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Revista Brasileira de Geografia. Abril/junho de 1950. Artigo Observações Geográficas na Amazônia. Pierre Gourou. Destaque para o capítulo sobre o papel geográfico da malária.

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  • REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA SUMRIO DO NMERO DE ABRIL-JUNHO DE 1950

    ARTIGOS

    Observaes Geogrficas na Amaznia, pelo Prof. PIERRE Gounou 171

    Utilizao das Fotografias Areas nas Expk>raes Geogrficas, peJo Eng. FREDERICO HOEPKEN . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 251

    Distribuio da Produo do Arroz no Sudoeste do Planalto Central, HUTH MATOS ALMEIDA SIMES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 269

    VULTOS DA GEOGRAFIA DO BRASIL

    Antnio Alves Cmara, pelo Eng. VIRGILIO CORRA FILHO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 285

    Alberto Lofgren, pelo Eng. VIRGILIO CoRRA FILHO 288

    COMENTRIOS

    Viagem ao Amap, JORGE PEREIRA DE LA HOQUE 291

    Zonas Climticas e Bicoros segundo Vahl, pelo Prof. HILGARD O'HEILLY SrERNBERG ............................................. 329

    Terminologia Geogrfica, pela Redao .................................... 331

    TIPOS E ASPECTOS DO BRASIL

    O Uru, NLSON WERNECK SODR .............................................................. . 335

    Travessia do gado, NLSON WERNECK SODR 337

    NOTICIRIO

    13. ANIVERSARIO DO CONSELHO NACIONAL DE GEOGRAF'IA . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . 339 EXCURSO AO PARANA . .. . . .. .. . . . .. .. .. .. .. .... .. . . .. .. . . .. .. . . .. ... .. .. ... . . .. . . .. . .... 340 QUINTA ASSEMBLIA GERAL ORDINARIA DA ASSOCIAO DOS GEGRAFO;] BRA-

    SILEIROS ............................................................. .. ......... 347 GUIDO ASSERETO ...................................................................... .. 348 ISAIAH BOWMAN .................................................................. ...... . 348

  • REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA

    Ano XII I ABRIL-JUNHO DE 1950 I N. 0 2

    - ~ A OBSERVAOES GEOGRAFICAS NA AMAZONIA PIERRE GoURou

    Professor no Collge de France, na Uni-versidade Livre de Bruxelas e na Univer-

    sidade de S. Paulo

    Segunda parte"'

    OBSERVAES SBRE A GEOGRAFIA HUMANA E ECONMICA

    CAPTULO I

    A densidade da populao

    I - Zonas de densidade II - Distribuio geogrfica da populao

    111 - Diferenas da densidade.

    O primeiro problema que se impe a quem estuda a geografia humana da Amaznia o da densidade da populao. Se nos mantivermos dentro dos limites administrativos, sem entrar em pormenores, cs resultados sero os se-guintes:

    Superfcie Populao (1940) Densidade Par o o o. 1216 726 km" 923 453 0,76 Amazonas . . . ... 1592 626 km' 416 Oll 0,26 Acre o 153 170 km2 79 768 0,52 Guapor o. o 254 163 km' 21297 0,08 Rio Branco ..... 214 316km' 12130 0,06 Amap ... .. . .. 137 419 km2 21192 0,15

    TOTAL ... . 3 571 612 km' 1 473 850 Densidade mdia 0,41

    A. densidade mdia , pois de 0,41 habitantes por quilmetro quadrado.

    I - Zonas de densidade

    A densidade mdia embora no possua grande significao indica-nos, no entanto, o trao caracterstico da geografia humana da Amaznia.

    Compulsando as estatsticas podemos melhor apreender ste fato. Se tomarmos a Amaznia delimitada administrativamente como indicamos acima

    o A primeira parte foi publicada no n. 0 3, ano XI desta Revista. Traduo do francs de ListAS MARIA CAVALCANTE BERNARDES.

    P g . 3 - Abril-Junho d e 1950

  • 1-) 1- REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA

    e se observarmos a repartio da populao segundo o recenseamento de 1940 alcanaremos os seguintes resultados:

    -- densidade de populao inferior a 0,1 habitantes ou seja: 50% da super-fcie c 6,7% da populao total.

    - densidade de populao de 0,1 a 0,499: 1 350 451 quilmetros quadrados com 207 424 habitantes, o que em-responde a 37,8% da superfcie e 14% da popu-lao.

    - densidade de populao de 0,5 a 0,999: 101 384 quilmetros quadrados e 77 295 habitantes, o que equivale a 2,8% da superfcie e 5,2% da populao.

    - densidade de populao de 1 a 2,499: 117 509 quilmetros quadrados e 162 215 habitantes, ou seja: 3,3% da superfcie e 11% da populao.

    - densidade de populao de 2,5 a 4,999: 40 075 quilmetros quadrados e 151 239 habitantes, representando 1,1% da superfcie e 10,2% da populao.

    - densidade de populao de 5 a 9,999: 22 871 quilmetros quadrados e 181 547 habitantes, o que equivale a 0,64% da superfcie e 12,3% da populao.

    - densidade de populao superior a 10: 13 893 quilmetros quadrados, com 513 462 habitantes, correspondendo a 0,38% da superfcie e 35% da populao 1

    Em conjunto podemos observar, portanto, que as densidades de populao inferiores a 1 habitante por quilmetro quadrado correspondem a 90,6% da superfcie total da Amaznia, rea em que se distribuem apenas 25,9% da popu-lao.

    li - Distribaio geogrfica da populao

    :\ distribuio da populao da Amaznia revela os seguintes fatos: Tda a parte setentrional da Amaznia de populao extremamente rare-

    feita, seja no Estado do Amazonas, no Territrio do Rio Branco, no Estado do Par ou no Territrio do Amap. A densidade da populao se mantm, em tda a zona, inferior a 0,1 habitante por quilmetro quadrado, caindo a 0,01 nos distritos de Caracara e Catrimani (Territrio de Rio Branco). Estas densidades extremamente fracas estendem-se ao sul at as proximidades do Solimes e do Amazonas e, muitas vzes, at suas margens. A regio entre o rio Uaups e o Solimes (Terra Geral do }apur) possui uma populao muito rarefeita: 0,08 habitante por quilmetro quadrado no distrito de Mara (municpio de Tef), 0,015 no distrito de Moura (municpio de Barcelos).

    A regio meridional da Amaznia (compreendida dentro dos limites admi-nistrativos adotados) oferece-nos um aspecto um pouco diverso. O Territrio de Guapor (densidade mdia 0,04 a no ser em Prto Velho e Calama) e a zona vizinha de Mato Grosso so to pouco povoados quanto a parte setentrional da Amaznia Brasileira, mas as regies do Madeira, do Purus e do Juru apre-sentam uma densidade sensivelmente mais elevada, compreendida entre 0,1 e 0,3; assim, por exemplo, Lbrea com 0,18 habitante por quilmetro quadrado, Manicor com 0,28. O mesmo fato se regista no Territrio do Acre cuja densi-dade mdia de 0,52 habitante por quilmetro quadrado. Certamente se trata de pequenas variaes aparentemente insignificantes, mas so motivadas por fatres geogrficos. A maior freqncia da seringueira e sua explotao mais

    1 A preciso aparente das cifras indicadas ilusria, e, embora elas resultem de nossos clculos:~ no pode111 ser aceitas como exatas.

    Pg. 4 - Abril-Junho de 1950

  • OBSERVAES GEOGRFICAS NA AMAZNIA

    intensiva na regio Madeira-Purus-Juru explicam a presena desta populaf,o relativamente mais numerosa.

    Ao contrrio do que assinalamos acima, no Estado do Par a parte meridio-nal no apresenta densidades mais elevadas que a regio das Guianas. O dis-trito de Itaituba (municpio do mesmo nome, no Tapajs) apresenta uma densi-dade de 0,037 e o de Gradas (municpio de Altamira) 0,013. Esta situao nos explica porque o Estado do Par, embora possuindo em seu conjunto uma populao mais numerosa que a do Amazonas possui uma porcentagem mais elevada de sua rea com densidade inferior a 0,1. Os valores calculados so os seguintes: O Estado do Par, com densidade mdia de 0,76 apresenta, no en-tanto, em .61% de seu territrio uma densidade inferior a 0,1, enquanto no Amazonas a densidade mdia de 0,26 mas somente 35% de sua rea corres-pondero a menos de 0,1 habitante por quilmetro quadrado. Uma das causas desta diferena , certamente o fato de as cachoeiras dos afluentes do Amazonas estarem muito mais prximas do rio prine~pal no Par do que as dos afluentes do Solimes no Estado do Amazonas .

    Ao vale do Solimes cmTesponde uma ligeira elevao na densidade da populao. -nos difcil no entanto, represent-la, pois os dados estatsticos no so suficientemente pormenorizados. Na verdade, os distritos so excessivamen-te extensos e ocupam grandes reas de terras firmes em ambas as margens do Solimes. Somente tm valor para comprovar o fato acima enunciado dados referentes a alguns distritos essencialmente ribeirinhos: Benjamim Constant pos-sui uma densidade de 1,3 habitante por quilmetro quadrado. Anam (muni-cpio de Codajs) 1,7, Caapiranga (municpio de Manacapuru), 1,7. stes valo-res so sensivelmente superiores aos das extensas regies situadas ao norte como ao sul do Solimes, mas apesar disto, so ainda muito baixos e revelam o quanto as terras aluviais do Solimes so fracamente aproveitadas 2

    A influncia de Manaus sbre a densidade da populao muito limitada. Na re::tlidade, o distrito de Manaus apresenta uma populao rural cuja densi-dade somente de 0,39 habitante por quilmetro quadrado, valor singularmente pequeno para um distrito que possua em 1940 uma cidade com 67 866 habi-tantes (populao urbana e suburbana). Manaus ergue-se, pois, em contacto com um verdadeiro deserto. Esta densidade de 0,39 deveria ser ainda reduzida se fsse possvel destacar a densidade da populao ribeirinha do rio Negro e do Amazonas. A existncia desta grande e bela cidade que l\1anaus em um3. regio quase despovoada um fato geogrfico dos mais notveis.

    No Estado do Amazonas, o vale do Amazonas exerce uma influncia ntida sbre a distribuio da populao. suficiente, para comprov-la, acompanhar o rio entre Parintins e Manaus: As habitaes se sucedem nas margens do grande rio, de seus vrios braos e do furo do Ramos. Trata-se a de um povoamento linear, sem nenhuma profundidade 3, como revelam as densidades dos distritos situados, inteiramente, ou quase, na plancie aluvial. De fato, Parintins possui somente 3,9 habitantes por quilmetro quadrado, embora sua superfcie seja pequena (2 954 quilmetros quadrados); Barreirinha apresenta apenas 2,2 habi-

    Ver adma a extenso dstes terrenos. 3 Ver~ por exemplo, a fig. 21, na l,a parte ds:e trabalho~ (Rev. Bras. Geogr., n.0 3, ano XI),

    que nos mostra o habitat linear no dique 1narginal da lagoa Aleixo, perto de Manaus.

    Pg. 5 - Abril-Junho de 1950

  • 174 REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA

    tantes por quilmetro quadrado para uma rea de 1 359 quilmetros quadrados; Pedras (municpio de Barreirinha), com uma superfcie de 813 quilmetros quadrados, tem 1,2 habitante por quilmetro quadrado; Urucurituba 1,8, Muru-tinga 4,2. Itaquatiara possui 7,3 habitantes por quilmeho quadrado, mas com-preende uma cidade de 4 846 habitantes, o que faz baixar a densidade da popu-lao rural para 2,2 habitantes por quilmetro quadrado. O distrito de Careiro apresenta uma mdia de 3,6; sua densidade de populao nas terras aluviais , na realidade, bem mais elevada, pois o distrito ocupa ao sul, vastas extenses de terra firme. A densidade na faixa marginal elo paran elo Careiro deve se elevar a 7 ou 8 habitantes por quilmetro quadrado. Em conjunto, estas densi-dades, embora sejam as mais altas computadas no Estado do Amazonas so excessivamente fracas: os solos e o clima so favorveis e, apesar disto, os homens so pouco numerosos.

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    50"

    Fig. 1 48"

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    -10a14,9

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    B2,5a4,9

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    ~0,5ao,g @ Si DE MUNICIPAl. ~ - O/VISA " ~ 0,1 a 0,4 e SDE DISTRITAL o _de O,i --O/VISA 1'

    4' 46'

    Densidade da populao, por distrito, no Leste Paraense, segundo o censo de 1940.

    No Estado do Par, o rio Amazonas exerce a mesma influncia na distri-buio da populao ocasionando a presena em suas margens de densidades mais elevadas que as da terra firme. Lamentvelmente difcil precisar a den-sidade demogrfica das terras ribeirinhas do Amazonas, pois os distritos so imensos, alongando-se perpendicularmente ao curso do grande rio. Os muni-cpios (ou distritos) de Faro, Oriximin, bidos, Alenquer, Monte Alegre, Almei-

    Pg. 6 - Abril-Junho de 1950

  • OBSERVAES GEOGRAFICAS NA AMAZNIA 175

    rim, e Arumanduba estendem-se sbre 500 quilmetros, entre o Amazonas e a fronteira com as Guianas.

    Nas circunscries administrativas menos extensas - embora ainda excessi-vamente grandes - pode-se perceber a influncia da plancie aluvial. Terra Santa (municpio de Faro) possui uma densidade de 1,5 habitante por quil metro quadrado, para uma superfcie de 2 904 quilmetros quadrados, enquanto Faro, ocupando uma superfcie de 27 306 quilmetros quadrados, tem um::~. densidade mdia de somente 0,06. Curua (municpio de Santarm) apresenta uma densidade de 3 habitantes por quilmetro quadrado em uma rea de 2 654 quilmetros quadrados, Santarm, 3,6 para 4 892 quilmetros qmdrados, excluindo-se a populao da cidade.

    A jusante de Monte Alegre, a densidade de populao das regies aluviais diminui: o municpio de Gurup, que se estende sbre uma parte do "delta" do Amazonas e compreende uma grande proporo de terrenos aluviais possui uma densidade de apenas 1,1 habitante por quilmetro quadrado, para rea de 6 326 quilmetros quadrados, embora no se alongue em direo s Guianas como os outros municpios de mais fraca densidade j citados.

    A. ilha de Maraj, em comparao com o conjunto da Amaznia fortemente povoada, apresntando uma densidade de 2,5 habitantes por quilmetros quadra-do (104 309 habitantes para 41418 quilmehos quadrados).

    A parte mais povoada da Amaznia , no entanto, a regio de Belm, com uma densidade de 14,4 habitantes por quilmetro quadrado, se no computarmos a populao da cidade (309 276 habitantes, para 21 391 quilmetros quadrados). Esta concentrao da populao limita-se ao sul pelo rio Guam, no se esten-dendo muito no vale do Tocantins onde, desde Tucuru (municpio de Baio), a densidade vai a 0,46 habitante por quilmetro quadrado.

    IH - Diferenas da densidade

    Apesar da fraca densidade mdia registada a populao da Amaznia distribui-se de maneira muito desigual. Se tda a Amaznia possusse a densi" dade verificada na zona de Belm-Bragana (14,4) sua populao atingiria o

    Fig. 2 - Belm, Par: vista parcial da parte antiga, da cidade (zonas comerccal c industrial). Foto e legenda de LCIO DE CASTRO SOARES

    total de 51 431 000 habitantes em lugar de 1 473 000. Se apresentasse a densi-dade da ilha de Maraj (2,5), compreenderia 8 927 000 habitantes. Se, ao con-tirio, a densidade de populao de tda a Amaznia administrativa fsse igual do distrito de Gradas (municpio de Altamira, Estado do Par), ou seja 0,013

    Pg. 7 - Abril-Junho de 1950

  • 176 REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA

    habitante, sua populao total seria de, apenas 46 423 habitantes, em vez de 1433 000. Enquanto a densidade mdia na regio de Belm-Bragana de 14,4 habitantes por quilmetro quadrado, no dishito de Gradas, existe apenas um habitante para 76 quilmetros quadrados. A regio de Belm, mesmo ex-cluindo a populao da cidade, 1 100 vzes mais povoada que o distrito de Gradas.

    :In.:. 3 Vist2 ;nrcial da zona residencial de Belm do Par, tomada da principal avenida da cidade. Note-se a extraordinria quantidade de rvores (mangueiras) q1:e somb?"Ciam as vias

    pblicas e os quintais. Foto e legenda de LtciO DZ CASTRO COARES

    preciso, pois, procurar as causas que explicam a fraca populao da Amaznia em seu conjunto e sua dishibuio to desigual de uma para outra regio. Pode-se perceber, logo de incio, que no ser fcil solucionar stes problemas, pois no nos parece que a regio de Belm possua uma fertilidade maior capaz de explicar sua populao to mais numerosa.

    CAPTULO II

    Doenas e geografia humana

    Introduo

    I- Doenas trcpicQS diversas; parasi~as intestinais; bilharzioso; lcera tro-pical; febre amarela; leishmaniose; filrias.

    II - O paludismo; efeitos dramticos do p:.ludismo, mdia geral da infec-o; o paludismo recente na Amaznia? os anofelinos veiculadores; a

    reparti~o geogrfica da malria; o saneamento.

    O gegrafo deve dar grande importncia ao estudo das doenas tropicais pois estas podem talvez explic2.r a existncia de uma populao p::mco numerosa ou a limitao de sua atividade. Estagnao demogrfica e atonia fsica e intelectual podem ser conseqncias da insa!ubridade. Dste ponto de vista, qual a situao da Amaznia?

    Deixaremos de ls.do o estudo da alimentao e das doenas decorrentes de deficincia alimentar (beribri) e examinaremos apenas as molstias infecciosas. No trataremos, tampouco, das molstias universais como a tuberculose, r:::uito

    Pg. 8 - Abril-Junho de 1950

  • OBSERVAES GEOGRAFICAS NA AMAZNIA 177

    freqente na Amaznia. A tuberculose exerce nesta reg1ao os mesmos efeitos que em outras, no sendo portanto um fator geogrfico original 4

    :\ Amaznia apresenta uma grande variedade de doenas "tropicais isto , doenas cujos germes, quando se encontram fora do corpo humano, devem-se beneficiar de um clima quente e chuvoso. Do ponto de vista da malria, a mais grave doena tropical, a Amaznia , no entanto, uma regio moderada-mente insalubre, menos afetada do que outras regies quentes e chuvosas da frica ou da sia. A insalubridade no pode, pois, ser a causa d:1 fraca popu-lao da Amaznia. , evidentemente, um dos fatres que impediram seu desenvolvimento demogrfico, mas no se pode dizer que tenha represe~1tado no passado o papel de um muro intransponvel que se opusesse ao progresso do povoamento.

    I - Doenas tropicais diversas

    Se a malria de h muito, a doena tropical mais perigosa da Amaznia, as molstias parasitrias intestinais so numerosas e graves: anquilostomase, disenteria amebiana, disenteria bacilar, vermes intestinais. Diversas sondagens 5 a realizadas levam-nos a pensar que ao menos 40% da populao amaznica abrigam anquilstomos, sobretudo Necator americanus. O exame de um grupo de escolares em uma vila prxima a Belm revelou em 20,4% dentre les a presena de Giardia lamblia e em 28,1% Entamoeba histolytica. Por outro lado, Ascaris lumbricoides foi encontrado em 80% dstes escolares, Trichuris trichiura em 60%, Strongilodes stercoralis em 20%.

    Depois do impaludismo, as doenas intestinais so incontestvelmente, as molstias mais srias da Amaznia. A gravidade das outras bem menor. A bilharziose ou esquistossomose no tem grande importncia; no existe na ver-dade, Schistosoma manson autctone na Amaznia e todos os casos verificados vieram do Nordeste onde esta doena muito difundida. Os hspedes interme-dirios, indispensveis ao complexo patognico dste esquistossomo, no existe na Amaznia. A bouba conhecida em tda a Amaznia, fora das cidades, e parece ocasionar leses sseas, no , no entanto, uma doen:1 importante a no ser na regio de Breves e nas ilhas do Baixo Amazonas onde existe um foco de hiperendemia. A bouba atualmente dominada com facilidade e no passado no constituiu obstculo ao povoamento. A lcera tropical (associao de Vin-cent (?) muito difundida. A doena de Chagas ( tripanossomase brasileira) no conhecida do homem da Amaznia, provvelmente porque os insetos vei-culadores, os Triatoma domsticos a no existem, a no ser o Triatoma rubro-fasciata. Todavia, observa-se que muitos animais selvagens apresentam infeco pelo Schizotripanum Cruzi.

    "' O mesmo afirmo e1n rch:o lep!a tambm, infelizmente, muito freg_i,.;.ente, mas independente das condies climticas. Os lepr;>sos no se encontran1 todos nos leprosrios, apesar de notvel orga-nizao de alguns dentre les, c( mo o Leprosrio Modlo de Aleixo, perto de Manaus Um novo remdw, um produto qumico de non.1e "cliazone" prov\:elmente vir a triunfar do m.c.l de HANSEN, segundo experincias promissoras que esto ~endo realizadas . Um outro lT:cdicamento, a promina, parece ser tr.mbm muito eficaz .

    MARIA PAuMGARTEN DEANE, Tropical Diseases in tlw Amazon Region of Brazil, J.A.M.W., jan. 1947.

    Pg. 9 - Abril-Junho de 1950

  • 178 REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA

    A febre amarela existe, mas no tem grande importncia. De 1931 a 1945 foram assinalados somente 68 casos de febre amarela na Amaznia Brasileira. A "febre amarela silvestre" existe, no entanto, em vrias regies da Amaznia sendo que o mosquito Aedes Aegypti pode se infectar desta febre amarela e transmiti-la aos homens. O contrle dste inseto pode ser realizado de maneira permanente nas cidades; nas zonas quase desertas no se pode cuidar de eliminar os insetos perigosos e a nica indicao o emprgo de vacinas. A febre amarela foi, certamente, um obstculo ao povoamento da Amaznia, mas atualmente no exerce nenhuma influncia na situao demo-grfica.

    A leishmaniose ( Leishmania Donovani) existe na Amaznia mas no bas-tante difundida para constituir um grave problema. SessE::nta espcies de Phle-botomus podem exercer o papel de veiculadores, mas parece que o maior res-ponsvel seja o Phlebotomus longipalpis. A leishmaniose visceral conhecida em Maraj, no litoral ao norte de Belm e no Baixo Tocantins. A leishmaniose cut-nea menos rara no sendo, no entanto, freqente. Sofrem dste tipo de leishma-niose os caboclos que vivem nas florestas, os coletores de castanhas, de ltex, de bala ta. A pinta ou carete particularmente conhecida na regio do Solimes, do Juru e do Purus. uma doena da pele atribuda ao Treponema cara-tewn. A ela se deve uma colorao estranha da superfcie cutnea. Pouco conhecida, suas possveis conseqncias demogrficas no podem ser avaliadas. A pinta particularmente freqente entre os indgenas das regies acima indi-cadas, pois stes vivem no meio fsico mais favorvel ao contgio. Segundo vrios testemunhos, stes ndios achariam bonitas as manchas de diversos tons que esta doena acarreta na pele e, em vista disto inoculariam seus filhos.

    A filariose no desconhecida na Amaznia 6 comum em Belm e foi assinalada tambm na regio do Guapor a montante de Guajar-Mirim. Em Belm, 10,8% da populao abrigariam microfilrias e 1,3% estaria atacada de ele-fantase, se se pode, como provvel, ligar elefantase a filariose. O mosquito Culex fatigans , sem dvida, o inseto veiculador, sendo lamentvelmente en-contrado em grande nmero em Belm. Em abril ( 1944?) a mdia de mos-quitos encontrados nas casas examinadas foi de 585 por casa, em maio 509. Dstes mosquitos, 99% eram Culex fatgans, sendo que 11,6% dos que foram examinados estavam infectados por filria. Entretanto, a filariose no constitui um verdadeiro perigo demogrfico na Amaznia 7

    Em conjunto, ste quadro patolgico variado e interessante, mas se apre-senta, no entanto, mais rico em aspectos diversos do que em significao. Deixando de lado o impaludismo, do qual trataremos mais adiante, as doenas de verdadeira importncia geogrfica s quais se pode atribuir um papel na explicao do pequeno nmero de habitantes da Amaznia e de seu estado fsico deplorvel so, antes de tudo, as doenas intestinais . A febre amarela j teve grande importncia mas nenhuma influncia exerce atualmente.

    " O.R. CAUSEN, M.P. DEANE, O. DA CosTA, L.M. DEANE: "Studies on the incidence and trans-mission of Filaria, Wuchereria Bancroft, in Belm" ( American ]ournal of Hygiene, vol. 41, n.0 2, maro 1945, pp. 143-149).

    7 Tanto mais que as indicaes fornecidas acima para Belm parecem un1 pouco exageradas, em vista dos mtodos de observao adotados. Por outro lado, um novo remdio, o "HetrazanH parece poder domin-la ( D. SANTIAGO STEVENSON e J. LIVER-GDNZALEZ, treatment of Filariosis Bancrofti with 1-Diethyl-carbamyl 4-Nethyl-piper-azine Hydrochloride, J. Am. Med. Ass., 135 ( ll ), 15 nov 1947).

    Pg, 10 - Abril-.Junho de 1950

  • OBSERVAES GEOGRFICAS NA AMAZNIA 179

    Em conjunto, a atividade produtora do caboclo da Amaznia diminuda por suas ms condies fsicas, mas o papel realmente preponderante cabe ao impaludismo .

    li - O impaludismo

    No se pode duvidar que o impaludismo tenha desempenhado e desempe-nhe ainda um papel relevante na patologia da Amaznia. As febres, conhecidas por "sezes", so mil vzes mencionadas pelos autores que escreveram sbre a regio. Todavia, fato curioso, o impaludismo parece ser menos importante a do que nas zonas da frica e da sia que possuem clima semelhante, o que confere originalidade Amaznia entre as regies quentes e chuvosas do mundo.

    Os efeitos dramticos do impaludismo

    No faltam exemplos dramticos dos efeitos desastrosos das epidemias ou das hiperendemias de malria. A colnia So Jos de Amatari (colonos cearen-ses) viu morrer de impaludismo 80 pessoas entre 1900 e 1906 e hoje em dia, est prticamente desaparecida. Um batalho de infantaria enviado em 1903 para o Territrio do Acre a fim de extinguir um movimento revolucionrio perdeu, em seis meses, dois teros de seus efetivos. Somente voltaram a Ma-naus 164 homens dos 417 que tinham seguido. verdade que, alm do impa-ludismo, o beribri tambm contribura para isso. Os trabalhos de construo da Estrada de Ferro Madeira-Mamor, comeados em 1878, tiveram que ser interrompidos no mesmo ano, em vista do impaludismo, sendo que todo o ma-terial foi deixado no local. Retomada em 1907, a construo s foi terminada em 1913 graas a uma rigorosa disciplina sanitria. Foram gastos em mdia 2 000 quilogramas de quinino por ano, para 5 000 pessoas e, apesar disto, os operrios no trabalharam em mdia mais de 123 dias anuahnente. Em 1942 uma misso de pesquisas pedolgicas foi enviada ao Guapor pelo Instituto Agronmico do Norte e todos os seus membros foram atingidos pelo impalu-dismo e as afeces intestinais. As pesquisas foram interrompidas e o estado de sade de seus membros tornou-se to grave que parte das amostras de solo j recolhidas foi abandonada na floresta e perdida. Pessoalmente tambm observamos na regio a leste de Belm, no limite do planalto arenoso e do vale do Guam agrupamentos humanos cujos membros estavam todos afetados pelo impaludismo e muitos dles em pleno acesso de febre. Exemplos desta natureza so citados por todos aqules que visitam a Amaznia.

    A mdia geral de infeco

    No devemos, no entanto nos deixar influenciar por estas impresses su-perficiais, pois um estudo sistemtico mostra-nos, ao contrrio, que o impalu-dismo da Amaznia no dos mais virulentos . Na verdade 8 o exame de 185 214 lminas de sangue provenientes de 76 localidades dispersas mais ou

    s LENIDAS M. DEANE. "Observaes sbre a malria na Amaznia Brasileira", separata da Revista do SESP (Servio Especial de Sade Pblica), ano I, 1947, n. 0 l, 60 pp., p. 12.

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    menos em tda a Amaznia (especialmente no Baixo Amazonas) revelou a existncia de apenas 3,1% de impaludados. Dados mais recentes, levando em considerao observaes feitas at o fim do ano de 1947, revelam 3,7% de infeces para 201 014 lminas procedentes de 106 localidades 9

    O exame do bao ( 43 496 exames realizados em 28 localidades diferentes) revelou uma porcentagem de 12,6 de esplenomegalia 1 :~, porcentagem esta que se manteve no fim do ano de 1947 (57 175 exames).

    Em conjunto, a Amaznia aparece-nos, pois, como uma regio moderada-mente atingida pela malria endmica.

    Certamente os dados fornecidos acima esto sujeitos a crtica, pois foram estabelecidos com obs:c;rvaes realizadas, principalmente, nas cidades. Talvez o nmero de impaludados fsse mais numeroso, se as observaes tivessem visado mais os habitantes da zona rural que constituem a maior parte da popu-lao da Amaznia e esto, provvelmente, mais sujeitos malria. Entretanto, pode-se afirmar que, se a malria foi e ainda o principal obstculo ao povoa-mento da Amaznia, durante os ltimos qu.tro anos no se encontrou no vale a situao de malria intensa e generalizada que tem sido sugerida em traba-lhos anteriores 11 .

    Ser o impaludismo recente na Amaznia?

    O endemismo relativamente fraco da malria na Amaznia surpreende p~imeira vis~a e precisa ser explicado. Por que a Amaznia to 1ica em gua no mais paludosa? Afirma-se, muitas vzes, em resposta a esta pergunta, que o impaludismo no nativo na Amaznia. No existiria antes da interven-o europia e teria sido levado ao interior da Amaznia por intermdio de anofelinos infectados trazidos nos navios de vapor vindos de Belm. As embar-caes faziam outrora o percurso de Belm a Manaus em trs meses, perodo durante o qual os anofelinos infectados morriam antes de chegar, enquanto os navios atuais realizam a mesma viagem em quatro e seis diRs podendo, fclmente, propagar os anofelinos 12

    H quem afirme que, se o impaludismo no mais violento na Amaznia, embora no seja em nada desprezvel, - porque, provvelmente foi le a introduzido recentemente.

    Esta explicao puramente hipottica, pois, na verdade, baseia-se sbre dados escassos, enquadrando-se na teoria segundo a qual numerosas doenas como o impaludismo, ou melhor o impaludismo "tropical" (Plasmodium falci-parum), a febre amarela, a tuberculose, a varola, a filariose e muitas outras, teriam sido introduzidas na Amrica pelo europeu. Os indgenas ainda no

    0 Informao oral fornecida por L. M. DEANE ao autor em Belm, em. julho 1947. lO Lembramos, a propsito, que o ndice esplnico fornece a melhor indicao sbre o passado da

    1nalria, pois totaliza os ataques anteriores, indicando, assim, as endemias, enquanto o ndice sangneo inforn1a sbre a situao atuul e sbre as epidemias. O ndice san

  • OBSERVAES GEOGRAFICAS NA A;>:AZNIA 181

    contaminados pela influncia europem nos so descritos como indivduos ex-traordinriamente sos e robustos, isentos de impaludismo. Creio, pessoalmen-te, que seria necessrio provar tal afirmativa e julgo pouco verossmil que um complexo patognico to antigo como o do impaludismo no tenha existido na Amrica. O vigor aparente dstes indgenas isolados da influncia europia deve ser submetido a crtica. Encontramos em outras regies "belos" selvagens fortes e musculosos, mas no eram mais do que os sobreviventes de uma elimi-nao intensa praticada pelo impaludismo entre as crianas. Alm disso, porque a Amrica pr-colombiana seria to pouco povoada ap2sar de sua magnfica salubridade? Outra observao pode ser ainda acrescentada e embora no conhe-amos seu valor exato, julgamos que merece um estudo crtico: Os ndios da vertente oriental dos Andes sabiam que a casca do Cinchona era um medica-mento notvel contra o impaludismo. Como o saberiam se ste no tivesse existido na regio antes da chegada dos europeus? A fim de interpretar correta-menbas as impresses externadas pelos exploradores, deve-se levar em consi-derao o seguinte: pode-se apresentar o fato de grupos isolados de indgenas estarem acostumados ao tipo local de hematozorios o que daria a impresso a quem os observasse, de estarem isentos de impaludismo. Outra falsa impresso a de que les possuem imunidade contra o impaludismo. Todavia, stes ind-genas so afetados pela malria tpica quando atacado por hematozorios aos quais no esto acostumados, trazidos por impaludados vindos de fora ou pelos prprios indgenas infectados em alguma viagem fora de seu territrio tradi-cional.

    Os anofelinos vetores

    Vimos acima que no se pode explicar a incidncia relativamente pequena do impaludismo na Amaznia por seu aparecimento recente nesta regio. Ser melhor, portanto recorrer a outra explicao que, ao menos, no pode ser con-testada. Se a malria no mais grave na Amaznia, isto se deve ao fato de esta possuir espcies de anofelinos relativamente pouco perigosas. Entre as trinta espcies de anofelinos reconhecidas na Amaznia, somente uma realmente nociva: Anopheles Darlingi. O Anopheles aquasalis , tambm, sem dvida muito perigoso, mas sua rea de ao muito limitada, como veremos adiante.

    Em conjunto pode-se afirmar que o Anopheles Darlngi o nico transmissor da malria na Amaznia 13, sendo, no entanto um inseto que se contamina relativamente pouco. Em geral, os exames praticados revelam uma porcenta-gem de infeco inferior a 1%, atingindo excepcionalmente 3,5%. Qualquer com-parao com outros anofelinos significativa: na Conchinchina oriental e no sul do Annam os Anopheles aconitus e minimus apresentam uma porcentagem

    13 Tambm j foram encontrados Anopheles albitarsis e Anopheles Pessoai infectados, mas no podem ser cons:derc.dos como vetores ativos de hematoz:::>rios. Ainda outros anofelinos podem ser infectados e agir con1o vetores, 1nas so transmissores uquantitativosH que s agem quando, em grande nn1ero, ncabam por criar certas cond;es para uma possvel infeco para o homem. Ao contrrio, o Anopheles Darlingi um transmissor H qualitativo", que mesmo sem ser muito numeroso pexigoso pois relativamente don1stico e relativamente antropflo Est claro que, se o Anopheles Darlingi fsse tnais numeroso, mais don1stico e mais especialmente antropfilo seria ainda mais perigoso - L. :rv1 , DEANE, O. R. CAUSEY, M. P. DEANE. "Notas sbre a distribuio e a biologia dos anJfelinos das re;;ies nordestina e amaznica do Brasil", Revista do SESP, ano I, 4 de maio de 1948 P. 852.

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    de infeco que varia entre 6 e 8% enquanto o Anopheles maculatus aparece-nos com a taxa esmagadora de 20%. Por outro lado, a invaso de Anopheles Gambiae que ocorreu no Brasil em 1939-1940 mostrou o que pode fazer um inseto com grande capacidade de infeco. As diversas observaes realizadas no Nordeste nesta ocasio revelaram as seguintes porcentagens: 30,2%, 28,2%, 1,6%, 2,7%, 4%, 30,2%, 62,8% 14 .

    A relativa moderao dos males causados pelo Anopheles Darlingi devida, em parte, aos costumes dos adultos. Na verdade, stes insetos no so, rigoro-samente, domsticos, embora o sejam mais do que outros anofelinos da Ama-znia que no transmitem a malria. As capturas de anofelinos feitas at agora revelam que o A. Darlingi no passa o dia nas casas, procurando-as somente noite. Assim, por exemplo, uma srie de observaes sistemticas revela a captura de somente 6,9% de A. Darlingi durante o dia ( 6 a 18 horas) e de 93,1% durante a noite 15 . Que diferena com o Anopheles Gambiae, por exemplo. Foram observados casos de Anopheles Darlingi eliminados com D. D. T. mas j repletos de sangue, pois haviam picado logo ao penetrar na casa, tendo em seguida pousado sbre a parede coberta de D. D. T. A situao da Amaznia do ponto de vista da malria seria muito mais sria se o Anopheles Darlingi fsse um comensal mais ntimo do homem. Os costumes do A. Darlingi explicam o fato dle ser encontrado em to pequeno nmero nas casas, mesmo no auge das epidemias .

    Uma outra vantagem apresentada pelo Anopheles Darling de no picar exclusivamente o homem. Exames do sangue retirado de fmeas de Anopheles Darlingi em Belm revelaram uma porcentagem elevada de procedncia huma-na, mas tambm um nmero aprecivel dstes anofelinos tinha-se alimentado em cachorros, galinhas e cavalos. Capturas feitas em estrebarias m Belm apresentaram um nmero elevado de Anopheles Darlingi 16 .

    Do total de diagnsticos feitos pelo SESP de 1942 e 1946, 63,2% revelaram a presena de Plasmodium vivax, 36,6% de Plasmodium falciparum, 10% de Plas-modium malariae 17 ainda uma vantagem para a Amaznia o fato de seu prin-cipal e quase nico inseto vetor, o A. Darlngi, no revelar uma preferncia exclu-siva pela forma mais perigosa de hematozorios, isto , o Plasmodium falciparum (paludismo tropical). Ao contrrio os anofelinos perigosos do sudeste da sia se infectam mais freqentemente de Plasmodium falciparum.

    O Anopheles Darlingi apresenta, pois, um certo nmero de caracteres que o fazem menos perigoso do que teria sido possvel: infecta-se relativamente pouco, no rigorosamente domstico, no pica exclusivamente o homem, no revela propenso para se infectar especialmente de Plasmodium falciparum (paludismo tropical). Outra vantagem a assinalar a de os Anopheles Darlingi no serem muito numerosos. les no pululam como outros anofelinos amaznicos o que se explica pelas grandes exigncias das larvas dstes animais quanto qualidade da gua. O Anopheles Darlingi exige guas lmpidas, puras, possuidoras de vegeta-

    14 Dados retirados de F. L. SoeER e D. BRUCE WILSON, Anopheles Gambiae in Brazil, 1939 to 1940, New York, The Rockfeller Foundation 1943, 262 pp.

    15 L. ~1. DEANE, O R. CAUSEY, M. P. DEANE, - "Notas sbre a distribuio e a biologia dos anofelnos das regies nordestina e amaznica do Brasil'', Revista do SESP ano I, n.0 4, maio 1948.

    16 L.M. DEANE, o. R. CAUSEY, M. P. DEANE, Cf. p. 842. 17 L.M. DEANE, Cf., cit., p. 16.

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    o superficial, mas pouco ensolaradas 18 . Esta ex1gencia leva ste inseto a pro-curar para suas larvas grandes extenses de guas profundas que, por sua massa, tm a possibilidade de conservar uma composio qumica bastante estvel. Tais colees de gua so encontradas muito mais fcilmente na terra firme do que nas reas de vrzeas. Na verdade, os igaraps e os vales submersos 10 de terra firme so stios que correspondem bem s condies acima indicadas 20 Ao contrrio, as guas turvas das vrzeas dos grandes rios, ricas em aluvi3s (como o Solimes e o Amazonas) no so favorveis s larvas do Anopheles Darling :n. Todavia, no limite das plancies aluviais, na base da falsia da terra firme, podem-se formar colees de gua pura que constituam stios peri-gosos, seja que estas guas puras provenham da terra firme, seja que resultem de filtragem das guas do rio atravs das aluvies.

    Um bom exemplo muito representativo do pouso do A. Darlingi nos dado pelo igarap vizinho de Prto Velho. Logo a jusante da fonte o curso do igarap2 pantanoso e pouco profundo, sendo numerosas as larvas de anofelnos, com exceo do Darlingi. Mais abaixo, nas partes mais largas e mais profundas, par-cialmente sombredas ou inteiramente ensolaradas, as guas so lmpidas e translcidas quase imveis devido vegetao, s algas ou a detritos. A que foram capturadas larvas de A. Darling 22

    As localidades de maior incidncia de malria sero, em vista disto, aquelas que estiverem nas proximidades das grandes colees de guas lmpidas. Estas constituem morada permanente de A. Darlngi e se mantero enquanto as guas conservarem suas qualidades. Quanto aos focos temporrios, les se multiplicam na estao chuvosa pois, sob o efeito das chuvas dirias podem-se constituir e se manter pequenas colees de gua pura. Estas observaes fazem com-preender porque o A. Dading to sensvel estao sca, pois desaparecem em seu decorrer os stios temporrios e mesmo os grandes lenis de gua permanentes podem deixar de abrigar as larvas devido alterao da qualidade de suas guas. Durante a estao sca a rea de extenso do A. Dadngi se restringe considervelmente. Mesmo em Belm, onde a estao sca no muito rigorosa23, o A. Darlingi se limita, na estiagem, a pequenas reas nos subrbios, enquanto tda a cidade, ou quase, infectada por le na poca chu-vosa 24 Realizam-se expanses e retraes das reas assoladas por A. Darling,

    1s A exigncia de insolao ntida: "No comum encontrar-se o Darlngi em depsitos inten-sanlente sombreados, e em mais de uma ocasio se pode verificar a invaso de certas zonas vor essa esp3cie, em seguida derrubada de florestas que expunha ao Sol cclees de gua anteriormente muito sombreadas pela mata, ... (L.M. DEANE, O.R. CAUSEY, M.P. DEANE, HNotas sbre a distribuio e a biologia dos anofelinos das regies nordestina e amaznica do Brasil", Revista do SESP, ano I, n. 0 4, maio 1948, cf. p. 834). ste trao se asserneli1a muito a fatos da mesma natureza observados no Extremo Oriente.

    19 Para o estudo dos vales submersos ver no primeiro artigo pgina 391 da Revista n 3, ano XI. 20 As larvas do Anopheles Darlingi no prosperam Unicamente s margens dstes lagos e igaraps,

    podendo tambm viver lon~:;:e das margens, em guas profundas. Neste caso elas se beneficiam sempre da proteo garantida por um tronco de rvore ou um tufo de vegetao.

    21 A qualidade das guas no a causa nica. preciso tambm levar en1 considerao sua velocidade. Talvez a qualidade das guas do Amazonas no fsse suficiente, por si s, para excluir a presena das larvas .

    22 cf. L. M. DEANE, O. R. CAUSEY, Nf. P. DEANE, p. 888. 23 Regime pluviomtrico em Belm: 352, 440, 458, 332, 305, 173, 138, 130, 126, 86~ 87,

    177 - Total: 2 805 mm. 2< L. M. DEANE, O. R. CAUSEY. M. P. DEANE - "Notas sbre a distribuio e a biologia dos

    anofelinos das regies nordestina e amaznica do Brasil", separata da Revista do SESP, ano I, n. 0 4, maio 1948, pp. 327-965.

    Pg. 15 - Abril-Junho de 1950

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    mas stes movimentos no correspondem rigorosamente s estaes. Alguns anos podem ser mais favorveis do que outros multiplicao das moradas de larvas e a extenso da superfcie assolada. Em conjunto, as grandes exigncias do A. Darlingi, quanto ao stio em que le pode habitar exercem uma ao res-tritiva da rea por le infectada.

    Convm aqui fazer outra importante observao, de grande intersse geo-grfico: o fato de o A. Darlingi ser por definio, um mosquito de regies depri-midas, pois nestas regies que se podem encontrar as extenses de gua pura que le procura. grande pois, a diferena entre a situao da Amaznia e a da geografia mdica do sudeste da sia, onde os A. minimus, A. aconitus e A. maculatus procuram as guas correntes e ensolaradas tornando as montanhas mais malss do que as baixadas. Ao contrrio, em Gois, os fundos dos vales so muito mais impaludados do que os espiges que os separam. O mesmo se d em So Paulo onde os espiges foram povoados enquanto os fundos dos vales foram negligenciados principalmente devido incidncia de malria. To-davia, se o A. Darlingi um mosquito das regies baixas, no muito encontrado nas guas turvas. Na Amaznia, le nasce nas guas lmpidas das expanses lacustres da terra firme, enquanto as guas turvas do Solimes e do Amazonas e as colees de gua da vrzea no lhe so favorveis 2 ~. Em conseqncia, os "vales submersos", cuja importncia j foi por ns assinalada, so particular-mente suspeitos e, de maneira geral os "rios negros" e suas expanses la-custres aparecem-nos como mais perigosos que o Amazonas. O vale propria-mente dito do Amazonas no insalubre devido s grandes inundaes de guas lodosas e inexata a afirmativa de que estas grandes inundaes sejam a causa direta do recrudescimento da malria. So as colees de gua pura situadas nos limites dos vales (vales submersos, lagos de barragem aluvial) ou formadas por infiltrao que so as causas da presena de A. Darlingi. Assim, a terrvel endemia que reinava em 'Lbrea (no rio Purus), estava ligada 3 existncia de dois focos permanentes: um lago de barragem aluvial de guas puras, a lagoa da Serraria e um igarap largo e profundo (igarap dos Caiti-tus )2G.

    A malria na Amaznia conseqncia da presena do Ar:.opheles Darlingi e tdas as particularidades de sua repartio geogrfica bem como suas varia-es estacionais esto ligadas s exigncias das larvas dste anofelino e aos h-bitos dstes insetos adultos. Os dados acima referidos mostraram: porque ge-ralmente, o impaludismo menos virulento na estiagem do que na estao chuvosa; porque a malria, violenta em uma localidade durante um certo ano, menos rigorosa no decorrer do outro, (por determinada razo, o A. Darlingi no pde, partindo de seus focos permanentes, colonizar suas moradas temporrias que so suas posies avanadas em perodos de forte endemismo); porque o paludismo permanente, durante todo o ano, nas localidades que tiveram a m sorte de se localizarem margem de colees de guas profundas e calmas que oferecem as condies mais favorveis s larvas do A. Darlingi; porque no so as guas turvas de vrzea as mais insalubres da Amaznia, as guas turvas no favorecendo geralmente as larvas do A. Darlingi. Tdas estas particularidades

    25 Ver a nota 21. '" Cf. L. M. DEANE .. O. R. CAuSEY, M. P. DEANE op. cit., p. 836.

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    esto ligadas s exigncias dos Anopheles Darlingi. Para bem compreender as vantagens constitudas por tais exigncias, deve-se imaginar a situao muito mais trgica em que se encontraria a Amaznia se os anofelinos veiculadores da malria fssem animais ubiqistas, sem exigncias, cujas larvas se desenvolves-sem em quaisquer colees de gua como A. albitarsis, A. triannulatus, A. Nunez -tovari.

    No h malria na Amaznia sem A. Darlingi, nem A. Darlingi sem mal-ria, nem malria com os outros anofelinos, com exceo, claro, do A. aquasalis no litoral.

    Repartio geogrfica da malria

    No estado atual de nossos conhecimentos impossvel confeccionar uma boa carta da malria na Amaznia, isto , uma boa carta em escala pequena do conjunto da Amaznia. Talvez esta impossibilidade no seja devida unicamente insuficincia de nossos conhecimentos, mas tambm prpria natureza das coisas. Na verdade, no nos parece que haja "regies" salubres e "regies" in-salubres, mas "stios" salubres ou no, to entremeados que seria, impossvel distingui-los em uma carta em pequena escala. Ao contrrio, os mapas em es-cala maior so possveis mostrando a situao da malria em uma superfcie pouco extensa onde os stios de insalubridade desigual podem ser justapostos.

    Seria, pois, intil, querer fazer uma geografia da malria na Amaznia em seu conjunto, mas podemos estabelecer uma lista de stios mais ou menos insa-lubres e ilustr-la com exemplos. claro que a qualidade dstes stios est diretamente na dependncia do A. Darlingi. Os stios salubres so aqules em que ste anofelino no existe, os insalubres correspondendo aos locais em que suas larvas prosperam. Os locais salubres so os seguintes: 1) plancies aluviais de guas turvas onde no se formam grandes colees de guas lmpidas par-ticularmente ensolaradas, favorveis s larvas do A. Darlingi. ste o caso das margens do Solimes ( Tef: lminas de sangue positivas em 1942-46, 8%; Fonte Boa, 0,7%; Tabatinga 0%; Benjamim Constant 1,2%), do Amazonas (Monte Alegre 0,4%; Santarm 0,8%, Alenquer 0,1%; Curua 0,4%; Parintins 1,8%), do Mdio Madeira (Borba 0%, Manicor 0,5%, Humait 2,3%), da embocadura do Tocan-tins em Abaetetuba (guas turvas devidas ao movimento da mar e no ao prprio Tocantins). 2) terras firmes bem drenadas sem igaps de guas puras e calmas. ste tipo de terreno representado pelo planalto percorrido pela Estrada de Ferro Belm-Bragana. O exame de lminas de sangue realizado de 1942 a 1946 revelou somente 0,4% de casos positivos em Igarap-Au, 0,7% em Bragana, 0,8% em Castanha!. A regio do litoral bragantino insalubre, do-mnio do A. aquasalis, e a que limita ao sul o planalto, rico em igaps favor-veis ao A. Darlingi igualmente mals. O planalto de Santarm e o de Belterra talvez pertenam a esta categoria de terras firmes bem drenadas. tambm, aproximadamente o stio de Rio Branco (Territrio do Acre) que apresenta so-mente 0,9% de lminas positivas. Uma diferena deve ser aqui assinalada: no faltam colees de gua no terrao onde est construdo Rio Branco, mas so muito pouco importantes para satisfazer as larvas do A. Darlingi.

    Os locais rigorosamente insalubres so aqules que se situam perto de grandes colees de gua profundas, permanentes, puras, meio sombreadas

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    meio ensolaradas. Os lagos que pertencem categoria dos vales submersos 27

    so particularmente favorveis s larvas de A. Darlingi. Como tipo perfeito dste stio podemos citar o lago Tamucuri (entre o Tapajs e o Xingu, a sudeste de Pacoval) onde todos os habitantes tm a malria em seu passado. Em 1943, 34,5% de seus habitantes estavam em acesso febril, por ocasio do exame, 43,7% possuam plasmodium no sangue, 72,4% tinham esplenomegalia (o aumento m-dio do bao era de 2,4 - escala de Boyd). Os anofelinos eram to numerosos que alguns habitantes estavam fugindo das margens do Tamacuri e construindo suas casas sbre estacas no meio do lago 28 . Deve ser dste tipo o paludismo que afetou a colnia agrcola de Mulata, a 36 quilmetros de Monte Alegre, devastada em fevereiro de 1943 por grave epidemia de malria: 97% dos habi-tantes tinham sofrido recentemente acessos de malria, 19% estavam com febre; 35,6% tinham plasmodium no sangue, 64,7% apresentavam esplenomegalia (a mdia de aumento do bao sendo de 1,9 - escala de Boyd) 29 . Todavia, os A. Darlingi eram raros, tendo sido necessrias pesquisas pacientes para encon-tr-los.

    , igualmente, ao mesmo tipo de stio que est relacionado o impaludismo em Belm. A populao da cidade afetada pela malria em tnla proporo de 3,1% (lminas positivas) . Dois tipos de anofelinos comprometem a salu-bridade da cidade de um lado, o habitual A. Darlingi cujos stios permanentes so essencialmente constitudo~ pelos reservatrios de gua potvel da cidade, vales barrados artificialmente, onde as guas das chuvas e do escoamento su-perficial se acumulam. O A. Darlingi mais abundante de agsto a novembro. Nesta poca, depois de passado o mximo das chuvas, o nvel das guas comea a baixar nos reservatrios. As guas atingem, ao que parece, a composio exa-ta que preferida pelo A. Darlingi, composio esta que, ao que nos parece, ainda no foi determinada. Depois, como as guas continuam a baixar, sua riqueza em matria orgnica se exagera e se torna menos favorvel s larvas, diminuindo o nmero de anofelinos .

    Por outro lado, durante a estao das chuvas constituem-se numerosos focos temporrios cuja ao se finda no perodo de estiagem. Mesmo sem que a gua tenha desaparecido completamente, stes focos, pela composio da gua, j no convm ao A. Darlingi embora continuem a alimentar larvas de outros mos-quitos.

    A cidade de Belm est ameaada tambm por outro anofelino, o A. aqua-salis (A. Tarsimaculatus), que no foi to longamente estudado na Amaznia por estender sua ao somente zona litornea. o A. aquasalis somente em guas salobras desenvolve suas larvas. Estas foram observadas em estado natural em guas que contm 15 gramas de sal marinho por litro. Em laboratrio, elas j viveram em guas cuja salinidade alcana 56 gramas por litro. Em Belm, o A. aquasalis torna-se perigoso em fevereiro. Por que neste ms? No h nesta poca invaso de guas salgadas, mas talvez se possa considerar que, no como da estao chuvosa, as guas provenientes das precipitaes lavam os solos

    21 Ver acima. 28 L. M. DEANE, O. R. CAUSEY, M. P. DEANE, "Notas sbre a distribuio e a biologia dos

    anofelinos das regies nordestina e amaznica do Brasil'', Revista do SESP, ano I, n.o 4, maio 1948 p. 849.

    20 V e r nota anterior.

    Pg. 18 - Abril-Junho de 1950

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    ricos em sal (outrora invadidos pelas guas do mar) atingindo com isto um grau de concentrao favorvel s larvas de A. aquasalis. para impedir a penetrao de guas salobras e garantir a lixiviao dos solos que o SESP (Ser-vio Especial de Sade Pblica) construiu ao sul de Belm um dique para con-ter o Guam.

    A presena de stios favorveis ao desenvolvimento do A. Darlingi res-ponsvel pelos fortes ndices de paludismo em Riozinho (Territrio do Acre); 97,5% dos habitantes j tinham sido atingidos pelo impalud;s"no no passaJo, 21,9% estando atacados na ocasio do exame; 73,2% sofriam de esplenomegalia (aumento mdio do bao 2,8 pela escala de Boyd) 30 O mesm::> se verifica em relao Estrada de Ferro Madeira-Mamor, (onde Prto Velho revelava uma porcentagem de esplenomegalia de 43,6% em julho de 1946) e o Mdio Purus onde Lbrea apresentava em maio-junho de 1943 os seguintes valores: 100% dos habitantes j tinham sido atacados pelo impaludismo, 18,7 estavam com acessos de febre e 67,2% revelavam esplenomegalia (aumento mdio do bao de 2,3% pela escala de Boyd) 31 A insalubridade grande tambm nos "rios negros" como no Tapajs ( esplenomegalia de 49,3% em Itaituba, maro de 1944), no Xingu ( Altamira em novembro de 1945, porcentagem de 75,9 de esplenomega-lia) e no Tocantins.

    D-se o mesmo na regio da foz do Amazonas, que, antes da utilizao do DDT, era muito insalubre. Gurup, ou melhor a regio de Gurup apresentou de 1942 a 1946 uma porcentagem de lminas positivas de 5,3; em Mazago esta taxa subiu a 8,6% ( esplenomegalia 43,3% em outubro de 1945, 63,6 em maio de 1946), em Maca p a 9,4% ( esplenomegalia 26,6% em setembro de 1945) .

    A distino geral que acabamos de estabelecer entre os dois tipos de stios deve ser aceita para o conjunto e mostra-nos que a endemicidade da malria apresenta uma grande variabilidade no espao. Como exemplo dste fato pode-mos citar a ilha de Maraj: o nordeste da ilha salubre; Soure, conhecida de longa data por sua salubridade - era uma estao balneria procurada pelos habitantes de Belm - apresentou apenas 0,6% de lminas positivas. O resto da ilha, no entanto, era muito sujeito malria, pelo menos antes do emprgo do DDT. ste era o caso de Breves. Se examinarmos com mincia veremos que a geografia da malria em Maraj muito sutil, como podemos mostrar com alguma preciso, graas s informaes circunstanciadas de que dispomos sbre esta regio 32 Um estudo aprofundado da regio do rio Arari revelou, na realidade, uma grande diversidade de condies. Mut, a 25 quilmetros da embocadura do rio Arari um stio insalubre: 97,2% de seus habitantes j so-freram ataques de malria, 13,9% estavam sujeitos febre, 41,2% revelavam esplenomegalia, 16,7% apresentavam plasmodium no sangue e o A. Darlingi era abundante. Cachoeira, a 25 quilmetros a montante de Mut possui aproxima-damente o mesmo grau de insalubridade (os ndices correspondentes so: 94,6%, 10,3%, 16,5% e 14,4% respectivamente e o A. Darlingi tambm abundante). Por outro lado, a localidade de Jenipapo, a 50 quilmetros acima de Mut s ligeira-mente atingida pelo impaludismo, nenhum A. Darlingi tendo sido a capturado.

    so L.M. DEANE, O.R. CAUSEY, M.P. DEANE, op. cit., p. 850 s1 L.M. DEANE, O.R. CAuSEY, M.P. DEANE, op. cit., p. 850 " L. l\!. DEANE, O. R. CAuSEY, M. P. DEANE, op. cit., p. 851.

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    Santa Cruz um lugar saudvel margem do lago Arari: embora 23% de seus habitantes j tenham sofrido de impaludismo, admite-se como certo que 4/5 dentre les tenham sido infectados em outro local (havia somente 1% afe-tado pelas febres, 1% com esplenomegalia, 1% com plasmodittm no sangue, no tendo sido capturado nenhum A. Darlingi).

    Outro exemplo de variao no espao pode ser encontrado em Manaus. Em setembro de 1945 os ndices plasmdico e esplenomeglico para o conjunto da cidade foram de 6,9 e 7,9%, mas variavam de 2,2 e 1,8 em uma zona a 23,3 e 43,1 em outra 33

    Saneamento anti-malrico

    As populaes da Amaznia no so suficientemente conscientes do perigo representado pelo impaludismo. O uso de mosquiteiros prticamente nulo e o emprgo de medicamentos preventivos raro. Os habitantes tm a . tendncia de julgar com facilidade que sua povoao ignora o impaludismo quando, na realidade, os exames efetuados geralmente provam o contrrio. Alguns dentre les chegam a acreditar que se contrai o impaludismo ao comer melancia. Uma parte do atual trabalho do SESP , justamente, alertar o esprito dos amazonen-ses quanto aos perigos da malria.

    Esto contados, no entanto, os dias do impaludismo. Seu desaparecimento uma questo de mtodo e de dinheiro, mais de mtodo talvez. Em Breves (Estado do Par), o emprgo do DDT fz desaparecer o impaludismo que em 1945 era a hiperendmico. Empregando DDT tm-se obtido vitrias completas sbre o impaludismo. O mtodo empregado pelo SESP a pulverizao sbre as paredes das casas 34 O efeito de uma pulverizao se mantm durante quatro meses. A experincia tem demonstrado que, acima de 3 metros a pulverizao j no tem mais utilidade, pois, na realidade, somente uns poucos anofelinos pousam acima dste nvel (apenas 2,2% da quantidade total). Esta restrio da pulverizao acarreta uma economia de 50% de DDT.

    O uso do DDT permite, atualmente, o saneamento de regies paludosas. Todavia, a repartio da populao da Amaznia torna muito cara a luta pelo saneamento. Em vista disto pode-se considerar pouco durvel e desprovido de intersse demogrfico e econmico o saneamento de pequenas localidades isoladas. Assim, por exemplo, a povoao de Jaci-Paran (na margem esquerda do rio J aci-Paran) possui apenas 234 habitantes. A aplicao do DDT nesta localidade exige uma despesa de Cr$ 15 444,00 para o DDT e o leo e Cr$ 11 050,00 para o transporte dstes produtos desde Belm. A distncia to grande que o custo do transporte quase duplica a preo dos produtos. me-dida que a distncia diminui, o custo dos transportes torna-se menos pesado: Lbrea, no Purus, possui 473 habitantes, sendo uma localidade fortemente pa-ludosa (ndice esplnico em julho de 1943: 67%). O DDT e o leo utilizados custam Cr$ 10 000,00, e seu transporte Cr$ 5 000,00. Borba, no Madeira tambm importante foco de malria, _exige para uma populao de 450 habitantes, Cr$

    sa L.M. DEANE, O.R. CAusEY, M.P. DEANE, op. cit., p. 15. 3-t Como fazer pulverizao em habitaes desprovidas de paredes como o caso de um certo

    nmero de mcradias na Amaznia?

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    6 270,00 de DDT e leo, custando o frete desde Belm Cr$ 3 000,00. J Maus, mais prximo do prto de Belm, requer apenas Cr$ 5 000,00 de transporte para uma quantidade de DDT e leo no valor de Cr$ 15 390,00 35 . Estas indi-caes permitem-nos compreender os graves inconvenientes que representa, para seu saneamento, a imensido da Amaznia. ,

    O homem pode, pois dominar o impaludismo, mas pouco econmico com-bat-lo em regies, muito afastadas e pouco povoadas, de acesso difcil. alis, um pouco surpreendente que as contingncias administrativas tenham feito com que o impaludismo seja eficazmente combatido em Lbrea, s margens do Purus, enquanto os habitantes da vila de Inhangapi (Estado do Par, 40 quilmetros a leste de Belm) continuam sujeitos febre. Lbrea, municpio fracamente povoado (densidade de populao de 0,18 habitante por quilme-tro quadrado, protegido pelo SESP. Inhangapi que com sua densidade de 10 habitantes por quilmetro quadrado, apresenta um intersse humano muito maior, depende dos servios de higiene do Estado do Par.

    No se pode perder de vista, ao encarar o problema do saneamento na Amaznia, que todo saneamento deve ser acompanhado de recuperao econ-mica. De nada vale tentar sanear territrios fracamente povoados, cuja explo-tao no esteja sendo sriamente empreendida.

    Em concluso, podemos afirmar que as doenas tropicais e, particularmente o impaludismo constituram no passado um grande obstculo ao aproveitamento da Amaznia. Todavia stes obstculos ainda subsistem atualmente, embora enfraquecidos pelos progressos da higiene e da medicina. Sua eliminao cons-titui um pesado encargo devido a seu custo muito elevado. Deve-se, no entanto, reconhecer que os estudos sbre o impaludismo no nos trouxeram a chave para a explicao da fraca densidade de populao da Amaznia. Na realidade, a Amaznia no pode ser considerada como uma das regies do mundo mais paludosas, e, por outro lado, as zonas mais povoadas da Amaznia no so necessriamente, as mais salubres .

    CAPTULO III

    Problemas da histria do povoamento

    I - Situao do problema H - A populao indgena da regio florestal equatorial no Congo Belga

    III - O problema dos ndios amazonenses antes da chegada dos europeus IV - O pequeno nmero de brasileiros na Amaznia V - A evoluo demogrfica.

    I - Situao do problema

    O estudo da insalubridade e, particularmente, o do impaludismo trazem-nos respostas interessantes. Compreendemos que o impaludismo e as doenas tro-picais sejam um obstculo ao povoamento da Amaznia. V em os tambm que a

    35 Dados obtidos por gentileza do SESP em Belm.

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    relativa salubridade de certas regwes favoreceu seu povoamento (regio de Belm-Bragana, pelo menos na parte mais alta). Mas a insalubridade, por si s, no explica de maneira satisfatria a repartio da populao na Amaznia, pois h certamente lugares salubres que no esto povoados e, pelo contrrio, h lugares insalubres que o so (Maraj).

    Estar a soluo na natureza do solo? No, pois no faltam na Amaznia "deserta" solos bons para cultura, enquanto solos de m qualidade so explorados (por exemplo os da regio Belm-Bragana). A insalubridade e a pobreza dos solos foram e ainda so obstculos ao povoamento, mas h exem-plos de diversas partes da Amaznia provando que stes obstculos puderam ser vencidos. Poderia existir em diversas partes da Amaznia uma densjdade de populao comparvel dos arredores de Belm, que, no demais repetir, no favorecida nem do ponto de vista dos solos, nem do ponto de vista da salubridade (a no ser no que se refere ao divisor mdio) . As condies fsicas no se opem. claro que o nvel de vida desta populao poderia no ser mais elevado do que o dos habitantes da regio de Belm.

    Depois do estudo da influncia da insalubridade e dos solos, ser neces-srio considerar a ao possvel de outros elementos do meio fsico sbre a fraca densidade da populao da Amaznia? Parece-nos necessrio fazer esta pergunta antes de tratar do exame dos fatres humanos.

    A ao "direta" do clima no poder ser levada em considerao, enquan-to a ao indireta, pela interveno de doenas tropicais infecciosas e pela influncia dos solos, j foi tratada nos captulos precedentes. A ao direta do clima quente, mido e chuvoso sbre a anatomia, a fisiologia e o comporta-mento psquico muito pouco conhecido e provvelmente muito insignificante para ter grande importncia. Os fisiologistas discutem infindvelmente os resul-tados contraditrios de suas experincias. Para os gegrafos a questo est co-locada nos seguintes trmos: h nos lugares de clima quente, mido e chuvoso, territrios desertos, como a maior p::ute da Amaznia, territrios fracamente povoados, como a zona Belm-Bragana, territrios fortemente povoados, como a regio de Recife, Prto Rico, ou Java; vemos ao mesmo tempo, nos climas quentes, midos e chuvosos, populaes atrasadas e outras de civilizao evo-luda.

    portanto evidente, que o clima no exerce uma ao determinante: no podemos pois pensar que a Amaznia pouco povoada por ser de clima equa-torial 3G.

    O caso da floresta mais sutil 37 sabido que a floresta equatorial, como alis tda floresta de grande extenso, um "obstculo", e, mais particularmente,

    30 Nestas observaes. geogrficas sbre n Amaznia no dedicamos estudos especiais ao clima, pois, no pude1nos fazer "observaes" diretas, limitandc-nos a consultar as estatsticas meteorolgicas j estabelecidas. So 1nais que suficientes para mostrar que a Amaznia possui regime trmico equato-rial. Quanto s chuvas, tn1 un1 carter mais o:t menos eQuatorial na regio de So Gabriel (e em sua regio) enquanto em Sena ~1adurera, Manaus e Belm, elas caem num regime mais tropical austral.

    37 Nossos leitores no se devem espantar de no encontrar nestas pginas estudos sbre a floresta neste pais; no se trata aqui de un1a "geografia~~ da Amaznia 1nas de silnples observaes fragmentrias. Esta lacuna no quer dizer, certamente, que no damos importncia geografia botnica; pensamos pelo contrrio, QUe seria de grande intersse estabelecer se existem ou no l'elaes entre certos tipos de f}orestn.s e diversos tipos de solos secos; quanto aos solos inundados ou inundveis, suas earactersticas florestais j so conhecidas. Un1a descrio explicativa das florestas amaznicas deveria ter u1n lugar de grande importncia em uma u Geografia" da Amaznia.

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    um obstculo s comunicaes. Uma floresta que cobre milhes de quilme-tros quadrados deve isolar os grupos humanos que nela vivem, prejudicar suas relaes e portanto, paralisar o desenvolvimento da civilizao. A civilizao de um grupo humano progride graas aos contactos culturais que le estabelece com outros grupos, de civilizao diferente ou superior. Se a civilizao perma-nece atrasada, a densidade da populao no pode deixar de ser muito fraca; h com efeito uma relao ntida entre civilizao e densidade de populao. No queremos dizer que as civilizaes adiantadas dem origem, necessria-mente, a populaes densas, mas, habitualmente, as civilizaes atrasadas acom-panham-se de densidades fracas. Isto se explica pelo fato destas civilizaes atrasadas no disporem nem das tcnicas de explorao da natureza, nem da aptido organizao do espao, que permitiriam a formao de fortes densi-dades. Ser a floresta equatorial um obstculo, com tdas as conseqncias que acabamos de deduzir? Sim, mas com duas restries importantes, uma de m-bito geral e a outra de aplicao mais estritamente amaznica. Em primeiro lugar, a floresta equatorial s um obstculo na medida em que ela subsiste: um trusmo, mas um trusmo que merece ser dito. A floresta equatorial no subsiste se fr atacada por uma civilizao poderosamente aparelhada no plano das tcnicas de explorao da natureza (ou de destruio da floresta) e no plano da organizao do espao. Ou seja: a floresta equatorial s um obstculo ao progresso da civilizao, s exerce ste papel em relao aos grupos humanos de civilizao primitiva que vivem isolados no meio desta floresta; por outro lado vemos que ela no apresenta um obstculo irredutvel aos grupos humanos que a enfrentam, se stes tiverem instrumentos adequados, necessidade de ter-ras arveis e aptides organizao.

    Fi~. 4 - H a bit ao construda com material exclusivamente vegetal (teto e paredes de jlha de palmeira; estrutura de troncos de rvores),

    na ilha Grande de Gurup. Foto e legenda de LciO DE CASTRO SoARES

    O homem destruiu certas florestas equatoriais, enquanto outras sub-sistem; stes resultados diferentes no provm de uma diferena na resistncia da floresta equatorial, mas sim da maior ou menor agressividade dos homens.

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    Por conseguinte, se por um lado a existncia de grupos humanos atrasados no fundo das florestas amaznicas se enquadra nas dedues lgicas que acabamos de fazer, por outro lado, nada impede que civilizaes evoludas destruam a dita floresta; a "civilizao de Maraj teve provvelmente que realizar grandes devastaes e atualmente podemos verificar a ao de uma civilizao supe-rior sbre a floresta na regio Belm-Bragana".

    A destruio da floresta se faz a partir de suas orlas. oportuno verificar-mos agora que a Amaznia terciria e quaternria dispe de uma magnfica rde de vias navegveis, suprimindo assim o obstculo que a floresta poderia opor s comunicaes. Sob o ponto de vista que nos interessa no momento, o rio aniquila a floresta, como se ela no existisse. Alm de reduzir a nada o obs-tculo que a floresta ope s comunicaes, a magnfica rde fluvial multiplica ao infinito as "orlas" da floresta, as frentes por onde ela pode ser fcilmente atacada e vencida.

    Certos fatos da geografia humana pr-colombiana da Amaznia, e de seus remanescentes atuais ilustram bem os pontos de vista que acabamos de expor 38

    interessante observar que os grupos humanos mais atrasados da Amaz-nia ocupam uma posio perifrica; encontram-se portanto afastados dos rios mais importantes, muitas vzes separados dles por rpidos ou quedas; em suma, acham-se em ms condies de accessibilidade. Podemos tambm admi-tir a hiptese que se trata de grupos que rechaados pelos conquistadores para estas regies pouco accessveis, a sofreram em vista de seu isolamento, uma degradao de sua civilizao. Seria ste o caso dos Nambiquara, que vivem entre as nascentes do Tapajs e as do Guapor. Os Nambiquara apresentam uma alternncia sazonria das tcnicas. So cultivadores de mandioca na estao chuvosa e primitivos exclusivamente dedicados coleta no perodo das scas 39 Outros grupos perifricos so unicamente coletores durante todo o ano; os Chirian na regio do monte Parima, os Guarabo vizinhos dos precedentes, os Ma cu na regio do U aups, os Sirion das florestas do Beni (na Bolvia). J ui-gamos que em todos stes casos o carter primitivo da cultura, carter ste arcaico ou adquirido, devido ao isolamente, isto , inaccessibilidade e no falta de recursos. No poderemos, pois, aceitar o ponto de vista de J. H. STEWARD que escreve 40 : "in short, the important ecological differences were those between water-front and hinterland peoples, and those were little effecter ( ? ) by specific exploitative devices. The differences were in resources, and these partly determined population density and community size, which in turn conditioned the sociopolitical patterns". sempre surpreendente ver um etn-logo ao3itar opinies de um determinismo to simples. Como ge6grafo somos obrigado a ressaltar os pontos que nos parecem inadmissveis: se, deixando de conferir ecologia o papel de deus ex-rnachinas, procurarmos verificar as

    38 Para os exemplos que vamos dar, o Handbook of South American lndians, vol. 3, "The Tropical Forest Tribes" ( J. H. Steward, Editor; Smithsonian Institution, Bureau of American Ethnology, Buli. 143, 1948, 986 p.).

    39 LEVI-STRAuss diz a respeito dles: "os nveis da cultura mais primitivos da An1rica do Sul devem ser interpretados mais como o resultado de uma regresso,. devida certamente ao rechaatnento de certos grupos para regies pouco hospitaleiras por influncia de populaes mais poderosas do que como vestgios autnticos de um rnodo de vida arcaicop ( Actes du 28e Congres Intemational des Ame-ricanistes, Paris 1947 p. 185: 192).

    40 Handbook - p. 885

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    diferenas de meio fsico entre os povos do litoral ou das margens dos rios (water-front) e os povos do interior (hinterland) e quais so as diferenas de recursos entre les certamente no encontraremos argumentos suficientes para explicar as diferenas de civilizao.

    Verificamos uma diferena de accessibilidade, uma diferena nas possibi-lidades de isolamento, mas nada no meio local explica por que os povos do interior no praticam a agricultura. Em que poderia o fato de no habitarem perto de um grande rio navegvel impedir que os povos do interior se dedi-cassem agricultura? Alis, algumas pginas acima, o citado autor insiste com muita razo sbre o papel que o Amazonas e seus afluentes desempenham na difuso da civilizao.

    Para os povos que vivem s margens dos rios a floresta no pois, um obstculo. A facilidade que les tm em se deslocar e em estabelecer relaes com outros povos provada pela espantosa geografia lingstica da Amaznia. Lnguas aruaques so entendidas nas Antilhas e at no sul da Flrida, to bem quanto no alto Xingu, no Mato Grosso, na Bolvia, no Alto Purus, no Alto U caiali e no oeste do Glfo da Venezuela. Lnguas tupis so (ou eram) faladas no Brasil oriental, no Alto Xingu, no U caiali, ao p dos Andes e no norte da Amaznia. H linguajares carabas nas Antilhas, na Guiana e no Alto Xingu. S a grande facilidade das relaes fluviais possibilitou uma tal Macednia lingstica, autorizando a continuidade, sem iatos, da navegao costeira e da navegao fluvial. Vejamos um outro exemplo da mobilidades dsses povos amaznicos: Os Tupi da ilha de Tupinambarana 41 eram originrios de Per-nambuco, de onde tinham sado para fugir ao contacto com os portuguses. Subiram primeiro o Amazonas e depois o Madeira, chegando at a Bolvia; no foram, contudo, bem sucedidos em suas relaes com os espanhis e des-cendo o Madeira, fixaram-se finalmente na ilha de Tupinambarana.

    Na mesma ordem de idias, notvel que os ndios das primeiras encostas dos Andes, isto os "Chuncho" da Montafia 42 tenham muitos traos comuns com as populaes amaznicas e poucos traos comuns com as civilizaes an-dinas, apesar da vizinhana dos "punas" andinos. Os traos superiores das civi-lizaes dos planaltos - a agricultura permanente e intensiva, a metalurgia, a organizao dos estados -, no se transmitiram aos povos da "Montafia" por causa do obstculo formado pela "beja de la Montafia", faixa florestal a 1 800 metros de altitude, obstculo por suas vertentes ngremes, florestas luxuriantes, nuvens permanentes, chuvas abundantes.

    Julgamos que para explicar uma situao, deve-se levar em conta mais a dificuldade das relaes que a diferena dos meios fsicos, embora seja preciso considerar a repugnncia que a insalubridade da Montafia inspirava aos Qu-chua dos planaltos.

    O meio fsico no nos fornecendo todos os esclarecimentos necessrios, vamos recorrer civilizao e histria.

    Em primeiro lugar, a Amaznia terciria e quaternria, quase no tem populaes "indgenas". interessante fazer a ste respeito uma comparao

    '' Handbook - p. 98 '

    2 Handbook p. 507

    Pg. 25 - Abril-Junho de 1950

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    com a bacia do Congo. De fato, as regies baixas da bacia do Congo no so muito povoadas, mas suas populaes "indgenas'' so muito mais numerosas que as da Amaznia terciria e quaternria onde os efetivos "indgenas" so prticamente nulos.

    II - A populao indgena da regio florestal equatorial do Congo Belga

    i'Ja rea coberta pela floresta equatorial, ou melhor, na superfcie por ela cercada, entre o 4. 0 grau de latitude sul e o 4.0 grau de latitude norte, o Congo Belga tem uma densidade de 3 habitantes por quilmetro quadrado; 2 860 000 habitantes para 950 000 quilmehos quadrados. Na parte menos po-voada, o territrio de Oshw, situado na margem norte do Kasai (e atravessado pelo 20 grau de longitude este, a densidade desce a 0,9 habitantes por qui-lmetro quadrado. Estas densidades, certamente fracas, so muito superiores s da Amaznia, j que os 950 000 quilmetros quadrados da floresta congolesa (no interior do Congo Belga) apresentam uma mdia de .'3 habitantes por qui-lmetro quadrado, contra uma mdia de 0,41 sbre os .'3 571 000 quilmetros quadrados da Amaznia, ou seja uma densidade mdia 7 vzes maior. Por ou-tro lado, no podemos dizer que as diferenas de superfcie tornam as com-paraes impossveis; com efeito, se retomarmos as "zonas de densidade" que discernirmos na Amaznia Brasileira, reconhecemos que em todo o territrio da Amazonia h smente 295 000 quilmetros quadrados que possuem uma densi-dade demogrfica comparvel densidade mdia da floresta equatorial con-golesa: 295 000 quilmetros quadrados e 1 085 000 habitantes ou seja uma den-sidade de .'3,6. Esta superfcie compreende todos os territrios da Amaznia cuja densidade ultrapassa 0,5 habitante por quilmetro quadrado. Em com-parao, vemos o "territrio" congols menos povoado, Oshw, com uma den-sidade de 0,9, ou seja 90 vzes maior que a dos distritos de Caracara ou de Catrimani (Territrio do Rio Branco) ou do distrito de Gradas (municpio de Altamira, Estado do Par). Por conseguinte, a regio que no mundo inteiro mais se assemelha Amaznia por seu clima, seu relvo, sua vegetao tem uma densidade sete vzes maior e o menos povoado de seus territrios no cheg

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    OBSERVAES GEOGRAFICAS NA AMAZNIA 195

    a civilizao de Maraj. Segundo esta indicao e outras semelhantes, somos levado a crer que as civilizaes indgenas da Amaznia teriam mostrado uma certa instabilidade, decorrente ou das guerras que se desencadeavam entre os povos, ou da incapacidade dstes ndios de manter uma forte densidade de populao e isto por falta de tcnicas convenientes de explorao agrcola. Com deito, stes ndios praticavam apenas um sistema de "roas" e se os perodos de descanso da terra eram encurtados para responder s necessidades de uma populao crescente, o solo empobrecido, ao fim de certo tempo no dava colheitas suficientes para alimentar a populao e para recompensar o trabalho da derrubada. Da a runa e a instabilidade.

    Tudo isto permanece, no entanto no terreno das conjecturas. H um fato que sugere algumas dvidas quanto realidade de uma populao indgena considervel antes da interveno europia. Testemunhas numerosas atestam a diminuio do rendimento da pesca na Amaznia (tartarugas, peixe-boi, pira-rucus e outros). Uma explorao intensiva 43 provocaria uma reduo sensvel dos recursos. Isto significar que a pesca mais ativa hoje em dia? Sabemos, no entanto, que os ndios praticavam a pesca com ardor. O empobrecimento dos recursos corresponder ao aumento da populao? Ser ento que a fauna aqutica se reconstituiu no perodo entre a diminuio da populao indgena e o desenvolvimento da populao amaznica atual?

    Fig. G - Casa flutuante atracada margem do rio Negro prximo de Manaus.

    Foto e legenda de LciO DE CASTRO SoARES

    No dispomos de elementos que nos permitam avaliar melhor a densidade da populao antes da interveno europia. Provvelmente esta populao indgena se concentrava nos vales ou em suas bordas, abandonando grandes extenses de terra; sabe-se tambm que, em certos pontos, ela era mais nume-rosa que a populao atual, mas permanecia pouco densa no conjunto. Pes-quisas arqueolgicas orientadas no sentido do reconhecimento da antiga geogra-

    43 Explotao intensiva e destruidora, o emprgo de ex!Jlosivos se generaliza e destri os peixes. Numa s tarde, perto de :Manaus, OJVnos detonar duas cargas de explosivos, jogados n'gua por pescadores, apesar da proibio.

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  • 196 REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA

    fia humana da Amaznia teriam o mais alto intersse cientfico e, ao mesmo tempo poderiam fornecer indicaes teis e talvez novas, sbre as possibilidades de utilizao da Amaznia .

    Por outro lado, certo que a interveno europia foi nefasta para as po-pulaes indgenas. Estas contaminaram-se com as doenas trazidas pelos eu-ropeus, e foram por les grandemente trucidadas, como o prova um certo nmero de testemunhos. A interveno europia no foi de forma alguma favorvel multiplicao dos ndios e, sob diversos pontos de vista, foi fran-camente desfavorvel. Esta uma das razes que tornam razovel a hiptese de uma populao indgena mais numerosa antes da interveno europia do que atualmente. Seria possvel sustentar que a populao indgena no desa-pareceu, subsistindo nos caboclos amaznicos, que conservam to ao vivo em suas caractersticas antropolgicas, em suas heranas e em seus usos a lem-brana de seus antepassados ndios. Mas os verdadeiros caboclos amazonenses no so mais que uma parte da atual populao da Amaznia, e no podem repnsentar mais que uma porcentagem, bastante reduzida, da populao ind-gena antiga.

    Seria preciso estudar metodicamente a ao dos europeus, e, mais particu-lmmente, dos portuguses, na Amaznia, com a preocupao de responder a esta pergunta capital: Era maior a populao da Amaznia antes da interveno europia? Em caso afirmativo, por que processo se realizou esta diminuio da populao? Chegou o momento de empreender verdadeiros trabalhos hist-ricos, baseados no estudo das fontes e esclarecidos pela preocupao dos gran-des problemas. Tais estudos teriam no somente um intersse cientfico, mas uma grande utilidade prtica.

    Talvez a histria nos diga que a espantosa facilidade de comunicaes na-turais foi uma das causas do "despovoamento" da Amaznia, se houve de fato despovoamento. Com efeito, esta facilidade de comunicao permitiu uma pe-netrao rpida e fcil e aumentou muito o mbito das aes que resultaram na quase destruio dos ndios (movimentos de populao, contgio de doenas, morticnios, trabalhos forados )44 .

    Temos a sorte de dispor de um elemento de comparao. Os portuguses, no curso de sua histria, estabeleceram-se na embocadura de dois dos maiores

    41 Vamos assinalar de passagem, algumas indicaes que os autores por ns consultados fornecem sbre stes problemas e que classificaremos. Trabalhos forados: A.C. FERREIRA REIS (O Processo Histrico da Economia Amazonense, 1944) diz que tribos inteiras foram deportadas nos meados do sculo XVIII para trabalhar em Macap e Belm. Outro exeinplo: fundaram um aougue em Belm em 1727 (o primeiro desde a fundao da cidade, que de 1616) cabe-lhe o concurso de 22 ndios. MANUEL DE MELO CARDoso BARATA (Apontamentos para as Efemrides Paraenses 1921) conta que um fabricante de tintas de urucum recebeu em 1693 seis ndios, um fabricante de ndigo recebeu 24. Depois de 1852, ndios foram levados para Manaus, para os trabalhos da cidade.

    Em 1820, s vsperas da independncia ainda o ndio, bugre, que faz no Par todo o trabalho fsico; a liberdade, decretada por diversas leis reais era desconhecida, os fundamentos da vida econmica eram os trabalhos forados. (A.C.F. REIS, Sntese da Histria do Par, Belm, 1942, p. 48).

    Massacres A.C. FERRElRA REIS (O Processo Histrico da Economia Amazonense, 1944) assinala o desaparecimento dos ndios Muras em conseqncia de morticnics ( Solimes, Purus, Madeira); conta tambm que MELCHIOR. MENDES DE MoRAIS se glorifica de ter passado pelas armas 20 000 ndios Manauaras em 1729.

    Em 1835, houve morticnios depois da Cabanada. No fim do sculo XIX a polcia fz numerosas execues sumanas e nesta mesn1a poca particulares assassinaram ndios impunemente.

    Epidemias A varola causou por vrias vzes devastao entre os ndios ( 40 000 mortos entre 1743 e 1749).

    Pg. 28 - Abril-Junho de 1950

  • OBSERVAES GEOGRAFICAS NA AMAZNIA 197

    rios do mundo. Descobriram o "Zaire". Seus estabelecimentos de Angola so geogrficamente similares ao Maranho, isto , esto em relao ao Congo, na mesma situao que o Maranho em relao ao Amazonas. Vemos todavia que os portuguses no penetraram na bacia do Congo, embora tenham tomado p na embocadura do rio desde o fim do sculo XV, enquanto percorre-ram tda a rde amaznica, tendo-se estabelecido em Belm somente em 1616. Uma tal diferena tem certamente causas mltiplas e uma das mais importan-tes deve ser a facilidade de acesso do Amazonas e a inaccessibilidade do Congo.

    Pode-se provar pelo exame de certos fatos demogrficos do Congo que a chegada dos europeus pode exercer uma influncia nefasta, mesmo quando no praticavam a caa aos escravos e quando no realizavam chacinas.

    A interveno europia, a partir do fim do sculo XIX no foi universal-mente favorvel ao desenvolvimento da populao, embora no tenha havido no Congo desde o estabelecimento da administrao europia, o equivalente da caa aos escravos que devastou a Amaznia desde o sculo XVII. Por exemplo, na provncia do Equador 45 vrios territrios apresentam uma com-posio de populao que o sinal de uma baixa demogrfica. Com efeito avalia-se no Congo Belga, que uma populao equilibrada deve ter 130 crianas de menos de 15 anos para 100 mulheres de mais de 15 anos; os territrios seguintes apresentam nmei"os alarmantes: Opala (103), Ikela (85), Boende (75), Ingende (79), Monkoto (68), Bongandanga (86). Outros territrios, pelo con-trrio, tm uma composio demogrfica que um indcio de progresso. Parte da populao do distrito de Uel 46 revelou uma composio inquietadora: 74 crianas de menos de 15 anos para 100 mulheres de mais de 15 anos em 1948 (enquanto em 1936 a relao seria de 84); haveria, portanto, no s m composio demogrfica mas um agravamento da situao.

    Indicaes mais sumrias permitem, ~or outro lado, discernir algumas das causas que agiram desde o fim do sculo XIX no sentido de enfraquecer a populao 47 . A populao bakongo (entre Banane e o Stanley Pool) que contava crca de 600 000 habitantes em 1893 foi devastada pela varola, - a epidemia de 1899 teria suprimido um dcimo da populao - e, pela doenJ. do sono difundida em funo dos movimentos de populao impostos pelos europeus. A doena do sono teria eliminado nove dcimos dos habitantes da regio de Kisantu-Madimbe. A devastao devida aos servios de carga tam-bm foi sensvel; preciso lembrar que, por volta de 1893 havia constantemente 4 000 carregadores trabalhando entre Matacl e Leopoldville. Todavia, entre os Bakongo a baixa foi interrompida e a populao se refez.

    stes exemplos so interessantes pois nos permitem compreender como e porque a populao da Amaznia deve ter diminudo.

    Desa-parecimento de ndios depois de maus tratos - Eis o que escreve MANUEL BERNARDINO DE SousA E FIGUEIREDO 1829 (citado por A.C. FERREIRA REIS. O Processo Histrico da Economia Ama-zonense, 1944 p. 45 .. ) "A comarca est num estado deplorvel. Vilas e lugares esto quase desprovidos no s por causa das febres . . . 1nas tambm pela contnua desero dos ndios, que foge1n . . . stes preferem abandonar terras e parentes a continuar a agentar os trabalhos forados que as autoridades lhes infringem. Como estas jornadas de trabalho so numerosas e o efetivo dos trabalhadores reduzido, os habitantes pobres no pode1n respirae' .

    45 L. MOTTOULE, '

  • 198 REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA

    IV - O pequeno nmero de "brasild;cs" na Arru:znia

    Por que no mais numerosa na Amaznia a populai'io de origem euro-pia, ou mestia de europeus com civilizao luso-brasileira? Por que no se encontra em tda a Amaznia, a densidade demogrfica da regio de Belm ou mesmo a da ilha de Maraj? Como revela o estudo d:?.s densidades, no caso de tda a Amaznia possuir uma populao com a densid:::de da regio de Belm, a populao total atingiria 51431 000 almas; se a densidade fsse se-melhante de Maraj a populao amaznica ainda atingiria um total de 8 921 000. Ainda estamos bem longe disto, com apenas 1 473 000 habitantes em 1940.

    Diversas razes podem ser apresentadas para explicar esta situao. A primeira que os portuguses s tomaram realmente posse da Amaznia numa data tardia, j que Belm s foi fundada em 1616 e os centros do interior foram fundados muito mais tarde. A colonizao portugusa tinha criado fortes raizes em t da a zona costeira oriental mas ste atraso no foi recuperado.

    A valorizao da Amaznia fez-se muito lentamente; divers3s indicaes mostram que ela no foi realmente encetada nos sculos XVII e XVIII. Assim, em 17 48, ::;.inda no existia moeda no Par. Os gneros alimentcios que serviam de unidade, a m:1is difundida era o cacau, que era descontado a 1 600 ris a arrba. As despesas do govrno eram feitas em cacau; os soldados eram pagos em cacau. Surgiu logo a inflao, pois o valor monetrio do cacau era superior a seu valor comercial; vender o cacau "monetrio" era me1a operao desastrosa. Ao lado do cacau, outras rnercadmias eram utilizadas como moeda; o cravo, a salsa, o acar e at os novelos de algodo fiados pelos ndios. A moeda metlica s passou a circular no Par a partir de 1752 48

    A explicao dsse desenvolvimento to lento encontra-se na impossibili-dade em que se achava Portugal de fornecer homens e capital para colonizar a Amaznia. O esfro dedicado colonizao da faixa que se estende de Natal a Bahia e at o Rio de Janeiro absorvia tda a capacidade dos portu-guses 49 Alis, podemos nos perguntar se esta negligncia em relao Ama-znia no teria sido extremamente feliz, no sentido da unidade brasileira, pois urna Amaznia poderosamente desenvolvida, teria necessriamente seus centros prprios, ligados Europa. Uma Amaznia separada do resto do Brasil pelo interior desrtico do Maranho e pelos confins do Macio Central b;asileiro teria tido certamente fortes tendncias centrifugas.

    48 MANUEL DE MELO CARDOSO BARATA. "Apontamentos para as Efen1rides Paraenses' ', Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, t. 90, vol. 44, p. 235.

    Poderamos acrescentar aqui muitos outros pormenores. Em 1800, o cmnrcio internacional da Amaznia atingia s1nente a quantia de 300 contos de ris. Foi en1 1850 q-r::e se viu glo pela primeira vez em Belm, trazido por um navio americano; fize;:am-se sorvetes, os primeiros que apareceram em Beln1. Em 1735 ainda no havia charretes en1 Belm, viam-se bois e cavalos mas no havia canoas nen1 carroceiros; todos os transpor~es eram feitos por ndios, q,ue levavan1 as cargas cabea. Em 1735 os cavalos em Belm no eram ferradcs, porque no havia u1n s ferreiro.

    ~o A tentativa da criao de um regime senhorial, semelhante ao que existia na zona litornea do Nordeste, no deu resultados. Em 1642, com efeito, o govrno de Lisba criava as capitanias de Caiet, Camut, Cubo Norte, Maraj, Xingu, enquanto Gurup continuava como captania real. As capitanias "privadas" no tiveram nenhum desenvolvimento digno de ateno.

    Pg. 30 Abril-Junho de 1950

  • OBSERVAES GEOGRFICAS NA AMAZNIA 199

    Entre as causas do desenvolvimento lento da Amaznia preciso levar em conta a poltica econmica portugusa que consistia em promover unicamente a coleta dos produtos florestais, da "droga do serto".

    Portugal, privado das especiarias orientais voltou-se para a Amaznia no sculo XVII a fim de se prover de produtos de tinturaria e medicinais. Todos se interessavam na procura e no comrcio da droga do serto: os administra-dores por conta do Estado e por sua prpria conta, militares, eclesisticos etc ... As fabulosas vias navegveis naturais da Amaznia favoreceram esta poltica econmica. Com efeito, era possvel ir at o fundo da Amaznia para obter os gneros procurados. Isto favoreceu muito o esprito de aventura, o gsto da explotao muito extensiva, e do aproveitamento seletivo dos recursos naturais.

    O territrio que se tornaria o Estado do Amazonas no recebeu escravos negros, pois stes no eram utilizveis na procura da "droga do serto". Foi mesmo prticamente proibido ter escravos africanos. Assim, um poderoso ele-mento de povoamento do Brasil equatorial, no entrou na constituio da popu-lao da Amaznia 50 .

    Quando, no sculo XIX, uma abundante imigrao, no portugusa, esta-beleceu-se no Brasil, dirigiu-se naturalmente para climas menos quentes, e para terra mais frteis que as da Amaznia. Os imigrantes europeus por outro lado procuraram as regies onde se sentissem menos desambientados e onde a agricultura no encontrasse dificuldades to grandes como na Amaznia. A imigrao na Amaznia durante o sculo XIX e no sculo XX consistia de nordestinos, que vieram em grande parte para explorar a borracha; outros colo-nizaram