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UMA ESTIMATIVA DO IMPACTO ELEITORAL DO PROGRAMA BOLSA-FAM ´ ILIA Tatiene Correia de SOUZA 1 Francisco CRIBARI NETO 2 RESUMO: Este artigo tem como objetivo avaliar os impactos dos gastos em programas assistenciais e do crescimento da economia sobre a elei¸c˜ ao presidencial de 2006. Utilizamos o modelo de regress˜ao beta para explicar a diferen¸ca entre as propor¸c˜ oes de votos v´alidos do ex-presidente Lula nos segundos turnos das elei¸c˜ oes de 2006 e 2002. Estimamos que se os gastos com programas assistenciais em 2006 fossem mantidos nos ıveis de 2002, haveria uma redu¸c˜ ao de aproximadamente 7 milh˜oes na vota¸c˜ ao do ex-presidente. Adicionalmente, estimamos que se n˜ao houvesse crescimento econˆomico entre 2002 e 2006, haveria uma redu¸c˜ ao na vota¸ ao ex-presidente Lula de cerca de 2 milh˜ oes de votos. PALAVRAS-CHAVE: Elei¸c˜ ao presidencial; modelo de regress˜ao beta; programas assistenciais. 1 Introdu¸c˜ ao Havia em 2002 no Brasil alguns programas sociais que beneficiavam cerca de cinco milh˜oes de fam´ ılias, como, por exemplo, o Bolsa-Escola, vinculado ao Minis- erio da Educa¸c˜ ao, o Aux´ ılio-G´ as, vinculado ao Minist´ erio de Minas e Energia e o Cart˜ ao-Alimenta¸ ao, vinculado ao Minist´ erio da Sa´ ude. O Programa Bolsa-Fam´ ılia consistiu na unifica¸c˜ ao desses programas sociais em um ´ unico programa social, com cadastro e administra¸ ao centralizados no Minist´ erio do Desenvolvimento Social e Combate`aFome. O Bolsa-Escola foi um programa educacional brasileiro idealizado pelo prefeito de Campinas, no Estado de S˜ao Paulo, Jos´ e Roberto Magalh˜aes Teixeira, 1 Universidade Federal da Paraiba – UFPB, Departamento de Estat´ ıstica, CEP: 58089–900, Jo˜ao Pessoa, PB, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, Departamento de Estat´ ıstica, CEP: 50740–540, Recife, PE, Brasil. E-mail: [email protected] Rev. Bras. Biom., S˜ao Paulo, v.31, n.1, p.79-103, 2013 79

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UMA ESTIMATIVA DO IMPACTO ELEITORAL DO PROGRAMABOLSA-FAMILIA

Tatiene Correia de SOUZA1

Francisco CRIBARI NETO2

RESUMO: Este artigo tem como objetivo avaliar os impactos dos gastos em programas

assistenciais e do crescimento da economia sobre a eleicao presidencial de 2006.

Utilizamos o modelo de regressao beta para explicar a diferenca entre as proporcoes

de votos validos do ex-presidente Lula nos segundos turnos das eleicoes de 2006 e 2002.

Estimamos que se os gastos com programas assistenciais em 2006 fossem mantidos nos

nıveis de 2002, haveria uma reducao de aproximadamente 7 milhoes na votacao do

ex-presidente. Adicionalmente, estimamos que se nao houvesse crescimento economico

entre 2002 e 2006, haveria uma reducao na votacao ex-presidente Lula de cerca de 2

milhoes de votos.

PALAVRAS-CHAVE: Eleicao presidencial; modelo de regressao beta; programas

assistenciais.

1 Introducao

Havia em 2002 no Brasil alguns programas sociais que beneficiavam cerca decinco milhoes de famılias, como, por exemplo, o Bolsa-Escola, vinculado ao Minis-terio da Educacao, o Auxılio-Gas, vinculado ao Ministerio de Minas e Energia e oCartao-Alimentacao, vinculado ao Ministerio da Saude. O Programa Bolsa-Famıliaconsistiu na unificacao desses programas sociais em um unico programa social, comcadastro e administracao centralizados no Ministerio do Desenvolvimento Social eCombate a Fome.

O Bolsa-Escola foi um programa educacional brasileiro idealizado peloprefeito de Campinas, no Estado de Sao Paulo, Jose Roberto Magalhaes Teixeira,

1Universidade Federal da Paraiba – UFPB, Departamento de Estatıstica, CEP: 58089–900, JoaoPessoa, PB, Brasil. E-mail: [email protected]

2Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, Departamento de Estatıstica, CEP: 50740–540,Recife, PE, Brasil. E-mail: [email protected]

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implantado naquele municıpio durante sua gestao no ano de 1994. O objetivo erapagar uma bolsa as famılias de jovens e criancas de baixa renda como estımulo paraque essas frequentassem a escola regularmente. O programa Bolsa-Escola federalfoi implementado em 2001 pelo governo do entao presidente Fernando HenriqueCardoso. O Auxılio-Gas foi um programa de distribuicao de renda implementadopelo Governo Federal brasileiro em 2001 para atender aos beneficiarios da Redede Protecao Social. O Cartao-Alimentacao foi um programa de transferencia derenda para aquisicao de alimentos por meio de cartao magnetico destinado asfamılias atendidas pelo Programa Fome Zero. O objetivo final deste programa eragarantir a emancipacao socioeconomica das famılias assistidas. Por fim, o programaBolsa-Alimentacao foi criado por Jose Serra e teve inıcio, em modulo piloto, emjulho de 2001. Foi lancado nacionalmente em setembro de 2001. Esse programa eravoltado para famılias com gestantes, maes em amamentacao e criancas ate 6 anosde idade, de baixa renda e em risco nutricional, sendo de carater complementar aBolsa-Escola, que era voltada as famılias com criancas em idade escolar.

O programa Bolsa-Famılia foi instituıdo pela Medida Provisoria no 132, de20 de outubro de 2003, posteriormente convertida na Lei no 10.836, de 9 dejaneiro de 2004. O Bolsa-Famılia unificou os seguintes programas de transferenciade renda do Governo Federal: Bolsa-Escola, Auxılio-Gas, Cartao-Alimentacao eBolsa-Alimentacao.

O Programa Bolsa-Famılia oferece as famılias quatro tipos de benefıcios, saoeles: basico, variavel, variavel para jovem e variavel de carater extraordinario. Obenefıcio basico e concedido as famılias em situacao de extrema pobreza. O benefıciodo tipo variavel e o benefıcio do tipo variavel para jovem sao destinados as famıliasque se encontram em situacao de pobreza ou extrema pobreza, contudo, famıliasque apresentam em sua composicao gestante, nutrizes, criancas ou adolescentes comate 15 anos de idade recebem o benefıcio variavel, enquanto famılias que tenhamadolescentes entre 16 e 17 anos de idade recebem o benefıcio chamado variavel parajovem. Por fim, o benefıcio variavel de carater extraordinario e pago nos casosem que a migracao dos programas Auxılio-Gas, Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentacaoe Cartao-Alimentacao para o Bolsa-Famılia causa perdas financeiras. O Bolsa-Famılia e executado pelos municıpios. Cabe a prefeitura realizar o cadastramentodas famılias, por meio do Cadastro Unico dos Programas Sociais do Governo Federal,o CadUnico. A selecao das famılias elegıveis, no entanto, e feita pelo Ministerio doDesenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS).

O ex-presidente Luiz Inacio Lula da Silva, que e filiado ao Partido dosTrabalhadores (PT), foi cinco vezes candidato a presidencia da Republica do Brasil.Ele foi derrotado nas tres primeiras tentativas, em 1989, 1994 e 1998. Em 1989,foi derrotado pelo candidato Fernando Collor de Mello e nas duas vezes seguintes,pelo candidato Fernando Henrique Cardoso. Nas eleicoes presidenciais de 2002e 2006, Lula disputou em segundo turno com Jose Serra e Geraldo Alckmin,respectivamente, ambos filiados ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).Lula se tornou presidente da Republica no segundo turno da eleicao presidencial de2002 e foi reeleito no segundo turno da eleicao de 2006.

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Com a maior votacao ja recebida por um candidato no Brasil ate entao, em2002, Lula foi eleito presidente da Republica. Sua votacao foi quase o dobro daobtida por Fernando Henrique Cardoso em cada uma das vezes em que foi eleito.Partindo de uma elevada popularidade, durante o governo de 2002, Lula viu suaaceitacao ruir em meio a denuncias de corrupcao. No inıcio de 2006, Lula voltoua ter altos ındices de popularidade. Em 29 de outubro de 2006, Lula foi reeleitocom mais de 58 milhoes de votos, a maior votacao recebida ate entao por umcandidato em eleicoes no paıs. Vale destacar a diferenca entre o percentual de votosde Lula e Geraldo Alckmin no segundo turno da eleicao presidencial de 2006 foide aproximadamente 22%. Comparando as eleicoes de 2002 e 2006, em termos depercentuais, a votacao em Lula no segundo turno foi praticamente a mesma, emtorno de 61%.

E importante notar, todavia, que embora os percentuais de votos recebidospelo presidente Lula nas duas eleicoes tenha sido praticamente o mesmo, houveuma nıtida migracao de votos das localidades mais desenvolvidas e urbanizadas paraaquelas menos desenvolvidas e urbanizadas. Houve uma clara perda de aceitacaopopular nos municıpios mais desenvolvidos, que agregam a fatia mais bem informadada populacao. Tal perda de aceitacao popular foi compensada por um aumentoequivalente nos municıpios mais pobres. Torna-se, assim, importante verificarqual foi a dimensao do papel exercido pela ampliacao dos gastos com o ProgramaBolsa-Famılia nesse mecanismo compensatorio de transferencia de votos. Hunter& Power (2007) afirmam que grandes disparidades regionais e a baixa penetracaode revistas e jornais em muitas localidades fizeram com que parte dos eleitores,em especial, os mais pobres, nao tivesse conhecimento das denuncias de corrupcaoque ocorreram durante o governo do ex-presidente Lula. Adicionalmente, Zucco(2008) nota que no Brasil o candidato a presidente ligado ao governo tende aobter desempenho eleitoral relativamente melhor em regioes menos desenvolvidas.Esses sao dois fatores que devem ter contribuıdo para a maior aceitacao populardo presidente Lula nas localidades mais pobres e menos desenvolvidas do Paıs.Todavia, o aumento expressivo nos gastos com o Programa Bolsa-Famılia tambempode ter exercido papel preponderante na maior aceitacao popular alcancada emtais localidades. Nosso objetivo no presente artigo e mensurar a contribuicao doaumento de gastos com o Programa Bolsa-Famılia sobre a votacao do presidenteLula na eleicao de 2006. Notamos que ha uma grande discussao sobre o impactodo Bolsa-Famılia no resultado da eleicao presidencial de 2006. Os resultados aindasao dıspares. Marques et al. (2009) afirmam que tal programa teve papel decisivona vitoria do ex-presidente Lula, enquanto que Shikida et al. (2009) sugerem que oprograma nao foi determinante para a reeleicao de Lula.

Um outro fator que contribuiu para a mudanca do padrao eleitoral do ex-presidente Lula em 2006 foi o desempenho da economia. Alguns autores defendemque os ganhos de bem-estar ligados a melhora das condicoes de mercado de trabalhopara a parcela mais pobre da populacao e ao impacto do cambio valorizado e dainflacao controlada na cesta de consumo dos estratos de renda mais baixos teriamcontribuıdo para a reeleicao do ex-presidente Lula em 2006. Canedo–Pinheiro

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(2009) avaliou o impacto do Bolsa-Famılia e o efeito do crescimento da economiana eleicao presidencial de 2006 e concluiu que, tomando o Brasil como um todo,o efeito do programa Bolsa-Famılia na votacao do ex-presidente Lula em 2006 foide 3%, enquanto que o efeito do crescimento da economia foi de 0.34%. Notamos,contudo, que os dados utilizados por Canedo-Pinheiro (2009) referem-se ao alcancedo Programa Bolsa-Famılia, ou seja, refletem a proporcao das famılias atendidaspelo programa em cada municıpio. Em nossa analise, trabalharemos com o valortotal gasto com programas assistenciais (a precos constantes), permitindo assim quea analise incorpore o impacto do aumento real do benefıcio.

Zucco (2008) ajustou seis modelos de regressao usando como variavel respostaa proporcao de votos recebidos pelo ex-presidente Lula no primeiro turno naeleicao de 2006, tendo usado a votacao de 2002 como um dos varios regressores.O autor comenta que a variavel proporcao de famılias atendidas pelo programaBolsa-Famılia e significativa e substancialmente relevante para explicar a proporcaode votos validos recebidos pelo ex-presidente Lula em 2006. E importante notarque Zucco (2008) trabalha com dados do resultado eleitoral de primeiro turno aopasso que nos utilizamos dados sobre a votacao recebida pelo ex-presidente Lula nossegundos turnos das eleicoes de 2002 e 2006. Nos preferimos considerar a votacao nosegundo turno da eleicao porque no primeiro turno votos favoraveis ao governo saodiluıdos em mais de um candidato/partido polıtico ao passo que no segundo turnodas eleicoes de 2002 e 2006 houve polarizacao entre governo (candidato do PT)e oposicao (candidato do PSBD). Tornam-se mais nıtidas, assim, as intencoes devoto favoraveis ao governo. Tambem notamos que, como Canedo-Pinheiro (2009),Zucco (2008) utiliza como variavel regressora a proporcao de famılias em cadamunicıpio que recebe benefıcios do Programa Bolsa-Famılia. A diferenca dessesautores — e como notado acima —, nos utilizamos como covariavel o gasto realcom programas assistenciais em cada municıpio, o que possibilita capturar o efeitonao apenas do alcance do Programa Bolsa-Famılia, mas tambem do aumento realdo benefıcio pago as famılias.

Com a finalidade de avaliar o impacto dos programas assistenciais e docrescimento da economia sobre o resultado da eleicao presidencial de 2006, dividimosa nossa analise em duas partes. Na primeira, nosso interesse e explicar a diferencaentre as proporcoes de votos nos segundos turnos das eleicoes presidenciais de 2006e 2002 nos municıpios brasileiros. Ou seja, desejamos mensurar ate que ponto amigracao de votos do presidente Lula nas duas eleicoes (i.e., entre 2002 e 2006) dosmunicıpios mais ricos para aqueles mais pobres foi impulsionada pelo aumento degastos com o Programa Bolsa-Famılia.

Notamos que, embora os candidatos oponentes nos segundos turnos daseleicoes de 2002 e 2006 tenham sido diferentes (Jose Serra e Geraldo Alckmin,respectivamente), tais candidatos tem padroes semelhantes: sao ambos filiados aomesmo partido polıtico (PSDB) e atuam no mesmo estado da federacao (Sao Paulo),estando ainda em posicao semelhante no que tange ao espectro ideologico. Ouseja, o presidente Lula enfrentou nas suas eleicoes candidatos que possuem nıtidaconvergencia no que tange a base polıtica, a filiacao partidaria e ao posicionamento

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ideologico. Notamos ainda que na eleicao de 2006 o presidente Lula concorriaa reeleicao, o que lhe conferiu vantagem natural. Mesmo com tal vantagem, oimpacto da variacao nos gastos com programas assistenciais (mais notadamentecom o Programa Bolsa-Famılia) se mostra nitidamente significante, ou seja, ha forteevidencia de que flutuacoes nos gastos com o Programa Bolsa-Famılia impactarama votacao do presidente Lula na eleicao de 2006. Demais fatores sao absorvidos nointercepto do modelo e nos efeitos dos outros condicionantes.

O nosso foco no presente artigo e direcionado, como notado acima, ao impactode gastos com programas assistenciais, especialmente o Programa Bolsa-Famılia.Tal programa e caracterizado por pagamento monetario mensal diretamente apessoas de baixa renda. Deve, pois, ter influencia consideravelmente mais marcantesobre suas decisoes de voto do que benefıcios direcionados aos municıpios em quehabitam, como, e.g., transferencias federais.

Aqui se faz necessario o uso de modelos adequados para situacoes em quea variavel resposta e do tipo proporcao, dado que os modelos lineares usuaisnao sao adequados. Nessa modelagem, utilizamos o modelo de regressao betaproposto por Ferrari & Cribari-Neto (2004). Na literatura ha alguns autores quefazem uso de modelos de regressao linear para descrever variaveis resposta queassumem a forma de proporcoes, por exemplo, Zucco (2008), Shikida et al. (2009)e Marques et al. (2009). No modelo de regressao beta utilizado para explicar adiferenca das proporcoes de votos do ex-presidente Lula nas eleicoes de 2006 e2002, alem de considerar variaveis geograficas, polıticas e eleitorais e caracterısticassocioeconomicas dos eleitores, consideramos a diferenca entre os gastos per capitanos programas assistenciais de 2006 e 2002 e a diferenca dos nıveis do PIB percapita de 2006 e 2002. Na segunda parte, estimamos o impacto dos gastos comprogramas assistenciais e do crescimento da economia sobre eleicoes presidenciaisde 2006. O nosso interesse aqui reside em estimar a quantidade de votos que oex-presidente Lula teria em duas diferentes situacoes. Primeira, se os gastos comprogramas assistenciais fossem mantidos nos nıveis de 2002, e segunda, se o PIBper capita de 2006 fosse o mesmo de 2002.

O modelo de regressao utilizado no presente artigo (regressao beta) possuiclaras vantagens que o tornam atraente para a analise que desenvolvemos. Emprimeiro lugar, ele nao requer o uso de transformacoes nao-lineares para quea resposta assuma valores na reta, o que compromete a interpretacao dosparametros em funcao da media da variavel de interesse (resposta original).Segundo, ele e naturalmente heteroscedastico, apresentando inclusive o padraode heteroscedasticidade que e caracterıstico de dados de proporcao: menorvariabilidade perto dos extremos do intervalo unitario padrao e maior variabilidadeem torno da media. Terceiro, a distribuicao beta e muito flexıvel, podendo assumirformas simetricas, assimetricas a direita e assimetricas a esquerda. O processoinferencial nao fica, assim, condicionado a imposicao de simetria. A utilizacao domodelo de regressao beta na nossa analise conduziu a um ajuste muito bom. Omodelo selecionado e capaz de explicar quase 70% da variabilidade exibida pelavariavel resposta (variavel de interesse).

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Alem desta introducao, este artigo esta dividido em cinco secoes. Na Secao 2,apresentamos o modelo de regressao beta, bem como algumas medidas de avaliacaoda qualidade do ajuste. Na Secao 3, descrevemos os dados utilizados. Na Secao4, especificamos o modelo de regressao beta considerado, bem como as inferenciasassociadas. Por fim, a secao 4.1 conclui o artigo.

2 O modelo de regressao beta

A distribuicao beta e a mais utilizada para modelar experimentos aleatoriosque produzem resultados no intervalo (0, 1). Paolino (2001), Kieschnick &McCullough (2003), Ferrari & Cribari-Neto (2004), Ospina et al. (2006), Smithson& Verkuilen (2006), Simas et al. (2010) e Espinheira et al. (2008a, b) utilizarammodelos de regressao em situacoes em que a variavel resposta segue a distribuicaobeta. Em tais modelos, assume-se que a resposta media e relacionada com umpreditor linear por meio de uma funcao de ligacao. O preditor linear envolvecovariaveis e parametros de regressao desconhecidos. Estes modelos tambem saoindexados por um parametro de dispersao, que em certas situacoes pode variar aolongo das observacoes (Smithson & Verkuilen, 2006; Espinheira et al. 2008a, 2008b;Simas et al. 2009).

Ferrari & Cribari-Neto (2004) propuseram uma parametrizacao alternativapara a densidade beta que permite a modelagem da media da resposta atraves deuma estrutura de regressao e que envolve tambem um parametro de precisao. Afuncao de densidade beta nessa reparametrizacao tem a forma

f(y;µ, ϕ) =Γ(ϕ)

Γ(µϕ)Γ((1− µ)ϕ)yµϕ−1(1− y)(1−µ)ϕ−1, 0 < y < 1, (1)

em que 0 < µ < 1 e ϕ > 0. Aqui, E(y) = µ e var(y) = µ(1−µ)1+ϕ , sendo V (µ) = µ(1−µ)

a ‘funcao de variancia’, em que µ e a media da variavel resposta e ϕ pode serinterpretado como um parametro de precisao.

Neste artigo utilizaremos uma outra parametrizacao para o parametro de

precisao. Nos escrevemos σ2 = 1(1+ϕ) , ou seja, ϕ = 1−σ2

σ2 . Note que σ e um

parametro de dispersao. Logo, a densidade em (1) e dada por

f(y;µ, σ) =Γ(

1−σ2

σ2

)Γ(µ 1−σ2

σ2

)Γ((1− µ) 1−σ2

σ2

)yµ( 1−σ2

σ2

)−1

(1− y)(1−µ)

(1−σ2

σ2

)−1, (2)

em que 0 < µ < 1 e 0 < σ < 1. Uma vantagem dessa parametrizacao e que os doisparametros que indexam a densidade assumem valores no intervalo unitario padrao(0, 1), permitindo assim o uso das mesmas funcoes de ligacao nos dois submodelos(submodelo da media e submodelo da dispersao).

Assumiremos que a variavel resposta esta restrita ao intervalo (0, 1). Quando aresposta assume valores no intervalo (a, b), com a e b conhecidos (−∞ < a < b <∞),podemos modelar a variavel (y − a)/(b − a), que e uma padronizacao que permitetrabalhar com a densidade (2) no intervalo (0, 1).

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Sejam y1, . . . , yn variaveis aleatorias independentes, em que cada yt, t =1, . . . , n, possui densidade (2), a media µt e o parametro de dispersao σt sendodesconhecidos. O modelo de regressao beta (Ferrari & Cribari-Neto, 2004) e obtidoassumindo que a media de yt pode ser escrita como

g(µt) =k∑

i=1

xtiβi = ηt,

em que β = (β1, . . . , βk)⊤ e um vetor de parametros desconhecidos (β ∈ Rk) e

xt1, . . . , xtk sao observacoes de k covariaveis. Por fim, a funcao de ligacao g :(0, 1) → R e estritamente monotona e duas vezes diferenciavel. Assim, temos queµt = g−1(ηt) e var(yt) = µt(1−µt)σ

2t . Admitimos que o parametro de dispersao σt

e dado por

h(σt) =

q∑j=1

ztjγj = νt,

em que γ = (γ1, . . . , γq)⊤ e um vetor de parametros desconhecidos, zt1, . . . , ztq

sao observacoes de q covariaveis (q + k < n), assumidas fixas e conhecidas, e h :(0, 1) → R e uma funcao estritamente monotona e duas vezes diferenciavel. Umainterpretacao interessante dos parametros que definem a estrutura de regressao betae obtida quando a funcao de ligacao e logit. Neste caso, a media de yt, µt, pode serescrita como

µt =ex

⊤t β

1 + ex⊤t β,

em que x⊤t = (xt1, . . . , xtk), t = 1, . . . , n. Neste contexto, os parametros do modelode regressao beta tem importantes interpretacoes. Suponha que o valor da t-esimacovariavel aumenta em c unidades e que todas as outras covariaveis independentespermanecem constantes. Seja µ† a media da variavel y sob o novo valor da covariavele seja µ a media da variavel y sob os valores originais das covariaveis. Sendo assim,a razao de chances (odds ratio) e dada por

ecβi =µ†/(1− µ†)

µ/(1− µ),

ou seja, ecβi e igual a razao de chances.O logaritmo da funcao de verossimilhanca a partir de uma amostra de n

observacoes independentes e

ℓ(β, γ) =n∑

t=1

ℓt(µt, σt),

em que

ℓt(µt, σt) = log Γ

(1− σ2

t

σ2t

)− log Γ

(µt

1− σ2t

σ2t

)− log Γ

((1− µt)

1− σ2t

σ2t

)+

(µt

1− σ2t

σ2t

− 1

)log yt +

((1− µt)

1− σ2t

σ2t

− 1

)log(1− yt).

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Logo, para i = 1, . . . , k, a funcao escore para βi e dada por

∂ℓ(β, γ)

∂βi=

n∑t=1

∂ℓt(µt, σt)

µt

dµt

dηt

∂ηt∂βi

,

em que dµt/dηt = 1/g′(µt) e

∂ℓt(µt, σt)

∂µt=

1− σ2t

σ2t

(y∗t − µ∗t ),

com y∗t = log yt

1−yt,

µ∗t = ψ

(µt

1− σ2t

σ2t

)− ψ

((1− µt)

1− σ2t

σ2t

),

em que ψ(·) e a funcao digama. Logo,

∂ℓ(β, γ)

∂βi=

n∑t=1

(1− σ2t )

σ2t

(y∗t − µ∗t )

1

g′(µt)xti.

Podemos escrever o vetor score Uβ(β, γ), a funcao escore de β = (β1, . . . , βk)⊤, em

forma matricial comoUβ(β, γ) = X⊤ΣT (y∗ − µ∗),

em que X e uma matriz n× k cuja t-esima linha e x⊤t , Σ = diag{

1−σ21

σ21, . . . ,

1−σ2n

σ2n

},

T = diag {1/g′(µ1), . . . , 1/g′(µn)}, y∗ = (y∗1 , . . . , y

∗n)

⊤ e µ∗ = (µ∗1, . . . , µ

∗n)

⊤.Considerando as derivadas em relacao aos parametros que modelam a

dispersao, γj , j = 1, . . . , q, temos que

∂ℓ(β, γ)

∂γj=

n∑t=1

∂ℓt(µt, σt)

∂σt

dσtdνt

∂νt∂γj

,

em que dσt/dνt = 1/h′(σt) e

∂ℓt(µt, σt)

∂σj= − 2

σ3t

[µt(y

∗t −µ∗

t )+log(1−yt)+ψ(1− σ2

t

σ2t

)−ψ

((1− µt)

1− σ2t

σ2t

)].

Entao,

∂ℓ(β, γ)

∂γj=

n∑t=1

at1

h′(σt)ztj ,

em que

at = − 2

σ3t

[µt(y

∗t − µ∗

t ) + log(1− yt) + ψ

(1− σ2

t

σ2t

)− ψ

((1− µt)

1− σ2t

σ2t

)].

86 Rev. Bras. Biom., Sao Paulo, v.31, n.1, p.79-103, 2013

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Podemos escrever o vetor Uγ(β, γ), a funcao escore de γ = (γ1, . . . , γq)⊤,

matricialmente comoUγ(β, γ) = Z⊤Ha,

em que Z e uma matriz n × q cuja t-esima linha e z⊤t , H =diag {1/h′(σ1), . . . , 1/h′(σn)} e a = (a1, . . . , an)

⊤.A matriz de informacao de Fisher conjunta dos vetores β e γ e dada pelo

negativo dos valores esperados das segundas derivadas do logaritmo da funcao deverossimilhanca. Para o modelo de regressao beta na parametrizacao usada aqui, amatriz da informacao de Fisher para o vetor parametrico θ = (β⊤, γ⊤)⊤ pode serescrita como

K(θ) = K(β, γ) =

(Kββ Kβγ

Kγβ Kγγ

),

em que Kββ = X⊤ΣWX, onde W = diag{w1, . . . , wn}, com

wt =1− σ2

t

σ2t

[ψ′

(µt

1− σ2t

σ2t

)+ ψ′

((1− µt)

1− σ2t

σ2t

)](1

g′(µt)

)2

,

Kβγ = (Kγβ)⊤ = X⊤CTHZ, onde C = diag{c1, . . . , cn}, com

ct =2

σ3t

(1− σ2

t

σ2t

)[µtψ

′(µt

1− σ2t

σ2t

)− (1− µt)ψ

′((1− µt)

1− σ2t

σ2t

)]e Kγγ = Z⊤DZ, onde D = diag{d1, . . . , dn}, com

dt =4

σ6t

[−ψ′

(1− σ2

t

σ2t

)+µ2

tψ′(µt

1− σ2t

σ2t

)+(1−µt)

2ψ′((1− µt)

1− σ2t

σ2t

)]1

{h′(σt)}2.

Os estimadores de maxima verossimilhanca de β e γ sao obtidos a partirda solucao do sistema formado por Uβ(β, γ) = 0 e Uγ(β, γ) = 0. Taisestimadores nao possuem forma fechada. Assim, eles tem que ser obtidosnumericamente pela maximizacao da funcao de log-verossimilhanca com auxılio deum algoritmo de otimizacao nao-linear, entre eles, os algoritmos RS e CG que estaoimplementados no pacote GAMLSS ‘generalized addtive models for location, scale andshape’(Stasinopoulos et al., 2006).

Usando a expressao padrao para a inversa de uma matriz particionada, temosque a inversa da matriz da informacao de Fisher e dada por

K(θ)−1 = K(β, γ)−1 =

(Kββ

∗ Kβγ∗

Kγβ∗ Kγγ

),

em queKββ

∗ = (X⊤ΣWX −X⊤CTHZ(Z⊤DZ)−1Z⊤HTCX)−1,

Kβγ∗ = (Kγβ

∗ )⊤ = −Kββ∗ X⊤CTHZ(Z⊤DZ)−1

Rev. Bras. Biom., Sao Paulo, v.31, n.1, p.79-103, 2013 87

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eKγγ

∗ = (Z⊤DZ)−1{Iq + (Z⊤HTCX)Kββ∗ X⊤CTHZ(Z⊤DZ)−1}.

Sob certas condicoes de regularidade, temos que, para tamanhos de amostrasgrandes, a distribuicao conjunta de β e γ e aproximadamente normal (k + q)-multivariada: (

βγ

)∼ N

((βγ

),K(θ)−1

),

aproximadamente, sendo β e γ os estimadores de maxima verossimilhanca de β eγ, respectivamente.

2.1 Medidas de diagnostico e adequabilidade para modelos de regressaobeta

A analise de diagnostico teve inıcio com a analise de resıduos objetivandodetectar pontos mal ajustados ou aberrantes e avaliar indıcios de afastamento dassuposicoes sobre o modelo. A analise de resıduos pode basear-se nos resıduosordinarios ou em suas varias padronizacoes. Tecnicas graficas baseadas em resıduossao frequentemente adotadas para analise de diagnosticos.

Espinheira et al. (2008a) propuseram um resıduo para o modelo de regressaobeta e constataram que o mesmo tipicamente apresenta desempenho superior aoresıduo proposto por Ferrari & Cribari-Neto (2004), especialmente no sentidode identificar observacoes influentes para as estimativas das medias. O resıduoponderado padronizado 2 proposto por esses autores, rpp, e dado por

rppt =y∗t − µ∗

t√υt(1− h∗tt)

, (3)

em que h∗tt e o t-esimo elemento da diagonal de (W Σ)1/2X(X⊤ΣWX)−1X⊤(ΣW )1/2

em que W denota que os parametros desconhecidos em W foram substituıdos por

suas estimativas de maxima verossimilhanca, υt = ψ′(µt

1−σ2t

σ2t

)+ψ′

((1− µt)

1−σ2t

σ2t

)e Σ = diag

{1−σ2

1

σ21, . . . ,

1−σ2n

σ2n

}. Aqui, µt = g−1(ηt) = g−1(x⊤t β) e σ2

t = h−1(νt) =

h−1(z⊤t γ), em que xt e zt sao as t-esimas linhas de X e Z, respectivamente.Para verificar a qualidade global do ajuste de um modelo e util ter uma medida

analoga ao coeficiente de determinacao, R2, utilizado em modelos lineares de re-gressao. Ferrari e Cribari-Neto (2004) propuseram uma medida global chamada depseudo R2, que e definida como o quadrado do coeficiente de correlacao entre η eg(y). Na evolucao dos metodos de diagnostico uma etapa que se mostrou relevantefoi a deteccao de observacoes que exercem efeito desproporcional no ajuste. Nestecontexto, encontram-se a distancia de Cook e a alavancagem generalizada.

A distancia de Cook (1977) objetiva quantificar o impacto de uma observacaoparticular nas estimativas dos coeficientes de regressao a partir de sua exclusao doconjunto de dados. Este tipo de diagnostico pode ser feito utilizando o metodo deinfluencia local desenvolvido por Cook (1986). A analise de influencia local visa

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avaliar conjuntamente o impacto das observacoes sob pequenas perturbacoes nomodelo ou nos dados. A proposta de influencia local apresentada por Cook (1986)tem sido vastamente utilizada em modelagens de regressao.

A distancia de Cook para o modelo de regressao beta definido em (1)apresentada em Espinheira et al. (2008a) e dada por

LDt =h∗tt

1− h∗tt(rppt )2,

em que rppt e o resıduo ponderado padronizado 2 definido em (3).

3 Descricao dos dados

A Tabela 1 apresenta uma breve descricao das variaveis utilizadas. As fontesdos dados sao Zucco (2008), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatıstica (IBGE). Em particular, dados para as variaveisGASTO2002, GASTO2006, URB, ANALF , RENDA e PENT foram cedidospor Cesar Zucco. Os nossos dados cobrem 4864 municıpios. Alguns municıpiosbrasileiros nao foram considerados devido a ausencia de dados.

E importante ressaltar que utilizaremos em nossa analise o gasto total comprogramas assistenciais (a precos constantes, descontada a inflacao). Utilizaremosdados comparativos referentes aos anos 2002 e 2006. Canedo-Pinheiro (2009) eZucco (2008) utilizam dados sobre o alcance do Programa Bolsa-Famılia, ou seja,utilizam dados sobre as proporcoes de famılias atendidas pelo programa. Umavantagem do nosso enfoque e que ele leva em consideracao o aumento no valor realdo benefıcio ao passo que os dados utilizados por aqueles autores apenas espelhamo quantitativo de famılias que recebem tal benefıcio.

Na Tabela 2 apresentamos algumas estatısticas descritivas: mınimo, primeiroquartil (Q1/4), mediana, media, terceiro quartil (Q3/4) e maximo das variaveisutilizadas. Tais estatısticas descritivas para as variaveis sao calculadas com baseem 4864 observacoes. Algumas conclusoes podem ser extraıdas da Tabela 2.Considerando as variaveis GASTO2002 e GASTO2006, temos que ha grandedisparidade nos gastos com os programas assistenciais em 2002 e 2006; o valormedio dos gastos em 2002 foi de aproximadamente 109 mil reais, enquanto queem 2006 o gasto medio foi quase um milhao e meio de reais. Ou seja, houveexpressivo aumento no gasto medio com programas assistenciais entre as duaseleicoes presidenciais. A variavel ∆GASTO representa a diferenca do quocienteentre gasto em programas assistenciais em 2006 e a populacao estimada em 2006 eo quociente entre gasto em programas assistenciais em 2002 e a populacao estimadaem 2002, portanto, ∆GASTO e definida pela diferenca entre os gastos per capitade 2006 e 2002. O valor medio da diferenca entre os gastos per capita de 2006 e2002 e de aproximadamente 59 reais. Ou seja, gastou-se a mais quase R$ 60 porhabitante com programas assistenciais em 2006 do que em 2002 (ja descontada ainflacao).

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Tabela 1 - Descricao das variaveis utilizadas

Variavel DefinicaoLULA2006 Proporcao de votos validos de Lula no segundo turno da eleicao de

2006

LULA2002 Proporcao de votos validos de Lula no segundo turno da eleicao de2002

∆y (∆V OTOS) Diferenca entre a proporcao de votos validos de Lula

GASTO2002 Gastos, em milhoes de reais, nos programas assistenciais em 2002 (aprecos de 2006)

GASTO2006 Gastos, em milhoes de reais, nos programas assistenciais em 2006

∆GASTO Diferenca per capita dos gastos em programas assistenciais em 2006e 2002

URB Proporcao da populacao vivendo em areas urbanas em 2000

ANALF Proporcao de analfabetos entre pessoas acima de 15 anos de idade em2000

GOV Variavel dummy: 1 se governador do PT em 2006, 0 caso contrario

PREF Variavel dummy: 1 se prefeito do PT em 2006, 0 caso contrario

RENDA Renda per capita em 2000

PENT Proporcao da populacao de orientacao religiosa pentecostal

POP2002 Populacao estimada do municıpio em 2002

POP2006 Populacao estimada do municıpio em 2006

DU Variavel dummy: 1 se POP2006 > 50000 habitantes, 0 caso contrario

CRESC Taxa de crescimento do PIB per capita entre 2006 e 2002

Atraves da variavel CRESC e possıvel avaliar o crescimento desempenho daeconomia de 2002 para 2006. Essa variavel e obtida atraves do quociente entre adiferenca entre os PIB’s per capita de 2006 e 2002 e o PIB per capita 2002. Ocrescimento economico medio dos municıpios brasileiros foi de 0.57%.

Em 50% dos municıpios brasileiros o percentual de votos validos do ex-presidente Lula no segundo turno da eleicao de 2002 foi quase a 54% (Tabela 2),enquanto que em 2006 esse percentual foi superior a 61%. A menor renda per capitada amostra e de 28.38 reais e a maior, 954.60 reais. O percentual de analfabetismonos municıpios mais desenvolvidos e inferior a 1%; nos menos desenvolvidos estepercentual chega a ultrapassar 50%. O terceiro quartil da variavel ANALF e 0.315.Isto significa que 75% dos municıpios tem preponderancia de analfabetos igual oumenor que 31.50%.

Acredita-se que o Programa Bolsa-Famılia tem contribuıdo para a reducaodos ındices de pobreza do Brasil, mas que seu impacto vem sendo mais pronunciadoem zonas rurais. Assim sendo, incorporamos nas nossas analises a variavel dummyDU com o objetivo de diferenciar municıpios urbanos e rurais. Em nosso estudo omunicıpio e classificado como urbano se sua populacao estimada em 2006 exceder

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Tabela 2 - Estatısticas descritivas das variaveis utilizadas

Variavel mınimo Q1/4 mediana media Q3/4 maximo

LULA2002 0.125 0.453 0.538 0.539 0.623 0.934

LULA2006 0.196 0.486 0.614 0.618 0.757 0.963

∆y (∆V OTOS) −0.443 −0.070 0.051 0.079 0.213 0.705

GASTO2002 124 22500 51710 109000 117500 7707000

GASTO2006 4851 264300 644500 1452000 1529000 130500000

∆GASTO 1.74 28.11 49.92 58.72 87.57 378.10

URB 0.016 0.414 0.601 0.595 0.785 1.000

ANALF 0.009 0.115 0.176 0.214 0.315 0.607

RENDA 28.38 88.78 169.90 173.70 235.00 954.60

PENT 0.001 0.039 0.072 0.082 0.112 0.461

POP2002 808 5272 10900 32230 22600 10660000

POP2006 828 5293 11130 34140 23570 11020000

CRESC 0.001 0.384 0.522 0.570 0.678 12.93

50 mil habitantes (DU = 1) e e classificado como rural caso contrario.1 Em nossaanalise 531 municıpios foram classificados como urbanos. A populacao estimadanesses 531 municıpios corresponde a aproximadamente 66% da populacao total.

Destacamos que a menor proporcao de votos que o ex-presidente Lula recebeuem 2002 foi registrada no municıpio de Jurua, no Estado do Amazonas, e a maior,no Estado da Bahia, no municıpio de Sao Francisco do Conde. Em 2006, a menor ea maior proporcoes de votos foram registradas nos municıpios de Sao Marcos (RioGrande do Sul) e Bela Agua (Maranhao), respectivamente. Vale destacar que naeleicao presidencial de 2002 a proporcao de votos validos obtidos pelo ex-presidenteLula foi um pouco menor do que em 2006.

Em 2002, existiam tres programas assistenciais, a saber: Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentacao e Auxılio-Gas. O valor maximo gasto nos programas assistenciais em2002 foi registrado no municıpio de Salvador, na Bahia. Os gastos consideradosem 2002 foram deflacionados utilizando o IPCA - Indice de Precos ao ConsumidorAmplo. Tais dados se encontram, assim, a precos constantes de 2006. Em 2006, alemdos tres programas assistenciais existentes em 2002, tambem existiam o Cartao-Alimentacao e o Bolsa-Famılia. No municıpio de Sao Paulo foram gastos mais de130 milhoes de reais enquanto que no municıpio de Aguas de Sao Pedro foram gastosaproximadamente 4.9 mil reais.

O municıpio de Jordao, no Estado do Acre, apresentou a maior taxa deanalfabetismo, e a menor taxa de analfabetismo foi registrada no municıpio de SaoJoao do Oeste, em Santa Catarina. Nesse ultimo municıpio em 2006 o ex-presidente

1O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatıstica (IBGE) utiliza criterios distintos paraclassificacao de municıpios urbanos e rurais. Optamos pela utilizacao de um criterio simples,que e baseada apenas na populacao do municıpio, uma vez que ja utilizamos como condicionantea proporcao de pessoas vivendo em areas urbanas.

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Lula teve aproximadamente 40% de votos a menos do que obteve em 2002. Nomunicıpio com maior taxa de analfabetismo, a votacao do ex-presidente em 2006foi aproximadamente 13% maior do que em 2002.

Dos 4864 municıpios considerados nesse estudo, em 368 municıpios o prefeitoera filiado ao Partido dos Trabalhadores em 2006. Em termos percentuais, em quase8% dos municıpios estudados o prefeito era do mesmo partido do ex-presidente Lula.Apenas os Estados do Acre, Piauı e Mato Grosso do Sul eram governados pelo PTem 2006.

Em Campos Verdes (Goias) foi registrada a maior diferenca entre os gastosper capita de 2006 e 2002. Essa diferenca foi de aproximadamente R$378. A menordiferenca foi menor do que R$ 2. Vale destacar que no municıpio de Campos Verdes,em 2006, o ex-presidente Lula obteve 28% de votos a mais do que em 2002, enquantoque no municıpio em a diferenca entre os gastos per capita foi menor, o ex-presidenteLula teve em 2006 12% de votos a menos do que em 2002.

Em relacao ao crescimento economico, podemos destacar que o municıpio deRubiacea em Sao Paulo apresentou o menor crescimento economico, e o maiorocorreu em Canaa dos Carajas no Para.

Um dos nossos interesses neste artigo reside em quantificar o impacto dosgastos em programas assistenciais e do crescimento da economia sobre o resultadoda eleicao presidencial de 2006. Vale salientar que em 2006 foram gastosaproximadamente 6.535 bilhoes de reais a mais do que em 2002 em programasassistenciais.

4 Especificacao do modelo

Nesta secao apresentamos uma modelagem empırica relacionada a eleicao pre-sidencial no Brasil. O nosso interesse e explicar a diferenca entre as proporcoesde votos validos do ex-presidente Lula nos segundos turnos nas eleicoes de 2006 e2002. Nos utilizamos o modelo de regressao beta (Ferrari & Cribari-Neto, 2004),que e apropriado para dados dessa natureza. O procedimento computacional foidesenvolvido utilizando o software estatıstico R (Kleiber & Zeileis, 2008; Cribari–Neto & Zeleis, 2010).

Na selecao das covariaveis utilizadas para explicar a diferenca entre asproporcoes de votos validos do ex-presidente Lula nos segundos turnos nas eleicoesde 2006 e 2002 utilizamos o criterio de selecao de modelo AIC (Akaike’s informationcriterion), que foi proposto por Akaike (1974).

Inicialmente, ao usar o modelo de regressao beta, nosso interesse reside emdeterminar se a dispersao e fixa, ou seja, se ha ou nao estrutura de regressao para oparametro de dispersao. Para tanto, empregamos o teste score (Espinheira, 2007) erejeitamos a hipotese nula de dispersao fixa ao nıvel nominal de 1% (p-valor < 0.01).Sendo assim, alem de modelar a media, ha necessidade de modelar a dispersao.

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4.1 Diferenca entre as proporcoes de votos validos do ex-presidenteLula

A variavel de interesse, ∆y, e a diferenca entre as proporcoes de votosvalidos do ex-presidente Lula nos segundos turnos das eleicoes de 2006 e 2002.As covariaveis selecionadas foram ∆GASTO, RENDA, GOV , PREF , DU , URB,PENT , ANALF , CRESC e ∆GASTO2. A covariavel ∆GASTO dada pela somados gastos per capita com programas assistenciais e com Bolsa-Famılia em 2006menos a soma dos gastos per capita com programas assistenciais em 2002.

Da forma como definimos a variavel de interesse, nao podemos garantir um dospressupostos do modelo de regressao beta, ou seja, que ∆y esta restrita ao intervalo(0, 1). Para contornar tal situacao, fizemos uma transformacao na variavel resposta.A transformacao foi ∆y‡ = (∆y−a)/(b−a), com a = −1 e b = 1. Esta padronizacaonos garante que a variavel resposta esta restrita ao intervalo (0, 1). Note que taltransformacao nao compromete a interpretacao dos parametros em funcao da mediada resposta uma vez que se trata de transformacao linear. Ou seja, diferentementeda pratica usual de transformar respostas que assumem valor no intervalo unitariopadrao para que assumam valores na reta aqui nao ha problemas causados nainterpretacao dos parametros em decorrencia da desigualdade de Jensen. A variavelresposta neste caso apresenta valor mınimo igual a 0.279, valor maximo igual a 0.883e mediana igual a 0.539. Na Figura 1 estao apresentados o histograma e o box-plotda variavel dependente ∆y‡. E possıvel notar que a distribuicao dessa variavel eassimetrica, portanto, e necessario considerar um modelo adequado, i.e., um modeloque capture a assimetria. Assim sendo, utilizamos o modelo de regressao beta.

O modelo selecionado, apos exaustivo processo de selecao guiado pelo uso docriterio AIC e por analises de diagnostico, foi2

logit(µ‡t) = β0 + β1∆GASTOt + β2RENDAt + β3GOVt + β4PREFt + β5DUt

+ β6URBt + β7PENTt + β8ANALFt + β9CRESCt + β10∆GASTO2t ,

logit(σt) = γ0 + γ1RENDAt + γ2DUt + γ3URBt + γ4ANALFt,

t = 1, . . . , 4864.O Criterio de Informacao de Akaike penaliza a inclusao de covariaveis no

modelo com intensidade menor do que o Criterio de Informacao Bayesiano. Elefoi utilizado porque a nao inclusao de variaveis relevantes no modelo pode ser maiscustosa do que a inclusao de regressores sem maior poder explicativo. Notamos,contudo, que como tamanho da amostra e grande nao sao esperadas divergenciassubstantivas entre os diferentes criterios de selecao de modelos. Adicionalmente,notamos que o processo de selecao de selecao de modelos utilizado nao foi norteadoapenas pelo uso de um criterio de informacao, mas levou em consideracao tambemtestes de hipoteses sobre os parametros e analises de diagnostico.

Atraves da analise dos coeficientes estimados para o modelo selecionado (verTabela 3) e possıvel verificar que a covariavel ∆GASTO influencia positivamente

2Consideramos tambem modelos com efeitos espaciais, mas tais modelos nao conduziram aajustes superiores ao do modelo selecionado.

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0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0

01

23

4

0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 0.8

Figura 1 - Histograma e grafico box-plot da diferenca entre as proporcoes de votosvalidos do ex-presidente Lula nas eleicoes de 2006 e 2002.

a diferenca entre as proporcoes de votos de Lula em 2006 e 2002. As covariaveisDU , URB, PENT , ANALF e CRESC tambem exercem efeito positivo sobrea diferenca das proporcoes de votos, ao passo que, as covariaveis RENDA,GOV e PREF exercem efeito negativo. Os municıpios mais urbanizados tendema apresentar maiores diferencas entre as proporcoes de votos em 2006 e 2002.Considerando a estrutura de regressao para o parametro de dispersao, temos quea medida que a covariavel RENDA diminui a dispersao tambem diminui, ou seja,os municıpios que apresentam menores rendimentos tendem a apresentar respostamenos dispersa. Medimos a intensidade da nao-constancia da dispersao dos dadosatraves da seguinte quantidade: λ = max(σt)/min(σt). Para o modelo de regressao

beta considerado temos λ = 8.24. Correspondentemente, a razao entre a maior e amenor precisao estimadas e 70.28. O pseudo R2 obtido foi 0.67.

Realizamos o teste de especificacao RESET (Ramsey, 1967). A hipotese nulae de que o modelo estimado esta bem especificado e a hipotese alternativa e de queele esta mal especificado. A ma especificacao do modelo pode ser decorrente devariavel regressora omitida, nao linearidade negligenciada ou forma distribucionalerrada (i.e., a resposta nao segue distribuicao beta condicionalmente as covariaveis).A correta especificacao do modelo nao e rejeitada ao nıvel nominal de 5% quando oteste RESET e realizado utilizando a segunda e quarta potencias do preditor linearestimado como variaveis de teste.

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Tabela 3 - Estimativas pontuais e p-valores

β p-valor γ p-valorINTERCEPTO −5.084× 10−1 < 1× 10−15 −1.762 < 1× 10−15

∆GASTO 4.003× 10−3 < 1× 10−4 — —

RENDA −1.819× 10−4 < 1× 10−7 −0.002 < 1× 10−14

GOV −1.221× 10−1 < 4× 10−14 — —

PREF −4.053× 10−2 < 1× 10−5 — —

DU 2.797× 10−2 < 1× 10−3 0.107 < 7× 10−3

URB 1.181× 10−1 < 1× 10−14 −0.410 < 5× 10−12

PENT 2.359× 10−1 < 2× 10−5 — —

ANALF 1.896 < 1× 10−15 0.665 < 1× 10−6

CRESC 2.271× 10−2 < 8× 10−4 — —

∆GASTO2 −7.667× 10−6 < 4× 10−6 — —

Com o intuito de verificar possıveis afastamentos das suposicoes feitas parao modelo, a Figura 2 apresenta os graficos dos resıduos ponderados padronizados2 versus os ındices das observacoes e tambem o grafico da probabilidade normalcom envelopes simulados. O modelo de regressao parece estar bem ajustado, dadoque apenas 31 resıduos se encontram fora do intervalo (−3, 3); isto corresponde amenos de 1% do numero total de municıpios. Adicionalmente, notamos que umavez que os resıduos, em geral, permanecem dentro das bandas de confianca dosenvelopes simulados, nao ha indıcios de afastamento da suposicao de que o modelode regressao beta fornece uma boa representacao para os dados.

Com o objetivo de complementar a analise de resıduos realizada anteriormente,construımos os graficos das distancias de Cook versus os valores preditos e da ala-vancagem generalizada versus valores preditos, que estao apresentados na Figura 3.Notamos que no grafico das distancias de Cook e da alavancagem generalizada aobservacao 58, que corresponde ao municıpio de Aguas de Sao Pedro, encontra-sedestacada das demais. Vale destacar que nesse municıpio foi registrado o menorpatamar de gastos com programas assistenciais e com Bolsa-Famılia em 2006. Alemdisso, o percentual de votos do ex-presidente Lula em 2006 foi aproximadamente16% menor do que em 2002. Excluımos individualmente a observacao 58, contudoas variacoes percentuais nas estimativas dos parametros foram pequenas.

Um dos objetivos deste artigo e quantificar o impacto dos gastos em programasassistenciais e do crescimento da economia sobre o resultado da eleicao presidencialde 2006. Vale salientar que em 2006 foram gastos aproximadamente 6.535 bilhoesde reais a mais do que em 2002 em programas assistenciais.

Para obter o impacto da diferenca entre gastos com programas assistenciaisnos anos de 2006 e 2002, calculamos os valores ajustados para cada t = 1, . . . , n,considerando ∆GASTO = 0, ∆GASTO2 = 0 e as outras covariaveis iguais aos seus

valores em cada observacao. Assim obtemos ∆µ‡t condicional a ∆GASTO = 0 em

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0 1000 2000 3000 4000 5000

−4

−2

02

4

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++++++++++++++++++++++++++++++++++

+++++++++++++++++++++++++

+++++++++++++

+++++++

+++

+ +

0 1 2 30

12

34

5

Figura 2 - Grafico dos resıduos ponderados padronizados 2 versus os ındices dasobservacoes e grafico da probabilidade normal com envelopes simulados.

0.40 0.45 0.50 0.55 0.60 0.65 0.70

01

23

45

Valores ajustados

58

0.40 0.45 0.50 0.55 0.60 0.65 0.70

0.0

0.1

0.2

0.3

0.4

0.5

0.6

Valores ajustados

Figura 3 - Graficos das distancias de Cook e da alavancagem generalizada.

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todos os municıpios. Como foi citado anteriormente, fizemos uma transformacaona variavel resposta de tal forma que ∆y‡ ∈ (0, 1), assim sendo, a relacao entre∆y‡ e ∆y e dada por ∆y‡ = ∆y+1

2 , ou ainda ∆y = 2∆y‡ − 1. Sabemos que

µ‡ = E(∆y‡) = 12E(∆y) +

12 . O nosso interesse e obter ∆µt, em que ∆µt =

2 × ∆µ‡t − 1. Depois de obter ∆µt, calculamos o somatorio dos produtos entre

∆µt e a correspondente populacao votante. O resultado dessa soma nos fornece aquantidade de votos (em numero absolutos) predita pelo modelo do ex-presidenteLula condicional aos gastos sociais de 2006 mantidos nos nıveis de 2002. Os nossosresultados revelam que se os gastos em programas assistenciais fossem mantidos nosnıveis de 2002, haveria uma reducao na votacao do ex-presidente de 7.116 milhoesde votos. De forma analoga calculamos o impacto do crescimento da economia

sobre a votacao do ex-presidente Lula, mas nesse caso obtemos ∆µ‡t condicional

a CRESC = 0 em todos os municıpios, ou seja, assumimos que nao ha diferencaentre os PIB’s per capita de 2006 e 2002. Os nossos resultados revelaram que se naohouvesse crescimento economico, a votacao do ex-presidente Lula teria uma reducaode aproximadamente 2 milhoes de votos. Portanto, concluımos que o aumento dosgastos com programas assistenciais contribuiu mais para votacao do ex-presidenteLula do que o crescimento da economia.

Os resultados apresentados foram obtidos a partir de modelagem de regressaocom dados de corte transversal e sao, assim, de natureza correlacional e nao causal.Eles indicam, contudo, forte associacao entre a aceitacao eleitoral do ex-presidenteLuiz Inacio Lula da Silva e os gastos com o programa Bolsa Famılia. Nossosresultados fornecem uma mensuracao desse efeito.

As Tabelas 4 e 6 apresentam os impactos estimados de ∆GASTO e CRESCsobre a diferenca entre as votacoes do ex-presidente Lula em 2006 e 2002 e seusrespectivos erros-padrao obtidos via bootstrap. Para mensurar este impacto,consideramos algumas situacoes diferentes, sao elas: a covariavel RENDA e fixadano primeiro, segundo e terceiro quartis, enquanto que as outras covariaveis saofixadas na mediana, exceto as covariaveis ∆GASTO, ∆GASTO2, GOV , PREFe DU . Consideramos o metodo bootstrap parametrico para cada obtencao doerro-padrao associado a cada impacto. Para este calculo utilizamos 1000 replicasde bootstrap. Resumimos a seguir o procedimento bootstrap adotado.

1. Para cada t = 1, . . . , n, geramos y†t da densidade beta com parametros µt eσt.

2. Estimamos a regressao beta usando como resposta y† = (y†1, . . . , y†n)

conjuntamente com os regressores originais.

3. Considerando as estimativas obtidas no item anterior, calculamos o impactoda covariavel ∆GASTO, ou seja, estimamos

E(∆yt,b) = E(2∆y†t,b − 1) = 2E(∆y†t,b)− 1.

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4. Repetimos os passos (1) a (3) 1000 vezes.

5. Considerando os 1000 impactos estimados, calculamos a raiz quadrada de suavariancia, ou seja, o erro-padrao.

Tabela 4 - Impactos estimados da diferenca entre gastos nos programas assistenciaisem 2006 e 2002 sobre a resposta media e respectivos erros-padrao obtidosvia bootstrap

RENDA=Q1/4 RENDA=Q2/4 RENDA=Q3/4

GOV = 0, PREF = 0, DU = 0 −0.046 (0.007) −0.053 (0.006) −0.059 (0.005)

GOV = 1, PREF = 1, DU = 0 −0.126 (0.011) −0.133 (0.010) −0.139 (0.010)

GOV = 1, PREF = 0, DU = 0 −0.106 (0.010) −0.113 (0.009) −0.120 (0.009)

GOV = 0, PREF = 1, DU = 0 −0.066 (0.008) −0.073 (0.008) −0.079 (0.007)

GOV = 0, PREF = 0, DU = 1 −0.032 (0.009) −0.039(0.008) −0.045 (0.007)

GOV = 1, PREF = 1, DU = 1 −0.113 (0.012) −0.119 (0.011) −0.126 (0.011)

GOV = 1, PREF = 0, DU = 1 −0.093 (0.011) −0.100 (0.011) −0.106 (0.010)

GOV = 0, PREF = 1, DU = 1 −0.052 (0.010) −0.059 (0.009) −0.065 (0.008)

As covariaveis ∆GASTO e ∆GASTO2 foram fixadas em zero, e as trescovariaveis dummies foram fixadas em zero e um, alternadamente. Varias conclusoespodem ser extraıdas da Tabela 4. Se todos os estados e municıpios nao fossemgovernados pelo PT, e se todos fossem localizados em areas rurais (GOV , PREFe DU assumissem valor zero) e fixando a renda per capita no primeiro quartil(R$ 28.38), encontramos que se os gastos assistenciais de 2006 fossem mantidosa nıveis de 2002, haveria uma reducao de aproximadamente 4.6% na votacao doex-presidente Lula. Considerando esse mesmo cenario, mas tomando todos osmunicıpios como sendo urbanos (DU = 1), essa reducao de votos do ex-presidenteteria sido em torno de 3%. Os erros-padrao desses dois impactos sao de apenas0.007 e 0.009, respectivamente. Em contrapartida, se em todos os municıpios osprefeitos fossem filiados ao PT e os respectivos estados fossem governados pelo PT,e se todos os municıpios fossem rurais, a reducao de votos do ex-presidente seriade aproximadamente 12%. Alem disso, podemos destacar que em todos os casosestudados a reducao de votos do ex-presidente teria sido maior na zona rural do quena urbana se os gastos assistenciais fossem mantidos a precos constantes de 2002.Em todos os casos considerados, podemos notar que o erro-padrao obtido atravesdo metodo bootstrap e pequeno. A Tabela 5 apresenta intervalos de confiancabootstrap ao nıvel de 95% de confianca para os impactos. Como podemos notar, ovalor zero nao pertence a qualquer dos intervalos de confianca apresentados, sendoassim os impactos obtidos sao estatisticamente diferentes de zero ao nıvel nominalde 5%, ou seja, nao sao estatisticamente nulos.

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Tabela 5 - Intervalo de confianca bootstrap ao nıvel de 95% de confianca para oimpactos da diferenca entre gastos nos programas assistenciais em 2006e 2002 sobre a resposta media

RENDA=Q1/4 RENDA=Q2/4 RENDA=Q3/4

GOV = 0, PREF = 0, DU = 0 (−0.058;−0.032) (−0.064;−0.040) (−0.069;−0.048)

GOV = 1, PREF = 1, DU = 0 (−0.147;−0.106) (−0.153;−0.113) (−0.159;−0.119)

GOV = 1, PREF = 0, DU = 0 (−0.126;−0.087) (−0.131;−0.094) (−0.137;−0.101)

GOV = 0, PREF = 1, DU = 0 (−0.082;−0.050) (−0.088;−0.057) (−0.094;−0.065)

GOV = 0, PREF = 0, DU = 1 (−0.048;−0.015) (−0.053;−0.023) (−0.058;−0.031)

GOV = 1, PREF = 1, DU = 1 (−0.138;−0.089) (−0.143;−0.097) (−0.148;−0.105)

GOV = 1, PREF = 0, DU = 1 (−0.114;−0.069) (−0.120;−0.077) (−0.126;−0.085)

GOV = 0, PREF = 1, DU = 1 (−0.071;−0.034) (−0.077;−0.042) (−0.082;−0.049)

Considerando as mesmas situacoes apresentadas anteriormente para calcularo impacto da covariavel ∆GASTO sobre a eleicao do ex-presidente Lula, de formaanaloga calculamos o impacto da covariavel CRESC. Portanto, a covariavelCRESC foi fixada em zero e as tres covariaveis dummies foram fixadas em zero eum, alternadamente. Varias conclusoes podem ser extraıdas da Tabela 6. Se todosos estados e municıpios fossem governados pelo PT, e se todos fossem localizados emareas rurais e fixando a renda per capita no terceiro quartil (R$ 235.00), concluımosque se o crescimento da economia tivesse sido nulo, haveria uma reducao de quase6% na votacao do ex-presidente Lula. Considerando o mesmo cenario, mas tomandotodos municıpios como sendo urbanos, essa reducao seria um pouco menor (4.2%).Por outro lado, se todos os estados e municıpios nao fossem governados pelo PT,encontramos que sem o crescimento da economia, haveria um acrescimo na votacaodo ex-presidente Lula independente de ser na zona rural ou urbana. Por exemplo,se os prefeitos de todos os municıpios nao fossem filiados ao PT (PREF = 0), nazona rural (DU = 0) e fixando a renda per capita no primeiro quartil, concluımosque sem o crescimento da economia, haveria um acrescimo de aproximadamente3.8% na votacao do ex-presidente Lula. Considerando esse mesmo cenario, todaviatomando todos os municıpios como sendo urbanos (DU = 1), o acrescimo devotos do ex-presidente seria aproximadamente 5%. Os erros-padrao desses doisimpactos apresentados sao de apenas 0.003 e 0.005, respectivamente. A Tabela 7apresenta intervalos de confianca bootstrap ao nıvel de 95% de confianca para osimpactos. Como podemos notar em 4 dos 24 intervalos de confianca apresentados,o zero pertence ao intervalo de confianca, sendo assim os impactos obtidos saoestatisticamente nulos ao nıvel nominal de 5%. Nos demais intervalos apresentados,ou seja, nos outros 20 intervalos, o valor zero nao pertence ao intervalo, portanto,nessas situacoes o impacto e estatisticamente diferente de zero.

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Tabela 6 - Impactos estimados da diferenca do PIB per capita em 2006 e 2002 sobrea resposta media e respectivos erros-padrao obtidos via bootstrap

RENDA=Q1/4 RENDA=Q2/4 RENDA=Q3/4

GOV = 0, PREF = 0, DU = 0 0.038 (0.003) 0.031 (0.003) 0.025 (0.003)

GOV = 1, PREF = 1, DU = 0 −0.025 (0.009) −0.050 (0.009) −0.056 (0.009)

GOV = 1, PREF = 0, DU = 0 −0.023 (0.008) −0.029 (0.008) −0.036 (0.008)

GOV = 0, PREF = 1, DU = 0 0.018 (0.006) 0.011 (0.005) 0.005 (0.005)

GOV = 0, PREF = 0, DU = 1 0.052 (0.005) 0.046(0.004) 0.039 (0.042)

GOV = 1, PREF = 1, DU = 1 −0.037 (0.010) −0.036 (0.010) −0.042 (0.095)

GOV = 1, PREF = 0, DU = 1 −0.009 (0.009) −0.006 (0.009) −0.022 (0.009)

GOV = 0, PREF = 1, DU = 1 0.032 (0.007) 0.025 (0.006) 0.019 (0.0062)

Tabela 7 - Intervalos de confianca bootstrap ao nıvel de 95% de confianca para oimpacto da diferenca do PIB per capita em 2006 e 2002 sobre a respostamedia

RENDA=Q1/4 RENDA=Q2/4 RENDA=Q3/4

GOV = 0, PREF = 0, DU = 0 (0.032; 0.045) (0.027; 0.037) (0.020; 0.031)

GOV = 1, PREF = 1, DU = 0 (−0.060;−0.024) (−0.066;−0.031) (−0.073;−0.037)

GOV = 1, PREF = 0, DU = 0 (−0.038;−0.005) (−0.045;−0.013) (−0.052;−0.020)

GOV = 0, PREF = 1, DU = 0 (0.007; 0.030) (0.009; 0.022) (−0.006; 0.016)

GOV = 0, PREF = 0, DU = 1 (0.048; 0.068) (0.043; 0.060) (0.037; 0.054)

GOV = 1, PREF = 1, DU = 1 (−0.047;−0.008) (−0.054;−0.015) (−0.060;−0.021)

GOV = 1, PREF = 0, DU = 1 (−0.025; 0.011) (−0.032; 0.003) (−0.038; 0.004)

GOV = 0, PREF = 1, DU = 1 (0.020; 0.046) (0.013; 0.038) (0.007; 0.031)

Conclusoes

Neste artigo consideramos uma estrategia de modelagem para avaliar o efeitodo aumento nos gastos com programas assistenciais e do crescimento da economiasobre a reeleicao do presidente Lula em 2006. Nesse enfoque, utilizamos o modelode regressao beta, dado que a variavel resposta e uma proporcao. Modelamos adiferenca entre as proporcoes de votos validos do ex-presidente Lula nos segundosturnos das eleicoes de 2006 e 2002. Durante o primeiro mandato houve uma quedade popularidade do ex-presidente, mas no inıcio de 2006 sua popularidade voltoua subir e o presidente foi reeleito no segundo turno da eleicao de 2006. Contudo,estudos mostram que o perfil dos eleitores do ex-presidente reeleito mudou. Na suaprimeira vitoria, Lula apresentou melhor desempenho nas regioes mais urbanizadas

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e mais desenvolvidas enquanto em 2006 o voto migrou para lugares mais atrasadose menos urbanizados. No segundo turno da eleicao de 2006, Lula disputou comGeraldo Alckmin, candidato do PSDB, que obteve maior votacao em apenas seteestados.

Em 2006, foram gastos pouco mais do que 7.065 bilhoes de reais em programasassistenciais remanescentes e no Programa Bolsa-Famılia enquanto que em 2002gastou-se um pouco mais de 530 milhoes de reais. Alem disso, em 2002 so existiamtres programas assistenciais: Bolsa-Escola, Auxılio-Gas e Cartao-Alimentacao.Assim sendo, calculamos o impacto da diferenca entre os gastos totais em programasassistenciais em 2006 e 2002 sobre a resposta media, que neste caso foi a diferencaentre as proporcoes de votos em 2006 e 2002 do ex-presidente Lula. Considerandoo cenario em que se em todos os municıpios os prefeitos fossem filiados ao PT eos respectivos estados fossem governados pelo PT, e se todos os municıpios fossemrurais, encontramos que se os gastos nos programas assistenciais fossem mantidosa nıveis de 2002 a reducao de votos do ex-presidente seria de aproximadamente12%. Em relacao ao impacto do crescimento da economia, concluımos que semcrescimento economico entre 2002 e 2006, o ex-presidente Lula teria uma reducaode votos apenas nas situacoes em que o governador era filiado ao PT. Vale ressaltarque o impacto do crescimento da economia e menor do que o impacto do aumentodos gastos assistenciais. Considerando o Brasil como um todo, nossos resultadosrevelam que se os gastos com programas assistenciais fossem mantidos nos nıveis de2002, a votacao do ex-presidente Lula teria uma reducao de aproximadamente 7.116milhoes de votos, enquanto que, sem crescimento economico essa reducao seria deapenas 2 milhoes de votos. Vale ressaltar que mesmo com tais reducoes de votos,o ex-presidente Lula seria reeleito, dado que a diferenca entre os votos de Lula ede Geraldo Alckmin foi de 22% que corresponde a aproximadamente 21 milhoes devotos.

Agradecimentos

Fernando Cribari–Neto agradece ao apoio financeiro do CNPq.

SOUZA, T. C.; CRIBARI–NETO, F. An estimate of the impact of assistanceprograms on the 2006 presidential election in Brazil. Rev. Bras. Biom., Sao Paulo,v.31, n.1, p.79-103, 2013.

ABSTRACT: Government spending on assistance programs increased considerably

during the first term of Luiz Inacio Lula da Silva presidency. We performa beta regression

analysis to measure the impact of such spending increase on its reelection. Our response

is the difference between the proportions of valid votes for Luiz Inacio Lula da Silva

in the 2006 and 2002 elections. We estimate the impacts of the increased spending on

assistance programs and of economic growth on the election outcome. We conclude that

the candidate Luiz Inacio Lula da Silva would lose approximately 7 million votes in the

2006 runoff election had the spending on assistance programs remained at the 2002 level.

Under no economic growth between the two elections, he would lose approximately 2

million votes.

Rev. Bras. Biom., Sao Paulo, v.31, n.1, p.79-103, 2013 101

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KEYWORDS: Assistance programs; beta regression model; presidential election.

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Recebido em 26.05.2013.

Aprovado apos revisao em 09.09.2013.

Rev. Bras. Biom., Sao Paulo, v.31, n.1, p.79-103, 2013 103