fato de o Brasil contemplar áreas muito distintas (tanto na culinária como na música, por exemplo) conforme a região, sua produção do mercado cultural acaba sendo extremamente am-pla, diversificada e permanen-temente em movimento, onde a necessidade de expor difer-entes tipos de manifestações faz com que alguns artistas desenvolvam seus próprios meios para se expressarem, já que os tradicionais passam a não dar conta de sua demanda. Para Paula Souza, que no auge de seus 25 anos canta numa banda de rock clássico do interior de Ribeirão, a pro-dução independente é a chave pra liberdade: ‘Nós não quer-emos ficar presos a produto-ras e suas burocracias. Quer-emos fazer aquilo que nos dá oxigênio sem dar satisfação pra nenhum patrão. Queremos ser donos da nossa arte. Fazer parte da música independente me deixa mais próxima disso. No campo musical não é dif-erente. A restrição não só com-portamental como à determina-dos estilos dentro do mercado comercial das grandes grava-doras faz com quem muito ar-tistas não contemplados por esse mercado busquem alter-nativas para mostrar sua arte. O mercado define o que é músi-ca independente não somente pelo porte da gravadora, selo ou grau de expressividade dos ar-tistas, mas principalmente pela separação entre as chamadas Majors e as Independentes (tam-bém conhecidas como indies). Essa divisão considera como-mo como Major toda gravadora

e/ou distribuidora que tenha ligação com as grandes em-presas mundiais do segmento musical; no caso específico do Brasil, podemos incluir nessa categoria a Som Livre, consid-erada a única empresa do setor com capital exclusivamente nacional e que segue a agenda internacional da música, inde-pendentemente das preferên-cias regionais do Brasil. Já as produtoras ou selos indepen-dentes somam mais de 400 em-presas de diversos portes (em sua maioria, pequenas e mi-cro empresas) e que possuem, em conjunto, grande partici-pação no mercado principal-mente quando se divide este mercado em nichos, seja por critérios como estilo, região geográfica ou público alvo.

Acontece que o cenário inde-pendente brasileiro não é mui-to receptivo e os músicos que recorrem a esse segmento cos-tumam enfrentar grandes desa-fios. A criação de grupos, asso-ciações e coletivos juntamente com as redes sociais serviram como uma ferramenta no auxílio aos artistas nesse campo onde os incentivos são quase nulos e proporcionaram, a longo prazo, benefícios que antes seriam im-possíveis sem a convergência midiática do século XXI, apesar de a música já existir antes dele. Hoje em dia, basta digitar “música independente” em al-gum site de pesquisa pra notar uma chuva de tutoriais que vão desde como produzir uma bati-da musical em casa até qual plataforma escolher na hora de

divulgar um trabalho. Essa co-laboração “solidária” dos músi-cos tem possibilitado uma maior autonomia para os que seguem o caminho indepen-dente. Músicos brasileiros mer-gulham diariamente no mar da rede onde as possibilidades são muito maiores se comparadas à divulgação boca-à-boca, por exemplo. A internet foi capaz de abraçar os músicos como as gravadoras não fizeram. Mas é preciso alertar que nem tudo são flores, segundo Fer-nando Arruda, baterista numa banda de hardcore, o mundo in-dependente pode ser cruel: “Às vezes rola umas competições entre as bandas, um queren-do de certa forma prejudicar o outro. É raro mas acontece.”. O paulista de 23 anos conclui dizendo que apesar das difi-culdades, não pretende sair da área: “É pra isso que eu vivo. Fi-cando rico ou não, eu quero viv-er de música. Tudo vale a pena.” O mercado nacional de musi-cal, seguindo a tendência mun-dial, vem apresentando queda ou estagnação nas vendas de músicas nos formatos físicos tradicionais. Em 2000, o fatur-amento do setor com a venda de CDs foi de R$ 891 milhões em 2004 foi de R$ 701 milhões e em 2007, de R$ 337 milhões, segundo dados coletados pela ABPD5 junto às Majors brasile-iras, indicando assim, uma re-dução constante e preocupante para as grandes gravadoras.6 Supondo que, entre os anos de 2000 e 2007, um CD tivesse um custo médio de R$ 25,00 para o consumidor final, o consumo per capita teria se reduzido de 0,21 CD/habitante em 2000 para 0,06 CD/habitante em 2007; esta estimativa levou em conta a diminuição das vendas e o aumento da população. Contudo, este cálculo expres-sa apenas a parte legalizada do mercado, deixando de lado a pi-rataria que, em 2004, por exemp-lo, representou 53% das vendas. Portanto, não se pode,, concluir que houve uma diminuição na produção de conteúdo ou no surgimento de novos artistas.

Nota livre 3

Músicos buscam autonomia em meio ao caos das grandes gravadoras

(Ultrad)

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a garota musicalEla toca, dança e respira música

Letícia De Maceno

Enquanto concilia piano e ba-teria, Maria Alves, de 20 anos, é a garota simpática que gasta seu (curto) tempo livre com a dança. Conheça abaixo um pou-co mais das facetas dessa artista NL: Como a músi-ca entrou na sua vida? M: Desde pequena lembro de assistir em frente à tele-visão videoclipes imaginando como seria se eu pudesse faz-er a minha música também. Meus pais eram muito music-ais. Sempre cantando em casa. Principalmente aos domingos. Acabei por ter influência de di-versos estilos musicais e isso fez com que eu fosse essa con-fusão toda. Toco piano, bateria e faço dança. Definitivamente a música faz parte de mim.

Como é ser uma artista inde-pendente? Você pretende se vincular a alguma gravadora no futuro com alguma de suas bandas ou entrar por exemplo, para uma grande companhia?

Olha, isso realmente é compli-cado. A liberdade que eu tenho tocando onde quero é maravil-hosa. Tenho medo de fazer dis-so algo tão maçante que se torne um problema, sabe? Isso me preocupa. Ter gente me falan-do como tocar a minha própria música. É claro que a estabil-idade e as possibilidades que um “produtor” oferece sao gi-

gantes, mas eu prezo mui-to pela minha liberdade. Nãojulgo quem faz parte de gravado-ra, mas acho que arte é liberdade. Difícil de se vender em massa.

Quais as dicas que você daria pra quem tá inician-do seu caminho na música? Não sei se sou a mais indica-da pra dar dicas. Tem dias que

tô com cólica e tenho 4 horas de aula. É complicado e eu só queria chorar. Mas quando che-go é maravilhoso. Tanto no pia-no, quanto na bateria. É o pouco que sei. O difícil é sair do lugar, mas quando saímos, as coisas tendem a funcionar muito bem.

O que é ser mulher e baterista ao mesmo tempo? Bem complicado. Você escuta muita besteira tipo “Nossa, mas bateria? Não poderia ser algo mais delicado ou menos barul-hento?” ou “Mas não precisa de muita força?”. Algumas vezes já me convidei pra tocar em al-guma banda que precisava de baterista e na hora eles nega-ram quando viram que eu era mulher. Rola esse estigma que a gente não dá conta, né? Em tudo. Mas a gente dá sim e às vezes faz melhor do que eles. Ser mulher e tocar bate-ria e piano e dançar é mar-avilhoso. É ser mulher livre.

Nota livre 4

Grato dessaborCompositores tentam se estabelecer na nova realidade do mercado

Lucas Ayres

A atividade de compor músi-cas profissionalmente não tem história fácil no Brasil. O domínio do mercado fonográfico nas mãos de TV, rádio e gravadoras, além da deficiência nos registros tornava a profissão complicada: feita uma música, era difícil lançá-la nos mei-os dominantes, ou pior, quando ela era lançada - com outro nome e creditado a outro artista. Hoje em dia, com novas tecnologias abrangendo tanto a divulgação quanto para registro musical, a atuação profissional mudou, mas continua igualmente complicada. “No Brasil, há muito tempo, ex-iste uma dificuldade enorme por parte dos compositores em viver exclusivamente de suas obras”, afirma o músico conhecido como Gê Tock, músico e professor do conceituado Conservatório de Tatuí. Gê tem três CDs gravados com composições próprias, mas

mas encontra obstáculos para em-placar seus trabalhos, especial-mente em relação à direitos au-torais. “A política de distribuição desses Direitos é extremamente viciada. Quando um CD é lança-do e em seguida comercializado, a medida em que a arrecadação desse valor é repassada desde quando sai de uma loja, até chegar as mãos do compositor, vai pas-sando pela Editora que detém os Direitos Autorais, pela Gravadora, pela Distribuidora, pelo ECAD, pe-las Sociedades filiadas ao ECAD e aí sim, nas mãos do compositor.” Gê ilustra a situação : “É como ter um bolo feito inteiro por você, mas sobra apenas uma fatia para você!” Felizmente, problemas de regis-tro e plágio não são mais recor-rentes. A internet aparece como ferramenta para atrelar obras aos seus criadores. Sites como o Clube dos Compositores e o Dicionário

Cravo Albin oferecem serviços de divulgação e registro oficial de com-posições. Gê, por exemplo, se or-gulha de ter todas as suas músicas devidamente registradas, e saber “onde são executadas e por quem!”.

O cenário é também de dificul-dade para compositores indepen-dentes. Afonso Alves, músico de 65 anos de Tietê-SP, violinista do grupo de choro Regional São Fi-lomeno, não é filiado à gravado-ras ou gravou discos, muito pela realidade do mercado fonográf-ico atual: “ Há uma dificuldade para o artista não reconhecido. Há o fator sorte, estar no lugar certo, na hora certa, com seu tra-balho na mão ou na mão de al-guém por indicação de um amigo”.Sem ter trabalho em gravadoras, a divulgação vira um, trabalho ár-duo. “Para quem trabalha com pro-

Independentes

dução independente, a dificul-dade é ainda maior, pois acaba tendo que “se virar” para vend-er o seu trabalho”, analisa Gê Tock, também natural de Tietê. Segundo o professor, há outro fator determinante no sucesso de uma composição, o seu ape-lo “popularesco”: “Quanto mais a obra é popularesca e apelativa, maiores são as chances de ven-das.”, afirma. Isso significa que compositores de maior complex-idade musical enfrentam maiores obstáculos. “Quanto mais elab-orada a obra, menores as chanc-es de vendas.É só observar no mercado atual, quem são os ar-tistas que fazem sucesso e con-sequentemente vivem de suas composições”, completa. Ain-da assim, a profissão é encarada positivamente para aqueles que a exercem. O professor de Tatuí re-sume: “realização de um sonho”.

A simpatia e a tranquilidade de Maria Alves

(Acervo Pessoal)

Page 5: Nota livre

Os lados da moedaCom suas experiências no mundo da música, Tiago de Camargo passou a pensar como empresário

Daniel Linhares

Escolher entre Fisioterapia e Propaganda e Marketing. Essa foi a situação de Tiago. Seu son-ho sempre foi ser fisioterapeu-ta, mas se informou sobre o cur-so de propaganda e marketing, com fatores mais úteis a ele. Se Fisioterapia não necessitasse de atenção integral no seu segun-do ano, as coisas seriam bem diferentes. Ele escolheu Propa-ganda e Marketing. E faz bom uso dos seus aprendizados. Ti-ago de Camargo tem 36 anos. Aos 13 já tocava profissional-mente. A relação entre a vida e a música começou bem cedo. Com 7 anos, ele entrou para um conservatório de música para estudar piano. Então um amigo precisou de alguém que tocasse teclado para fazer 3 shows. Ele chamou o jovem Tiago, que na época tinha apenas 13 anos. Ele tocou em três cidades, Bau-ru, Garça e Araraquara, antes de oficialmente entrar na banda.“Eu saí de casa com 13 anos, tinha horários para dormir, me alimentava somente em casa. Aí fui dormir em um ginásio de esportes, fui comer marmitex. Completamente diferente. Eu sei que cheguei em Araraquara com meu relógio biológico todo bagunçado”. Ele foi te-cladista dessa banda, “Marca Registrada”, por um ano. De-pois em 1992, ele trocou de banda. Foi para uma banda de pagode de Araraquara, ban-da “Remelexo”. Ficou mais um ano e meio nessa banda antes de trocar para mais uma ban-da de Araraquara. A banda “Doce Mania”. Foi com a “Doce Mania” que Tiago começou a

amadurecer no meio musical. Então, em 2000, ele tomou cora-gem e montou sua própria ban-da. A banda “Cascabum”. “Não poderia colocar nas mãos de al-guém o meu sonho” ele afirma. Foi nesse momento que Tiago passou a dividir sua visão en-tre “músico” e “empresário”. A banda teve sucesso. Regravou a música “À francesa”, da Marina Lima e Cláudio Zoli. Gravou seu próprio CD. Tocou nos maiores eventos universitários do país. Teve duas de suas músicas, “A fila anda” e “Espera”, inseridas na trilha sonora do filme de Walter Salles “Linha de Passe”, vencedor da Palma de Ouro.Tiago sempre teve vontade de montar uma banda mais per-cussiva, usando mais elementos brasileiros. Porém, com o suces-so da “Cascabum”, essa vonta-de foi sendo deixada de lado. Foi só em 2011 que ele deix-ou a banda “Cascabum” para montar o “Homem de Lata”. E

Nota livre 5doisdois

foi às pressas: “No começo de março, eu estava viajando e recebi um telefonema de um amigo se aquela ideia daquela banda percussiva iria aconte-cer... Eu falei que iria. Ele fa-lou: “Olha, eu tenho um even-to grande no dia 6 de abril e eu queria saber se a banda tá pronta até lá”. E eu falei que a banda estaria, né? Só que não tinha ninguém na banda ainda”. Rapidamente, Tiago ligou para alguns amigos e em 22 dias ensaiou a banda que viria a se tornar o “Homem de Lata”. A banda foi tomando forma desde então. Toca em 5 es-tados e nos maiores eventos universitários. O “Homem de Lata”, atualmente, toca apenas covers com arranjos própri-os. Porém, a partir do meio de maio desse ano, começará a fazer trabalhos autorais. Mas a ausência de gravadora estaria atrapalhando o projeto? Para Tiago, não. “Antigamente,

“Antigamente, quem tinha uma gravadora era um rei” A grava-dora dava toda uma estrutura para o artista. De 2002, 2003 para cá a gente teve a quebra das gravadoras no Brasil, no mercado fonográfico. A pira-taria. Isso quebrou grandes gravadoras no país, deu uma enxugada muito grande”. Tiago diz que desde que começou a atuar como em-presário, já viu que as grava-doras não dariam mais van-tagens. Ele cita também a mudança da logística finan-ceira das bandas. Antes os ar-tistas tiravam fundos dos roy-alites dos CDs. Hoje, eles têm que tirar sua renda de shows. Sobre seus shows. Ele sempre teve olhos voltados para o am-biente universitário. Desde os tempos de “Cascabum”, ele já tinha seu público-alvo e mercado muito bem definidos. Buscando sempre trabalhar com pessoas e ambientes que lhe agradassem.

Bast

idore

s O que ninguém vêMúsico anônimo conta as histórias do que acontece por trás do palco

“A gente foi tocar num evento na fron-teira do país com a Bolívia, em um hotel cassino. Chegando lá, o pessoal pegou a gente no aeroporto, já levou a gente para o hotel. Um cara fi-

cou responsável por cuidar de todos nós. Levar aos quar-tos, descer para almoçar, para jantar. E aí, eles falaram: “Vocês vão fazer uma con-venção de uma empresa”. “A gente chegou a noite e foi tocar. Cinco minutos antes das cortinas se abrirem, esse pro-

dutor falou: “Olha, a gente só pede para vocês que não olhem para a mulher de ninguém, nem mexer com ninguém, porque vocês vão tocar para um pes-soal que são traficantes bolivi-anos”. Foi meio tenso, mas foi legal. Quando abriu a cortina a gente viu uma cena meio do Al

Capone. Aqueles caras fuman-do charuto, munidos de ouros, mulheres com joias. Foi umaparada bem engraçada. Na hora foi um pouco tenso para nós, quando a gente recebeu a notí-cia. Eles se comportaram numa boa. E a gente também. Mas, puta, hora que acabou deu um alívio”

Tiago é músico e empresário da banda Homem de Lata

(Reprodução)

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As luzes da independência

Um verdadeiro armazém de música

fotos por Herculano Foz e Raphael Soares texto por Raphael Soares

Abril, dia 23, uma noite de quinta-feira na cidade de Bauru. A partir das nove e meia começou a primei-ra banda da segunda fase do Armazén Rock Festival, uma noite de quatro ban-das independentes, cada uma com suas histórias, de como começaram a “fazer um som” até como vieram parar na minha frente, num palco não muito grande, porém roubando minha atenção durante as próxi-mas horas que passei por lá. A primeira banda foi a maior das surpresas, a Es-tação Primeira de Blusei-

ra, que além das guitarras, baixo e vocal, também us-aram uma flauta transver-sal e uma viola caipira, o que trouxe ao publico o es-pírito do som autoral e in-dependente. A partir desse ponto as músicas ficaram cada vez mais pesadas e os vocais mais fortes, o rock’n’roll se fez presente nas mãos da Elephant King, com um som enér-gico. BackLash com uma apresentação de palco do vocalista Guilherme(Kemp) que tornou a expressão “soltar os cabelos” viva no show, e para finalizar a banda Sociopata mostrou o hardcore pesado que se ouvia na área externa .

A iluminação realça os efeitos de palco da banda Elephant King

Page 7: Nota livre

w

Depois de cada apresen-tação, os vocalistas de cada banda foram levados para a área externa do bar e entrevistados pela Radio Rock Bauru para falar sobre o evento e a apresentação. Logo em seguida, quando eu observei o fim da entre-vista, me dirigi para trocar uma ideia sobre a vida de uma banda independente.

De forma geral as ban-das se formaram com o intuito cover, bandas uni-versitárias, bandas que nasceram a algum tempo e voltaram ao ambiente depois de uma pausa, no entanto com o tempo os próprios músicos viram uma chance criativa para suas ideias, de mostrar o que eles podem contribuir

no cenário musical tan-to da cidade quanto fora dela. Um exemplo foi a banda BackLash, que em 2010 foi a vencedora da etapa bauruense do Cult Music, festival oferecido pela Cultura Inglesa. Uma das oportunidades para as bandas novas sem produ-tora ou gravadora de inova-rem e mostrarem seu som.

Oportunidade que como, pontuou Otávio Bornia, um dos organizadores do Fes-tival ocorrido no Armazén Bar, é a grande falta de es-paço que as bandas enfren-tam para conseguir se de-stacar. O festival é um dos locais que os músicos têm para conquistar seu espaço e divulgar seus trabalhos.

Personagens ilustres se escondem nas paredes do Armazén Bar

Músicas autorais “soltando o cabelo” no Armazén Rock Festival

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As baquetas flutuantes nas mãos da independência musical Guitarras ardentes e pesadas fizeram o show da noite

O ângulo não importa, porque o som estava por toda parte

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o mercado dita o ritmoPoder tocar somente aquilo que deseja não é privilégio de todos

Herculano Foz

Vida de músico não é fácil. Ainda que uns ou outros discor-dem, o ponto comum numa dis-cussão em que a pauta é “viver da música” é de que, realmente, a imagem estigmatizada do músico “astro do rock” não con-diz muito bem com a realidade da esmagadora maioria dos músicos no Brasil e no mundo. Não que não existam aqueles que, de fato, gozam de uma vida regada do bom e do mel-hor, no mais clássico estilo “sexo, drogas e rock n roll”. A imagem do bon vivant trans-mitida em clipes da MTV é realmente vivida por alguns. Acontece que tal pompa só é realidade para uma ínfima mi-noria que, por talento, sorte ou uma mãozinha da gravado-ra, chegaram lá (sabe-se lá o que esse “lá” pode significar). As dificuldades na vida de um músico independente, que não conta com o apoio de uma grande gravadora e da mídia em geral, saltam aos ol-hos. Nesses casos, os artistas são lançados à própria sorte. Compor, gravar, produzir, di-vulgar e distribuir se tornou uma constante na vida dos músicos independentes. O que antes cabia à gravadora, hoje, na realidade desse tipo de músico, cabe a ele próprio. Um fenômeno relacionado à música independente e que vem chamando a atenção nos últimos tempos é a ascensão de músicos acompanhantes e in-dependentes, aqueles que não possuem contrato nem com grandes gravadoras, nem com os artistas que acompanham. Com a notável “escalada do sertanejo” no atual momento da música brasileira, é com-preensível que grande parte desses instrumentistas acom-panhantes enxerguem nas ban-das e duplas do gênero uma grande oportunidade de ganhar a vida. Atualmente, o sertanejo representa 20% do total de músi-cas pedidas nas rádios do Brasil, segundo a Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD). Acontece que nem sempre o repertório agrada o artis-

ta. Tratando-se de artistas acompanhantes, é comum ob-servar casos em que que músi-cos “nascidos e criados no rock necessitem tocar outro estilo de música”, como con-ta o guitarrista e acordeoni-sta Guilherme Martins Polo. Guilherme começou a apren-der violão aos 18 anos, e acordeon aos 21, justamente para acompanhar bandas e duplas de Promissão, sua ci-dade natal. “Desde que come-cei com o violão sempre ouvi e toquei bastante rock. De-

oso. “A música, independente do estilo, é uma escola. Vemos hoje bateristas do sertanejo tocando arrocha, e no meio das viradas usar pedal duplo. Não é porque eu gosto de rock que vou deix-ar de ganhar din heiro tocando reggae, pagode ou sertanejo”. O guitarrista Robson Cristia-no Ferreira confessa: nasceu em berço roqueiro e até hoje aprecia bandas de heavy metal e punk rock. Mas atualmente atua como guitarrista em gru-pos sertanejos da cidade de Promissão, interior de São Paulo. “Mesmo vindo do rock, eu me adaptei fácil ao sertanejo. Gos-to de tocar o sertanejo com uma pegada mais rock, pra fi-car aquela coisa musicalmente bonita e mais o meu estilo. Aí fica aquele estilo mais agressivo pro sertanejo”, conta o músico. Guilherme, Hermes e Robson são apenas alguns exemplos de músicos que abriram mão de tocar músicas e estilos que real-mente apreciam para atender as “expectativas do mercado”. Afinal, se é sertanejo que quer-em ouvir, e sertanejo o que vão tocar. Poder tocar somente aquilo que deseja não é, de fato, um privilégio de todos. Não são raros os casos como o dos músicos de Promissão. O interior de São Paulo, onde o sertanejo é latente, que o diga! Ignorar a onda sertaneja e ten-tar o ganha pão com o rock n roll parece uma boa alternativa? Nem tanto, quando se leva em conta o quase inexistente es-paço reservado a esse estilo de música nas cidades do interior. São poucos e isolados os festi-vais que privilegiam o gênero. Mais raras ainda são as casas de show e bares que optam pelo som pesado do clássi-co “guitarra, baixo e bateria”. O espaço é pouco, mas a von-tade é grande. Os artistas promissenses não tecem nen-huma crítica ao sertanejo, afi-nal, para muitos deles o gêne-ro é a galinha dos ovos de ouro. Mas, ainda assim, pod-er tocar os estilos que apre-ciam de fato e ainda receber por isso não parece má ideia!

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pois que comecei a tocar ser-tanejo parei um pouco, mas se fosse pra tocar outra cois-ateria que ser rock”, afir-ma o jovem, que atualmente acompanha o cantor e com-positor Gusttavo Henrique. É o mesmo caso do baterista Hermes Cunha, que também faz parte da banda de apoio de Gusttavo Henrique, além de acompanhar outras dup-las sertanejas da região, como Liah e Léo e Tendência Caipira. O baterista acredita que omúsico não deve ser preconceitu-

O músico acompanhante Guilherme Polo em show em Promissão

(Reprodução)

Robson Cristiano Ferreira (guitarra) acompanha duplas sertanejas

(Reprodução)

Page 10: Nota livre

quanto você pagaria por um cd?Com a contribuição espontânea, os artistas estimulam o público a conhecer sua obra

Daniel Linhares

Para músicos independentes, uma das maiores dificuldades é juntar fundos para a gravação dos seus materiais. Muitos de-les optam por privilegiarem os shows. Com a pirataria no mer-cado fonográfico, dificilmente o artista consegue viver com o din-heiro arrecadado com seus CDs. Uma alternativa interessante é a chamada “contribuição es-pontânea”. Qual a ideia da con-tribuição espontânea? Bom, a ideia é simples. Você paga o preço que quiser pela obra do artista. Ou seja, a obra do músico pode custar os mais variados preços, já que não tem um val-or limite. “Já vendi CD por cen-tavos... e também já vendi CD por valores maiores do que eu vendia.” conta Thigor MC. Thigor MC é um exemplo de músico independente que es-colheu utilizar a contribuição espontânea para vender seus CD. O rapper faz músicas em um estilo “Rap Gospel” e para vender seu trabalho, ele e alguns amigos vão às

ruas para escoar os CDs. A ideia surgiu de um amigo, que ouviu a história de um músico americano que usa esse método: “Uma vez conversan-do com meu amigo, ele me fa-lou do trabalho desse rapaz e eu me identifiquei muito com a história dele, com a caminhada que ele tinha na música, a for-ma que ele conduzia o trabalho dele. E chegou o dia que eu de-cidi trabalhar dessa forma.” A contribuição espontânea se mostra um jeito conveniente dos músicos independentes arrecadarem fundos. A aus-ência de gravadora faz com que o a produção de um CD ou DVD fique muito custosa para o músico. Isso acaba difi-cultando o surgimento de mais artistas. “É um espaço que a gente tem que conquistar. Se a gente tivesse uma gravado-ra, uma produtora seria bem mais fácil, para chegar em al-guns lugares que a gente não consegue.” confessa Thigor. Uma característica bem inter-

essante da contribuição es-pontânea está na divulgação do trabalho. Muitas vezes, quem vai comprar CDs se depara com um preço elevado e acaba de-sistindo da compra. Como a pessoa paga o valor que quer pelo CD, Thigor diz que “A pes-soa só não leva se não quiser mesmo. A gente consegue ex-pandir o trabalho de uma cer-ta forma para pessoas que não teriam condição de pagar.” Outra vantagem do con-sumidor pagar o preço

que quiser é evitar a pirataria. Como a pirataria bate os pro-dutos oficiais pelo seu preço bem inferior, a contribuição espontânea elimina esse fator. A contribuição espontânea se mostra uma boa alternativa para músicos que não tocam nos ritmos mais estourados do momento. Afinal, você tem a oportunidade de conhecer ou continuar acompanhando o trabalho do artista por um valor que você pode pagar.

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Mãos InvisíveisCom sensibilidade e perícia, o técnico de som traduz para os ouvidos todos os sons do palco

Herculano Foz

São as mãos por trás de tudo. Mãos invisíveis, responsáveis por ajustar tudo aquilo que será ouvido durante um show. Grave, médio, agudo, vol-ume, balanço, equalizador. Muitas vezes discreto, o tra-balho do técnico de som não deixa de ser criativo, fun-damental e meticuloso. É grande sua responsabilidade. É o que conta Marco José Raes Barbosa, ou Pês, como prefere ser chamado. Técnico de som desde 1978, Pês acredita que o trabalho do bom técnico deve ser discreto, tal como o juiz de futebol. “Se o pessoal começa a falar muito, comentar mui-to sobre o trabalho, é porque alguma coisa está errada”. Trabalhando em diversas ca-sas de shows em Bauru, o ex-periente técnico é mais um entre os muitos que, longe de aulas ou cursos profissional-izantes, aprendeu o que sabe por conta própria. Pês ressalta o caráter autodidata da profissão. Tudo o que sabe é fruto de in-

Thigor usa da contribuição espontânea para vender seus CD’s

(Reprodução)

“O técnico de som é igual juiz

tensa imersão em livros, apos-tilas e revistas sobre a ativ-idade. Mas, além da teoria, o técnico também destaca o aprendizado que obteve jun-to com as bandas, na prática. “A teoria em si não te traz um resultado perfeito. Ela não te ensina a fazer o certo, mas ela te afasta de fazer o errado.” As dificuldades são constan-tes. Trazer o que o artista está fazendo no palco para as pessoas da maneira mais agradável não é tarefa fácil. Seja ele erudito, roqueiro, ser-tanejo ou do samba, é respons-abilidade do técnico agradar os ouvidos presentes. Além disso, os obstáculos estru-turais tam-bém são fre-quentes. O caro preço dos moder-nos sistemas e equipamen-tos de som dificulta o acesso a eles.

casos de fãs e n l o u q u e c -idas ou de bandas no estilo “sexo e drogas”. O que pri-meiro vem a sua cabeça é um episó-

Assim, pequenos bares e casas de shows, que não dispõem de muitos recursos, acabam tendo que se “virar com o que tem”, como afirma Pês. “Bandas que não tem o menor recurso, a menor condição, copiam o rider técnico de uma banda famosa e te pedem aquele rider. É incom-patível! Bandas famosas levam 60 mil pessoas a um estádio. Não dá pra trazer isso num lugar que vão 150 pessoas”. Fora as adversidades, Pês avalia o trabalho do técnico de som como tranquilo e val-orizado. Quando pergunto sobre alguma história mar-cante de sua vida profission-al, o técnico não se lembra de

dio ocorrido na USC, no qual Pês era um dos responsáveis pelo som de um espetácu-lo teatral dirigido por Lilian Lemmertz e Sérgio Mamberti. Na ocasião, a primeira preocu-pação da atriz foi com o bem estar dos técnicos. “Ela en-trou pela porta do backstage e ao invés de perguntar do som ou do cenário, ela primeiro se preocupou com os técnicos dela. “Tem banheiro pra vocês? Tem água gelada?” “, conta Pês. Sobre ser a “mão por trás de tudo”, o maior responsável pelo show, Pês é categórico em não el-encar a importância do técnico e a dos músicos. Para ele, o técni-co de som faz parte da banda, é mais um músico que deve fazer um bom trabalho em conjunto para, assim, satisfazer o maior número de pessoas possível. É difícil mensurar a importân-cia do técnico de som Suas mãos traduzem com sensib-ilidade e perícia os diversos sons que chegam aos nosso ou-vidos. Aí reside sua grandeza.

de futebol . Se o pessoalcomeça a falar muito

é porque alguma coisa está errada”

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a banda mais independente da internetA Banda Mais Bonita da Cidade usa o ambiente virtual para ganhar seu espaço

Raphael Soares

Música nova, experimentações e independente não se restringe a bares durante as noites, a in-ternet está recheada de músicos que tentam novos sons e ambi-entes diversos para criar música fora dos contextos tradicionais. Uma das bandas que fizeram sucesso na internet e conse-guiram se firmar no contex-to musical do país foi A Ban-da Mais Bonita da Cidade. A canção Oração foi a vitrine que o conjunto de amigos precisa-vam para que ganhassem es-paço. Publicado em 2011 no YouTube, o vídeo conta com mais de 15 milhões de visu-alizações, um grande viral na época: “Não tínhamos essa expectativa de viralizar algo, somente queríamos fazer um bom vídeo para nossos amigos e parentes terem uma coisa bo-nita a ser guardada da nossa ‘turma’. Todo o resto foi ines-perado e vivemos essa ‘onda’ até hoje em dia”, diz Vinícius Nisi, tecladista da banda. A banda surgiu em 2009, por

iniciativa da Uyara Torrente (vocalista), a fim de cantar as músicas dos amigos e conhe-cidos de Curitiba, uma rein-terpretação, produzindo algo como uma banda “cover” de som autoral. A banda ainda conta com presença de Luís Bourscheidt (bateria), Luciano Aires (Baixo) e Thiago Ramalho (Guitarra), e ocasionalmente são chamados outras pessoas para participar, como Chico Neves, Igor Amatuzzi (ex-Humanish) tocando saxofone, trompete

e fliscorne, Troy Rossilho (compositor de diversas músi-cas da banda), Lay Soares (Simonami, outra banda in-dependente) e Nuno Ramos. O ambiente virtual abre espaços para trabalhos mais autênticos, segundo a Banda, na qual não há, ou pela visão deles, não deve haver a preocupação em tentar soar algo que é um “padrão de mercado”, em elaborar um produto que vise estritamente lucro. No entanto, por ser um espaço de liberdade maior, de

auto-produção , existe a ex-periência em jogo. Montar um conjunto musical, escrever suas próprias musicas e criar o clipe, em algumas ocasiões, necessita uma experiência mais elevada e mais complexa, o que pode dificultar o trabalho . Porém esta é uma fase da própria for-mação do artista independen-te, principalmente no começo, uma época de varias ideias e muita energia como foi com A Banda Mais Bonita da Cidade. Artifícios da internet Outra forma de contribuição para a liberdade criativa dos músicos são sites como o SoundCloud, que liberam os direitos autorais das músicas publicadas em seus domínios. O intuito é disponibilizá-los para que outros usuários pos-sam contribuir com os tra-balhos dos compositores, com-partilhando e promovendo um intercâmbio de ideias e ex-periências entre o público e o profissional ou independente.

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Vaquinha virtualSites de financiamento coletivo aparecem como alternativa na gravação de CDs

Lucas Ayres

O mercado fonográfico não é mais o mesmo. A migração do consumo de músicas para o mundo virtual gerou uma queda vertiginosa na venda de CDs. Segundo a ABPD ( Asso-ciação Brasileira de Produtores de Discos), a venda de discos no País em 2014 caiu 15% em relação a 2013. Com os baixos números, as grandes gravador-as perdem dinheiro e diminuem sua produção, enquanto as pequenas fecham as portas. A dificuldade em gravar CDs pelo método convencional fez bandas independentes bus-carem novos meios para produ-zir seus trabalhos, e o crowd-funding aparece a alternativa mais viável e popular. Com o mercado digital aquecido neste ano, crescendo cerca de 23% em relação à 2012 (segundo dados da ABPD), os sites de financia-mento coletivo entram na onda e se expandem. O Catarse, maior

A banda disponibiliza seus trabalhos em serviço de streaming na web

(Reprodução)

site do ramo na Améri-ca do Sul, triplicou o núme-ro de projetos musicais fi-nanciados desde 2011. A explicação para o cresci-mento está atrelada ao simples processo do crowdfunding, que consiste em doações externas de qualquer pessoa interessa-da, e a um marketing especial, de identificação com o doador. “Quem financia se sente parte do projeto, fica feliz por aju-dar ”, diz Thais Oliveira, 20, estudante da UNESP de Bau-ru, que contribuiu para o tra-balho da banda Apanhador Só, “Antes Que Tu Conte Outra”. Thais doou 30 reais e recebeu um cópia do CD em sua casa, autografado e com seu nome nos agradecimentos, graças ao sistema de recompensa - que dá diversos retornos, de cartas especiais da banda à shows particulares, de acordo com o valor doado. “É muito

interessante, porque além da sensação de ajudar uma banda que você gos-ta, você também recebe algo em troca.”, diz a estudante. O método acaba por facilitar o processo de gravação para ban-das independentes, que deixam de depender gravadoras e edi-toras para gravar um disco, já que o financiamento cobre de gravação à prensa, e deslegiti-ma custos de divulgação, já que a própria demanda financia o CD. “Foi muito importante tra-balhar pelo sistema de financia-mento coletivo”, conta Vinicius Nisi, tecladista da A Banda Mais Bonita da Cidade. “ A época (da gravação do CD) foi de mu-danças no paradigma do mer-cado cultural e nas formas de viabilizar projetos artísticos.”, comenta o músico sobre o pri-meiro CD da banda, que os cat-apultou ao reconhecimento na-cional e popularizou o sistema

de crowdfuning, em es-pecial o Catarse. O cenário favorável atraiu até bandas de maior calibre, que aderiram à produção usan-do da boa base de fãs para dar luz as seus trabalhos. No Catarse, dois dos dez projetos mais financiados são de ban-das de calibre, como Raimun-dos (com R$ 123 mil arrecada-dos) e Leoni (com R$ 135 mil). Mesmo assim, maiores ar-recadações continuam sendo de bandas independentes, como a banda ForFun, que apesar de ter discos lançados com gra-vadoras, atua hoje por conta própria, tendo lançado mais de 3 CDs já sob seu próprio selo e com downlaod gratuito. O último lançado no Catarse, o Ao Vivo no Circo Voador, foi a quinta maior arrecadação do site, com R$ 186 mil reais.

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E se eu quiser fazer música?MC (e beatmaker) conta um pouco mais dos percalços da produção independente

Letícia De Maceno

Foi no fundo de um quarto pequeno e forrado com caixas de ovos que encontrei Binha. Morador da cidade de Ribeirão Preto, o garoto de apenas 19 anos estava cansado de saber que a trajetória dos artistas que tomavam a mídia era con-corrida e suas chances baixas, então acabou por decidir que resolveria sozinho seus própri-os problemas: se as grandes gravadoras não seriam sequer capaz de enxergá-lo, ele mesmo levaria sua música para os lu-gares. Dessa maneira começou sua carreira como MC e beat-maker - o cara responsável pe-las “batidas” - independente. O começo, como em grande parte das vezes, não foi nada fácil, “Eu sabia que gostava de rap. Sempre ouvi e cantei. Sen-tia em mim uma vontade muito grande de também produzir e me tornar parte daquilo que me virava a cabeça. Mas a realidade é que eu mal sabia por onde começar”. Binha contou tam-bém o quanto tinha sido difí-cil convencer seus pais de que aquilo era uma boa ideia. “Eles nem me levaram a sério até ou-virem minha primeira música”, conta enquanto rimos. Logo que contou aos pais, Binha notou que precisava se organizar mel-hor, “Bom, eu estava empolga-do com a ideia, mas o fato de não ter prática alguma quase me desanimou. Por isso digo pra todos os meus amigos que querem entrar nesse mundo da produção musical em casa: vai ser complicado. Você precisa pelo menos saber de onde quer partir e que gênero te contem-pla melhor. Aí começa uma das melhores (e piores, quando nos referimos economicamente) partes: adquirir instrumentos”. Mais pra frente, Binha acaba contando como passou de ini-ciante a “profissional”: “Ah, eu fui conversar, né? Quem tem boca vai à Roma. Conversei com diversos amigos e amigos de amigos que já produziam em casa e esse contato foi es-sencial para que eu tivesse uma noção mais amplificada do meio no qual estava entrando. Além disso, a internet, é claro,

ajudou muito no processo. Encontrava um milhão de tu-toriais pra tudo, o difícil mes-mo era escolher o que mais se encaixava no meus pla-nos, tive que treinar e treinar e treinar muito”, acrescenta. Pergunto para Binha o motivo das caixas de ovos, ele me diz que servem para abafar o som do quarto já que recentemente vizinhos haviam dado um ulti-mato pra ele quanto ao barul-ho que fazia. “Forrei pra não dar problema, né?”, comenta Binha enquanto ri. “Logo de-pois dos tutorias, descobri que queria produzir as batidas e escrever as músicas. Para isso precisaria de um microfone suficientemente decente pra cortar ruídos, um fone de ou-vido de qualidade mediana, um tecladinho pra mandar as batidas e um caderno pra es-crever as músicas, o único ítem que eu já possuía”. Começo a observar o quarto-estúdio de Binha e noto vários tipos de microfones e fones de ouvidos espalhados. Curiosa, pergun-

to o motivo. Binha responde “Então, no começo eu trabalhei como entregador de lanche pra juntar uma grana. Mas não foi muito, então a principio com-prei equipamentos de menor qualidade. Fui melhorando com o tempo, trocando os poucos. Faço isso frequentemente. Inve-stir nos equipamentos é sempre uma boa ideia.” Alguns segun-dos depois, observo que Binha foi até o computador. Enquan-to os programas abrem, ele faz uma batida improvisada no seu teclado. Parece mágico. O te-clado funciona como uma ex-tensão de Binha, tal sua manei-ra de manusear o instrumento. Observando a imagem, confir-mo que o MC realmente parece ter sido feito para aquilo. Me aproximo um pouco mais, curi-osa. Binha logo me chama “Vem cá, deixa eu te mostrar um pro-grama!”. Binha abre o “Fruity-Loops”, programa de computa-dor muito conhecida pra quem produz música em casa. Com ele junto do teclado, você con-segue produzir uma infinidade de sons e combinações de di-

diversos outros instrumentos. Binha parece extremamente fa-miliarizado com o programa, “Esse programa é demais! Você nem imagina quanta coisa sai daqui. Fica aí outra dica para aqueles que querem produzir rap, por exemplo. O fruityloops com certeza será seu melhor amigo”. Logo em seguida, per-gunto para Binha como é colo-car os pensamentos no papel até transformá-los em músi-ca. Com muita sinceridade e um suspiro longo, ele explica “Olha, é libertador. Realmente. Mas no começo fica tudo um droga. Eu me desanimava tan-to, sabe? Pensava que não seria capaz de escrever uma música legal, que eu estava me enga-nando. Mas lá pela terceira ou quinta, as coisas melhoraram, e melhoram até hoje. Me sinto orgulhoso do que escrevo, mas procuro melhorar sempre.” Conheci Binha num batalha de rap em Ribeirão onde ele ven-dia seus cds. Naquele dia, me lembro de tê-lo visto vendendo pelo menos uns 15 cds. Binha parecia ter uma ótima lábia, aproveitei então a oportunidade pra perguntar como funcionava a divulgação de suas músicas: “Internet, internet, internet”, respondeu Binha, “A internet é o melhor meio - e olha que não estou dizendo que é totalmente eficaz. A questão é que a inter-net cria um networking enorme entre os caras do mesmo ramo. Nela eu consigo não só mostrar minha música, como ouvir o que os meus parceiros têm pro-duzido. Ela é essencial. Mas o boca-a-boca também é. Apesar de eu não conseguir vender tanto pessoalmente o quanto vendo na internet, acho que você precisa mostrar sua cara, mostrar quem é você. É o míni-mo que uma pessoa que se deu ao trabalho de ouvir seu som merece. É o famoso respeito.” Encerro a entrevista com Binha pedindo a ele dicas pra quem deseja conseguir a mesma autônomia que ele. “Paciência é a chave. Você vai errar mui-to até conseguir algo mais ou menos bom e tem que entender que isso faz parte do processo.”.

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música para quem quer tocarEstúdios gratuitos democratizam o acesso à música em São Paulo

Lucas Ayres

O cenário musical da cidade de São Paulo mudou no ano de 2015. Isso porque foram ab-ertos seis novos estúdios de gravação gratuitos. Os espaços são vinculados às Fábricas de Cultura, projeto do Governo do Estado com apoio do Insti-tuto de Apoio à Cultura, à Lín-gua e à Literatura, o POIESIS. “Os estúdios são abertos ao público, é só se cadastrar e marcar ensaios. Sentindo - se pronto, a pessoa ou o grupo agenda horário no estúdio”, ex-plica Michelle Alves de Alves de Jesus, 30 anos, subgerente da Fábrica de Cultura do Itaim Paulista. “Temos dois serviços sem nenhum custo”, completa. A gratuidade das instalações são importantes para mu-dar um importante paradig-ma na cena musical, os preços de estúdios. Para um músico independente, isto é, sem o apoio de gravadoras e outros terceiros, o custo da hora de es-túdios é difícil de arcar sozinho

especialmente para uma gravação profissional. Além de gratuitos, o estúdios contam com dois técnicos de som, para auxiliar tanto na hora da gravação como na mix-agem, outro serviço na faixa que as instalações oferecem. Com esses adventos, os pro-dutos finais das sessões ga-

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nham qualidade profissional, tendo, segundo a subgerente Mi-chelle Alves, cerca de 150 músi-cas gravadas em estúdios mais antigos, como o Vila Curuçá. Toda essa estrutura atraiu os músicos da cidade, au-mentando a procura, com a média de cerca de 50 artis-tas agendados por mês nas

Fábricas mais antigas. “São pou-cos estúdios, levando em con-sideração a quantidade de artis-tas que existem nas periferias”, pondera Michelle - “mas e já é um grande avanço, já que na per-iferia quando não temos nada, a metade passa ser o dobro”. Assim, os estúdios das Fábri-cas aparecem como meio de-mocratizador, garantindo a oportunidade de gravação para todos os músicos. “Foi a melhor coisa que o governo do estado proporciona a estes bairros de alta vulnerabilidade”, re-sume Michelle. “Educação for-ma, mais cultura transforma”.

Serviço

Os estúdios ficam abertos de terça à sexta, das 9h as 20h, com o funcionamento nos fins de semana variável segundo a programação de cada lo-cal. Para endereços e conta-tos das Fábricas, acesse www.fabricasdecultura.org.br/.

Review

No seu álbum anterior, os gaúchos do Apanhador Só re-ceberam algumas críticas por serem previsíveis. Em Antes que Tu Conte Outra, a crítica não pode reclamar. O grupo atinge sua maturidade fazen-do o contrário da ordem nat-ural-despirocando, como diz a música homônima do álbum. O trabalho é resultado de uma imensa imersão no rock pro-gressivo e no experimentalis-mo. “Mordido”, a faixa de aber-tura , uma orquestra de ruídos e sons diversos e “Lá em Casa tá Pegando Fogo” , com levada de sons originais ao maior es-tilo Tom Zé, mostram o tão co-brado lado inovador da banda.

A Banda Mais Bonita da Cidade começa expondo sua melhor peça, “Mercadoramama”, um groove regido com a delicadeza de Uyara Torrente, acompanha-da de sua entrosada banda, que faz bonito ao encaixar suingue num tempo inusitado e sur-preendente. Depois, o grupo desfila nas faixas uma enorme carga de emoção, seja em faix-as mais soul, como em “Meni-nos de Aluguel”, ou em bala-das suaves como “Boa Pessoa”.Há espaço também para faixas mais leves , até românticas, que permitem a sua brilhante can-tora flutuar entre as notas, ora em entrosamento direto com a banda, ora com a segunda voz.

A estrutura dos estúdios permite gravações mais elaboradas

(Reprodução)

Antes que Tu Conte Outra (2015)Apanhador Só

A Banda Mais Bonita da Cidade (2011)A Banda Mais Bonita da Cidade

Se por acaso o rapper Thigor te parar na rua e tentar vender seu disco, A Caminhada Con-tinue, aceite. O rimador gos-pel estará lhe vendendo um ótimo cd de rap e hip hop. A produção redondinha e inven-tiva de Kléber Gaudêncio cria ótimas batidas para o repente versátil do cantor/vendedor, que instiga a mudar de ideia aqueles que não dão valor para o genêro gospel. “A Sombra do Onipotente” é a música mais religiosa, se é possível dizer isto neste disco, e tem um beat criativo e valeria de argumen-to para Thigor convencer os possíveis compradores da rua.

A Caminhada Continua (2011)Thigor

Lunar (2003)Gê Tock

Músico e professor do consagra-do Conservatório de Tatuí, Gê Tock tem muito a nos ensinar em seu segundo disco, Lunar. O guitarrista mostra como se faz um disco instrumental, us-ando da improvisação do jazz e da riqueza da música erudita. Adicione uma boa mistura de estilos, como rock e até forró, e teremos excelentes faixas como “Vista Aérea”, delicada e espa-cial, que abre o longo disco. O álbum é até conceitual, poden-do se observar uma viagem , que começa com o voô do pás-saro, passa pelas lembranças do viajante, e vai terminar na Lua, ou melhor, no Lunar.