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1. Tipo de colonização e papel do Estado; 2. Papel do Estado e camadas médias urbanas. J. A. Guillon-Albuquerque ** * publicado originalmente na revista L'Homme et la Société, n. 24/25, 186-207, 1972, sob o título Notes sur le systême du sous-développement, le rôle de l'~tat et le concept de classes moyennes modernes; traduzido por M.Th. da Costa Albuquerque e revisto pelo autor. ** Professor-Doutor em Ciências Políticas do Departamento de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo. R. Adm. Emp., Rio de Janeiro, Os acontecimentos recentes da Argentina e do Chile chamam a atenção para a perplexidade dos sociólogos e cientistas políticos diante da interpretação a ser dada às camadas médias urbanas latino-americanas, às suas orientações, condutas e atitudes. Basicamente, essa inter- pretação oscila entre a noção clássica de pe- quena burguesia e a idéia de classes médias mo- dernas. Neste trabalho, procuraremos mostrar a impossibilidade de se situar uma camada so- cial dentro do sistema social englobante, atra- vés do mero apelo a uma concepção ontológica da sociedade e dos grupos que a compõem, sem levar-se em conta a maneira particular segun- do a qual se organiza a produção econômica em cada sociedade dada. E que não se pode com- preender esse modo de organização da produ- ção econômica, nos países ditos subdesenvolvi- dos, sem fazer apelo a uma tipologia da colo- nização, isto é, um instrumento de análise da maneira como a economia européia articulou- se à economia dos países colonizados. Mais par- ticularmente, insistimos sobre o papel funda- mental desempenhado pelas formas do Estado nessa articulação. Após um exame dos pressupostos do conceito de classes médias modernas - que não tem ou- tro objetivo senão o de demonstrar seu caráter normativo e residual - em que se procura mos- trar a vinculação, em última análise, dessa no- ção à teoria weberiana das origens do capitalis- mo, tenta-se apresentar as bases para uma ti- pología dos modos de organízação da produção econômica nos .países colonizados, no período da primeira expansão do capitalismo. Em seguida, esboça-se uma análise do papel desempenhado pelo Estado nesses tipos de formação social, o que permite situar, no caso que nos interessa mais de perto - o da América Latina - uma nova conceituação das camadas médias ur- banas. Finalmente, tenta-se aplicar esta reformu- lação do conceito a um caso concreto, levantan- do-se a hipótese de uma reinterpretação do que foi a aliança populista, com base na maneira de encarar as camadas médias urbanas que pro- pomos no corpo do artigo. O conceito de classes médias modernas é um conceito residual e normativo. Não se trata, por- tanto, de um conceito no sentido estrito. ~ resi- dual, porque não se pode situar seu objeto - as camadas médias da população urbana - no sistema de classes, segundo os mesmos critérios que servem para situar os outros elementos do 14(2) : 93-106, mar./abr. 1974 --------_._--------- - --- - Notas sobre o papel das classes médias e do aparelho de estado nas sociedades em desenvolvimento

A. Guillon-Albuquerque - rae.fgv.brrae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/artigos/10.1590_S0034... · que consiste em definir um conceito, ao mesmo tempo, pelas variáveis independentes

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1. Tipo de colonização e papeldo Estado;

2. Papel do Estado e camadasmédias urbanas.

J. A. Guillon-Albuquerque **

* publicado originalmente narevista L'Homme et la Société, n.

24/25, 186-207, 1972, sob o títuloNotes sur le systême du

sous-développement, le rôle del'~tat et le concept de classes

moyennes modernes; traduzidopor M.Th. da Costa Albuquerque

e revisto pelo autor.

** Professor-Doutor em CiênciasPolíticas do Departamento de

Ciências Sociais da Universidadede São Paulo.

R. Adm. Emp., Rio de Janeiro,

Os acontecimentos recentes da Argentina e doChile chamam a atenção para a perplexidadedos sociólogos e cientistas políticos diante dainterpretação a ser dada às camadas médiasurbanas latino-americanas, às suas orientações,condutas e atitudes. Basicamente, essa inter-pretação oscila entre a noção clássica de pe-quena burguesia e a idéia de classes médias mo-dernas. Neste trabalho, procuraremos mostrara impossibilidade de se situar uma camada so-cial dentro do sistema social englobante, atra-vés do mero apelo a uma concepção ontológicada sociedade e dos grupos que a compõem, semlevar-se em conta a maneira particular segun-do a qual se organiza a produção econômica emcada sociedade dada. E que não se pode com-preender esse modo de organização da produ-ção econômica, nos países ditos subdesenvolvi-dos, sem fazer apelo a uma tipologia da colo-nização, isto é, um instrumento de análise damaneira como a economia européia articulou-se à economia dos países colonizados. Mais par-ticularmente, insistimos sobre o papel funda-mental desempenhado pelas formas do Estadonessa articulação.

Após um exame dos pressupostos do conceitode classes médias modernas - que não tem ou-tro objetivo senão o de demonstrar seu caráternormativo e residual - em que se procura mos-trar a vinculação, em última análise, dessa no-ção à teoria weberiana das origens do capitalis-mo, tenta-se apresentar as bases para uma ti-pología dos modos de organízação da produçãoeconômica nos .países colonizados, no período daprimeira expansão do capitalismo. Em seguida,esboça-se uma análise do papel desempenhadopelo Estado nesses tipos de formação social, oque permite situar, no caso que nos interessamais de perto - o da América Latina - umanova conceituação das camadas médias ur-banas.

Finalmente, tenta-se aplicar esta reformu-lação do conceito a um caso concreto, levantan-do-se a hipótese de uma reinterpretação do quefoi a aliança populista, com base na maneirade encarar as camadas médias urbanas que pro-pomos no corpo do artigo.

O conceito de classes médias modernas é umconceito residual e normativo. Não se trata, por-tanto, de um conceito no sentido estrito. ~ resi-dual, porque não se pode situar seu objeto -as camadas médias da população urbana - nosistema de classes, segundo os mesmos critériosque servem para situar os outros elementos do

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sistema. Além disso, o aspecto residual é tam-bém revelado pelo adjetivo modernas, que servepara distinguir este setor da população das an-tigas classes médias: a pequena burguesia, porum lado e, por outro, os notáveis das sociedadesagrárias. E por meio deste termo que o aspectonormativo se introduz também no conceíto..A idéia de classes médias modernas refere-se àidéia de classes modernizadoras, de classes queestão na origem da industrialização.

O aspecto normativo é, portanto, ligado aocaráter residual do conceito, e deriva do papelgeralmente atribuído às classes médias na aná-lise da industrialização dos Estados Unidos. Aspráticas econômicas, os valores e as qualidadespsicológicas das classes médias modernas ame-ricanas são tidos como fatores que produzirama industrialização e desempenharam o papel demodelo para o conjunto da sociedade. Para queisto seja verdade é preciso que esta classe tenhaaparecido num momento determinado - recen-te - da história, e que seja uma nova classe:moderna. A diferenciação histórica das popula-ções urbanas - a burguesia no sentido primiti-vo do termo - em setores distintos da ativida-de econômica, bem como em setores diversos dosistema social é incompatível com a idéia declasses médias modernas. Se a industrializaçãoé tida como tendo sido iniciativa exclusiva dasclasses médias modernas americanas, estas úl-timas não podem, no espírito dos teóricos dasclasses médias, ter tido a mesma origem que asburguesias agrárias do Sul dos Estados Unidos.

A hipótese de uma diferenciação da pequenaburguesia emigrada para a América em burgue-sia agrária, burguesia financeira e burguesiaindustrial (classes médias modernas) é, efetiva-mente, incompatível com a idéia de um sistemade valores, de práticas e de qualidades psicoló-gicas ontologicamente ligadas a esta camadasocial portadora de modernidade.

Nos países em desenvolvimento onde existeuma população urbana importante, as camadasmédias desta população freqüentemente exer-cem um tipo de atividade comparável, ou entãose definem segundo um sistema de valores se-melhante, ou, ainda, têm origem social (peque-na burguesia emigrada) idêntica às atividades,valores e origens das classes médias america-nas. Jamais, no entanto, nestas camadas médiasurbanas dos países subdesenvolvídos, estas trêscaracterísticas são ao mesmo tempo idênticasàs características outrora reunidas nos EstadosUnidos.

Revista de Administração de Empresas

A conotação normativa do conceito revela-se,assim, como o resultado desta confusão formalque consiste em definir um conceito, ao mesmotempo, pelas variáveis independentes e depen-dentes, sem fazer alusão à intervenção de variá-veis contextuais.

O papel empresarial desempenhado pelasclasses médias é, justamente, uma variáveldependente, um explanandum. A variável inde-pendente - explanans - é a origem social, ouo sistema de valores desta população, ou osdois; nas três hipóteses, a variável independen-te não basta para explicar o papel empresarial- não é, portanto, suficiente para constituirum explanans - a não ser que se leve em con-sideração o contexto. A variável contextual é,neste caso, o tipo de imigração que depende,por sua vez, do tipo de colonização. 1

Compreendemos, assim, que o conceito declasses médias modernas não é um conceitomas toda uma teoria; e uma teoria incompleta,não generalizável que podemos resumir da se-guinte maneira:

a) são os valores que produzem a história;

b) são os valores de classe média (ascéticos?)que produzem e orientam a industrialização;

c) (esta proposição não é baseada num contex-to científico, mas está "no ar") uma só classemédia histórica engloba essas três variáveis (ti-po de atividade econômica, tipo de sistema devalores, papel empresarial) e só ela pode aindahoje produzir e orientar a industrialização, on-de ainda não se efetivou. Trata-se, evidentemen-te, da exportação de valores de classe média, ex-portação subentendida (o que quer que se digaou se pense) por todo projeto de cooperação téc-nica (por mais bem intencionado que se queiraser) .

Reconhece-se facilmente nas duas primeirasproposições (a e b) os mesmos pressupostos dateoria de Weber sobre as origens do capitalismo.Como a teoria Weberiana é a fonte clássica detodas as tentativas mais ou menos bem sucedi-das de explicação das condutas empresariais,também não é difícil reconhecer aí os pressu-postos das teorias de Schumpeter, de Moore,Kerr e outros.

Não se trata de resumir estas teorias para de-monstrar o fundamento da redução que aquifazemos. Ent;retanto, vamos tentar justificar

brevemente a pertinência das duas primeirasproposições' no quadro destas teorias citandoexemplos precisos.

Quando Weber tenta demonstrar a legitimi-dade com que o protestantismo ascético enco-bre certas condutas capitalistas, especifica:"dava (ao homem de negócios burguês) a se-gurança reconfortante de que a distribuição de-sigual dos bens deste mundo era uma deferênciaespecial da Providência Divina que, atravésdestas diferenças - assim como na Sua Graçapessoal - buscava objetivos secretos, desconhe-cidos dos homens" (Weber, M. The protestantethic and the spirit 01 capitalism, Londres,Unwin University, tradução de T. Parsons,1968, p. 177). Em seguida, o autor analisa aprogressão desta idéia, progressão que acompa-nha sua secularização: "Calvino afirma quea massa dos trabalhadores não obedece a Deus anão ser que permaneça pobre; donde se concluique as massas só trabalham forçadas pela ne-cessidade; a que se acrescentam as teorias ca-pitalistas referentes à produtividade dos baixossalários" (op. cit., p. 177).

Se bem que Weber constate que os "puritanosqueriam trabalhar por vocação (ao passo que)nós somos forçados a fazê-lo" (p. 181), não con-clui que os valores (o espirito) do ascetismo le-gitimam uma prática já corrente. Pelo contrá-rio, este "traço ascético fundamental do modode vida da classe média" (p. 180) é, para ele,uma "conduta racional baseada na idéia da vo-cação (que) nasceu ( ... ) do espirito ascéticocristão" (180).

O conjunto dos elementos reunidos por We-ber permite concluir tanto pela determinaçãodas condutas pelos valores ("conduta· racio-nal. .. nascida... do espírito") quanto pelalegitimação das condutas por um discurso so-cial ("dando-lhe a reconfortante segurança") .Se o autor mantém a primeira hipótese, é porela ser pressuposta desde o começo. 1: esse pres-suposto que nós exprimimos na primeira pro-posição: "são os valores que fazem a história".

A primeira vista, parece mais dificil reduzira teoria de Schumpeter às mesmas proposições,tendo em vista que este autor pretende restrin-gir-se ao domínio econômico, tratando o desen-volvimento econômico como um tipo de mu-dança endógena. 2 Além do mais, Schumpetercomeça negando qualquer papel criador aos in-divíduos, no sistema econômico (p. 27), tratan-do a produção como resposta a um sistema denecessidades (p, 11-2) e o ato econômico como

um comportamento guiado pelo hábito (empi-rically lamili4r, p. 26).

Como não se trata de resumir a teoria dainovação empresarial de Schumpeter, mas dedemonstrar a pertinência de sua redução àsproposições introduzidas, assinalaremos somen-te os pontos de articulação entre a teoria fun-cional do fluxo econômico (production toüoio«neeâs, p. 12) e a teoria da inovação empre-sarial.

Estes pontos de articulação são três:

a) o desenvolvimento é a combinação de no-vos meios de produção, o que transfere a inicia-tiva econômica do consumidor ao produtor(p. 65);

b) a inovação exige condutas mais racionais emais conscientes do que as do consumidor oudo capitalista (p, 79-80 e 85);

c) a racionalidade da conduta empresarial éincompatível com o sistema de necessidades/desejos que comanda o fluxo econômico (p.90-93) .

Estes três pontos convergem no sentido dejustificar a hipótese da existência de um tipohumano particular, vocacionado ao exercícioda função empresarial. Schumpeter não hesitaem levantar a hipótese de uma distribuiçãonormal deste tipo em toda população cultural-mente homogênea (p. 81-2). Entretanto, a hipó-tese do tipo humano tem por efeito afastar aidéia de uma classe empresarial; assim sendo,como poderíamos, ainda, justificar a existênciade uma ligação entre a teoria de Schumpeter eas teorias sobre as classes médias modernas?

Três pontos de articulação permitem, aindaaqui, estabelecer a passagem de uma teoria aoutra. Em primeiro lugar, a possibilidade decombinar novos meios de produção não supõea propriedade desses bens, mas sim a possibili-dade de exercer um controle sobre os mesmos.Se o empresário não é ele mesmo proprietário,é-lhe necessário, contudo, certa credibilidadediante dos organismos de financiamento (p. 68-71); isto exclui do papel empresarial as massastrabalhadoras em geral, com exceção daquelesindivíduos que já percorreram, ao menos emparte, a estreita senda da mobilidade vertical.Em segundo lugar, as motivações das classessuperiores e dos capitalistas em particular (ca-

O papel das classes médias

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pitalistas no sentido de Schumpeter) são opos-tas às do empresário, e é daqueles que a inova-ção econômica sofre as mais fortes resistências(p. 87). Em terceiro lugar, na medida em que ainovação é correlativa de uma conduta racio-nal e consciente, os conhecimentos podem subs-tituir a iniciativa econômica (p. 85-6). Dessemodo, a iniciativa do desenvolvimento econô-mico deve ser esperada, não das .classes supe-riores ou inferiores (primeiro e segundo pon-tos de articulação) mas de uma camada inter-mediária. Esta camada média é formada, porum lado, pela parte das classes médias tradi-cionais que monopolizam certo tipo de saber(terceiro ponto de articulação), ou em conse-qüência da mobilidade. Ora, a idéia de novaclasse média encobre justamente estas duaspossibilidades: ou se trata de uma nova ca-mada originária das classes médias tradicionais,distinguindo-se destas últimas pelo domínio deum novo saioir-taire econômico; ou então, tra-ta-se de uma nova camada e, neste caso, a mo-bilidade que está na origem dessa nova camadadeve ser compreendida nos dois sentidos - mo-bilidade vertical para o alto ou para baixo, eímígração ,«

Observada com atenção, a típología maiscompleta das elites industrializadoras é apenasum comentário exaustivo da teoria de Schum-peter, comentário especificado pela referênciafeita ao contexto. Estamo-nos referindo à tipo-logia de Kerr, Dunlop, Harbison e Myers. 4

A idéia dos autores, de buscar a iniciativa damudança não mais na massa dos trabalhado-res, mas nas elites industrializadoras (Theseeds of future, p. 8) refere-se à hipótese de queestas minorias são destinadas à conquista dasociedade através da superioridade dos novosmeios de produção, por elas introduzidos oucontrolados (p. 47). A alusão à teoria de

96 Schumpeter é bastante clara. Além disso, qual-quer que seja o tipo de elite trata-se, para essesautores, de minorias (ver a idéia de distribuiçãonormal do tipo empresarial), minorias que nãopertencem à classe dominante tradícíonal, masa uma subcultura (p. 48) ou a uma minoriareligiosa ou nacional (p. 55) .

De fato, somente o grupo que correspondemais exatamente ao tipo de industrialização daInglaterra e dos Estados Unidos merece ser cha-

. mado pelos autores de middle-classes (cf. nos-sa proposição c). Todavia, a composição da eli-te propriamente dita compreende, essencial-mente, em todos os tipos - middle-classes, in-Revista de Administração de Empresas

telectuais revolucionários, administradores co-loniais, líderes nacionalistas - setores das clas-ses médias ditas tradicionais (p. 50). Só surgeum problema a respeito do quinto tipo: a elitearistocrática (dynastic elite). Não obstante, osautores são forçados, ainda aí, a assinalar queeste tipo de elite compreende uma minoria exis-tente no interior da classe dominante tradicio-nal e, no máximo, as camadas aliadas à elitetradicional, quer dizer, em última análise, asclasses médias tradicionais. Esta minoria é rea-lista e sofre as maiores resistências por parte daelite tradicional (p. 52-5), o que nos leva ao se-gundo e terceiro pontos da articulação entre ateoria de Schumpeter e a teoria sobre as classesmédias modernas.

Realmente, esta teoria é incompleta apesarde suas diferentes formulações porque não levaem consideração o contexto de colonização.Nisto revela-se a sua limitação: em cada tipode colonização dada encontraremos atividadeseconômicas diversas e sistemas de valores par-ticulares associados à origem da industrializa-ção. Na América Latina, tipo de colonização di-ferente daquele que teve lugar nos EstadosUnidos, tanto a burguesia agrária como a bur-guesia financeira ligada à economia de expor-tação estão na origem do processo de industria-lização; esse fato não pode ser explicado pelateoria em questão.

A dificuldade que se encontra na definição doconceito de classes médias é comum a toda ten-tativa de tratar teoricamente um conceito iso-lado. De fato, um conceito é sempre definidodentro de uma teoria. Seu alcance teórico é-lhedado pela sua função dentro da teoria, e nãopor uma correspondência qualquer com um ob-jeto real. Evitaremos estas dificuldades indi-cando inicialmente a teoria na qual o conceitode classes médias pode ganhar sentido. Indi-caremos brevemente os traços essenciais destateoria, a do sistema do subdesenvolvimento. Fa-remos, então, especialmente, alusão ao papelrepresentado pelo Estado, o que nos ajudará adefinir o conceito de classes médias urbanas."

Antes de fazê-lo, é preciso lembrar que a no-ção de "novas classes médias" toma, em WrightMUls,um sentido bem distante daquele das teo-rias sobre as classes médias modernas. ParaMUls,a antiga classe média era composta essen-cialmente de empresários, ao passo que a novaclasse média perdeu toda iniciativa econômica.Neste sentido, sua análise do fenômeno doWhite couars é finalmente bem próxima da que

proporemos aqui. Entretanto, veremos que, seos elementos da análise são os mesmos, a inter-pretação de conjunto é diferente.

1. TIPO DE COLONIZAÇAO E PAPEL DOESTADO

A empresa colonizadora pode ser interpretadacomo um processo de criação e de ampliaçãode um mercado de produtos-mercadorias. (Umamercadoria pode servir ao consumo, à troca e àacumuação, sendo estritamente equivalenteà moeda.) É sob este aspecto que a coloniza-ção nos interessa e também pelo fato de que écontemporânea da industrialização. As formastransitórias de produção econômica que prece-deram a grande indústria - a manufatura, porexemplo - são impensáveis fora de um sistemaeconômico dentro do qual existe um mercadopara mercadorias.

O tipo de organização industrial da produçãopode ser definido em função de dois elementos:

a) o trabalho individual é estritamente inter-cambiável e equivalente a seu valor em moeda;

b) do ponto de vista de sua forma de produ-ção, bem como do seu modo de utilização, osmeios de produção (instrumentos e objeto daprodução) são coletivos.

Este sistema de produção caracteriza-se porsua tendência à hegemonia, isto é, a organiza-ção industrial da produção tende a substítuíra todo e qualquer outro tipo de organizaçãoeconômica:

a) acaparando o mercado;,

b) atraindo para sua engrenagem os produto-res que constituem a mão-de-obra de outros ti-pos de produção;

c) reproduzindo-se cada vez que um novo ob-jeto passa a ser mercadoria, e cada vez que épreciso ou possível tornar um objeto qualquermercadoria.

Esses três modos de reprodução hegemônícado tipo industrial de organização da produçãoformam um sistema que se fecha ao generali-zar-se: cada um desses modos reforça os doisoutros. Nos países de antiga industrializaçãoesses três modos de reprodução operam desde o

início da industrialização, 6 cuja condição pré-via é a expansão do mercado de mercadorias.

O desencadeamento desses três modos de re-produção, dentro de uma sociedade, assegura aosetor industrial desta sociedade um papel pre-dominante sobre os setores não-industriais daeconomia. Entretanto, o papel dominante de-sempenhado pela organização industrial da pro-dução apresenta uma característica comple-mentar: a condição para que a indústria de-sempenhe esse papel dominante sobre os setoresnão-industriais da produção é a dominação doconjunto da economia pelo setor financeiro.

Se definimos a organização industrial comoa utilização de meios coletivos de produção, suacondição de possibilidade é a existência de ummercado de capitais. De fato, a inovação tec-nológica e a inovação organizacional (exigên-cias de qualquer emprego de meios coletivos detrabalho) não são, contudo, suficientes para ainstauração da indústria. É ainda necessárioque se possa dispor, fora do circuito de consu-mo, de mercadorias que são fruto do trabalhocoletivo acumulado. É, portanto, indispensávelum mercado de capitais no qual se encontre afonte para o financiamento das inovações tec-nológicas e organizacionais, isto é, a instala-ção de meios coletivos de trabalho. O setor fi-nanceiro exerce, desse modo, uma função decontrole sobre a utilização da inovação: so-mente a inovação financiada é utilizada; nemtoda inovação é efetivamente industrializada.Em suma, a inovação tecnológica e organizacio-nal, quando assumida sob o modo industrial deprodução, cai sob o controle do setor finan-ceíro."

O tipo de colonização, que é nosso objeto deestudo apresentará variações pertinentes paranossa análise, segundo o modo de reprodução daorganização industrial predominante em cadacaso; entretanto, o papel desempenhado pelo 97setor financeiro será sempre predominante, suacomposição não sendo muito diferente do queMarx descrevia em 1848.8

Um primeiro tipo de colonização é o que secaracteriza por uma competição ao nível domercado. Existe, em cada país colonizado dessemodo, um mercado constituído, e é nesse mer-cado (de especiarias, no sentido primitivo dotermo) que o país colonizador exerce, primeira-mente, seu papel dominante. Acaparar essemercado e desempenhar nele o papel dominanteé um dos modos de reprodução do setor indus-trial do próprio país colonizador.

o papel das classes médias

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A colonização torna-se presente na sociedadecolonizada sem alterar fundamentalmente oconjunto da sociedade; acrescenta dois novossetores econômicos, perfeitamente compatíveiscom a sociedade tal qual ela existe: um setorfinanceiro e um setor de imporl-exporl (oscompradores). Estes setores tendem a se con-fundir entre si e, sobretudo, a confundir-se como setor fínanceíro do país colonizador.

Não se pode esquecer que um setor industrialcomeça a existir e se reproduz acaparando omercado já existente. Entretanto, este setor in-dustrial situa-se alhures, na metrópole.

Este tipo de colonização é característico dasregiões da Asia, onde existiam sociedades capa-zes, no início, de entrar em competição com ocolonizador ao nível do intercâmbio comercial.

Um segundo tipo de colonização é o das re-giões em que não havia mercado constituído,mas que dispunham, ao contrário, de riquezasnaturais, assim como de uma população quepodia ser atraída para a produção de tipo in-âustruü » Estabelece-se aí uma competição aonível da produção. A reprodução do setor indus-trial colonizador faz-se através da mão-de-obrados outros setores de produção existentesno lugar, em geral a agricultura e a pecuá-ria. Este setor industrial faz parte, de fato,da economia do país colonizador. O setorfinanceiro que ai se constitui é igualmente par-te integrante da economia da metrópole. Associedades locais guardam seu tipo próprio deorganização social e sua economia, pelo menosenquanto todos os seus membros não são recru-tados para o setor de produção colonial.

Neste tipo de colonização, as transformaçõesque a região sofre são, ao mesmo tempo, maisfundamentais e mais exteriores se comparadasàs do primeiro tipo. Um setor industrial e finan-ceiro se estabelece in loco, além de uma buro-cracia e um aparelho de Estado. Entretanto, seno primeiro tipo o setor de import-export e osetor financeiro de origem exógena são integra-dos na economia local, só o setor industrialmantém-se ausente. No segundo caso, os seto-res acrescentados à economia local são extrater-ritoriais; a mão-de-obra do setor de produçãocolonial, a burocracia nativa (quando existe)e o aparelho de Estado constituem-se e repro-duzem-se fora das sociedades existentes na re-gião.lo

O terceiro tipo de colonização existe nas re-giões onde um mercado ainda não é constituí-do, nem é possível atrair mão-de-obra autóctoneRevista de Admtni8tração de Empresas

para o setor de produção colonial. Neste caso,toda a organização econômica e social é de umtipo novo, e não é possível a coexistência doscolonizadores com os povos preexistentes. 11

Dois casos bem diferente são, então, possí-veis. No primeiro, as condições de exploração deprodutos coloniais são decisivas: formam-segrandes empresas de exploração colonial com amão-de-obra ímportada.P No segundo caso,quando não existem produtos coloniais, a novasociedade organiza-se a partir dos três modos dereprodução da economia industrial. Apesar dasdessemelhanças culturais que a distinguemda antiga metrópole, é o mesmo tipo de so-ciedade que se reproduz. É o caso de uma partedas colônias da América do Norte; a outra, quese constituiu no Sul e que explorava produtoscoloniais, é representativa do primeiro caso.

Estes dois tipos de economia coexistem noseio dos Estados Unidos, uma reproduzindo-seno interior e a outra, da qual o setor industrialé ausente (a do Sul), reproduzindo-se em fun-ção da antiga metrópole. A solução desse con-flito foi nos Estados Unidos mais precoce e maisradical do que na maior parte dos países sub-desenvolvidos que se depararam com esse tipode problema, por ocasião da crise de 1929: jáem meados do século XIX, a Guerra Civil fezcom que a região exportadora de produtos co-loniais mudasse de interlocutor. A partir daGuerra de Secessão, é o setor industrial do Nor-te e não mais o da metrópole européia quedesempenha o papel dominante sobre a econo-mia do Sul.

O caso das regiões destinadas à exploraçãode produtos coloniais interessa-nos mais parti-cularmente, pois permite revelar certos traçoscomuns a todos os tipos de colonização. 11: o casomais düundido na América Latina: não há, noinício da colonização, nem mercado a acapararnem mão-de-obra para atrair, somente o ter-ceiro modo se reproduz. Metais preciosos e es-tratégicos, couro, açúcar, frutas, constituem aeconomia de ciclos dos primeiros séculos de co-lonização; é a monoprodução, predominantedesde então até hoje.

No início, esta reprodução do tipo industrialde organização da produção faz-se a partir eem função da economia metropolitana. Não seinstaura nenhum mercado nem existe mão-de-obra exterior ao setor que se reproduz (café,açúcar, minas); a reprodução apenas neste mo-do e nestas condições não assegura a consti-

tuição de uma sociedade, mas de um "pedaço"de sociedade, de um único setor econômico. Aanãlise da economia açucareira no Nordestebrasileiro ilustra o processo de formação de umasociedade a partir deste tipo de colonização. Aanálise deste processo de formação mostrará,ademais, o papel estratégico desempenhado peloEstado na criação da sociedade.

Naquela região, a tecnologia da indústria doaçúcar, bem como a exportação eram controla-das pelos portugueses. Mas o financiamento ea comercialização na Europa eram, por sua vez,controlados pelos holandeses. Podemos simpli-ficar o problema desprezando o fato de que ocontrole da importação de mão-de-obra africanaera compartilhado entre os portugueses e os in-gleses. Utilizando capitais holandeses e adqui-rindo, assim, os engenhos, os portugueses orga-nizavam a produção do açúcar na base do tra-balho escravo. O produto era transportado paraLisboa e de lã embarcado em navios holandesesque se ocupavam da comercialização.

Esta operação de transporte entre os portosbrasileiros e o porto de Lisboa é muito mais im-portante do que pode parecer à primeira vista.Assegura à metrópole política a única possibili-dade de desempenhar um papel econômico natotalidade do processo. Sem esta operação, quesimbolizava a soberania portuguesa, a econo-mia açucareira teria passado inteiramente parao controle daqueles que [á detinham o financia-mento e a comercialização - o que de fato nãotardou a acontecer, ainda que por breve pe-ríodo.

De fato, no fim do século XVI e inicio do sé-culo XVII, a coroa de Portugal cai nas mãos deespanhóis e o pacto se rompe: excluidos do jo-go, os holandeses ocupam o Nordeste brasileiroe vêm, assim, a controlar a totalidade das ope-rações da economia açucareira, desde o finan-ciamento até a comercialização. 13

Este fato mostra claramente o papel desem-penhado pela soberania do Estado metropolita-·no neste tipo de colônia; constituir a sociedadea partir de um único setor econômico extrater-ritorial, impedir o controle direto do setor in-dustrial dominante sobre o setor colonial, asse-gurar a existência de uma classe dominante in-terna, eis alguns dos aspectos diferentes de ummesmo papel representado por uma única es-trutura: o aparelho de Estado colonial.

Notemos que este aparelho de Estado era ne-cessãrio aos portugueses porque lhes faltava umsetor financeiro autônomo e não dispunham

de um setor industrial que pudesse dominar areprodução da economia colonial.

O exemplo da invasão holandesa é interessan-te porque o Príncipe de Nassau não chegou aRecife como soberano, mas como .chere de em-presa (Companhia das índias Ocidentais), em-bora com poderes de governo.

2. PAPEL DO ESTADO E CAMADASMÉDIAS URBANAS

Em todos estes tipos de colonização, o Estado éessencialmente intermediário entre a economiacolonial e a sociedade colonizadora. É neeessá-rio, devido à ausência de um setor industrialpredominante in loco. O Estado é a presençadesta ausência. Garante, além disso, que estapresença permanecerá ausente, único meio deassegurar a existência de uma classe dominan-te interna.

A primeira colonização consistia, essencial-mente - do ponto de vista econômico - naexpansão de um mercado de mercadorias. 14 Osprimeiros colonizadores exauriram-se nesta ta-refa. A segunda colonização jã é fruto do im-pulso do setor industrial. Este impulso obrigaos primeiros colonizadores a construir um apa-relho de Estado, e obriga as classes dominantesinternas, no inicio do século XIX, a escolherentre a antiga metrópole (tornada simplesmen-te metrópole politica) e a sua própria sobrevi-vência como classes dominantes internas, do-tando-se de um Estado nacional.

Os movimentos de independência latino-ame-ricanos são, evidentemente, contemporâneos daRevolução Americana e da Revolução Francesa.Não eram os revolucionãrios brasileiros do fimdo século XVII conhecidos como os "france-ses"? Não obstante, não se pode superestimaro papel desempenhado pela influência ideoló-gica liberal-burguesa nos movimentos de inde-pendência. As classes que conduziram o movi-mento de independência na América Latinaeram burguesas no sentido de que sua supre-macia política era assegurada por sua suprema-cia econômica; pelo fato de que seu predomínioeconômico exercia-se no próprio processo deprodução; pela organização do trabalho, sob omodo industrial, por eles imposta nas colônias.Não eram burgueses no sentido de uma popula-ção urbana que se opusesse ao feudalismo; nãoviviam nas cidades (abandonadas ao aparelhode EstadO), e não havia feudalismo a combater.

o papeZ das classes médias

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A ideologia liberal-burguesa que acompanhaos movimentos de independência não era, con-tudo, inteiramente sem propósito, não era ado-tada arbitrariamente. Em primeiro lugar, por-que se tratava de um movimento conduzidopela burguesia (ou melhor, pela fração da bur-guesia existente in loco). Em segundo lugar,porque a forma liberal do Estado nacional, eli-minando o monopólio das antigas metrópolessobre a exportação, reduzia parte dos custos decomercialização dos produtos coloniais, aumen-tando a parte das classes dominantes internasno produto social. Ao mesmo tempo, o impe-rialismo inglês mudava de intermediário (os Es-tados nacionais tomando o lugar dos Estadoscolonizadores) e assegurava a comercializaçãoa partir dos portos coloniais; além disso, en-quanto os Estados nacionais existissem, impe-dia-se aos ingleses de controlar a totalidade doprocesso: a produção propriamente dita ficavasob controle nacional, acrescentava-se um setorfinanceiro, doravante constituído in loco.

Desta forma, desde o início da colonizaçãona América Latina, a constituição de um apa-relho de Estado sui-çeneris é indispensável aofuncionamento do sistema. A originalidade des-te aparelho de Estado vem do fato de que elenão é, ao contrário das colônias inglesas, ema-nação direta da sociedade que comanda o pro-cesso colonial.

Também não é, ao contrário das colônias daAsia, originário da própria sociedade coloniza-da. Os aparelhos de Estado coloniais portuguêse espanhol na América Latina, que se desenvol-veram suficientemente a ponto de se converte-rem em Estados nacionais, foram soluções ori-ginais exigidas pelo tipo particular de economiacolonial que ali se instaurou.

O aparelho de Estado colonial (o setor localdo aparelho de Estado metropolitano) consti-

100 tui-se lá onde pode desempenhar um papel deintermediário, nos portos. Todo o hinterland édeixado ao controle das autoridades naturais,isto é, os dirigentes da produção (seria precisolembrar que a burguesia é a única classe diri-gente cuja autoridade natural provém do fatode organizar e dirigir a produção econômica?) .

Este papel essencialmente exterior dos Esta-dos coloniais e, posteriormente, dos Estados na-cionais latino-americanos produziu muita de-sarticulação no sistema social, o que explica asdificuldades de análise e as aberrações do gêne-ro "sociedades dualisticas", "feudalismo ligadoà exportação de matérias-primas" etc.Revista de Administração de Empresas

o papel político interno representado pelaburguesia, tendo tomado formas semelhantes àclientela, fez pensar num tipo de sociedade feu-dal que teria existido na América Latina, noinício da colonização. Uma pequena burguesiater-se-ia, pouco a pouco, formado com os no-táveis rurais emigrados para os centros de ex-portação, apossando-se do aparelho de Estado;e, favorecida pela crise mundial de 1929, cons-tituindo-se em "modernas classes médias", te-ria iniciado o processo de industrialização. Ascrises políticas, tão características destes países,seriam a confirmação do conflito existente en-tre essa classe modernizadora e as classes feu-dais. Nada é mais clássico, nada é mais falso.

Primeiramente, não há feudalismo nem cli-entela à base de trabalho escravo. A economiafeudal é, por definição, autárquica, e não pode-ria basear-se na exportação maciça nem namonoprodução. O papel econômico desempe-nhado pelas classes feudais é-lhes asseguradopor seu papel político (ou, se se prefere, jurí-dico, religioso, místico; em uma palavra, sim-bólico). Ora, o papel econômico desempenhadopelas burguesias latino-americanas tradicionaisé assegurado por sua função técnica de organi-zadores da produção, e pela apropriação dosmeios de produção. Apenas sua competição (oualiança, o que vem a dar no mesmo) com asclasses industriais e financeiras metropolitanasé que é assegurada por seu papel político, atra-vés dos Estados nacionais. 15

Em segundo lugar, não há notáveis ruraisque emigrem, pouco a pouco para as cidades,pelo menos no período em questão. A coloniza-ção fez-se, na América Latina, a partir do lito-ral que viria a ser, mais tarde, zona urbana.São, ao contrário, os notáveis urbanos (cujafunção é essencialmente ligada ao aparelho deEstado) que emigram para o campo: funcioná-rios de todo tipo, padres, contabilistas; sem fa-lar nos doutores que vão em busca de casamen-to no seio da burguesia rural.

Em terceiro lugar, a população urbana cons-tituiu-se, desde o início, numa população comfunções essencialmente urbanas e jamais foioutra coisa. Aristocratas e pequenos burguesesde origem metropolitana ocupados no aparelhode Estado colonial, reproduziram-se pouco apouco rompendo toda ligação com suas classessociais de origem. Sua reprodução fez-se intei-ramente no interior da burocracia de Estado eda burocracia privada, constituída na época daindependência. Não existe pequena burguesia,

no sentido clássico do termo, no seio da qual asburocracias pudessem recrutar seus efetivos.De fato, o artesanato e a manufatura foramproibidos às colônias na maior parte do períodocolonial. Estas atividades (ou melhor, a partedestas atividades que não deixava de existirpor causa das proibições), bem como o pequenocomércio, eram exercidos por escravos. Padres,tabeliães, burocratas de todos os gêneros, alo-cavam seus escravos (e os alugavam, às vezes)a estas tarefas menos nobres.

A particularidade destas camadas médias ur-banas - tornadas médias em coru;eqüência dacrise das exportações, com a emigração para acidade da mão-de-obra rural e com a industria-lização - é devida a dois fatos distintos, masligados entre si. Já observamos que suas origenssociais, aristocracia e pequena burguesia metro-politana, bem como os burgueses locais arrui-nados perdem a eficácia própria, pois essa po-pulação urbana renova-se no interior de si mes-ma, e não no seio das classes sociais de origem.Ao contrário, nos países colonizadores da época,a burocracia de Estado e a administração pri-vada recrutam-se ainda hoje no seio de classessociais que desempenham, por outro lado, umpapel econômico ou político definido e aindavigente.

A este fato está ligado o segundo: as cama-das médias urbanas da América Latina, en-quanto grupo social com função específica, ja-mais desempenharam papel direto na produçãoeconômica. Seu papel é essencialmente polí-tico, o de produtores políticos do Estado. E, namedida em que é o Estado que nesses paísesconstitui a sociedade a partir de um setor eco-nômico incompleto e não-autônomo, o papelque lhes cabe é, de certa forma, o de produtorespolíticos da sociedade. 16

Não se pode, portanto, esperar que as orien-tações das camadas médias urbanas da Améri-ca Latina sejam da mesma natureza das clas-ses médias americanas ou dos restos de peque-na burguesia européia. Não se pode encontrar,nas camadas médias urbanas da América Lati-na, referência a um modelo próprio de produ-ção econômica. O modelo de produção do cam-ponês de parceria, do pequeno burguês, do tra-balhador industrial podem explicar o tipo dereivindicações e orientações que caracterizamessas classes. Entretanto, no que toca às ca-madas médias urbanas latino-americanas, asreivindicações próprias deste grupo, bem comosua participação nos diferentes movimentos 80-

ciais, não podem ser compreendidas a partir deum modelo de produção, aliás, ausente de suaexperiência. É possível, pelo contrário, compre-endê-lo a partir do papel político que lhes cabe,assim como em função de uma análise de suarelação ao trabalho.

Relação ao trabalho vem a ser um trabalhocoletivo; os meios de trabalho (instrumentos eobjeto) são apropriados coletivamente, tanto doponto de vista técnico como do ponto de vistajurídico (pelo Estado). Desse modo, as reivin-dicações de controle coletivo das atividades doEstado podem perfeitamente aparecer ou seremaceitas sem resistência por este grupo. É, aliás,o que explica a pouca resistência que estas ca-madas opuseram à estatização de boa parte daeconomia, e à política assistencial dos Estadoslatino-americanos, políticas que marcaram osúltimos 40 anos, das quais estas camadas mé-dias (muito mais do que os trabalhadores) be-neficiaram-se em primeiro lugar.

No entanto, sua resistência manifesta-se - enisto as camadas médias aliam-se às classes di-rigentes - quando surge a ameaça, para o Es-tado, de ter que dividir seu poder com as buro-cracias não-estatais (partidos políticos, sindi-catos, etc.). Foi, de fato, o que produziu a ade-são das camadas médias aos movimentos quepuseram fim aos regimes populistas na Argen-tina e no Brasil.

No entanto, na medida em que, na sua expe-riência de trabalho, reconhecem-se como pro-dutores coletivos do Estado, é dificilmente com-preensível de que maneira poderiam surgir rei-vindicações de controle individual da produçãoeconômica. A ausência de tais orientações e rei-vindicações no meio das camadas médias urba-nas não deveria, portanto, ter provocado tantoespanto em tantos economistas e sociólogos dodesenvolvimento.

Pelo contrário, o papel político desempenha- 101do por estes grupos na construção do Estado eda sociedade pode explicar suas orientaçõespara o desenvolvimento. Realmente, durante acrise da economia de exportação, o Estado viu-se obrigado a desempenhar a fundo seu papelde intermediário. Passa a ser, assim, o úniconegociador da crise face às classes dominantesdo exterior, assumindo pela primeira vez umpapel econômico e político interno.

Os efeitos da crise fazem-se sentir, sobretudo,de duas maneiras: emigração maciça da mão-de-obra rural e impossibilidade de satisfazeràs importações que constituíam o essencial do

o papel das classes médias

mercado urbano. Abandonado a si mesmo, oprocesso só poderia conduzir a duas saídas. Omercado urbano, inflado pela chegada maciçade trabalhadores rurais, esgotaria até o últimotostão das rendas da exportação, dada a "dete-rioração dos preços'";" A economia de expor-tação tenderia a desaparecer, na medida em quetodas as suas rendas teriam de ser destinadasao mercado urbano; com ela desapareceria omercado urbano, à míngua de rendas (ligadas,como se sabe, à exportação) .

A segunda saída seria o abandono do merca-do urbano à sua própria sorte. Entretanto, istonão estancaria a decadência do setor de expor-tação. A população urbana cresceria aindamais, e não se sabe qual seria o resultado damistura explosiva de uma população urbanaprivada de seu consumo, com uma populaçãoimigrada procurando trabalho inexistente. Ora,o controle dos portos, das cidades, era o trunfoprincipal das classes ligadas à exportação. Dessemodo, mesmo se supusermos que as classes ur-banas, tendo mantido o controle do aparelhode Estado, não tentassem desviar a crise em seupróprio proveito, a liquidação das classes liga-das à exportação seria certa e próxima: sem aproteção do aparelho do Estado, a economia deexportação cairia, cedo ou tarde, sob o controledireto das metrópoles industrializadas. 18

Na verdade, o Estado manteve seu papel deintermediário e negociou junto aos interlocuto-res externos as soluções da crise (Argentina,Brasil, México), ou puseram-se a fazê-lo nos úl-timos 10 anos (Chile, Peru). Esta negociaçãoconsistiu essencialmente no seguinte: expro-priação de uma parte das rendas do setor de ex-portação, financiamento de um setor industriallocal, bloqueio das importações e manutençãodo mercado interno, graças à inflação. 19

Este projeto de desenvolvimento e de liquida-102 ção dos resíduos da colonização (conhecido, des-

de os anos 50 como desenvolvimentismo) be-neficia, em primeiro lugar, o novo setor indus-trial. Por esta razão é a este grupo que se atri-bui, geralmente, a iniciativa do projeto. A difi-culdade está em que este grupo não existia ain-da enquanto fração de classe autônoma, e for-mou-se, de fato, no processo de realização deum projeto que o precede. Além do mais, ogrupo social industrializador - com exceçãodos que tiveram origem na própria burocraciade Estado, que são, portanto, posteriores à ini-ciativa estatal em matéria de industrialização- é originário do setor de exportação e man-Revista de Administração de Empresas

têm-se, em todo caso, ligado ao mesmo setorfinanceiro. 20 Nesse caso, ou este grupo ganhauma autonomia com relação à sua classe de ori-gem e torna-se uma fração de classe - mas, nes-sa hipótese, não se pode comprender a falta pe-culiar de autonomia interna das burguesias in-dustriais latino-americanas, nem sua aliançaprivilegiada contínua com as burguesias tradi-cionais - ou então, a burguesia industrial nãotem nenhuma autonomia com relação à bur-guesia tradicional - mas, neste caso, não sepode compreender os conflitos que opuseramo Estado desenvolvimentista às burguesias tra-dicionais, conflitos que constituem o pano defundo da fase populista do desenvolvimento la-tino-americano.

A solução encontrada para superar estas ex-plicações contraditórias consiste na distinçãoentre, de um lado, a burguesia industrial, à qualfaltaria uma consciência de classe e, do outro,os ídeólogos da burguesia índustríal .» De ondevêm estes ídeólogos - essencialmente os polí-ticos e altos funcionários que forjaram o pro-jeto desenvolvimentista e conduziram o mo-vimento populista? Já eram ideólogos das bur-guesias tradicionais? Então, de que maneirase "reciclaram"? Se não o eram, como então seconstituíram, arautos de uma classe ainda ine-xistente?

Pode-se introduzir novas hipóteses se, aocontrário, for possível interpretar o papel dascamadas médias urbanas de acordo com suafunção política, tendo-se em conta a relativaautonomia do aparelho de Estado com relaçãoà classe dirigente. É a este grupo, relativamen-te autônomo com relação à burguesia tradicio-nal, que cabe a iniciativa do desenvolvimento.Ele consegue dar ao Estado a iniciativa e opredomínio no setor índustríal,» se bem que oprojeto desenvolvimentista se proponha expres-samente a favorecer a iniciativa privada. Acriação de um setor industrial privado - em-bora de constituição bem fraca - provoca ailusão da existência de uma burguesia indus-trial nacional, que teria tomado a frente nacoalizão populista.

Na verdade, essa coalizão pode ser interpreta-da como uma aliança entre as classes urbanas:camadas médias e trabalhadores rurais trans-formados ou se transformando em operários.Tal coalizão exerce a supremacia política, o quepermite ao mesmo tempo equilibrar a supre-macia econômica da burguesia agrária, e ga-

rantir a sobrevivência de um setor industrial,pelo menos em um primeiro momento.

A lógica do populismo deveria conduzir à ex-propriação progressiva do setor de exportação, eà extensão do mercado industrial ao campo. Aanálise do programa chamado de reformas debase do último dos governos populistas - ode João Goulart no Brasil- mostra exatamenteestas tendências. Ora, os beneficiários diretosdesta política seriam, em primeiro lugar, os se-tores industriais nacionais. Se se faz a hipótesede que a coalizão populista era dirigida pelaburguesia industrial nacional, ou por seusarautos, não se pode compreender por que elespropõem e ao mesmo tempo recusam uma polí-tica concebida de acordo com seus próprios in-teresses.

Se, ao contrário, interpreta-se o populísmocomo uma coalizão dirigida pelas camadas mé-dias urbanas, pode-se compreender seu fracas-so. Incapaz de definir um modelo próprio deprodução sobre o qual pudesse basear seu pro-jeto societal, este grupo crê estar a serviço deuma classe imaginária, quando, na verdade,cria uma espécie de capitalismo de Estado.

De fato, a industrialização progressiva bene-ficiava, secundariamente, as camadas médias eo operariado urbano e, a longo prazo, os traba-lhadores rurais. Significava também uma auto-nomia crescente e uma mobilização cada vezmaior do movimento operário. É a importânciacrescente do setor operário na coalizão popu-lista e a ameaça de mobilização das massas ru-rais que provocam a queda da coalizão, e nãoa ênfase posta na industrialização. 23 Na verda-de, com o fim do populismo a industrializaçãonão estancou, mas foi acelerada; e mesmo astendências à estatização da economia mantive-ram-se constantes ou se aguçaram. A mudançaradical repercutiu sobretudo no estado de mobi-lização e de agitação das classes urbanas. Seexcluímos as conseqüências da opção por umaexpansão industrial baseada na diversificaçãodo mercado urbano - que não é objeto desteestudo - a earacterístíca principal dos regimespós-populístas seria a de vetar qualquer tenta-tiva de recondução de uma coalizão de tipo po-pulista e, em geral, de qualquer aliança basea-da na mobilização e na agitação das classes ur-banas, provando assim que as classes dirigentespodem manter o ritmo de expansão industrialsem serem forçadas a mobilizar as massas ur-banas para neutralizar a burguesia agrária; oque, de certo modo, põe em questão a idéia que

está por trás de todas as interpretações do po-pulísmo ,

Se a insuficiência de um conceito forjadopara explicar o desenvolvimento, revela-se nasua impossibilidade de desempenhar o papelque se lhe atribui, é no contexto do desenvolvi-mento que é necessário experimentar todo novoconceito destinado a substituir o primeiro. Porisso fomos levados a basear-nos, ao mesmo tem-po, na teoria do subdesenvolvimento e, especial-mente, no papel desempenhado pelo Estado nospaíses subdesenvolvidos. A análise que efetua-mos, desse duplo ponto de vista, mostrou-nosporque é impossível dar um conteúdo rigorosoao conceito de "classes médias modernas", senos contentamos em comentar as hipóteses le-vantadas a propósito da pequena burguesia ouda burguesia industrial.

Atribuir um conteúdo rigoroso ao conceito declasses médias modernas exige que se definaa relação ao trabalho predominante no seio dasnovas camadas urbanas. No caso latino-ameri-cano, vimos que essa relação ao trabalho nãopode ser compreendida fora de uma organiza-ção social do trabalho de tipo industrial. Emoutras palavras, estas camadas médias são in-corporadas a uma organização do trabalho naqual objeto e instrumento de produção são co-letivos e em que o trabalho é quantitativamen-te intercambiável. 24

Se é verdade que as reivindicações de umacategoria social relevam da relação ao traba-lho predominante no seio dessa população, éteoricamente inconcebível interpretar as rei-vindicações e condutas das camadas médias ur-banas - em uma palavra, sua ação - nosmesmos termos em que se interpretam reivin-dicações e condutas da pequena burguesia oude camponeses de parceria. Todavia, não é su-ficiente definir a relação ao trabalho para com-preender o conjunto de reivindicações de uma 103categoria social. É ainda necessário saber o lu-gar onde se realiza esta relação ao trabalho (emnosso caso: o aparelho de Estado) assim comosua função societal (em nosso caso: a produçãopolítica da sociedade). Mais ainda, se o con-ceito de "classes médias modernas", tal qual odefinimos no início deste trabalho, recobre defato uma teoria, é impossível substituí-lo porum conceito isolado: é necessário pensar estenovo conceito num novo quadro teórico.

Em todas as sociedades desenvolvidas, cama-das cada vez mais numerosas da população in-corporam-se a uma organização social do tra-

o papeZ das cZasses médias

balho de tipo industrial. 26 As novas orientaçõesdestas camadas sociais vão depender, não so-mente dessa nova relação ao trabalho, mastambém do lugar onde ela se exerce. Desse mo-do, é preciso distinguir:

a) os setores onde o novo modo de organiza-ção da produção substitui um outro (por exem-plo, a industrialização tardia da agricultura eu-ropéia) ;

b) os setores em que antes predominavaminstituições consideradas não-produtivas (auniversidade em geral e a pesquisa científicaem particular; os lazeres) :

c) os setores criados aparentemente ex-nihilopela sociedade pós-indusrial (a informática, aengenharia ambiental etc.) ; 26

d) os setores precocemente incorporados à or-ganização industrial do trabalho e tardiamen-te incorporados à produção econômica (o casodas camadas médias urbanas da América La-tina) .

Em cada um desses casos, a relação ao tra-balho que define as novas classes médias é con-dição necessária mas não suficiente para ex-plicar o conjunto de novas orientações e reivin-dicações. Por exemplo, no caso da universidade,parece evidente que as novas orientações encon-traram grandes dificuldades para exprimir-seem um meio ainda marcado pela antiga rela-ção ao trabalho. A simultaneidade de tipos derelação ao trabalho encontrada hoje em todainstituição universitária, torna possível, entreoutras coisas, a expressão das novas reivindica-ções nos termos das antigas orientações. Refe-'rmdo-nos ao movimento de maio de 68 em Pa-

104 ris. e aos movimentos que abalaram as univer-sidades européias, observamos que raramenteos novos trabalhadores intelectuais reivindica-ram um controle da jornada de trabalho ou daprópria qualificação, mas reclamasão a manu-tenção de seu "papel crítico". Este papel crí-tico, no entanto, nada mais é do que o subpro-duto da antiga relação ao trabalho, e a univer-sidade não se encontra mais em condições deassegurá-lo, já que é cada vez menos uma ins-tituição guardiã de valores e cada vez mais umconjunto de empresas produtoras de valores(mercantis) .

Revista de Administração de Empresas

Outro exemplo da especificidade do setor emque se instaura a nova relação ao trabalho é ocaso das camadas médias urbanas latino-ame-ricanas. Sua incorporação precoce na organiza-ção de tipo industrial poupa-lhes a simultanei-dade de diferentes relações ao trabalho. Isto ex-plica, em parte, a homogeneidade das orienta-ções desenvolvimentistas que tornaram possívela coalizão populista. Além disso, sua incorpo-ração tardia no domínio da produção econômi-ca poupa-lhes o processo de diferenciação pelonível de renda, diferenciação que, nos países de-senvolvidos, encobre a identidade entre a rela-ção ao trabalho das "novas" classes médias eda "antiga" classe operária.

De qualquer maneira, é a relação ao traba-lho que desempenha o papel decisivo na deter-minação das orientações de uma categoria so-cial. A incorporação progressiva e maciça dascamadas não-operárias na organização indus-trial do trabalho tenderá a provocar a conjun-ção das orientações e reivindicações, qualquerque seja o setor. E essas orientações, certamen-te, não serão as mesmas da pequena burguesia.

O1 ~ necessário acrescentar uma dificuldade suple-mentar. O tipo de atividade econômica de um setorda população seria outra coisa que não o papel eco-nômico por ela desempenhado? Em outras palavras,é o tipo de atividade econômica das classes médiasmodernas outra coisa do que seu papel empresarial?De fato, um dos elementos do explanandum encontra-se, também, no explanans, o que certos teóricos es-truturalistas chamam de papel especular de um ele-mento teórico.

2 Schumpeter, J. A. The theory 01 economic deve-lopment. Cambridge, Mass., Havard University Press,1955,p. 61-3. Todas as referências à teoria de Schum-peter provêm desta obra; indicaremos, daqui por di-ante, a página entre parênteses.

3 Lipset apresenta um excelente resumo das teoriasque ligam a existência de uma camada que detém omonopólio da iniciativa econômica à heterogeneidadecultural provocada pela imigração. Lipset, S.M. Eli-tes, education and entrepreneurship in Latín Ameri-ca. In: Lipset, S.M. & Solari, A. (eds.) . Elites in La-tin America. N. York, Oxford university press, 1967.4 Industrialism and industrial mano Londres, Heine-mann, 1962. Os números entre parênteses indicam apágina e referem-se todos a esta edição.

5 Trata-se do conceito de classes médias urbanas nosistema do subdesenvolvimento. ~ aqui, aliàs, que oconceito pode ter uma utilidade qualquer na explica-ção do processo de industrialização. Nas sociedadesindustriais e pós-industriais, as classes médias mo-dernas têm outra origem ou, mesmo, desempenhamoutro papel.

6 Um ou outro desses modos pode, perfeitamente,desempenhar, em dado momento, um papel domi-nante: a industrialização da produção científica & atransformação, em mercadoria, dos lazeres (e, bre-vemente, do próprio ar que respiramos), são exem-plos do terceiro modo de reprodução que parece de-sempenhar papel determinante nas sociedades indus-triais de hoj e .

7 O papel dominante desempenhado pelo setor fi-nanceiro não caracteriza, a nosso ver, uma simplesfase do sistema de produção de tipo industrial. Asobservações seguintes, de Marx, referem-se à primei-ra metade do século XIX: "Não era a burguesia quereinava sob Louis-philippe, mas uma fração da mes-ma: banqueiros, reis da Bolsa, reis da estrada de fer-ro, proprietários de minas de carvão e de ferro, pro-prietários de florestas, e a parte da propriedadefundiária a eles ligada ( ... ). A burguesia industrialpropriamente dita, fazia parte da oposição oficial" ...Marx, K. As lutas de classe na França WI48-1850).Tradução francesa, paris, Ed. Sociales, 1967, p. 38.

8 Ver a nota precedente.

9 De tipo industrial: o país colonizado instaura umtipo de produção que utiliza a organização coletivado trabalho, e meios coletivos de produção; trata-setanto de minas como de plantations.

10 Cf. Coquéry-Vidrovitch, C. De l'impérialisme brí-tannique à l'impérialisme contemporain, In: L'Hom-me et la Société, n. 18, p. 61-90, 1970.

11 Estes são caçados e exterminados quando se re-vela a impossibilidade de utilização de sua mão-de-obra. Um novo tipo de sociedade se cria no vazio dei-xado pelas sociedades autóctones, ou às suas fron-teiras. As seguintes observações de Marx são parti-cularmente esclarecedoras a este respeito: "Na pessoado escravo, o instrumento de produção é diretamentepilhado. porém, a produção do país em cujo proveitoo instrumento é tomado, deve ser organizada de ma-neira a permitir o trabalho escravo ou (como na Amé-rica do Sul, etc.> é necessário que se crie um modode produção conforme à escravidão" (grifo nosso).Marx, K. Introdução à crítica da economia política.Contribuições à crítica da economia política. Tradu-ção francesa, Paris, Ed. Sociales, 1957, p. 162-3.

12 O tipo de atividade agrícola de certas sociedadesafricanas era perfeitamente compatível com a inte-gração de sua mão-de-obra na produção colonial. Osindíos americanos, com exceção das grandes civiliza-ções pré-colombianas, pelo contrário, desenvolviamtipos de atividade econômica incompatíveis com otrabalho escravo ou livre, tais como as metrópoles aío instauraram. A mão-de-obra devia, portanto, serimportada.

13 Desde então, outras companhias das índias re-fizeram, pelas mesmas razões, a mesma operação mi-litar e econômica na América Latina. A partir do sé-culo XIX, entretanto, uma classe dominante internajá constituída impedia estes grupos econômicos degerenciar, ao mesmo tempo, a sociedade e a econo-

mia colonial. Nestes casos mais recentes o aparelhode Estado interno deve ser mantido e se é obrigadoa recorrer ao golpe de Estado (América Latina) ouentão, à secessão (Africa).

14 Ver, a esse respeito, Ch. Palloix, em seu artigopublicado em L'Homme et la Société, n. 15,p. 103-38,'1970, especialmente o resumo das teses, p. 135-6.

15 De outra maneira, o caudilhismo posterior à inde-pendência não teria nenhum sentido. por que senho-res feudais lutariam para adquirir O controle do apa-relho de Estado, deixando, ao contrário, o poder realnas mãos dos senhores locais? Na verdade, não é dacompetência do Estado o poder político interno, massim, a função de intermediário e o controle da ex-portação. Sem exercer nenhum controle econômicoou político sobre a produção, os caudilhos e os gru-pos que lhes eram ligados obtinha o direito de de-sempenhar, através do aparelho de Estado, um papeleconômico fundamental.

16 Quanto à função não-econômica das camadasmédias na América Latina, ver weffort, F. C. Le po-pulisme dans la politique brésiliense. In: Le TempsModernes, n. 257, p. 624-49, 1967, especialmente p,629; ver, também, do mesmo autor, Classes popularese política. Tese de doutoramento, São Paulo, FFL,USP, 1968, p. 45 e sego mímeogr.; e Duarte, N. A or-dem privada e a organização política nacional. SãoPaulo, Cia. Editora Nacional, 1966.

17 Esta expressão é utilizada aqui num sestído não-teórico; admitimos que ela desloca o problema dadesigualdade do intercâmbio e seguimos, neste casoparticular, as teses introduzidas por Ch. palloix emseu artigo: La question de l'échange inégal - unecritique de l'économie politique. In: L'Homme et lasociété, n. 18, p. 5-33, 1970.

18 Este caso não é pura hipótese: nos países ondea solução de industrialização não pôde ser tentada, asclasses dominantes internas desapareceram ou foramobrigadas a dividir o essencial de suas tarefas comgrandes companhias estrangeiras. A América Centralnos dá numerosos exemplos semelhantes.

19 Cf. Furtado, Celso. Dialética do desenvolvimento.Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1964; ver tambémMartins, L. L'épuisement d'un modele de changement 105social: la crise du développementisme au Brésil. In:Balandier, G. (ed.) . Sociologie des mutations. Paris,Anthropos, 1970, p. 451-62.

20 Cf. Cardoso, F. H. Empresário industrial e desen-volvimento industrial no Brasil. Rio de Janeiro, Ins-tituto de Ciências Sociais, UFRJ, 1966.

21 Cf. Cardoso, F. H. Entrepreneurial elites. In: Lip-set, S.M. & Solari, A. (eds.) . Elites in Latin America,N. York, Oxford University Press, 1967.

22 Ainda hoje, apesar das tentativas conscientes emcontrário, num país como o Brasil, o Estado está naorigem de mais da metade dos investimentos indus-triais.

o papel das classes médias

23 Sobre o novo caráter tomado pela crise, ver Wef-fort, F. C. op. cito 1968; a propósito da homogenei-dade da nova coalizão,ver Las Casas, R. D. de. L'Etatautoritaire - essai sur Ies formes actuelles de domi-nation impérialiste. In: L'Homme et la Société, n.18,p. 99-111,1970.

24 Apesar de utilizar termos diferentes, cremos quea análise de C. W. Mills leva a estas conclusões. Cf.White collares. Tradução francesa: Maspero, Paris,1966,passim.

25 Certos autores chamam "sociedade pós-indus-trial" o conjunto deste processo, chamando a atençãopara aspectos - no entanto, secundários - desta in-corporação maciça da mão-de-obra na organizaçãode tipo industrial, tais como o papel predominante dainformação, o caráter intelectual do trabalho, etc.

26 Se pensamos nos sátrapas (olhos e ouvidosdo rei),constatamos que o tratamento da informação não étão recente quanto se pretende. O que é novo é atransformação do seu resultado em mercadoria.

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