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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA DOUTORADO EM MÚSICA O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS RIO DE JANEIRO, 2013

O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

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Page 1: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

DOUTORADO EM MÚSICA

O GESTO VOCAL EM MÚSICA

WILLA SOANNE MARTINS

RIO DE JANEIRO, 2013

Page 2: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

O GESTO VOCAL EM MÚSICA

por

WILLA SOANNE MARTINS

Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação

em Música do Centro de Letras e Artes da

Universidade Federal do Estado do Rio de

Janeiro, como requisito parcial para a obtenção

do título de Doutor, sob a orientação do Professor

Doutor Sérgio Azra Barrenechea

Rio de Janeiro, 2013

Page 3: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

Martins, Willa Soanne.

M386 O gesto vocal em música / Willa Soanne Martins, 2013.

141f. ; 30 cm + CD-ROM

Orientador: Sérgio Azra Barrenechea.

Tese (Doutorado em Música) – Universidade Federal do Estado do Rio

de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.

1. Berio, Luciano, 1925-2003 – Sequenza III. 2. Canto. 3. Gesto vocal.

I. Barrenechea, Sérgio Azra. II. Universidade Federal do Estado do Rio de

Janeiro. Centro de Letras e Artes. Curso de Doutorado em Música. III. Título.

CDD – 783

Page 4: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS
Page 5: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

À Esmeralda Rosa

(in memoriam)

Page 6: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

AGRADECIMENTOS

À Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e ao Programa de Pós-Graduação

em Música.

À Capes pela concessão de bolsa de estudo de o apoio à pesquisa.

A todos os Professores Doutores do Programa de Pós-Graduação em Música que

fizeram parte da minha trajetória acadêmica, em especial ao meu orientador Sérgio

Barrenechea e também Mirna Rubim, Clayton Vetromilla, José Nunes Fernandes, Martha

Ulhôa, Marcos Vieira Lucas e Marco Tulio. Aos funcionários da secretaria, principalmente ao

Sr. Aristides Domingos Filho.

Aos professores da Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro Pauxy

Gentil-Nunes, Marcos Vinicio Nogueira, Leonardo Fuks e Rodrigo Cicchelli.

Ao apoio dos amigos e especialmente à colaboração de Daniela Ferrari e Gisele

Abrantes.

Ao meu pai Kallikrates Martins, à minha mãe Sonia Brandão e ao meu marido

Marcelo Palhares.

Page 7: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

“Algo sem significado não faz qualquer sentido,

mas algo que não faz qualquer sentido pode ser significativo ”

Luciano Berio

Page 8: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

RESUMO

MARTINS, Willa Soanne. O Gesto Vocal em Música. 2012. Tese de Doutorado (Doutorado

em Música) – Programa de Pós-Graduação em Música, Centro de Letras e Artes,

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

Propõe-se nesta tese uma investigação a cerca do gesto vocal no âmbito da música,

principalmente no repertório de música contemporânea, tendo-se chegado a uma definição

através das considerações do compositor Luciano Berio e dos autores Wilhelm Wundt e

George Herbert Mead da psicolinguística. A partir da conceituação do termo gesto vocal,

pode-se averiguar também no teatro e na poesia aproximações deste conceito com a expressão

vocal dos artistas do século XX. A fim de demonstrar-se a correlação entre gesto vocal e

expressão vocal, foi feita uma análise descritiva de gestos vocais na obra Sequenza III para

voz solo feminina de Luciano Berio, baseada na teoria de classificação de emoção do

psicólogo Robert Plutchik.

Palavras-chave: Canto. Gesto Vocal. Luciano Berio. Sequenza III.

Page 9: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

ABSTRACT

MARTINS, Willa Soanne. The Vocal Gesture in Music. Doctoral Thesis (Doutorado em

Música) – Programa de Pós-Graduação em Música, Centro de Letras e Artes, Universidade

Federal do Estado do Rio de Janeiro.

It is proposed in this thesis an investigation about the vocal gesture in the context of

music, mainly in contemporary music, bringing a definition through considerations by

composer Luciano Berio and authors Wilhelm Wundt and George Herbert Mead from

psycholinguistics. Subsequently, it is possible to observe similar occurrences of this very

concept in theatre and poetry, through the vocal expressions of the 20th Century artists. In

order to demonstrate the correlation between vocal gesture and vocal expression, a descriptive

analysis of the vocal gestures is presented through Sequenza III for solo female voice by

Luciano Berio, based on the theory of emotion classification by the psychologist Robert

Plutchik.

Key-words: Singing. Vocal Gesture. Luciano Berio. Sequenza III.

Page 10: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

RÉSUMÉ

MARTINS, Willa Soanne. Le Geste Vocal en musique. 2012. Tese (Doctorat em Musique) –

Programe de Pós-Graduação em Música, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do

Estado do Rio de Janeiro.

Il est proposé en cette thèse une investigation sur le geste vocal dans le contexte de la

musique, surtout celle concernant a la production XX siècle, après une définition par des

considérations de compositeur Luciano Berio et des auteurs de la psycholinguistique Wilhelm

Wundt et George Herbert Mead. Aprés la définition du terme geste vocal, on trouve des

rapproche de ce concept dans le théâtre et la poésie avec l´expression vocale des artistes du

XX siècle. Afin de démontrer la corrélation entre le geste vocal et l'expression vocale, une

analyse descriptive des gestes vocaux dans le travail Sequenza III pour voix solo féminin

Luciano Berio est demontrée, basée sur la théorie de la classification de l'émotion

psychologue Robert Plutchik.

Mots-clé: Chante. Geste Vocal. Luciano Berio. Sequenza III.

Page 11: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................15

1. Formulação do problema...................................................................................15

2. Objetivos, delimitação e relevância...................................................................17

3. Referencial teórico.............................................................................................18

4. Metodologia e organização da tese....................................................................19

CAPÍTULO 1. CONCEITUAÇÃO DO GESTO VOCAL A PARTIR DA

PSCIOLINGUÍSTICA....................................................................................21

1.1 A psicolinguística..............................................................................................21

1.2 O gesto vocal segundo a psicolinguística..........................................................23

1.3 Gesto Vocal e música contemporânea..............................................................28

CAPÍTULO 2. DECLARAÇÕES DE LUCIANO BERIO ACERCA DO GESTO VOCAL.33

2.1 Comentários acerca das declarações de Luciano Berio ....................................33

2.2 Sequenza III e o gesto vocal...............................................................................35

CAPÍTULO 3. GESTO VOCAL E APROXIMAÇÕES COM O TEATRO E A POESIA......45

3.1 Teatro.................................................................................................................45

3.2 Poesia.................................................................................................................51

CAPÍTULO 4. ANÁLISE DESCRITIVA DE GESTOS VOCAIS NA OBRA SEQUENZA III

DE LUCIANO BERIO ..................................................................................67

4.1 Gesto vocal e emoção.............................................................................................67

4.2 Análise dos comportamentos vocais e padrões de emoção através da Roda das

Emoções de Plutchik..............................................................................................69

4.3 Classificações das emoções referentes às expressões de Sequenza III a partir do

modelo da Roda das Emoções de Plutchik.............................................................79

4.4 Gesto Vocal de Sequenza III e Emoções................................................................81

4.4.1 Emoções básicas........................................................................81

4.4.2 Díades primárias........................................................................94

4.4.3 Díades secundárias.....................................................................99

4.4.4 Díades ternárias........................................................................100

4.5 Comportamentos vocais.......................................................................................107

4.6 Padrões de emoção ..............................................................................................112

4.7 Conclusão.............................................................................................................116

CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................123

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................125

ANEXO 1. Partitura de Sequenza III de Luciano Berio (1966) ............................................131

ANEXO 2. Cd com a gravação de Sequenza III de Luciano Berio.......................................141

Page 12: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1. Parte da bula da partitura Sequenza III de Luciano Berio....................................41

FIGURA 2. Parte da bula da partitura Sequenza III de Luciano Berio ...................................41

FIGURA 3. Expressão de emoções, sorriso natural x sorriso “galvanizado”, de Darwin.........69

FIGURA 4. Teoria da estrutura de personalidade de Galen-Wundt........................................70

FIGURA 5. Micro expressões faciais......................................................................................72

FIGURA 6. Expressões de “agressividade” e “medo” num gato............................................73

FIGURA 7. Esfera de Cores de Wundt.....................................................................................75

FIGURA 8. Representação esquemática da Esfera de Cores de Wundt...................................75

FIGURA 9. Modelo em 3D da Roda das Emoções de Plutchik..............................................76

FIGURA 10. Modelo bidimensional da Roda das Emoções de Plutchik................................ 76

FIGURA 11. Rodas das Emoções de Plutchik com díades primárias..........................................77

FIGURA 12. Roda das Emoções de Plutchik ilustrada ...........................................................78

FIGURA 13. Símbolos de explosão de riso (bursts of laughter)............................................108

FIGURA 14. Gráfico de cores das emoções da partitura de Sequenza III, página 1..............119

FIGURA 15. Gráfico de cores das emoções da partitura de Sequenza III, página 2..............120

FIGURA 16. Gráfico de cores das emoções da partitura de Sequenza III, página 3..............121

Page 13: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

LISTA DE EXEMPLOS MUSICAIS

EXEMPLO MUSICAL 1. Cavatina Quel guardo il cavalieri, da ópera Don Pasquale, G.

Donizetti, compasso 28.............................................................................................................32

EXEMPLO MUSICAL 2. Sequenza III de Luciano Berio, trecho inicial do 1º.

Sistema......................................................................................................................................38

EXEMPLO MUSICAL 3. Dois momentos musicais extraídos de Sequenza III para voz solo

de Luciano Berio.....................................................................................................................40

EXEMPLO MUSICAL 4. Sequenza III para voz solo de Luciano Berio, p.1, fragmento

extraído do 3º.sistema.............................................................................................................42

EXEMPLO MUSICAL 5. Pierrot Lunaire. Trecho inicial da partitura da canção no. 7 de Pierrot

Lunaire “Der kranke Mon”, “A Lua Doente”, tradução de Augusto de Campos..................................53

EXEMPLO MUSICAL 6. Riso aberto ..................................................................................109

EXEMPLO MUSICAL 7. riso tenso, riso nervoso e frenética.............................................110

EXEMPLO MUSICAL 8. Sequência de risotenso, urgente, riso tenso, urgente e

aliviada....................................................................................................................................110

EXEMPLO MUSICAL 9. Tensa murmurando..................................................................... 111

EXEMPLO MUSICAL 10. murmurando...............................................................................111

EXEMPLO MUSICAL 11. gemendo ....................................................................................111

EXEMPLO MUSICAL 12. ecoando .....................................................................................112

EXEMPLO MUSICAL 13. frenética .....................................................................................113

EXEMPLO MUSICAL14. tensa ..........................................................................................113

EXEMPLO MUSICAL 15. serena.........................................................................................113

EXEMPLO MUSICAL 16. desmaiando................................................................................113

EXEMPLO MUSICAL 17. amável........................................................................................114

EXEMPLO MUSICAL 18. lânguida ....................................................................................114

EXEMPLO. MUSICAL 19. sonhadora com vogal a.............................................................114

EXEMPLO MUSICAL 20. sonhadora com vogal a..............................................................114

EXEMPLO MUSICAL 21. sonhadora e distante..................................................................114

Page 14: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

EXEMPLO MUSICAL 22. aliviada.......................................................................................115

EXEMPLO MUSICAL 23. muito tensa e extremamente tensa..............................................115

EXEMPLO MUSICAL 24. muito tensa e extremamente tensa..............................................115

EXEMPLO. MUSICAL 25. distante......................................................................................116

EXEMPLO MUSICAL 26. impassível ..................................................................................116

Page 15: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1. Comportamentos vocais e padrões de emoção com tradução.............................68

QUADRO 2. Formação de díades, emoções opostas e suas cores...........................................79

QUADRO 3. Níveis emoções e comportamentos vocais e padrões de emoção.......................80

QUADRO 4. Extasia- Alegria – Serenidade ............................................................................82

QUADRO 5. Angústia – Tristeza – Pensativo..........................................................................85

QUADRO 6. Terror – Medo - Apreensão.................................................................................88

QUADRO 7. Assombro - Surpresa – Distração.......................................................................90

QUADRO 8. Vigilância – Expectativa – Interesse...................................................................92

QUADRO 9. Amor ..................................................................................................................94

QUADRO 10. Submissão ........................................................................................................96

QUADRO 11. Remorso ...........................................................................................................97

QUADRO 12. Otimismo ..........................................................................................................99

QUADRO 13. Desespero .........................................................................................................99

QUADRO 14. Orgullho..........................................................................................................100

QUADRO 15. Aliviada...........................................................................................................100

QUADRO 16. Resignação .....................................................................................................101

QUADRO 17. Vergonha.........................................................................................................102

QUADRO 18. Ansiedade........................................................................................................103

QUADRO 19. Morbidez ........................................................................................................107

Page 16: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

15

INTRODUÇÃO

1. Formulação do problema

A compreensão diferenciada de cada estilo de época para que se interprete o repertório

de acordo com suas especificidades estéticas é uma prática comum aos intérpretes

profissionais da música de concerto. Na interpretação do repertório vocal costuma-se levar em

consideração os diferentes aspectos referentes ao período histórico da obra, tais como a

presença ou não de vibrato, forma de execução dos ornamentos, presença ou não de

portamento, dicção com mais ou menos articulação, ou seja, elementos que influenciem no

resultado estético da emissão vocal. No caso do repertório da música contemporânea -

denominação normalmente utilizada para se referir às composições experimentais do século

XX e XXI, desenvolvidas principalmente pelos integrantes da escola de Darmstadt – por ter

uma estética inovadora e ainda em constante desenvolvimento, é considerado mais trabalhoso

e complexo no que se refere à interpretação e compreensão.

1Historicamente, a música contemporânea tem sido considerada por muitos

cantores, ter uma linguagem musical de difícil entendimento e que coloca

exigências irrealistas sobre a voz. (...) Isso pode ter ocorrido porque cantores

geralmente não estão familiarizados com o repertório, tendo ouvido apenas

algumas peças que parecem ter os seus piores medos. Parte dessa literatura

certamente contém dissonância, timbres melódicos abruptos, e conceitos

matemáticos de construção.

(MABRY, 2002:14)

De fato, é um repertório trabalhoso tendo em vista a pedagogia conservadora

predominante nos conservatórios atuais, mais voltada ao repertório de concerto tradicional,

então o intérprete aspirante a este repertório deve se dedicar a uma nova práxis musical e ter

uma postura diferenciada para com a obra, explorando suas habilidades criativas, assim como

1 Historically, contemporary music has been considered by many singers to have a musical language

that is difficult to fathom and places unrealistic demands on the voice.(…) This may have occurred

because singers are generally unfamiliar with the repertoire, having heard only a few pieces that

seemed to bear out their worst fears. Some of this literature certainly contains dissonance, angular

melodic timbres, and mathematical concepts of construction.

Page 17: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

16

dispor de um estudo e análise diferenciados do normalmente conferidos a outros repertórios.

É também um repertório complexo, pois, como afirma Sharon Mabry (2002), propõe novas

organizações estruturais, instrumentações não tradicionais, utilização de sistemas escalares

incomuns e principalmente experiências sonoras, explorando novos timbres, muitas vezes

incorporando sons da natureza, ruídos e no caso da música vocal, efeitos vocais, ou seja,

ruídos e sonoridades da voz não comuns em música tais como tosse, soluço, choro, risada,

inspirações, expirações, cliques, estalos e sons vocais multifônicos.

Essa nova complexidade interpretativa que extrapola as práticas comumente adotadas

no canto lírico tradicional também estabelece uma nova forma de envolvimento do cantor

para com a obra no que diz respeito à expressividade interpretativa emocional. Tanto ouvinte

quanto intérprete estão familiarizados ao repertório tradicional e assimilam facilmente as

convenções de interpretação identificando e atribuindo emoções de forma imediata à melodia,

às harmonias, tendo como grande facilitador a poesia. Já as composições de música

contemporânea rompem com estas convenções musicais e tratam o texto poético de forma

diferenciada, podendo chegar inclusive à fragmentação deste em sons vocálicos e

consonantais, dissolvendo o seu sentido semântico em sentido puramente sonoro.

Existe, portanto, uma grande diferença no fenômeno da escuta que ocorre na música

tradicional, diferente daquele que ocorre na música contemporânea que, para Humberto Eco

(1976) reside na diferença da finalidade da obra, seus meios e sistemas. Eco explica que na

audição de uma sonata clássica, por exemplo, os ouvintes esperam encontrar probabilidades

em cujo âmbito é fácil predizer a sucessão e a superposição dos temas, assim como também o

sistema tonal estabelece regras de probabilidade com base nas quais o ouvinte terá prazer e

com as quais cria a expectativa de uma determinada resolução do desenvolvimento musical

para a tônica. Já nas composições do que Eco denomina “nova música”, ou seja, as

composições experimentais do século XX, de poética aberta, estas buscam um discurso nas

quais a possibilidade de resultados diversos são o fim primeiro. Ao visar ao máximo de

imprevisibilidade, afirma Eco, visa-se ao máximo de desordem, na qual não só os mais

comuns, mas todos os significados possíveis resultam inorganizáveis. Mas Eco acredita que

“a tendência à desordem, que caracteriza positivamente a poética da abertura, deverá ser

tendência à desordem dominada, à possibilidade abrangida por um campo, à liberdade velada

por germes de formalidade presentes na forma que se oferece aberta às livres escolhas do

fruidor.” (ECO, 1976: 129).

Desta forma, entende-se que o ouvinte não habituado à música contemporânea pode,

numa primeira audição, ter a sensação de não reconhecer quaisquer emoções representadas

Page 18: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

17

pela obra, pois os antigos padrões estéticos construídos a partir de probabilidades já

conhecidas não estão presentes, no entanto outros parâmetros foram construídos no intuito de

despertar novas experiências de fruição emocional pela escuta, a partir da livre escolha do

ouvinte e menos dependente das probabilidades esperadas em uma escuta tradicional.

Na música vocal, tem-se em Sequenza III (1966) para voz solo de Luciano Berio um

exemplo emblemático das possibilidades expressivas da voz numa composição

contemporânea, onde existem diversas expressões de emoção descritas ao longo da partitura

através de padrões de emoção e comportamentos vocais. A alternância entre estas expressões

é tamanha que a torna uma peça extremamente difícil de ser executada de memória até mesmo

por Cathy Berberian, considerada a mais importante cantora de música contemporânea e a

quem a obra foi dedicada e destinada. A nova proposta de possibilidades expressivas da voz

consiste na representação de uma grande alternância de emoções, muitas vezes de forma

abrupta, resultando num caleidoscópio de sons, provocando no ouvinte e no cantor, uma

constante inquietação.

Luciano Berio utiliza o termo gesto vocal em oposição ao termo efeito vocal

normalmente utilizado para se referir a “qualquer uso incomum da voz cantada”. 2 (MABRY,

2002:123). Nas obras vocais de Berio, sons como a respiração, suspiros, risadas não são por

ele consideradas como efeitos, e sim gestos vocais capazes de carregar um significado. (apud

OSMOND-SMITH, 1985). Atribui tamanha importância que ressalta que estes devem ser

considerados e percebidos em seu contexto. Para compreender-se melhor esse termo, é

imprescindível que se observe os gestos vocais na obra Sequenza III, pois nela, a expressão

vocal está interligada diretamente aos sons da expressão de reações humanas (falas,

onomatopeias, interjeições, murmúrios, sons que denotam emoção como risos, choros,

soluços, suspiros).

A partir do ponto de vista de Luciano Berio do gesto vocal em música que se levanta a

hipótese de que a sua melhor compreensão pode ser a chave mestra para transpor as barreiras

que impedem uma plena assimilação e fruição da expressividade do repertório contemporâneo

vocal, tanto do cantor executante como do ouvinte.

2. Objetivos, delimitação e relevância

Ao iniciar o levantamento bibliográfico em música a fim de pesquisar mais

profundamente o termo gesto vocal no contexto musical, constatou-se que há uma falta de

2 (...) any nonstandard use of the singing voice.

Page 19: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

18

clareza de definição deste termo, tanto por parte de Berio quanto por parte de outros autores,

tendo como consequência a utilização de forma imprecisa da terminologia ou até mesmo

diferentes acepções.

Encontra-se no campo da psicolinguística uma fundamentação clara e definida para

este termo que, através de uma revisão bibliográfica de textos dessa área do conhecimento,

será discutido e conceituado. Portanto, o objetivo principal deste estudo é fundamentar através

da psicolinguística e de declarações de Luciano Berio, uma definição precisa e prática para o

termo gesto vocal, principalmente no âmbito da música, expandindo o seu entendimento

também para a expressão vocal de áreas afins como o teatro e a poesia. Também busca-se

demonstrar a relação entre emoção e gestos vocais em música através de uma análise

descritiva dos gestos vocais encontrados na obra Sequenza III (1966) de Luciano Berio,

fundamentada a partir da classificação de emoções de Robert Plutchik. Desta forma espera-se

contribuir para um entendimento mais aprofundado e organizado acerca das possibilidades

expressivas da voz.

A pesquisa é direcionada a todos os interessados em música vocal, desde cantores

como compositores, principalmente àqueles atuantes no repertório contemporâneo e àqueles

que queiram investigar o gesto vocal em outros repertórios de gêneros diversos, inclusive

oriundos dos âmbitos populares e folclóricos.

3. Referencial teórico

Têm-se como núcleo teórico inicial os estudos acerca do gesto vocal do alemão

Wilhelm Maximilian Wundt (1832-1920) médico, filósofo e psicólogo, considerado um dos

fundadores da moderna psicologia experimental e responsável por desenvolver a teoria do

gesto vocal. Posteriormente a ênfase recai nos estudos do filósofo Georg Herbert Mead (1863-

1931), norte-americano, professor na Universidade de Chicago, que ampliou o conceito de

gesto vocal apresentado por Wundt.

No que tange a musicologia, o presente trabalho será norteado basicamente pelo

estudo do pensamento do compositor italiano Luciano Berio acerca da voz na música

contemporânea e sua concepção de gesto vocal. Será observada a sua obra Sequenza III

(1966) para se compreender melhor suas ideias através de uma análise descritiva de cada

gesto vocal e da emoção a ele correspondente.

A escolha desta obra se deu não só por sua inegável importância para o repertório

contemporâneo, mas também pela peculiaridade de propor representar mais de 36 padrões de

Page 20: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

19

emoção diferentes e nove comportamentos vocais referentes à emoção, através dos gestos

vocais. As instruções da partitura (bula) também são muito esclarecedoras, pois, dentre outras

indicações, especifica de que forma devem ser produzidos os gestos vocais.

Sobretudo, em Sequenza III é possível explicitar as hipóteses dessa tese, pois Berio a

compôs numa estrutura semelhante à de uma invenção a três vozes: segmentação do texto,

gesto vocal e expressões, que se desenvolvem simultaneamente num paralelo de três camadas

diferentes, permitindo que seja possível observar de que forma se manifesta a inter-relação de

texto e expressões com o gesto vocal.

Para fundamentar o estudo desses padrões de emoção e classificá-los, tem-se como

referencial um dos principais teóricos das emoções, Robert Plutchik (1927 - 2006), Ph. D.

pela Universidade de Columbia, tendo sido professor emérito da Albert Einstein College of

Medicine e professor adjunto da Universidade do Sul da Flórida. Ele é autor ou co-autor de

mais de 260 artigos, 45 capítulos e oito livros dos quais editou sete. Principalmente nos

interessa a sua teoria psicoevolucionária integrativa da emoção (1980), considerada uma das

mais importantes e completas teorias classificatórias de respostas emocionais, tendo criado

um modelo chamado de Roda das Emoções que foi utilizado no entendimento das

representações emocionais das diversas expressões contidas em Sequenza III.

Também se observa a pertinência do gesto vocal nas práticas vocais do teatro do

século XX através de Constantin Stanislaviski (1863-1938), Antonin Artaud (1896-1948) e

Eugenio Barba (n.1936), assim como na poesia, citando poetas como Filippo Tommaso

Marinetti (1876-1944), Kurt Schwitters (1887-1948), dentre outros, traçando as relações

destas artes com a música contemporânea.

Espera-se, com a escolha de referências advindas de teóricos de áreas e períodos

históricos diferentes, ter-se informações mais completas e ricas que se complementem para

uma fundamentação clara do termo gesto vocal no contexto da música.

4. Metodologia e organização da tese

Revisão bibliográfica a partir dos textos dos autores citados, assim como analítico-

descritiva a partir da observância dos gestos vocais na partitura de Sequenza III. A pesquisa

foi organizada em quatro capítulos que compreendem uma revisão da literatura da

psicolinguística pertinente ao termo gesto vocal, seguindo-se de sua contextualização em

música e suas aproximações com a expressão vocal no teatro e poesia, finalizando-se com

uma análise descritiva dos gestos vocais na obra Sequenza III de Luciano Berio.

Page 21: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

20

Page 22: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

21

CAPÍTULO 1

CONCEITUAÇÃO DO GESTO VOCAL A PARTIR DA PSCIOLINGUÍSTICA

1.1 A Psicolinguística

A origem dos conceitos basilares da psicolinguística, segundo Camara Jr. (1995),

encontra-se inicialmente nos estudos do linguista alemão Wilhelm Humboldt3 (1767-1835) e

retomados posteriormente pelo psicólogo alemão Wilhelm Wundt (1832-1920) na virada do

século XIX para o XX. Wundt foi um dos fundadores da moderna psicologia experimental,

ciência esta que, dentre outros assuntos, busca fornecer hipóteses que expliquem como o

processamento linguístico se estrutura na mente dos seres humanos. Apesar de não se

considerar um linguista, se dedicou a lançar as bases da psicologia da linguagem como

disciplina auxiliar da linguística. Ele considerava impossível a psicologia cognitiva se

desenvolver independente da linguística e se dedicou a promover a interação entre essas duas

ciências.

O termo psicolinguística, porém, somente surge na década de 50 para se referir aos

estudos feitos até então das relações entre linguística e psicologia. “Nessa fase, os estudos

abarcados por esse campo interdisciplinar constituíam uma tentativa de encontrar respostas

para questões comuns às duas disciplinas” (MELO, 2005:9). Na psicologia, compreendiam

estudos de como a mente humana se organizava de forma análoga à linguagem e através dela.

Na linguística, são estudos preocupados em dar uma fundamentação científica para os

fenômenos da linguagem através da psicologia. Leonor Scliar-Cabral (2008) ressalta que “a

grande contribuição da psicolinguística foi a de se propor explicar, através de métodos

3 Humboldt expõe suas idéias sobre a filosofia da linguagem no estudo “Ueber die Verschiedenheiten

des menschlichen Sprachbaues”, Gesammelte Werke, VI (Berlin, 1841-1852). (VOLOSINOV,

1993:49) O conceito humboltiano se opunha a ideia de que a linguagem fosse um ergon, ou seja, um

produto congelado da atividade expressiva do homem, e acreditava que fosse um enèrgeia, que se

explica ser a manifestação ativa de um organismo vivente, da personalidade do falante, de seu

comportamento, numa palavra, de sua vida. (MELO, 2005:17)

Page 23: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

22

experimentais, como o ouvinte transforma o sinal acústico da fala em significado e como, ao

falar, percorre o caminho inverso” (SCLIAR-CABRAL, 2008:5).

Na Psicologia, os estudiosos buscavam compreender o funcionamento da

linguagem como um meio para se chegar a uma melhor compreensão da

mente humana, pois acreditavam que esta se organizava de forma análoga à

linguagem e através dela. Vislumbravam-se, então, duas correntes: a

mentalista, que explorava o pensamento através da linguagem, e a

comportamentalista, que buscava entender o comportamento linguístico,

reduzindo-o a uma série de mecanismos de estímulo-resposta. Na linguística,

a busca pela teoria psicológica apareceu especialmente pelos introdutores do

método histórico, que tentavam fundamentar suas explicações sobre as

mudanças linguísticas no associacionismo psicológico. A demonstração feita

por Wundt de que a linguagem poderia ser em parte explicada com base em

princípios psicológicos motivou a adesão de muitos linguistas, especialmente

porque as propostas e métodos do psicólogo obedeciam ao rigorismo

científico, o que contribuiria para uma abordagem mais científica da

linguagem. (CASTRO, 2007: 119).

A psicolinguística surge então como uma disciplina que estuda cientificamente os

processos mentais relacionados com a produção da linguagem, proporcionando o

entendimento dos processos de aquisição da linguagem. Conforme ressalta Tatiana Slama-

Cazacu (1979), a psicolinguística não deve ser vista como um ramo ou uma corrente da

psicologia ou da linguística, e sim como um campo interdisciplinar.

O marco de fundação da psicolinguística foi atribuído ao seminário de verão da

Universidade de Indiana, promovido pelo Conselho de Pesquisa em Ciências Sociais (Social

Science Research Council - SSRC), que reuniu linguistas e psicólogos em discussões

interativas, consolidando opiniões de forma a se criar um consenso geral acerca das teorias e

metodologias desenvolvidas por psicólogos com aplicação nos estudos das estruturas

linguísticas estudadas naquele momento pelos linguistas. Renzo Titone (1983) acredita que o

termo psicolinguística tenha surgido pela primeira vez em um artigo de N. H. Proncko, em

1946 acerca do relacionamento entre o pensamento e a linguagem.

A partir de sua fundação oficial, vários modelos teóricos seguiram-se dando

embasamento às experiências no estudo da psicolinguística, sendo que os mais importantes no

âmbito da aquisição e desenvolvimento da linguagem são: o modelo behaviorista de B. F.

Skinner4 (1957), o inatismo

5, defendida por N. Chomsky (1959), o modelo funcional de

4 Esta teoria argumenta que a aquisição da linguagem é atingida por meio da “experiência”. (MELO,

1999:25). 5 “(...) a linguagem humana é inata e biologicamente determinada, fazendo parte de uma herança

genética do homem.” (CHOMSKY apud MELO, 1999:30).

Page 24: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

23

Halliday6 (1975) e a abordagem pragmática

7 defendida principalmente por J. Dore (1974) e

E. Bates (1976).

Atualmente a psicolinguística é uma ciência que evolui através de novas pesquisas,

principalmente pelo uso da tecnologia, proporcionando maior precisão nas aferições dos

resultados, e pela aproximação da Psicolinguística e a Neurolinguística8.

Nesta pesquisa, é dada ênfase ao período embrionário da psicolinguística e aos seus

fundamentos iniciais, onde os primeiros esforços de união entre psicologia e linguística

fizeram surgir o conceito de gesto vocal. Neste período, que corresponde ao início do século

XX, afirma Titone (1983), as relações entre essas duas ciências manifestaram-se em dois

sentidos opostos: da parte dos linguistas, os teóricos do método histórico em linguística já

tentavam explicar suas teorias acerca das mudanças linguísticas recorrendo às teorias

psicológicas, principalmente à teoria associacionista9. Do outro lado, psicólogos como Wundt

e Mead interessaram-se pelos fenômenos da linguagem procurando neles um entendimento da

psique humana. É baseado nesses dois nomes da psicologia que fundamentaremos o conceito

de gesto vocal.

1.2 O gesto vocal segundo a psicolinguística

Na coleção de livros Völkerpsychologie (1904) de Wilhelm Wundt está o que até hoje

é considerada a origem da teoria e prática em psicolinguística, principalmente na parte em que

trata da linguagem e seus padrões de desenvolvimento. No primeiro livro, capítulo III - Die

Sprachlaute (Wundt, 1904:248), o autor trata da análise dos sons naturais da voz humana

como choro, riso, suspiro, expressões de raiva e sentimentos assim como imitações de sons de

objetos e animais. O fundamental para essas análises, afirma Frank Vonk (1993) foram as

conclusões que Wundt chegou acerca do desenvolvimento das funções expressivas dos sons

6

Introduz a interpretação sócio semântica do desenvolvimento da linguagem, analisando o

comportamento vocal e depois o verbal da criança, tomado em si mesmo, isto é, fora da interação com

o outro. (MELO, 1999:36). 7 “A abordagem pragmática está voltada para o uso das estruturas linguísticas e adota o ‘ato de fala’

como sua unidade de análise. Na definição de Searle (1969 apud Dore, 1974:343) ‘atos de fala são

atos de fazer afirmações, de dar ordens, de perguntar, de prometer, etc” (MELO, 1999:39). “Esta

concepção da aquisição da linguagem é importante porque integra os aspectos funcionais e formais do

comportamento linguístico. Neste modelo, as intenções linguísticas são uma estrutura cognitivo-

pragmática distinta das categorias gramaticais que as expressam.” (MELO, 1999:40). 8 Neurolinguística é a ciência que estuda a elaboração cerebral da linguagem.

9 “A teoria associacionista propôs que a aprendizagem se realiza através do ensaio-e-erro e que a

motivação ocorre por meio da ‘lei do efeito’”. (LA ROSA, 2003:170).

Page 25: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

24

vocais na linguagem dos animais e também da criança, principalmente por que, quando fala

sobre a imitação dos sons, introduz a concepção de Lautgebärde, que consiste nos

movimentos faciais e corporais acompanhados de movimentos sonoros dos órgãos da fala.

Esse conceito conduz ao de gesto vocal que, para Wundt, ocorre quando uma impressão

objetiva e a imitação de sons – onomatopeias – estão conectadas, resultando numa imitação

vocal espontânea de processos externos. Ou seja, “a origem do gesto vocal é um movimento

dirigido pré-consciente, com a finalidade de se imitar uma impressão do mundo externo” 10

.

(VONK, 1993:237).

A noção de gesto vocal para Wundt reside no domínio do movimento expressivo dos

órgãos articulatórios que resulta em sons vocais de atos do cotidiano como respirar, comer e

tossir. Delbrück (1901) exemplifica o que Wundt exatamente pretende descrever através do

Lautgebärden: “se eu, por exemplo, escuto um sino tocar, o objeto me afeta e meu corpo

começa a tremer. Minha mão acompanha o movimento do sino e minha boca e lábios abrem e

fecham”.11

O som leva a um processo motor e muscular (bammeln) em associação a um

processo objetivo (movimento) e a imitação do som. Então: “... a impressão viva produz uma

ação ou um movimento de reflexo parecido com o dos órgãos articulatórios, um gesto vocal,

que é adequado ao estímulo objetivo como é o gesto de apontar ou descrever do surdo-mudo

para o objeto ao qual quer chamar a atenção do seu interlocutor.” 12

(apud VONK, 1993:238).

Os estudos de Wundt conduzem ao entendimento de que o gesto vocal tem uma

função expressiva e principalmente perlocutória, ou seja, produz efeitos no interlocutor, e foi

esse caráter mais profundo do gesto vocal que despertou o interesse de George Herbert Mead

(1863-1931) e se tornou o centro de suas pesquisas em psicologia.

Mead foi um filósofo norte-americano que a partir da linha do interacionismo

simbólico13

, ampliou os estudos de Wundt sobre gesto vocal e linguagem, lançando um novo

entendimento no que se refere à fundamentação da ontogênese da linguagem, isto por que seu

10

The origin of the vocal gesture is still a pre-conscious drive movement to imitate the outer

impression. 11

If I, for example, hear a bell ring, the object affects me and my body stars to tremble. My hand

accompanies the movement of the bell and my mouth and lips open and close. 12

…the lively impression produces a drive or reflex–like movement of the considerado um dos

fundadores do pragmatismo articulatory organs, a vocal gesture wich is as adequate to the objective

stimulus as is the pointing or depicting gesture of the deaf-mute to the object, to wich He wants to

draw the the attention of his opposite. 13

Originada na Escola de Chicago, o interacionismo simbólico é um ramo da sociologia que trata das

relações humanas. Defende a influência na interação social, dos significados particulares trazidos pelo

indivíduo à interação, assim como os significados que ele obtém a partir dessa interação.

Page 26: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

25

pensamento se fundamenta na proposição de que a mente e o self14

(si mesmo) se formam a

partir de processos sociais.

Sobre a o papel da linguagem humana, Mead teoriza que esta é fundamental na

constituição da conduta racional do self. A linguagem, explica Titone (1983), é um fenômeno

objetivo de intercâmbio que emerge dentro de um grupo social, estabelecendo-se como fator

determinante na organização da ação humana.

São componentes da linguagem, conforme categoriza Titone, o som articulado, a voz

ou vocalidade e o gesto físico. O som articulado ou articulação é um fenômeno fisiológico (a

modificação da emissão do ar soprado através da ação dos órgãos vocais) que está

subordinado a funções expressivo-linguísticas. A voz é um complexo de características

qualitativas que acompanham o som articulado, como as variações de altura do som, o volume

ou a intensidade, o ritmo de expressão, o tom, a entonação, etc, que podem assumir um valor

tanto emotivo quanto semântico. Já o gesto físico pode ser de dois tipos: os autísticos, de

caráter psicológico, que expressam os sentimentos inconscientes de estados psíquicos não

controlados, tais como tiques, caretas instintivas, etc., e são extremamente individuais; e os

gestos intencionais, que são recursos usados pelo falante para reforçar, suprir ou completar os

símbolos orais, com caráter linguístico. A maioria dos gestos físicos intencionais está ligada

ao temperamento, às modalidades de vida, à cultura de um povo.

Para Mead (1967) o gesto físico é o nível mais elementar da ação de um ser, pois seu

mecanismo se limita a apenas gerar estímulos e em razão de tais limitações, o seu significado

não pode ser internalizado e nem o significado das reações que tal estímulo provocou em

outros indivíduos envolvidos. Isto impede que o gesto físico se transforme em símbolo

significante, ou seja, o indivíduo não tem uma ação consciente quando o executa,

consequentemente, não desenvolveu uma linguagem. Mead considera que a ação gestual não

pode ser considerada uma linguagem propriamente dita, porque nela os significados ainda não

estão na mente. Somente através do símbolo significante surge a consciência de si e, portanto,

o self. Nas palavras de Cláudio Dalbosco:

14

O que é, então, o self? Há, de um lado, o self social, o me; e, de outro lado, há o self observador, o

eu. De acordo com Mead é a conversação do eu com o me que constitui o self. O self não pode

portanto, ser caracterizado apenas como um eu, ou como um me (ou como um mim ou um si), mas sim

como uma relação especial: uma conversação social do eu com o me. Essa conversação social

envolvendo o eu e o me é o sujeito. Aos poucos ela vai dando origem ao pensamento, que Mead

caracteriza como uma “conversação interna de gestos” (ABIB, 2005:101 ).

Page 27: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

26

O gesto [físico] contém uma dimensão comunicativa mínima.

Convertido em estímulo para outro indivíduo, sempre provocará

uma reação nele, pondo os indivíduos em contato entre si,

criando expectativas e moldando as mais diferentes formas de

reação a serem adotadas. Como forma elementar de

comunicação, o gesto impele à ação; no entanto, considerando os

exemplos empregados por Mead para caracterizá-la, trata-se

ainda de uma ação que se volta prioritariamente à auto-

conservação de quem a profere, dizendo respeito, portanto, a uma

reação instintiva que está diretamente ligada à supressão de

necessidades básicas e imediatas de seus portadores. Por isso,

mesmo apresentando um certo nível de comunicação, a ação

gestual não pode ser considerada uma linguagem propriamente

dita, porque nela os significados ainda não estão na mente. Ela

caracteriza, pois, o âmbito de ação de um indivíduo biológico

que, agindo por sinais, não possui a capacidade de internalizar os

significados veiculados por tais sinais. Para Mead está claro,

nesse sentido, que um indivíduo biológico que age gestualmente

ainda não é portador de uma mente e, por isso, não é um

indivíduo que age comunicativamente de modo consciente.

Sendo assim, a linguagem humana que permanecesse somente no

nível gestual, ela não poderia dar origem ao Self. (DALBOSCO,

2007:22, grifo nosso)

Para Mead, a origem da linguagem verbal (e do self) está no gesto vocal, fazendo parte

do desenvolvimento da própria espécie humana. O autor defende que o gesto vocal surgiu

inicialmente como uma expressão de uma emoção, e no desenvolver da filogenética,

transformou-se numa forma de expressar também um significado intelectual, ou seja, a

primeira manifestação objetiva de linguagem do ser humano foi o gesto vocal.

Conforme explica Dalbosco:

Como um fenômeno imitativo, o gesto vocal é uma ação que apresenta ao

sujeito agente a capacidade de adoção da atitude do outro, mas agora não

mais de forma meramente mecânica e instintiva, como estava representada

no gesto [físico]. Ao atingir o estágio do gesto vocal, a ação humana

desenvolve uma capacidade mínima de escuta que lhe torna possível ver a si

mesma por meio da internalização de sons provindos do exterior e,

principalmente, pronunciados por seus semelhante.” (DALBOSCO,

2007:24)

Mead compreende que o único tipo de gesto que permite um estímulo similar no

emissor e no receptor é o gesto vocal. Um gesto só pode carregar um significado definido a

ambos se suscitar uma resposta similar para os dois envolvidos numa ação particular social. A

natureza oral do gesto vocal permite ao indivíduo que o está pronunciando ouvi-lo da mesma

forma que o outro escuta e é justamente essa peculiaridade auditiva que permite explicar o

porquê do gesto vocal ser o único gesto que permite a apreensão das atitudes das outras

pessoas como se fosse a nossa própria conduta e ainda a nossa capacidade de desenvolver a

Page 28: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

27

capacidade de compartilhar o significado com o outro. Mead acredita que o que diferencia o

ser humano dos animais é justamente esta capacidade de compartilhar o mesmo significado e

a tendência de reagir de forma coletiva. Para exemplificar esse fenômeno, Mead elaborou uma

situação hipotética onde um homem que está num teatro percebe uma fumaça e grita “fogo”.

Logo as pessoas reagem ao seu gesto vocal ora tentando apagar o fogo ou fugindo. O próprio

homem tende a responder ao seu próprio gesto vocal da mesma forma como as pessoas

respondem efetivamente ao seu próprio gesto. Se o senso coletivo for de todos terem a atitude

de apagarem o fogo, ele tende a apagar o fogo também, se as pessoas correm do fogo, ele

tende a correr do fogo. Ou seja, o homem e as pessoas a sua volta compartilham o mesmo

significado.

É importante ressaltar que o gesto vocal não é o símbolo significante. “O símbolo

significante nada mais é do que a capacidade de internalização dos gestos vocais e a sua

posterior externalização com novos significados.” (DALBOSCO, 2007:25).

O gesto vocal está na origem do processo individual de aprendizado e

desenvolvimento linguístico sendo influenciado pelo ambiente social em que se vive e como

uma evolução dos gestos corporais para os gestos vocais, e uma conversão destes em

símbolos-significantes, produzindo uma capacidade além da antecipação do comportamento

do outro. Sobre isto, resume: “a existência da mente ou da inteligência só é possível em

termos de gestos como símbolos significantes” 15

(MEAD, 1967:47). Isto ocorre por que o

indivíduo executor pode apreender externamente o gesto vocal e ter capacidade de reação de

suas próprias ações.

Mead acredita que “não se pode dizer nada que seja absolutamente particular;

qualquer coisa que alguém diga que tenha alguma significação é universal.” 16

(MEAD,

1967:146) e por isso o indivíduo tem a sensação de que a sua expressão individual suscite no

emissor a mesma reação que provoca nele mesmo. É isto que permite ao indivíduo provocar

uma reação determinada em outro de forma consciente. Mead compara esta intensão com a

atitude do ator, que se utiliza artificialmente de símbolos que despertam determinadas reações

na plateia. E ainda admite a possibilidade do indivíduo se utilizar do mesmo mecanismo em

seu cotidiano. “Em ocasiões atuamos e nos perguntamos que efeito terá nossa atitude, e é

15

Only in terms of gestures as significant symbols is the existence of mind or intelligence possible. 16

You cannot say anything that is absolutely particular; anything you say that has any meaning at all is

universal.

Page 29: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

28

possível que empreguemos deliberadamente certo tom de voz para provocar certo resultado.”

17 (MEAD, 1867:147).

O ser humano pode ver a si mesmo por meio da escuta de seu próprio gesto vocal e

por isso, o gesto vocal proporciona uma interação de sons que ultrapassa o âmbito da reação

imediata e instintiva. O gesto vocal então é responsável pelo desenvolvimento da

racionalidade da linguagem e da própria evolução da interação humana e dos processos

sociais. Isto acontece por que, quando o gesto vocal passa a ter uma significação sólida

comum, ele gera uma atitude análoga entre o indivíduo que o executa e o que a ele reage,

resultando num novo estímulo. Com o uso constante dos gestos vocais, o indivíduo provoca

em si mesmo a reação que despertou nas outras pessoas e, tal reação é tal como a da atitude

do outro, pois esta foi progressivamente incorporada a sua práxis individual de forma natural.

Nos dias atuais, estes estudos de Mead acerca do gesto vocal são válidos e aceitos,

influenciando estudos recentes no campo da psicolinguística, conforme se pode observar nas

considerações de Garcia e Freitas (2007). As autoras consideram o gesto vocal como uma

expressão das primeiras manifestações de emoção como o choro de um bebê, pois entendem

que estas já são uma primeira forma de comunicação e que na fase adulta, os gestos vocais se

traduzem pelas entonações. “O desenvolvimento do Sistema Nervoso Central estimulado pela

vivência social evolucionou o gesto vocal primitivo em voz articulada, surgindo então, a fala”

(FREITAS, 2007:16). Completam ainda, que as entonações estão diretamente ligadas à fala

condicionadas a um habitus vocal, ou seja, seu espaço social. (FREITAS, 2007:17).

O conceito de gesto vocal e suas propriedades destacadas por Wundt e Mead vêm de

encontro àquele do gesto vocal presente em música, como será visto no decorrer desta

pesquisa, principalmente pelo seu caráter perlocutório, como afirmado por Wundt, premissa

reafirmada e ampliada pelos estudos de Mead, que faz com que o gesto vocal tenha um

conteúdo compartilhável por todos que o escutam.

1.3 Gesto Vocal e música contemporânea

O repertório da música contemporânea para voz - principalmente de compositores

como Luciano Berio, Luigi Nonno, John Cage, György Ligeti, dentre outros, integrantes ou

norteados pelos ideais da escola de Darmstadt - exige diversas habilidades conforme Mabry

(2002) especifica detalhadamente através de oito conceitos que, apesar de admitir serem

17

We do at times act and consider just what the effect of our atitude is going to be, and we may

deliberately use a certain tone of voice to bring about a certain result.

Page 30: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

29

comuns ao repertório de qualquer período musical, adquirem um significado especial quando

se trata do repertório do século XX.

Em primeiro lugar, Mabry destaca a necessidade da maturidade vocal que deve ser

adquirida com a cuidadosa escolha do repertório, para que se consiga adquirir a desenvoltura

na execução de variadas técnicas vocais. Estas devem ser desenvolvidas dentro dos limites do

intérprete e expandidas de forma progressiva. Em segundo, destaca a prática em dicção já que

a música contemporânea se utiliza muitas vezes de um profundo conhecimento do alfabeto

fonético internacional (IPA) 18

para a execução de diversos fonemas que exigem muita

habilidade de clareza e precisão de dicção. Em terceiro, Mabry ressalta a extensão, resistência

e flexibilidade vocais, pois “algumas peças abrangem um ampla extensão vocal, contêm

sinuosas linhas vocais com vários saltos largos, ou requerem um comando de uma dinâmica

vocal extrema indo do ppp ao fff. Outras são feitas com floreios vocais, trilos, glissandos

extravagantes ou efeitos vocais como rir, sussurrar ou entoar”. 19

Em quarto, o intelecto e

imaginação que na música contemporânea significa a oportunidade de desenvolver a

capacidade para “diferentes cores vocais, interjeições faladas, técnicas estendidas da voz

como sprechstimme, tocar instrumentos enquanto canta ou determinado movimento cênico”

20. Também um ouvido treinado é necessário para esse repertório, visto que muitas obras

possuem poucas referências de tom, assim como liberdade mental e vocal, pois algumas obras

possuem momentos ad libitum levando o intérprete a improvisar. Mabry afirma que a

disciplina musical é importante para a interpretação tanto de obras tradicionais quanto

contemporâneas e que o processo de planejamento e análise pode ser um método de

aprendizagem para o cantor aumentar a sua qualidade enquanto intérprete de música

contemporânea, resultando em independência, individualismo e auto-confiança, oitavo e

último conceito listado por Mabry. Neste momento, o intérprete, já familiarizado e envolvido

com o repertório começa a ter mais liberdade para experimentar novas formas de

interpretação de acordo com os estilos. Mabry sugere ainda que o interprete trabalhe

diretamente com os compositores, escute gravações de exemplos relevantes do repertório e

18

O alfabeto fonético internacional (international phonetic alphabet – IPA) foi adotado em 1888 com

a finalidade de criar um sistema padrão de símbolos fonéticos para representar cada som específico da

linguagem oral. 19

Some pieces cover a wide vocal range, contain angular vocal lines with large skips, or require a

command of a extreme vocal dynamics from ppp to fff. Others are built on vocal flourishes, roulades,

extravagant glissandos or vocal effects such as laughing, whispering or intoning. 20

… a variety of vocal colors, spoken interjections, extended vocal techniques such as Sprechstimme,

the playing of a musical instrument while singing, or designated stage movement.

Page 31: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

30

inclua com regularidade recitais de vários estilos de música contemporânea em sua agenda de

concertos. (MABRY, 2002:12).

Apesar de todas as exigências técnicas, é um repertório que permite ao cantor expandir

as possibilidades da expressão vocal, principalmente através do gesto vocal, ampliando os

canais de comunicação entre público e intérprete. Como vimos, o gesto vocal tem a

característica importante de promover o compartilhamento do símbolo significante, pois o

sujeito é capaz de internalizar o seu próprio gesto vocal e depois criar novos significados e

novamente compartilhar com o outro. Isso faz com que o uso do gesto vocal em música possa

ter a mesma função daquela da linguagem e ser capaz de provocar determinadas reações

emocionais no ouvinte e também com ele interagir, principalmente quando aplicado ao

repertório da música contemporânea a que nos referimos, onde o experimentalismo de novas

sonoridades envolve sons vocais emotivos e cotidianos.

Porém, o gesto vocal nem sempre é reconhecido como elemento musical. Sons

resultantes das emoções como risos, suspiros, sussurros em música são normalmente ouvidos

pelo público em geral como sons da fala que intervém no fluxo do canto, principalmente se

estes estão atrelados a uma interpretação teatral, passando a serem considerados apenas como

recursos cênicos, como algumas risadas, soluços e lamentos, presentes em obras dramáticas

como óperas e musicais. De um modo geral, estes sons são tradicionalmente considerados

qualquer outra coisa estranha ao canto, menos que sejam parte do discurso musical, mesmo

quando reiteram o sentido textual. Mas estes, principalmente no contexto da música

contemporânea, são um elemento novo em música que propõe uma nova forma de ouvir esses

“ruídos” vocais, como parte integrante da linha do canto, consequentemente da estrutura da

forma musical.

A incorporação de sonoridades tradicionalmente excluídas do discurso musical é capaz

de expandir o horizonte de possibilidades auditivas das capacidades expressivas da voz sendo

utilizadas em toda a música do século XX, não só de concerto como popular, neste caso indo

dos improvisos do jazz e imitações dos sons dos instrumentos desse gênero, passando pelo

canto-falado das canções de cabaré e musicais, indo até os guturais e agudos falsetados do

rock ou pop, como nos diversos ruídos vocais de Michael Jackson (ataques glóticos, “a”s

expirados, aspirados e os famosos “gritinhos”).

Considerar os gestos vocais em uma obra como elemento musical e emocional amplia

consideravelmente o entendimento de sua expressividade. O gesto vocal por si só, transmite

uma mensagem com sentido claro e ainda possibilita a capacidade de compartilhamento e

interação entre intérprete e ouvinte. Quando este vem associado a uma palavra (como no

Page 32: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

31

exemplo de Mead onde o sujeito grita fogo!, carrega significados compartilhados pelo grupo

de pessoas envolvidas. O gesto vocal provoca reações emocionais no ouvinte, e a elaboração

dessas reações, que se pretende despertar na plateia, que constitui o trabalho interpretativo do

cantor.

Quando se menciona o gesto vocal do cantor, é importante ressaltar que este não se

confunde com a movimentação corporal tais como movimento de mãos, um andar ou uma

postura. Também não é o movimento corporal, necessário para a realização da técnica vocal

como a respiração e articulação dos lábios, e muito menos os que não são visíveis como o

movimento das pregas vocais. O gesto físico nem sempre colabora com a poética musical e

pode inclusive contradizê-la, como no caso do cantor que possui uma técnica vocal em que se

mantém um sorriso constante, mesmo em uma ária triste ou trágica. Da mesma forma, os

gestos físicos feitos em consequência da técnica vocal, o gesto físico do movimento cênico e

interpretativo e o gesto vocal, podem ser totalmente distintos uns dos outros numa mesma

execução. O mais recomendado é que o movimento da técnica vocal interfira o quanto menos

possível para que o intérprete possa de forma intencional ter controle de sua interpretação e

das reações que pretende despertar na plateia.

Na música contemporânea, o gesto vocal foi largamente utilizado e valorizado de

forma a criar obras musicais com uma variedade enorme de timbres. As composições passam

a explorar a gestualidade vocal num nível mais profundo e intencional. Lúcia Santaella

(2005), afirma que composições que exploram a gestualidade são aquelas que colocam ênfase

na matéria sonora, mais do que na forma. No caso do gesto vocal, dá-se ênfase na

materialidade da voz. Afirma ainda “o próprio som é gesto” e que é neste ponto que o nível

mais profundo de comparação entre o sonoro e o visual fica mais evidente, já que a ênfase na

materialidade, na energia sonora, cria uma ligação tão íntima com a organicidade, com a

gestualidade, até o ponto de se dar a penetração no plano gestual do som em si. Essa

valorização da materialidade do som ampliou a estética vocal e suas possibilidades

expressivas.

Na música de concerto tradicional, o gesto vocal também está presente, mas os sons

vocais normalmente foram concebidos e interpretados fora do contexto musical. Estes são

normalmente sons e ruídos inseridos num contexto cênico a fim de se acentuar o sentido

musical e textual, mas não foram pensados como parte integrante da música. Aparecem na

partitura ou como uma anotação cênica ou com uma altura musical definida, ou das duas

formas, como no ex. musical 1 onde a risada indicada por alturas definidas com o texto ah ah!

e indicação diretamente escrita ride (ri) em “ride e getta il libro” . Apesar de cênicos, estes

Page 33: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

32

sons podem ser executados a partir do conceito de gesto vocal, tornando a interpretação mais

autêntica e menos automatizada.

Exemplo musical 1. Cavatina Quel guardo il cavalieri, da ópera Don Pasquale, G. Donizetti,

Ed. Ricordi, p. 41, compasso 28.

Os compositores da música contemporânea deram um espaço maior ao uso desses

gestos vocais, que ao invés de usados como recursos cênicos passam a ser elementos da

composição, e em algumas obras inclusive, são o epicentro de toda uma estruturação formal,

como em Sequenza III de Luciano Berio, objeto de estudo no próximo capítulo.

Page 34: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

33

CAPÍTULO II

DECLARAÇÕES DE LUCIANO BERIO ACERCA DO GESTO VOCAL

2.1. Comentários acerca das declarações de Luciano Berio

Em entrevista a Bálint András Varga, Berio relata suas primeiras experiências com a

voz humana em música e deixa claro as suas intenções na utilização dos sons vocais ao

compor suas primeiras peças para voz, especialmente Sequenza III e A-Ronne (1974-1975):

Não estou interessado no som por si só – e menos ainda no efeito sonoro,

vocal ou instrumental. Eu trabalho com palavras porque eu encontrei um

novo sentido nelas analisando-as acústica e musicalmente. Eu redescobri a

palavra. Mesmo considerando a respiração e suspiros, estes não são efeitos,

mas gestos vocais que também carregam um significado: eles devem ser

considerados e percebidos em seu contexto. 21

(apud OSMOND-SMITH,

1985:141).

Berio reconhece as capacidades expressivas da voz em todas suas manifestações: “A

voz, tudo o que faz, mesmo o ruído mais simples, é inescapavelmente significativa: ela

sempre desencadeia associações e sempre carrega dentro de si um modelo, seja natural ou

cultural” 22

(BERIO, 2006:50). Essa capacidade expressiva da voz está diretamente

relacionada ao gesto vocal e em suas obras vocais, principalmente em Sequenza III, Berio

afirma “a ênfase é colocada no simbolismo do som dos gestos vocais, na ‘nuvem de

significado’ que lhes acompanham, nas associações e conflitos que cada um que cria.” 23

.

Estas características do gesto vocal fazem o ouvinte interagir com a obra da mesma forma

21

I am not interested in sound by itself – and even less in sound effects, whether of vocal or

instrumental origin. I work with words because I find new meaning in them by analyzing them

acoustically and musically. I rediscover the word. As far as breathing and sighing are concerned,

these are not effect but vocal gestures which also carry a meaning: they must be considered and

perceived in their proper context. 22

The voice, whatever it does, even the simplest noise, is inescapably meaningful: it always triggers

associations and it always carries within itself a model, whether natural or cultural. 23

In Sequenza III the emphasis is placed on the sound symbolism of vocal gestures, on the ‘shadows

of meaning” that accompany them, on the associations and conflicts to which they give rise. (fonte:

1988 – extraído do encarte de Cd Berio Senquenzas Ensemble InterConterporaine ).

Page 35: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

34

como defende Mead: através de seu caráter perlocutório, ou seja, provocando tanto no

emissor e como no receptor um mesmo estímulo. Pode-se concluir então que o conceito de

gesto vocal a que Berio se referia é similar ao da psicolinguística, utilizando-o como elemento

em música em suas obras vocais.

(...) o potencial musical da voz está em toda a sua característica articulatória,

em todos os seus gestos. Musicalmente, a voz não é apenas um instrumento

nobre, é também a soma de todos os seus aspectos e comportamentos, do

mais respeitável ao mais trivial, e o mais estranho em música. Na tosse, por

exemplo, não existe qualquer traço de música, mas mesmo assim, eu

acredito que podemos adotar comportamentos vocais do cotidiano no sentido

musical, assim como movimentos do dia-a-dia do corpo podem ser

desenvolvidos de forma coreografada. (BERIO, 2006:68). 24

Em Sequenza III, pode-se entender e reconhecer expressões de emoção através dos

gestos vocais mesmo sem a compreensão da poesia, pois a fragmentação do texto remete o

ouvinte ao balbuciar das primeiras palavras de uma criança, ou seja, a origem da linguagem

primitiva do ser humano, gerada pela emoção, que constitui a motivação primordial do gesto

vocal. Em Sequenza III, assim como em outras obras do gênero, deve-se apreender e

compreender a obra a partir da expressividade das emoções, geradora da voz que conduz ao

gesto vocal.

É importante ter-se consciência da materialidade do som vocal e sua origem nas

emoções humanas para a interpretação de obras que utilizem técnicas estendidas para que

sejam embasadas de forma mais consciente e menos experimental. Afinal, a música se

diferencia dos sons ordinários por sua intenção de ser arte, de ser algo dizível, expressivo de

uma ideia, e os efeitos vocais não passam de sons vazios de significados se não forem

pensados e criados enquanto gesto vocal. Nas palavras de Patti Edwards em sua análise de

Sequenza III, “Quando se discute gesto em relação à música contemporânea, este toma

sentido de uma característica da ideia musical usada para um propósito estrutural e

emocional.” 25

(EDWARDS, 2004:21).

24

(…) the musical potential of the voice is everywhere, in all of its articulatory features, in all of its

gestures. Musically, a voice is not only a noble instrument; it is also the sum of all its aspects and

behaviors, from the most respectable to the most trivial, and the most estranged from music. In

coughing, for instance, there is no trace of music, but nevertheless I believe that we can endow daily

vocal behaviors with musical sense, just as everyday motions of the body can be developed

choreographically. 25

When discussing gesture in relationship to contemporary music, it takes on the meaning of a

characteristic musical idea used for structural or emotional purposes.

Page 36: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

35

O propósito estrutural do gesto vocal fica evidenciado na seguinte explicação de

Berio:

Vamos imaginar uma sequência – um looping – de mudanças contínuas de

gestos vocais básicos (risada, soluço, choro, tosse, e outros) estereótipos

vocais que não são normalmente associados com a experiência musical. Eles

podem ser feitos para interagir pelo uso de um critério de combinação

envolvendo gestos e técnicas, assim como com uma posição de ressonância

vocal, velocidade e natureza articulatória, e assim por diante. Uma mulher

rindo, por exemplo, pode ter algo em comum com a performance de uma

soprano coloratura. Os eventos vocais sobre este looping tem diferentes

graus de associação, e do riso, por exemplo, pode se tornar o fator gerador

principal em uma paisagem descontínua vocal que, no entanto, ainda não

tem o gesto mais difícil e intenso: palavras. 26

(BERIO, 2006:68).

Baseado no pensamento de Berio e na revisão teórica feita do conceito de gesto vocal

da psicolinguística pode-se supor que Berio foi influenciado pela conceituação de Mead e que

tornou o gesto vocal um dos principais elementos utilizados em sua música vocal, conferindo

aos sons vocais do cotidiano da fala e interjeições um nível profundo de expressividade, não

permitindo que sejam confundidos como simples experimentações sonoras. A utilização do

conceito de gesto vocal em suas obras foi uma das suas principais contribuições no âmbito da

música vocal do século XX, possivelmente influenciando o pensamento da produção

subsequente.

2.2. Sequenza III e o gesto vocal

A utilização do gesto vocal como elemento composicional já se percebe nas primeiras

composições para voz de Berio, como na obra eletroacústica Thema: Omaggio a Joyce

(1958). Inicialmente o interesse surgiu a partir dos ruídos possíveis do próprio texto literário.

Ao requisitar que a cantora Berberian fizesse uma leitura do capítulo XI (Sereias) do livro

Ulysses (1922) de James Joyce, os próprios recursos linguísticos empregados no texto como

onomatopeias e aliterações, resultam numa sonoridade propositalmente ruidosa, geradora de

sons vocais compatíveis ao universo da gestualidade vocal, recordando que o gesto vocal,

26

Let us imagine a sequence-a loop-of continuously changing basic vocal gestures (laughter, sobbing,

crying, coughing, and so forth) – vocal stereotypes that are not normally associated with musical

experiences. They can be made to interact by the use of combinatorial criteria involving gestures and

techniques, as well as positioning of vocal resonance, speed and nature of the articulations, and so

forth. A woman laughing, for example, can have something in common with the performance of a

coloratura soprano. The vocal events on this loop have different degrees of association, and laughter,

for instance, can become the main generating factor in a discontinuous vocal landscape which,

however, still lacks the most challenging and intense gesture: words

Page 37: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

36

segundo Wundt originou-se inicialmente, dentre outras ações humanas, da imitação dos sons

da natureza.

Bronze by gold heard the hoofirons, steelyrining.

Imperthnthn thnthnthn.

Chips, picking chips off rocky thumbnail, chips.

Horrid! And gold flushed more.

A husky fifenote blew.

Blew. Blue bloom is on the

Gold pinnacled hair.

A jumping rose on satiny breasts of satin, rose of Castille.

Trilling, trilling: Idolores.

Peep! Who's in the... peepofgold?

Tink cried to bronze in pity.

And a call, pure, long and throbbing.

Longindying call.

Decoy. Soft word.

But look!

The bright stars fade. O rose!

Notes chirruping answer.

Castille. The morn is breaking.

Jingle jingle jaunted jingling.

Coin rang. Clock clacked.

Avowal. Sonnez. I could. Rebound of garter. Not leave thee. Smack.

La cloche! Thigh smack. Avowal. Warm.

Sweetheart, goodbye!Jingle. Bloo.Boomed crashing chords.

When love absorbs. War! War! The tympanum.

A sail! A veil awave upon the waves.

Lost. Throstle fluted. All is lost now.

Horn. Hawhorn.When first he saw. Alas!

Full tup. Full throb.

Warbling. Ah, lure! Alluring.

Martha! Come!Clapclop. Clipclap. Clappyclap.

Goodgod henev erheard inall.

Deaf bald Pat brought pad knife took up.

A moonlight nightcall: far: far.

I feel so sad. P. S. So lonely blooming.

Listen!The spiked and winding cold seahorn.

Have you the? Each and for other plash and silent roar.

Pearls: when she. Liszt's rhapsodies. Hissss.

(Fonte: de Ulysses de James Joyce versão e-book disponível no site:

http://www.planetpdf.com/ebookarticle.asp?ContentID=ulysses&gid=6185, p.461.)

Da leitura deste texto foi feita a gravação que serviu de matéria prima para Thema. O

material sonoro passou por diversos procedimentos da prática composicional da época

comuns às obras eletroacústicas, resultando em sons fragmentados, com sentido semântico

Page 38: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

37

decomposto e recriação das sonoridades da voz gravada. A fragmentação proposital do texto

já é um dos primeiros esforços de tirar da palavra a responsabilidade pela compreensão da

obra e passá-la para a o som da voz manipulada. Através dos recursos eletrônicos, Berio

tentou construir uma execução que seria impossível de ser realizada pela voz humana devido

à velocidade de mudança entre os sons fonéticos. Thema confirma a admiração de Berio pelo

virtuosismo da agilidade vocal na articulação de fonemas que levaria à caleidoscópica

Sequenza III.

Já em Visage (1961), obra para fita magnética composta a partir de improvisos vocais

de Berberian, o interesse por sons vocais do cotidiano aparece de forma mais evidente. Ela foi

requisitada a criar diversos gestos vocais (suspiros, choros, risadas, gemidos, dentre outros)

partindo de sua própria expressão vocal e estes sons foram manipulados eletronicamente por

Berio, nos permitindo reconhecer apenas uma única palavra: parole. Em comentários escritos

em nota por Berio às gravadoras Candide e Turnaout que reproduzem a gravação de Visage, o

compositor a descreve como uma metáfora do comportamento vocal, com um discurso

essencialmente onomatopeico. Sobre isso, George Flynn (1975) afirma que a intenção de

Berio em utilizar o termo gesto vocal para se referir aos sons vocais em suas composições era

criar uma reação inicial à superfície vocal. Ou seja, Berio tinha como motivação chamar

atenção para a voz representada por esses sons vocais do cotidiano que agora estavam sendo

apresentados num contexto musical, na expectativa de que esses ouvintes conseguissem ser

levados para um nível de escuta poética através dessas metáforas do comportamento vocal (e

também emocional). Em suas palavras:

Ouvintes dispostos a deixar a música falar em outros termos podem desejar

sondar abaixo da superfície para um segundo nível de complexidade de

formas e imagens poéticas. A audição cuidadosa revelará a relação de

envolvimento entre sons vocais e não vocais – como eles se combinam ou

contrastam, imitam ou colidem, surgem ou retrocedem; como simples gestos

e texturas poeticamente se conectam enquanto contribuem para gestos ou

formas maiores que, por sua vez, formam seções claramente definidas

(embora contíguas), a partir do qual toda a peça evolui. 27

(FLYNN, 1975:

389).

27

Listeners willing to let the music speak on other terms may wish to probe below the surface for a

complex second level of poetic images and forms. Careful listening will reveal the evolving

relationships between vocal and nonvocal sounds – how these sounds match or contrast, imitate or

collide, emerge or recede; how single gestures and textures poetically connect as they contribute to

larger gestures or shapes that, in turn, make up clearly defined (though contiguous) sections out of

which the entire piece evolves.

Page 39: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

38

Em Sequenza III, o uso do gesto vocal está expresso em toda a sua obra interagindo

com o texto e os mais de 40 padrões de emoções (patterns of emotions) e comportamentos

vocais (vocal behavior), escritos diretamente na partitura e sublinhados, logo acima das ações

vocais (vocal actions) e símbolos de registros vocais como se vê no ex. musical 2.

Exemplo musical 2. Sequenza III de Luciano Berio (1966), trecho inicial do 1º. sistema.

Page 40: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

39

Segundo as instruções da partitura, o executante deve não tentar representar ou fazer

uma pantomima dos padrões de emoção (“tenso”, “urgente”, “distante e sonhadora”...), mas

deve deixar essas sugestões de forma espontânea para sua ação vocal (principalmente

aspectos de cor, acento e entonação) e atitudes corporais, experimentadas de acordo com o

seu código pessoal de emoções, sua flexibilidade vocal e sua dramaturgia.

O aspecto mais virtuosístico de Sequenza III é a extrema mobilidade dos

comportamentos vocais e a velocidade de transição de um padrão de emoção ao outro e dessa

forma o texto não pode ser disposto de forma literal. Sobre isso Berio comenta:

Eu tentei assimilar no processo musical muitos aspectos do comportamento

vocal do cotidiano, inclusive os triviais, sem, no entanto deixar que isso me

distanciasse de certos aspectos intermediários e também do canto em si.

Para exercitar o controle sobre uma gama tão vasta de comportamentos

vocais, eu tive que quebrar e aparentemente abandonar o texto, para então

ser capaz de restaurar os fragmentos em diferentes níveis expressivos, e

recompô-los em unidades que não são mais discursivas e sim musicais. 28

Se nesta obra a música é estruturada através de ações vocais que exprimem sons

vocais resultantes das reações humanas do cotidiano, elementos estes normalmente vistos

como não musicais, estamos diante de um novo elemento estrutural da composição, o gesto

vocal. O efeito vocal, ou seja, simplesmente a execução de sons vocais incomuns, não faz

parte do pensamento de Berio, pois como já citado, ele não se interessa pelo som por si só e

menos ainda no puro efeito vocal e sim se preocupa em explorar os gestos vocais, pois eles

carregam significados de acordo com o seu contexto. As possibilidades expressivas da voz

pura e todos os significados que pode carregar em si mesma, em todos os níveis de

associações é o foco das obras de Berio.

Fui sempre sensível, demais até, ao excesso de conotações que a voz tem

em si. A voz, do ruído mais insolente ao canto mais refinado, significa

sempre alguma coisa, remete sempre para algo diferente dela e cria uma

gama muito vasta de associações: culturais, musicais, cotidianas, emotivas,

fisiológicas, etc. (apud OSMOND-SMITH, 1981: 80).

28

I tried to assimilate into a musical process many aspects of everyday vocal behaviour, trivial ones

included, though without allowing this to distance me from certain intermediate aspects and indeed

real singing. To exercise control over so vast a range of vocal behavior I had to break up and

seemingly to lay waste to the text, so as to be able to recover fragments from it on different expressive

levels, and to recompose them into units that are no longer discursive but musical. (fonte: 1988 –

extraído do encarte de Cd Berio Senquenzas Ensemble InterConterporaine, p.12 ).

Page 41: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

40

Segundo Berio, Sequenza III tem uma estrutura similar a uma “invenção a três vozes”

– segmentação do texto, gesto vocal e expressões (apud OSMOND-SMITH, 1985:96),

conforme detalhamos a seguir.

A primeira voz desse contraponto – o texto - aparece no plano inferior do sistema e

foi escrito pelo poeta Markus Kutter. O texto no seu original em inglês é o seguinte:

Give me a few words for a woman

to sing a truth allowing us

to build a house without worrying before night comes.

O texto é usado de duas formas: literal e fragmentado em sons consonantais e

vocálicos, como podemos ver, por exemplo, nos dois momentos musicais distintos em que

encontramos a expressão emotiva apreensiva. No primeiro momento aparece com o texto

fragmentado nos fonemas /fo/ (i) be (u) to (e) /fo/ (i), e na segunda e última vez em que

aparece está ligada às palavras: to, me, to, sing e a.

Exemplo musical 3. Dois momentos musicais extraídos de Sequenza III (1966) para voz solo

de Luciano Berio.

Berio encomendou à Kutter um texto “feito de palavras ‘universais’ que se

compreendesse facilmente e que se fixassem docilmente na memória”29

(apud OSMOND-

SMITH 1995:95) e também que fosse “modular”, ou seja, constituído de frases curtas e

permutáveis para que ele pudesse trabalhar a mobilidade sintática e semântica. Berio queria

que as palavras tivessem uma função cênica, mas, no entanto que essa cena acontecesse no

29

( …) made up of “universal” words, that could be easily understood and would lodge themselves in

the memory.

Page 42: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

41

imaginário do ouvinte. Dessa forma o texto, mesmo fragmentado, poderia ser compreendido

por qualquer pessoa de forma orgânica e imediata. Admitia que fosse natural que Sequenza

III agradasse inclusive às crianças, pois a obra propõe, dentre outras coisas, a ligação com

uma realidade não estritamente musical (apud OSMOND-SMITH, 1995).

Interessa-me a música vocal que imita e, em certo sentido,

descreve aquele prodigioso fenômeno que é o aspecto central da

linguagem: o som que se torna sentido. Por isso é importante que

se tenha uma consciência também acústica do material verbal para

poder voltar para a esfera do sentido e reconquistá-lo através da

dimensão acústica. (apud OSMOND-SMITH, 1981:103).

Esta consideração é fundamental para que a segunda voz, o gesto vocal, possa ser

representada musicalmente. O gesto vocal é representado pelas indicações de ações vocais ao

longo da partitura explicados pela bula (fig. 1 e 2) assim como os gráficos indicativos do

movimento sonoro a ser executado, expresso pelas linhas horizontais e verticais, bolas pretas

e brancas, alturas musicais definidas ou sugeridas, e assim por diante, que se encontra no

meio do sistema.

Figura. 1. Parte da bula da partitura Sequenza III (1966) de Luciano Berio

Figura 2. Parte da bula da partitura Sequenza III (1966) de Luciano Berio

Page 43: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

42

A terceira voz são os estados de emoção e comportamentos vocais dispostos ao longo

da partitura representados pelas expressões e risadas descritas na bula, que aparecem no

plano superior da partitura destacadas de forma sublinhada, tais como no ex. musical 4, onde

lê-se as palavras: tense, giddy, nervous, muttering, tense l., urgente e relieved.

Exemplo musical 4. Sequenza III (1966) para voz solo de Luciano Berio, p.1, fragmento

extraído do 3º sistema.

Os padrões de emoção, segundo Berio, reforçam de maneira alusiva e não concreta, o

caráter gestual de cada momento. O texto fragmentado tem como objetivo um caráter mais

musical do que discursivo e permite que o elemento principal dessa obra - a representação de

reações emocionais através da voz – se destaque através do gesto vocal. É através deles que o

potencial expressivo da voz se manifesta. Berio afirma:

Em Sequenza III existem algumas lacunas curiosas. A obra não tem

memória de música vocal; Falta uma autonomia linguística porque não

existe a possibilidade de uma compreensão linear do texto. Ela carece de

uma autonomia musical especifica porque o significado dos eventos reside

no gesto vocal cotidiano, consequentemente tem uma carência de referência

de uma reciprocidade de uma complexidade histórica formalizada na qual,

na história da musica vocal, marca a relação entre texto e musica. Essas

ausências, eu sinto, são um convite para se ouvir de novo, e testemunhar o

miraculoso espetáculo do som se tornando sentido, talvez o sentido que nós

não encontramos antes: um convite a seguir a transição desconexa de gestos

e sons vocais para um significante estado de urgência. Algo sem significado

não faz qualquer sentido, mas algo que não faz qualquer sentido pode ser

significativo.30

(BERIO, 2006:70).

30

In Sequenza III there are certain curious absences. The work has no memory of vocal music; it lacks

linguistic autonomy because there is no possibility of linear comprehension of the text. It lacks a

specifically musical autonomy because the meaning of the event lies in the everyday vocal gestures;

consequently, it lacks a reference to the complex history of reciprocal formalizations which, in the

history of our vocal music, marks the relationship between text and music. These absences, I feel, are

a invitation to listen afresh, and to witness that miraculous spectacle of sound becoming sense –

perhaps a sense that we have not encountered before: an invitation to follow the transition from

Page 44: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

43

A estrutura em que foi construída Sequenza III proporciona um melhor entendimento

das relações entre gestos vocais e emoções e como a voz pode ser trabalhada a partir de sons

aparentemente sem sentido e transformado em uma obra carregada de significados,

associações e conflitos, características intrínsecas do gesto vocal. Pode-se concluir então que

a principal “voz” desta “invenção a três vozes” é o gesto vocal e este é o principal responsável

pela representação da carga emotiva contida em toda a obra.

unrelated vocal sounds and gestures to a meaningful state of urgency. Something meaningless doesn’t

make any sense, but something that doesn’t make any sense can be meaningful.

Page 45: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

44

Page 46: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

45

CAPÍTULO 3

GESTO VOCAL E APROXIMAÇÕES COM O TEATRO E A POESIA

3.1 Teatro

As técnicas de encenação teatral incluem, além da preparação corporal, também a

preparação vocal, abordando aspectos não só apenas técnicos como emissão vocal, dicção,

projeção e volume, como também a forma como a voz irá exprimir a emoção do texto. Pode-

se dividir as várias técnicas de encenação teatral em dois polos: orgânico e artificial.

(GROTOVSKY apud GONÇALVES, 2011). No polo artificial incluem-se técnicas em que o

ator não tem qualquer identificação com a personagem que representa, e sua atuação visa

unicamente exercer um determinado efeito sobre a percepção do espectador, criando a sua

interpretação a partir de um referencial externo, um modelo imaginado pelo poeta/autor.

(DIDEROT apud GONÇALVES, 2011). No polo orgânico, que tem como mentor Constantin

Stanislavski, defende-se a identificação do ator com a personagem. Inicialmente propôs

através teoria da linha das forças motivas interiores, que o ator acessasse em si mesmo

emoções análogas à da personagem e a partir da memorização dessas emoções baseasse sua

representação, mas, no desenvolver de sua pesquisa, passou a defender que seria mais

eficiente para uma atuação orgânica a memorização de ações físicas e vocais, desenvolvendo

o método das ações físicas.

No que se refere especificamente à voz Stanislavski defende que o aparelho vocal deve

ser preparado para “reproduzir – instantaneamente e exatamente – sentimentos delicadíssimos

e quase intangíveis, com grande sensibilidade e o mais diretamente possível”

(STANISLAVSKI, 1991:45), pois somente o texto não é capaz de transmitir todas as suas

intenções. O autor almejava que os atores obtivessem habilidades que os permitissem se

distanciar de interpretações banalizadas e desenvolver capacidades criativas pessoais.

Stanislavski, principalmente no período que compreende a fundação do Estúdio da

Ópera em 1918 até a sua morte em 1938, dedicou-se a elaborar procedimentos técnicos que

desenvolvessem o potencial expressivo do aparelho vocal, não só através do domínio dos

Page 47: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

46

aspectos técnicos, como dicção e projeção, mas também das entonações e ritmos da fala.

Através do método das ações físicas, propõe que o ator cumpra o que denomina de tarefas do

palco, que são ações comportamentais e reações da personagem, incluindo tanto ação física

como vocal, que devem se guiar por um tempo-ritmo que pulsa no corpo do ator através de

movimentos e palavras, assim como da imobilidade e silêncio. Ou seja, o ator deve criar as

emoções da personagem através da memória física (sensações e sentidos), e a partir delas,

encontrar semelhanças entre a ação do personagem e suas experiências de vida. Isso permite

que se chegue aos processos interiores do emocional do ator, gerando consequentemente,

gestos vocais. Nas palavras de Stanislavski:

Busquei as tarefas e ações físicas com base na experiência vital humana.

Para crer em sua veracidade, tive que apoiá-las em vivências internas e

justificá-las com circunstâncias supostas do personagem. Quando encontro e

sinto estas motivações internas então minha alma se assemelha, em certo

grau, à alma do personagem. 31

(apud GONÇALVES, 2011).

Este método procura principalmente despertar a organicidade das ações físicas e

vocais, ampliando as possibilidades criativas do ator a partir da sua própria subjetividade

emocional. Sobre isso, afirma:

Quando o ator já esgotou todas as vias e métodos de criação, chega a um

limite além do qual a consciência humana não pode estender-se. Aí começa

o reino do inconsciente, da intuição, que não é acessível ao cérebro, mas aos

sentimentos; não ao pensamento, mas às emoções criadoras. A técnica bruta

do ator não pode alcançá-lo. Só é acessível à sua natureza-artística.

(STANISLAVSKI, 1994:94).

A ação vocal do ator deve ter como motivação a intenção, e para desenvolvê-la o autor

considera importante a criação da linha do subtexto. O subtexto é “a expressão manifesta,

31

Busqué las tareas y acciones físicas en base a la experiencia vital humana. Para crer en su veracidad,

las tuve que apoyar en vivencias internas y justificarlas con circunstancias supuestas del personaje.

Cuando encuentro y siento esas motivaciones internas entonces mi alma se asemeja en cierto grado al

alma del personaje. (Trad. Gonçalves, 2011)

“Jimenez e Ceballos (1990, p.286), respectivamente editor e diretor editorial do coletânea de escritos

de/sobre Stanislavski organizados no livro El Evangelio de Stanislaski segun sus Apostoles,

realizaram esta publicação com base nos manúscritos provenientes do arquivo de K.K. Aleksieyeva;

cujo os originais se encontram no Departamento de Manúscritos da Biblioteca Nacional da URSS.

Stanislaski anotou a mão a data de 1936 com os subtítulos: Trabalho sobre o Personagem. O contato

como processo orgânico (ampliação do capítulo intitulado: O contato) . Tarefas Físicas (linha). O

sentir real da vida na obra e no personagem. Na edição espanhola, fonte de referência do presente

trabalho, foi reduzido o título para O Método das Ações Físicas. Pelos títulos pode-se concluir que

Stanislavski pretendia, originalmente, incluir esse material na primeira parte do livro que então

preparava para a publicação: Il lavoro dell’attore sull se stesso (no original: Robota aktera nad soboj)

nos capítulos X e XIV. No entanto, mudou de ideia e destinou esses manuscritos a outro livro em

projeto: Il lavoro dell’attore sul personnagio.” (Gonçalvez, 2011: 49)

Page 48: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

47

intimamente sentida, de um ser humano em um papel, que flui ininterruptamente sob as

palavras do texto, dando-lhes vida e uma base para que existam.” (STANISLAVSKI,

2010:163).

Somente quando os nossos sentimentos mergulham na corrente subtextual é

que a ‘linha direta de ação’ de uma peça ou de um papel passa a existir. Ela

se manifesta não só por movimentos físicos, mas também pela fala: pode-se

representar tanto com o corpo como também pela fala: pode-se representar

tanto com o corpo como também com o som, com as palavras.

(STANISLAVSKI, 2010:164).

Da mesma forma em que aqui se defende o gesto vocal como elemento fundamental

na música vocal contemporânea por proporcionar uma expressividade às ações vocais, o autor

também defende a importância do subtexto para o dizer do texto teatral. Para o autor:

O subtexto é uma teia de incontáveis, variados padrões interiores, dentro de

uma peça e de um papel, tecida com ses mágicos, com circunstâncias dadas,

com toda sorte de imaginações, movimentos interiores, objetos de atenção,

verdades maiores e menores, a crença nelas, adaptações, ajustes e outros

elementos semelhantes. É o subtexto que nos faz dizer as palavras que

dizemos numa peça. (STANISLAVSKI, 2010:163).

O autor então afirma de forma conclusiva que “uma palavra, apresentada isoladamente

e vazia de conteúdo interior, nada mais é senão um nome exterior. O texto de um papel se for

composto apenas disso, não passará de uma série de sons vazios” (STANISLAVSKI,

2010:164), assim como um efeito vocal é igualmente vazio de conteúdo interior se não tiver

origem no emocional do executante e não chega a se tornar um gesto vocal.

Outro autor que também reconhece a importância de técnicas teatrais que

desenvolvam uma linguagem que explore toda a materialidade da voz, suas vibrações,

modulações e registro vocais foi Antonin Artaud (1993). Para ele, através desses elementos

as palavras devem assumir diferentes significados na interpretação de acordo com a

sonoridade da voz.

Sei muito bem que também as palavras têm possibilidades de sonorização,

modos diversos de se projetarem no espaço, que chamamos de entonações.

E, aliás, haveria muito a dizer sobre o valor concreto da entonação no teatro,

sobre a faculdade que têm as palavras de criar, também elas, uma música

segundo o modo como são pronunciadas, independentemente de seu sentido

– de criar sob a linguagem uma corrente subterrânea de impressões, de

correspondências, de analogias. (ARTAUD, 1993:32).

Falar poeticamente exige um envolvimento orgânico da voz e Artaud considera que

para isso acontecer o ator deve exercitar o domínio físico da afetividade, e que por meio do

cultivo de sua emoção em seu corpo o ator recarregue sua densidade. (ALEIXO, 2007:23).

Page 49: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

48

Reconheçamos que o que já foi dito não está mais por dizer; que uma

expressão não vale duas vezes, não vive duas vezes; que toda palavra

pronunciada morre e só age no momento em que é pronunciada, que uma

forma usada não serve mais e só convida a que se procure outra, e que o

teatro é o único lugar do mundo onde um gesto feito não se faz duas vezes.

(ARTAUD apud ALEIXO 2007:24).

Da mesma forma é o gesto vocal em música, pois este também é emitido uma única

vez e sua repetição será sempre diferente, pois é produzido de acordo com a emoção daquele

momento e o fator humano está sempre em constante mudança. Também ele é uma expressão

que não vale duas vezes e não vive duas vezes tendo assim uma semelhança com a linguagem

poética teatral segundo os autores citados.

Artaud reconhece no ator uma preparação física baseada na emoção, ou seja, uma

habilidade para que este seja “um atleta do coração”, que tenha “uma espécie de musculatura

afetiva que corresponde a localizações físicas dos sentimentos” (ARTAUD, 1993:129).

Admite ainda a relação da respiração com os sentimentos, onde afirma categoricamente que

para cada sentimento, movimento do espírito e alteração da afetividade humana corresponde

uma respiração própria. Artaud defende a ligação das emoções e as ações vocais como forma

ideal de expressão vocal do ator. Critica ainda o estilo francês32

de encenação:

Ninguém mais sabe gritar na Europa, e especialmente os atores em transe

não sabem mais dar gritos. Quanto às pessoas que só sabem falar e que se

esqueceram de que tinham um corpo no teatro, também se esqueceram de

usar a garganta. Reduzidas a gargantas anormais, não é nem mesmo um

órgão mas sim uma monstruosa abstração que fala: os atores, na França,

agora só sabem falar. (ARTAUD, 1993:137)

O grito e a fala que Artaud combate é aquele advindo de clichês aprendidos, copiados

e reprisados repetidas vezes em inúmeras apresentações (polo artificial), e prefere aquele que,

assim como o conceito de gesto vocal aqui apresentado, é uma ação vocal cheia de

significados, intrinsecamente ligada às emoções do intérprete. O corpo à que se refere é o

veículo do ator para acessar emoções individuais e consequentemente atingir uma expressão

vocal orgânica e não de uma “garganta anormal”, fictícia, que o ator não possui.

Trabalhando através da glossolalia, Artaud conseguiu desenvolver sua técnica teatral

explorando uma sonoridade vocal incomum. A glossolalia “é a capacidade humana de

produzir uma vocalização cuja caraterística constituidora é justamente a ausência de

referencialidade e, na quase totalidade dos casos, a inexistência de estruturas rígidas e pré-

definidas.” (OLIVEIRA JUNIOR, 2004:18). Artaud trabalha o som das palavras desvinculado

32

Artaud se opunha ao teatro naturalista francês de sua época por ser retórico e subordinado ao texto.

Page 50: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

49

de seu sentido semântico, permitindo que a voz se molde através de entoações das sílabas e da

sensibilidade do próprio executante. Mas esses sons não são desprovidos de conteúdo

significativo. Valente assim explica: “Apesar de isentas de qualquer infra-estrutura gramatical

ou semântica essas não-línguas comunicam uma dada mensagem que pode ser compreendida”

(VALENTE, 1999:162). É o mesmo fenômeno que de quando se escuta um estrangeiro falar

um idioma que não conhecemos. Não conseguimos compreender as palavras, sua semântica,

mas notamos as entoações e as intenções emocionais de sua fala. Da mesma forma

interpretam-se os sons dos animais e se compreende a intenção de um determinado latido, se é

amistoso ou não. É como a linguagem com que se comunicam as crianças em fase de

desenvolvimento. É o balbuciar daqueles mentalmente sãos que em razão de alguma injúria

(tumor, AVC, traumatismos, etc..), perderam a capacidade de articular a linguagem

claramente, mas também é a manifestação da linguagem dos anjos no transe religioso. É,

portanto, uma linguagem guiada por gestos vocais.

É importante se ressaltar que, no entanto, “Artaud nunca quis desconstruir a

linguagem; quis substituir a linguagem concreta: a linguagem da glossolalia, combinação de

sons encantatórios no texto escrito ou falado e a linguagem do espaço, no lugar daquilo que

antes havia sido o teatro de texto” (COELHO, 2000:48). A glossolalia, portanto, propicia um

novo envolvimento do ator com a sua expressão vocal, pois não há como pré-conceber as

entonações, ritmos das palavras a partir do sentido textual. O que irá guiar sua ação teatral

será uma proposta totalmente nova de liberdade da expressividade vocal individual que deve

ter como ponto de partida o puro som das palavras e os sentimentos únicos que evoca no

executante.

Jerzy Grotowski (2011), em seus estudos a partir de 1959 desenvolvidos através do

Teatro Laboratório33

na Polônia, afirma que o ator deve ser consciente de seus bloqueios

físicos e psíquicos a fim de propiciar um fluxo criativo e orgânico das ações físicas e vocais,

processo que denomina de via negativa.

Grotowski afirma que o ator deve sempre buscar reações vocais espontâneas ao invés

daquelas que são friamente calculadas e para isso desenvolveu exercícios de imaginação vocal

para que o ator possa aumentar as possibilidades do aparelho vocal. Um desses exercícios é

proferir sons incomuns, imitando os sons naturais e ruídos mecânicos (pingar da água, o

assoviar dos pássaros, o barulho de um motor, etc.). “ Primeiro esses sons devem ser

33

“Não se trata de um teatro no sentido usual da palavra, mas sim de um instituto dedicado a

investigar o universo da arte teatral e, em particular, da arte do ator.” (GROTOWSKI, 2011:7)

Page 51: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

50

imitados. Em seguida, encaixados num texto falado em que possam despertar a associação do

som que você deseja transmitir (“colorindo” as palavras).” (GROTOWSKY, 2011:118)

Também seu aluno e principal divulgador das técnicas de Grotowski, Eugenio Barba

(1991), reconhece o potencial expressivo da voz, partindo da consciência emocional do ator.

Em 1964, Barba fundou o Odin Teatret na Dinamarca onde desenvolveu estudos práticos

teatrais para voz onde o objetivo era preservar as reações orgânicas espontâneas da voz e

estimular a fantasia vocal individual de cada ator, pois Barba entende que “a voz é uma força

material e que, semelhante a uma mão invisível, ela parte do nosso corpo e age de maneira

que todo o organismo vive e participa desta ação” (ALEIXO, 2007:31).

Não mais efeito calculado, voz mecanicamente impostada, mas reações-

respostas à imagem que servia de estímulo. Começamos a falar de ações

vocais. Aquilo que para nós, anteriormente, tinha sido um postulado: a voz é

um processo fisiológico - tornou-se, então, realidade palpável que engaja o

organismo inteiro e o projeta no espaço. A voz era um prolongamento do

corpo, que através do espaço golpeava, tocava, acariciava, cercava,

empurrava ou sondava à distância ou a poucos centímetros. Uma mão

invisível que se estendia do corpo para agir no espaço, ou mesmo renunciar à

ação. E também esta renúncia era dirigida pela mão invisível. Mas, para que

a voz pudesse agir, tinha que saber onde era o ponto ao qual se dirigir, quem

era este ponto e por que se dirigia a ele (BARBA, 1991:62).

Fernando Aleixo (2007) propõe que haja um investimento maior numa técnica teatral

que leve a um processo que priorize o ator e seus referenciais, com ênfase na abordagem da

manifestação corporal da voz a partir da sua dimensão sensível. Só assim, defende, ter-se-á

como consequência uma dimensão dinâmica da voz enquanto um movimento corporal sonoro,

pois a dimensão dinâmica é, em suas palavras, presença, intervenção e espaço. “É a voz

como ação e movimento que atua no espaço perceptivo permitindo instaurar relações poéticas

intercorpóreas” (ALEIXO, 2007:43).

Da mesma forma o cantor, principalmente aquele que se dedica ao repertório

contemporâneo, pode desenvolver uma preparação vocal de sua interpretação musical com

ênfase na sua manifestação particular corpórea da voz em conjunto com a dimensão do

sensível de suas emoções pessoais e atribuir a sua ação vocal uma nuvem de significados

particular através do gesto vocal, e não através de uma interpretação a partir de conceitos pré-

concebidos, copiados e banalizados, que só resultam em efeitos vocais vazios.

As teorias de preparação vocal de Stankislaviski, Artaud, Grotowski e Barba se

aproximam em muito com o conceito de gesto vocal. Possuem a mesma intenção de resultado

que é a exploração da emoção do ator privilegiando uma emissão vocal orgânica, necessária a

Page 52: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

51

uma interpretação autêntica e idealmente expressiva. Da mesma forma que os atores devem

evitar a reprodução mecânica dos risos, choros, soluços e da própria palavra falada, também o

cantor deve evitar utilizar os efeitos vocais de forma banalizada ou como uma pura

experimentação ingênua dos sons, desprovidas de qualquer intenção poética e emocional. O

cantor deve, através do gesto vocal, expressar sua arte vocal também como, citando Artaud,

um “atleta do coração”, ao invés de se deixar vencer pela praticidade inexpressiva da

monstruosa abstração de uma garganta anormal.

3.2 Poesia

A eclosão de inovações na música contemporânea do século XX resultou em uma

congruência de pensamentos semelhantes que aproximam diferentes áreas da arte.

Especialmente entre música e poesia, onde sempre existiu uma conexão através das obras

para canto, esta aproximação foi muito mais contundente. Pierrot Lunaire34

(1912) de Arnold

Schoenberg (1874-1951) é uma obra que expressa perfeitamente a interferência entre estas

artes, principalmente por ter influenciado profundamente todo o subsequente repertório

musical para voz. Ao colocar um narrador para declamar alturas definidas em partitura, mas

ordenando-o que não as cantasse, Pierrot Lunaire estabeleceu uma importante ponte entre

poesia e música, exigindo uma nova expressão vocal do intérprete - neste caso, sempre uma

cantora.

Aquilo que na voz-falada (Sprechtimme) for apresentado como melodia

através das notas (salvo alguma exceção especialmente assinalada) não se

destina a ser cantado. O executante deve levar conta a altura do som indicada

para transformá-la em uma melodia-falada (Sprechmelodie). (apud

CAMPOS, 1998:47)

Schoenberg discorreu sobre uma série de recomendações a serem obedecidas pelo

narrador que se tornaram as bases do que foi chamado de Sprechgesang, ou, canto-falado,

modalidade em que a voz não é nem canto e nem fala:

34

Pierrot Lunaire ("Pierrot lunático" ou "Pierrot ao luar"), Op. 21, é um ciclo de canções para voz e

pequeno conjunto instrumental, baseadas nos 21 poemas do poeta francês Albert Giraud traduzidos

por Otto Erich Hartleben como Dreimal sieben Gedichte aus Albert Girauds 'Pierrot lunaire', ("três

vezes sete poemas do 'Pierrot Lunaire'”) Foi estreada na Alemanha no Berlin Choralion-saal em 16 de

outubro de 1912 tendo como intérprete Albertine Zehme.

Page 53: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

52

Isto se obtém, desde que ele:

I – mantenha estritamente o ritmo, como se cantasse, isto é, sem maior

liberdade do que se poderia permitir numa melodia-cantada

(Gesangsmelodie);

II – se torne consciente da diferença entre som-cantado

(Gesangsmelodie) e som-falado (sprechton): o som-cantado conserva

a altura do som invariavelmente fixa, o som-falado dá a altura, mas a

abandona imediatamente através de quedas ou subidas. O executante

deve, porém, se precaver para não cair numa modalidade de fala

“cantada”. Não é isso, absolutamente, o que é desejado. O que se

pretende não é de modo algum, uma fala realístico-natural. ao

contrário, a diferença entre a fala comum e uma fala que coopera com

uma forma musical deve se tornar clara. Mas também não se deve

evocar uma canção.

(apud CAMPOS, 1998:47)

Ao escrever todas as alturas musicais para a execução de sua obra, conclui-se que a

intenção do compositor não era que uma atriz declamasse a obra, e sim uma cantora,

obedecendo rigorosamente as indicações da notação. Porém, como a declamação é uma arte

estudada por poetas e atores, é uma obra que exige à intérprete o desenvolvimento de novas

habilidades vocais. O desenho melódico apresentado na partitura (ex. musical 5 - Rezitation)

se assemelha às entonações de uma voz declamada. Mas essa declamação não é livre e sim

guiada pelas alturas musicais, requisitando conhecimentos musicais, limitando a interpretação

a apenas músicos.

No mesmo período em que Pierrot Lunaire estreou, estava em voga uma nova forma

de fazer poesia que valoriza os aspectos fonéticos da linguagem humana. É uma poesia

voltada unicamente para o uso dos aspectos fonéticos ou sonoros da expressão humana, que

em geral não permite reconhecer qualquer palavra. Surge a poesia fonética, explorada por

futuristas e dadaístas.

Page 54: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

53

Exemplo musical 5. Trecho inicial da partitura da canção no. 7 de Pierrot Lunaire “Der kranke Mond”,

“A Lua Doente”, tradução de Augusto de Campos. (CAMPOS 1998:46).

Pode-se observar um paralelismo entre música e artes através do poeta Filippo

Tommaso Marinetti (1876-1944), considerado o fundador do futurismo, e compositores como

Francesco Balilla Pratella (1988-1955) e Luigi Russolo (1885-1947), seus contemporâneos.

Marinetti publicou um famoso manifesto no jornal Le Figaro (1909), de Paris, onde expôs sua

oposição às fórmulas acadêmicas vigentes. Exaltou a necessidade de abandonar as fórmulas

tradicionais da poesia em prol de uma nova expressividade em arte que fosse capaz de

representar o dinamismo da sociedade moderna industrial. Estava surgindo então a arte

poética baseada no ruído das máquinas da revolução industrial e também nos motores e

buzinas da mais recente novidade: o automóvel. Idealizou uma arte voltada para o indivíduo

inserido nessa nova realidade rumorosa, conforme as palavras de Marinetti em seu manifesto:

Page 55: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

54

11. Nós cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer

ou pela sublevação; cantaremos as marés multicores e polifônicas das

revoluções nas capitais modernas; cantaremos o vibrante fervor noturno dos

arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas luas elétricas; as estações

esganadas, devoradoras de serpentes que fumam; as oficinas penduradas às

nuvens pelos fios contorcidos de suas fumaças; as pontes, semelhantes as

ginastas gigantes que cavalgam os rios, faiscantes ao sol com um luzir de

facas; os piróscafos aventurosos que farejam o horizonte, as locomotivas de

largo peito, que pateiam sobre os trilhos, como enormes cavalos de aço

enleados de carros; e o vôo rasante dos aviões, cuja hélice freme ao vento,

como uma bandeira, e parece aplaudir como uma mutidão entusiasta.

(...)

É na Itália, que nós lançamos pelo mundo este nosso manifesto de violência

arrebatadora e incendiária, com o qual fundamos hoje o “Futurismo”,

porque queremos libertar este país de sua fétida gangrena de professores, de

arqueólogos, de cicerones e de antiquários (...). Admirar um quadro antigo

equivale a despejar nossa sensibilidade numa urna funerária, no lugar de

projetá-la longe, em violentos jatos de criação e de ação.

(MARINETTI, 1980:34)

Marinetti, através do conceito de parole in liberta, introduziu as onomatopeias como

elemento com a finalidade de se chegar a uma linguagem que incorporasse elementos

sensoriais. O poema futurista é declamado, quase cantado. É considerado precursor da poesia

fonética. Esta declamação pode ser executada de diversas formas: acompanhada de diferentes

ruídos, produzidos por instrumentos não musicais ou com o corpo; através de várias

declamações simultâneas; com a introdução de elementos visuais de forma performática. À a

execução vocal cabe a parte fonética que se traduzia em livres palavras, gemidos, gritos,

sussurros, etc. No manifesto em prol dos músicos futuristas no Le Figaro em 1911, o

compositor Balilla Pratella declara sua adesão ao Futurismo no Manifesto dos Músicos

Futuristas.

Eu repudio o título de maestro, como marca de igualdade na mediocridade e

na ignorância, confirmo aqui a minha entusiástica adesão ao Futurismo,

apresentando aos jovens corajosos, aos temerosos, estas minhas irrevogáveis

CONCLUSÕES:

(...).

7. Proclamar que o reino do cantor deve acabar e que a importância do

cantor com relação à obra de arte corresponde à importância de um

instrumento da orquestra.

(PRATELLA, 1980:50)

Page 56: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

55

Nesta sétima “conclusão” de Pratella, vê-se que o Futurismo propõe que a música

vocal não seja feita em função do cantor e sim em função da voz, o que permite que se

explore a sonoridade da voz da mesma forma que com os instrumentos.

Também em 1911 publica A Música Futurista - Manifesto Técnico onde declara que a

sinfonia futurista tem como formas máximas o Poema Sinfônico, orquestral e vocal e a Ópera

Teatral. Neste tipo de composição, “a voz humana mesmo sendo o maior meio de expressão,

porque é nossa e provém de nós, será espalhada ao redor pela orquestra, atmosfera sonora,

repleta de todas as vozes da natureza, representadas através da arte.” (PRATELLA, 1980:60).

Propõe uma fusão da música e poesia através do canto quando afirma:

O operista, criando ritmos ao ligar as palavras, já cria musicalmente e é autor

único da própria ópera. Musicando ao contrário, a poesia dos outros, ele

renuncia estupidamente à sua particular fonte de inspiração original, à sua

estética musical, e assume de outros a parte rítmica das suas melodias.

O verso livre é o único apto, não estando obrigado a limitações de ritmos e

de acentos que se repetem monotonamente em formas restritas e

insuficientes. A onda polifônica da poesia humana encontra no verso livre

todos os ritmos, todos os acentos e todos os modos para poder exprimir-se,

exuberantemente como numa fascinante sinfonia de palavras. Tal liberdade

de expressão rítmica é própria da música futurista.

(...)

Canto natural, espontâneo, sem a medida dos ritmos ou dos intervalos,

artificiosa limitação da expressão, que nos faz lamentar a eficácia da palavra.

(PRATELLA, 1980:60)

Já Russolo, em 1913 propõe em L'Arte dei Rumori inserir o ruído em música. Neste

manifesto proclama os novos rumos da música de seu tempo:

Em primeiro lugar, a arte musical buscava a suavidade límpida da pureza do

som. Então isso amalgamava sons diferentes com a intenção de acariciar os

ouvidos com harmonias suaves. Nos dias de hoje a arte musical almeja as

amalgamas mais estridentes, estranhas e dissonantes do som. Assim, estamos

nos aproximando do ruído sonoro. Esta revolução da música é acompanhada

pela proliferação crescente das máquinas que compartilham o trabalho

humano. Na atmosfera pulsante das grandes cidades, bem como nas antigas

cidades silenciosas do interior, as máquinas de criam hoje um número tão

grande de ruídos diversos, que o som puro, com a sua pequenez e sua

monotonia, agora deixa de despertar alguma emoção. 35

(RUSSOLO, 1967: 5)

35

First of all, musical art looked for the soft and limpid purity of sound. Then it amalgamated different

sounds, intent upon caressing the ear with suave harmonies. Nowadays musical art aims at the

shrilliest, strangest and most dissonant amalgams of sound. Thus we are approaching noise-sound.

This revolution of music is paralleled by the increasing proliferation of machinery sharing in human

labor. In the pounding atmosphere of great cities as well as in the formerly silent countryside,

Page 57: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

56

E ainda:

Essa evolução para o ruído de som só é possível hoje. O ouvido de um

homem do século XVIII nunca poderia ter aguentado a intensidade

discordante de alguns dos acordes produzidos por nossas orquestras (cujos

músicos são três vezes mais numerosos); por outro lado os nossos ouvidos se

agradam dele, pois eles estão sintonizados com moderna vida, rica em todos

os tipos de ruídos. Mas nossos ouvidos longe de estarem satisfeitos,

continuam pedindo por maiores sensações acústicas. No entanto, o som

musical é muito restrito na variedade e qualidade dos seus tons. A orquestra

mais complicada pode ser reduzida a quatro ou cinco categorias de

instrumentos com sonoridades diferentes: instrumentos de cordas de arco,

instrumentos de cordas percutidas, instrumentos de sopro de metal,

instrumentos de sopro de madeira e instrumentos de percussão. A música

marca o tempo neste pequeno círculo e em vão tenta criar uma nova

variedade de sonoridades. É preciso romper a todo custo a partir deste

círculo restrito de sons puros e conquistar a infinita variedade de ruídos

sonoros. 36

(RUSSOLO, 1967:6)

Também os poetas do dadaísmo, movimento iniciado na Alemanha em Berlim, se

voltaram para uma poesia fonética desvinculada de valor semântico, mas o objetivo destes é a

crítica social através da subversão e da ironia. O próprio nome do movimento faz referência

ao balbuciar das primeiras tentativas de fala, os sons primitivos do ser humano. “... o

dadaísmo procura dessacralizar a língua, através do humor e da ironia fundados numa

linguagem pré-verbal” (VALENTE, 1999:155).

Em 1947, narra Marlene Fortuna (2000), o romeno Isidore Isou propõe uma nova

estética vocal contra o esgotamento da escrita, que foi chamado de ‘o letrismo de Isou, que

explora acusticamente sons como arroto, tosse, espirro, ou seja, sons não-verbais e também a

onomatopeia como forma de desconstrução da linguagem, criando um alfabeto de ruídos

vocais do letrismo. Fortuna destaca ainda o movimento “zaum”, um setor radical do

futurismo russo, que trabalha com uma proposta de linguagem sem sentido e palavras

destituídas de significado. “Se o dadá se baseia na linguagem das crianças em sua procura de

uma comunicação pré-gramatical, o zaum da língua transmental recupera a linguagem dos

machines create today such a large number of varied noises that pure sound,with its littleness and its

monotony, now fails to arouse any emotion. 36

This evolution toward noise-sound is only possible today. The ear of an eighteenth century man

never could have withstood the discordant intensity of some of the chords produced by our orchestras

(whose perfor mers are three times as numerous); on the other hand our ears rejoice in it, for they are

attuned to modern life, rich in all sorts of noises. But our ears far from being satisfied, keep asking

for bigger acoustic sensations. However, musical sound is too restricted in the variety and the quality

of its tones. The most complicated orchestra can be reduced to four or five categories of instruments

with different sound tones: rubbed string instruments, pinched string instruments, metallic wind

instruments, wooden wind instruments, and percussion instruments. Music marks time in this small

circle and vainly tries to create a new variety of tones. We must break at all cost from this restrictive

circle of pure sounds and conquer the infinite variety of noise-sounds.

Page 58: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

57

loucos e dos folclores dialetais, procurando fixar a partir daí sua transracionalidade”

(MENEZES apud FORTUNA, 2000:32).

A poesia fonética dos futuristas e dadaístas assemelha-se aos sons da linguagem dos

anjos da glossolalia explorada no teatro por Artaud e o compositor Dieter Schnebel, que em

suas pesquisas em meados do século XX, realizou incursões no âmbito da glossolalia e da

fonética, que resultaram em diversas obras vocais que mesclam música e poesia. Neste caso, a

proposta de aproximação com a poesia parte do compositor, criando obras que transitam entre

as duas artes ou até mesmo criando uma nova arte a partir da impossibilidade de definição

categórica como uma ou outra. É o caso da obra Glossolalia onde Schnebel elabora uma obra

que ele situa a expressão vocal entre a palavra e a música, mas, ressalta, não é uma e nem

outra.

O princípio da Glossolalie é muito simples: fala como música e música

como linguagem. A peça possui uma introdução e uma coda, mas não se

pode saber onde precisamente começa ou termina. Na introdução são

expostas as formas simples da fala; são assim expostas as formas simples da

música como linguagem.

Falar como música: fala é um processo que possui categorias musicais – se

fala lentamente, rapidamente, alto, baixo.

Música como linguagem: se escutarmos os instrumentos tradicionais,

teremos um conjunto de músicas sérias. Se escutarmos os utensílios de

cozinha, teremos um outro grupo, e a música se torna uma linguagem. 37

(SCHNEBEL, 1974:103)

Schnebel também explora a voz e sua capacidade de fala e música em obras onde

utiliza agrupamentos vocais como em Für Stimmen... Missa est, com textos extraídos da

bíblia. Já começando pelos títulos, explora sons vocais por vezes impronunciáveis enquanto

palavras, mas possíveis enquanto gesto vocal como ! (madrasha 2) para três grupos vocais, e

o silábico amn para sete grupos vocais. Em três destas peças em que o compositor utiliza o

material verbal, descreve Stoianova, têm-se processos diferentes de transmutação e

37

Le príncipe de Glossolalie est três simple: parler comme musique et musique comme la langage. La

pièce a une introduction et une coda, mais on ne peut savoir au juste où commence et oú finit

exactemente la pièce. Dans l’introdution sont exposées les formes simples de parler; sont aussi

exposées les formes simples de musique comme langage.

Parler comme musique: parler est um processus qui a dês catégories musicales – on parle lentement,

on parle vite; on parle haut, on parle bas.

Musique comme langage: si on écoute des instruments traditionnels, on a un ensemble de musiques

sérieuses; si on écoute des ustensiles de cuisine, on a un autre ensemble, et la musique deviant un

langage.

Page 59: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

58

metamorfose dos materiais verbal e musical, num mesmo jogo de processos de

engendramento sonoro. Ela conclui que se trata de processos de constituição de enunciados

musicais através da anulação do significado, decomposição do texto e da transmutação de

sonoridades da fala em música. A superposição linear de vozes relativamente compreensíveis

e de material fonético derivam de um texto traduzido em sete idiomas diferentes em amn e dt

316 . Já em ! (madrasha 2) há uma diluição e absorção dos elementos fonéticos no fluxo

sonoro de um enunciado averbal. (STOIANOVA, 1974:93).

Stoianova afirma que Schnebel “foi um dos primeiros a pesquisar a decomposição do

texto-portador de significados e o levantamento da divisão entre o dispositivo verbal e

musical, pelo engendramento de um enunciado onde todo o conteúdo será transformado em

gesto musical.” (STOIANOVA, 1974: 95).

A partir desses fonemas se compõe não somente a música, mas também a

linguagem, seguida da intenção da peça de transformar o texto como

material e conteúdo em música para que, musicalizado, ele fale: desses

fonemas pode-se compor a música e as palavras perdidas na música; o

conteúdo pode ser transformado em gestos musicais. 38

(SCHNEBEL apud

STOIANOVA, 1974:97).

Stoianova explica que a fusão da palavra decomposta em som por Schnebel quer

traduzir a gestualidade a partir do texto por que a palavra, por si mesma, pode transportar até a

música principalmente quando a delineação de sua semântica repousa sobre os elementos

fonéticos. (STOIANOVA, 1974:100).

Na década de 1940 é a poesia sonora, que faz uma aproximação com a música, tendo

diversos pontos em comum com a música concreta. Com o mesmo propósito da poesia

fonética, a poesia sonora se difere por assumir “a voz e sua materialidade pura, explorada no

seu aspecto sonoro, por intermédio da manipulação dos recursos da eletroacústica”

(VALENTE, 1999:95), traçando um paralelo às experimentações dos compositores

concretistas nos estúdios da RTF (Radio France) liderados por Pierre Schaeffer39

e Pierre

Henry. Segundo Haroldo de Campos e Augusto de Campos “a poesia concreta é o primeiro

38

A partir de ces phonèmes on compose non seulement la musique, mais aussi Le langage, suivant

l’intention de la pièce de transformer le texte comme matériau et contenu em musique pour que,

musicalisé, il parle: de ses phonèmes on peut composer de la musique et des paroles mises em

musique; le contenu peut être transforme em gestes musicaux. 39

Pierre Schaeffer, engenheiro electrotécnico e locutor, iniciou as primeiras experiências no estúdio

por volta de 1948-1949, mas somente em 1951, a prática se estabelece através da criação do Grupo de

Pesquisa de Música Concreta (Groupe de Recherche de Musique Concrète – GRMC) e a associação ao

compositor Pierre Henry. Desta época são as composições mais expressivas como Symphonie pour un

homme seul e a ópera Orpheé 51, esta última utilizando aparelhos como o Morphophone e os

Phonogènes, que funcionavam com gravações em fita magnética.

Page 60: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

59

movimento internacional que teve, na sua criação, a participação direta, original, de poetas

brasileiros” (apud SAMPAIO 1991:122), o que demonstra a grande repercussão mundial

desse gênero de vanguarda.

Os maiores representantes da poesia sonora, segundo Heloísa Valente (1999) foram

Henri Chopin, Arthur Pétronio, Bernard Heidsieck, François Dufrêne, Pierre e Ilse Garnier e

Arrigo Lora-Torino. Suas obras muitas vezes são confundidas com obras musicais, mas essa

arte cabe aos compositores da música concreta. Nesta corrente vanguardista não só a voz e

seus ruídos são utilizados como matéria musical registrada em fita magnética, como a voz é

alterada por diversos procedimentos técnicos como decupagem, filtragem de freqüências e

mudança de velocidade da fita magnética. Tais procedimentos foram ampliados com a

evolução dos computadores que possibilitaram não só a manipulação da voz como a criação

de sons computadorizados, levando a procedimentos que fundiam a voz com outros sons

gravados ou criados artificialmente, e até mesmo a capacidade de se recriar a voz através dos

sons sintéticos.

A poesia Ursonate (1922-32), do multi-artista alemão Kurt Schwitters ou Merz,

pseudônimo com o qual assinava suas obras, também demonstra a proximidade entre música e

poesia, pois organiza inúmeros fonemas vocais em uma forma sonata. O poema é estruturado

como uma composição musical de quatro movimentos, um prelúdio, um final e uma variação

improvisada sobre o quarto movimento.

A seguir, demonstra-se através do 1º. Movimento de Ursonate, a sua estruturação,

ressaltando as partes por grifo. Fez-se um corte, também em grifo, do desenvolvimento até a

parte final, para que se visualize melhor sua estrutura. O primeiro movimento é composto de

Introdução, uma primeira parte com tema 1, tema 2, tema 3 e tema 4, a exposição, o

desenvolvimento, que compreende a parte mais extensa da poesia, e o final. Foram grifadas

também algumas observações de ações vocais como indicações de “cantado”, “gritando”, ou

seja, ruídos vocais contrapostos com o canto, criando uma diversidade de sonoridades vocais

que vão além da fragmentação fonética.

Page 61: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

60

URSONATE de Kurt Schwitters40

Introdução:

Fümms bö wö tää zää Uu,

pögiff,

kwii Ee.

1

Oooooooooooooooooooooooo, 6

dll rrrrr beeeee bö

dll rrrrr beeeee bö fümms bö, (A)

rrrrr beeeee bö fümms bö wö,

beeeee bö fümms bö wö tää,

bö fümms bö wö tää zää,

fümms bö wö tää zää Uu:

5

primeira parte:

tema 1:

Fümms bö wö tää zää Uu,

pögiff,

Kwii Ee.

1

tema 2:

Dedesnn nn rrrrr,

Ii Ee,

mpiff tillff too,

tillll,

Jüü Kaa?

2

tema 3:

Rinnzekete bee bee nnz krr müü?

ziiuu ennze, ziiuu rinnzkrrmüü,

3

rakete bee bee, 3a

tema 4

Rrummpff tillff toooo? 4

exposição:

Ziiuu ennze ziiuu nnzkrrmüü, ü3

40

Extraído de http://www.costis.org/x/schwitters/ursonate.htm

Page 62: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

61

Ziiuu ennze ziiuu rinnzkrrmüü

rakete bee bee? rakete bee zee. ü3a

desenvolvimento:

Fümms bö wö tää zää Uu,

Uu zee tee wee bee fümms. ü1

rakete rinnzekete

rakete rinnzekete (B)

rakete rinnzekete

rakete rinnzekete

rakete rinnzekete

rakete rinnzekete

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3a

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1

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1

Page 63: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

62

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kwiiEe.

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rakete rinnzekete (C)

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rakete rinnzekete

Beeeee

ü3+

3a

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fümmsbö

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1

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rakete rinnzekete (D)

rakete rinnzekete

rakete rinnzekete

rakete rinnzekete

rakete rinnzekete

Beeeee

ü3+

3a

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böwörö

böwörö

böwörö

böwörö

1

Page 64: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

63

böwörö

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Page 65: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

64

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Ii Ee,

mpiff tillff toooo,

Dedesnn nn rrrrr,

desnn nn rrrrr

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nn rrrrr

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Eeeee

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mpiff tillff

mpiff tillff toooo,

Dedesnn nn rrrrr, Ii Ee, mpiff tillff toooo,

Dedesnn nn rrrrr, Ii Ee, mpiff tillff toooo, tillll

Dedesnn nn rrrrr, Ii Ee, mpiff tillff toooo, tillll,Jüü-Kaa?llll,Jüü-Kaa?

(cantado)

_____________ corte________________________

(final)

Fümms bö fümms bö wö Fumms bö wö tääää?

Fümms bö fümms bö wö Fumms bö wö tää zää Uuuu?

Rattatata tattatata tattatata

Rinnzekete bee bee nnz krr müüüü?

Fümms bö

Fümms böwö

Fümms bö wö täää????? (gritando)

Processos de elaborações musicais como a gravação da voz a partir da leitura de um

texto literário, dar importância aos fonemas e a inclusão dos ruídos da fala se assemelham

muito aos procedimentos utilizados na poesia sonora. “O experimentalismo levado a cabo

pela poesia e pela música contribui para um esfacelamento das fronteiras entre as duas artes”,

afirma Valente e ainda conclui que “ uma característica da arte do século XX em geral é

justamente a tendência à eliminação de fronteiras nos domínios artísticos, o que propiciou o

surgimento da chamada arte multimídia.” Também reconhece a importância da música nesse

Page 66: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

65

processo: “ podemos constatar que a música, de sua parte, também contribuiu para esse novo

redimensionamento. O conceito de voz musical, por exemplo expandiu-se

consideravelmente.” (VALENTE, 199: 156). Apesar dessa grande aproximação, essas artes

não se confundem e nem se fundem, mas trabalham de forma similar e com os mesmos

recursos em paralelo. Da mesma forma considera Menezes:

A diferença entre a poesia sonora e a música está, então, no método de cada

uma dessas linguagens: a poesia sonora tem como ponto de partida a voz

extraída de seu uso cotidiano, tendo como referência o trabalho realizado

pelas vanguardas históricas (os foneticistas); a música concreta e eletrônica

teriam como procedimento a organização dos sons vocais obedecendo a uma

eufonia segundo critérios estabelecidos pelo compositor (apud VALENTE,

199: 156)

De fato, apesar de, tanto poesia quanto música terem sido marcadas nessa época por

uma série de experimentações no âmbito vocal nos levando a resultados auditivos muito

semelhantes, e apesar de um mesmo autor compor música vocal e poesia, baseados numa

nova estética vocal, percebe-se que a inspiração, a forma e a motivação artística que move

cada arte assim como a preparação de cada artista executante – declamador ou cantor – são,

apesar de equivalentes, expressas de forma particularmente diferenciadas, cada um com as

suas determinações técnicas específicas e submetidas as habilidade particulares da formação

de cada intérprete.

O que se deve frisar é a grande afinidade não só da poesia com a música como com os

pensamentos da psicolinguística e também com a nova forma de pensar a preparação vocal

nas artes cênicas. As artes no século XX ganharam um novo fôlego em relação à expressão

vocal através de diversas correntes experimentalistas. Tornaram-se cada vez mais artes

interligadas: a poesia está na música, a música está no teatro, o teatro se utiliza da poesia e

literatura para dar vida a suas personagens. O gesto vocal com sua carga de significados

emocionais se precipita sob todas essas artes. É proclamada pelos psicolinguistas, se reflete na

música através de compositores como Luciano Berio, está no âmago do subtítulo do texto

teatral, se expressa pela motivação emocional da ação vocal e impulsiona a glossolalia no

teatro e na poesia dos futuristas e dadaístas.

Page 67: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

66

Page 68: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

67

CAPÍTULO 4

ANÁLISE DESCRITIVA DE GESTOS VOCAIS NA OBRA

SEQUENZA III DE LUCIANO BERIO

4.1 Gesto vocal e emoção

A intrínseca relação entre gesto vocal e emoção leva ao entendimento, a partir do

exposto no capítulo inicial, que estes estão interligados por uma relação de causa e efeito. As

reações emocionais do ser humano produzem o gesto vocal que por sua vez causa um

estímulo tanto no interlocutor quanto no próprio emissor e ambos reagem emocionalmente a

ele. Em música o gesto vocal possibilita uma intensificação da comunicação expressiva da

obra entre cantor e ouvinte. Na música vocal contemporânea, não só intensifica como é o

principal elemento expressivo, o canal de abertura direta da emotividade proposta na obra

pelo compositor, interpretada pelo intérprete e fruída pelo ouvinte.

Em Sequenza III de Luciano Berio as possibilidades de análise descritiva do gesto

vocal possibilita que se observe as relações de causa e efeito entre gesto vocal e emoção. As

emoções em Sequenza III são descritas pelas expressões, representadas por nove

comportamentos vocais e 36 padrões de emoção descritos ao longo da partitura destacados

com uma linha sublinhada. O gesto vocal é descrito pelas alturas e durações disposta na

partitura e as indicações de registro e ações vocais através de símbolos. Entende-se por

registro vocal as possibilidades de configuração fisiológica da voz como, por exemplo, voz

falada, cantada, sussurrada, entre outras categorizações. (SUNDBERG,1987).

A fim de se promover um melhor entendimento do significado de cada expressão, foi

feita uma livre tradução das expressões, disposta no quadro 1 de acordo com a sua

classificação: comportamento vocal e/ou padrão de emoção.

Page 69: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

68

Quadro 1. Comportamentos vocais e padrões de emoção com tradução

Comportamentos vocais Padrões de emoção

risada frenética (frantic l.)

risada (laughing)

risada nervosa (nervous l.)

risada aberta (open l.)

risada tensa (tense l.)

ecoando (echoing)

ofegante (gasping)

murmurando (muttering)

gemendo (whimpering)

ansiosa (anxious)

apreensiva (appreehensive)

confusa (bewildered)

calma (calma)

tímida (tímida)

distante (distant)

distante e sonhadora (distant and dreamy)

sonhadora (dreamy)

sonhadora e tensa (dreamy and tense)

extasiada (ecstatic)

extremamente intensa (extremely intense)

extremamente tensa (extremely tense)

desmaiando (faintly)

enfraquecendo (fading)

frenética (frantic)

tonta (giddy)

impassível (impassive)

progressivamente desesperada (increasingly desperate)

intensa (intense)

alegre (joyful)

lânguida (languorous)

nervosa (nervous)

nobre (noble)

aliviada (relieved)

serena (serene)

acalmando-se (subsiding)

amável (tender)

tensa (tense)

urgente (urgent)

muito excitada e frenética (very excited and frantic)

muito tensa (very tense)

lamentando (whining)

melancólica (wistful)

engraçada (witty)

Tensa murmurando (tense muttering)

Tensa murmurando é a única expressão que resulta de uma junção de comportamento

vocal e padrão de emoção.

Em Sequenza III, o gesto vocal está expresso através de várias gradações de emoções

descritas através dos comportamentos vocais e padrões de emoção e por isso, é necessário que

se selecione uma teoria norteadora de classificação de emoções para que as semelhanças e os

contrastes de cada expressão possam ser analisados.

Page 70: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

69

4.2 Análise dos comportamentos vocais e padrões de emoção através da Roda de

Plutchik

O estudo das emoções humanas vem de longa data, envolvendo teorias e experimentos

acerca da origem e seu desenvolvimento, tipos, classificações e reconhecimento das emoções.

Já Galeno (129-199), a mais de 2000 anos, tentava tipificar o temperamento dos seres

humanos e classificou-os em quatro: sanguíneo, colérico, melancólico e fleumático, cada um

compreendendo uma série de emoções correspondentes.

.

Figura 3. Expressão de emoções, sorriso natural x sorriso “galvanizado”, de Darwin (1872).

Em 1872, Charles Darwin publicou o livro A expressão das emoções no homem e nos

animais (2009), considerado o primeiro estudo científico da expressão emocional. Para

Darwin, as expressões emocionais são consequência da evolução da adaptação do ser humano

às funções de comunicação e sobrevivência (PLUTCHIK, 1991:xix). Seu entendimento é de

que as mesmas emoções básicas são encontradas em todos os seres humanos. Desenvolveu

diversos métodos científicos para conduzir suas pesquisas, experimentos estes considerados

os primeiros acerca de como as pessoas podem reconhecer a emoção através das expressões

faciais. Um desses métodos era o de galvanização, onde eletrodos conectados na superfície da

pele provocavam movimentações musculares identificáveis, estabelecendo quais músculos

estariam envolvidos na expressão emocional, como se pode ver na demonstração da fig. 3,

onde na letra a) tem-se um sorriso executado de forma natural e o de letra b) provocado

através da estimulação dos eletrodos. A demonstração comprova um resultado bastante

análogo, fortalecendo a hipótese de que existem movimentos específicos de determinados

músculos para cada emoção. Este experimento foi feito com uma série de outras expressões

de emoção, assim como diversas outras experiências foram desenvolvidas e utilizadas por

Page 71: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

70

Darwin para o estudo e reconhecimento das emoções através das expressões faciais,

influenciando até hoje os estudos da psicologia. (GOODWIN, 2005:158).

No início do século XX, em 1903, Wundt, além de se dedicar às origens da

psicolinguística, também se voltou às pesquisas acerca das emoções humanas e propôs que o

esquema dos quatro temperamentos de Galeno fosse pensado de forma bipolar, ou seja, o tipo

fleumático se opondo ao colérico e o sanguíneo se opondo ao melancólico, e ainda concebeu a

mistura entre os quatro tipos, levando a uma estrutura circular de representação. Este círculo é

conhecido como esquema de personalidade de Galen-Wundt, um dos primeiros estudos a

considerar que a personalidade varia em níveis de similaridade de uma para a outra, e que

cada emoção tem seu oposto correspondente. (PLUTCHIK, 1980:177).

Na teoria de personalidade de Galen-Wundt temos um esquema com diversos

temperamentos associados a cada personalidade. Da esquerda para a direita, em sentido

horário tem-se melancólico (ansioso, preocupado, infeliz, desconfiado, sério, pensativo),

colérico (ruboriza rapidamente, egocêntrico, exibicionista, “cabeça-quente”, histriônico e

ativo), sanguíneo (brincalhão, amistoso, sociável, cuidadoso, esperançoso e contente) e

fleumático (racional, conservador, controlador, persistente, estável e calmo).

Figura 4. Teoria da estrutura de personalidade de Galen-Wundt. (PLUTCHIK 1980:177).

Page 72: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

71

O interesse pelo estudo das emoções por parte dos psicólogos somente foi

intensificado e passou a reunir contribuições relevantes à pesquisa a partir da década de 1960.

No mesmo período surgiram estudos interdisciplinares entre música e psicologia no intuito de

investigar a relação entre música e emoção, inclusive proporcionando aproximações

multidisciplinares como estudos dos processos de linguagem e cognição, assim como

enfoques em educação musical, historicismo, sociedade e cultura, como os estudos de autores

como Leonard Meyer (1956), John Blacking (1973), C. Jacobs (1960), John Sloboda (2001), e

Michel Imberty (1979).

Diversos enfoques diferentes são estudados desde então, tais como as possibilidades

expressivas e comunicativas da música, as capacidades terapêuticas da escuta e também da

prática musical, processos de percepção da escuta, a influência da emoção na execução

musical do intérprete, elementos emocionais do gosto musical, entre outros.

No que se refere às teorias classificatórias das emoções, o pensamento

predominominate no decorrer do século XX e também as teorias mais modernas têm como

origem o modelo bipolar das emoções de Wundt, evolucionando para a premissa de que

existem algumas emoções que são básicas e não básicas (derivadas da mistura das básicas).

Quais, quantas e como são formadas essas emoções variam de acordo com cada autor. No

entanto, apesar da grande diversidade de diferentes esquemas de emoções básicas, a grande

maioria dos teóricos concorda que existem emoções básicas e não básicas e que estas últimas

são resultantes de combinações ou misturas das básicas.

Atualmente, Paul Ekman, (n.1934) é um dos autores mais reconhecidos, dentre outros

motivos, por prestar serviços de assessoria para o seriado de televisão “Lie to me”. Em seus

mais recentes estudos propõe que através das expressões faciais seja possível identificar as

emoções de um sujeito. Para Ekman, existem sete emoções básicas, cada qual representada

por parâmetos pré-definidos de micro-expressões faciais.41

Estas emoções são: alegria,

tristeza, medo, nojo, espanto, desprezo e raiva. As imagens (fig. 5) demonstram os

movimentos faciais que geram as micro-expressões através de configurações específicas dos

olhos, boca e lábios, nariz, maçã do rosto, rugas de expressão, pestana e sobrancelhas.

41

Para maiores informações sobre este autor, visite o site: http://www.paulekman.com.

Page 73: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

72

Figura. 5. Micro expressões faciais. Fonte: http://fox.co.ao/Series/Custom.php?seriename=lie-to-me

Page 74: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

73

Para esta pesquisa, escolheu-se como referência norteadora o autor Robert Plutchik

por considerar-se uma das teorias das emoções mais completa, considerando não só as

expressões faciais, como fez Ekman, mas também toda a movimentação corporal do indivíduo

em questão. A movimentação corporal traduz as emoções humanas e as suas gradações.

“Variações de posições do corpo são sempre usadas como sinais”. (PLUTCHIK, 1980:272).

O corpo se movimenta na intenção de expressar um significado, reagindo a um estímulo

externo ou aos próprios impulsos emocionais. A cada reação emocional o corpo assume uma

postura. Plutchik ainda acrescenta que “as posturas intermediárias refletem a existência de

conflitos entre impulsos, por exemplo, entre o impulso de atacar e de fugir ou o conflito entre

o impulso de subir ou descer” (PLUTCHIK, 1980:273). Na fig. 6 pode-se ver a postura que

expressa a interação de medo e agressividade. A postura agressiva do gato aumenta em níveis

da esquerda para a direita e a postura de medo aumenta no nível de cima para baixo. As

posturas são uma combinação de ambos, agressividade e medo, em diversas gradações de

níveis.

Figura 6. Expressões de “agressividade” e “medo” num gato. (PLUTCHIK, 1980:273).

Page 75: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

74

A emoção de terror, por exemplo, é uma variante de grande intensidade da emoção

medo que, por sua vez, é uma variante mais forte de apreensão. Da mesma forma, melancolia,

tristeza e dor são emoções com uma linha comum direcional, porém com diferentes graus que

só variam em intensidade. Neste modelo que Plutchik denomina de Modelo Multidimensional

das Emoções (MME), ele define oito principais dimensões emocionais. As demais emoções

são consideradas como variantes destas primárias, resultante da soma das emoções básicas

chamadas de "díades".

Sobre a genealogia das emoções básicas, Plutchik acredita que estas são de origem

biologicamente primitivas que surgiram em razão de uma evolução espontânea, a fim de

melhorar a aptidão reprodutiva animal. Argumenta que essas emoções básicas são de extrema

importância, pois são responsáveis pelos reflexos de sobrevivência desencadeando um

comportamento de reação. Por exemplo, a emoção de medo pode desencadear reações como

lutar ou fugir.

São oito as emoções primárias para Plutchik: raiva, medo, tristeza, nojo, surpresa,

antecipação, aceitação e alegria. Foram encontradas algumas variantes de tradução nas

edições nacionais como, por exemplo, anger - irritação ou raiva, trust – aceitação ou

confiança e disgust - como repulsa, aversão ou nojo.

Plutchik desenvolveu um modelo onde as emoções estão dispostas em círculo, criando

então a Roda das Emoções, modelo análogo ao ciclo das cores como a Esfera de Wundt

(fig.7 e 8), que contêm oito cores centrais cujas misturas produzem novos tons. A Esfera de

Wundt é representada por um globo que no alto é branco, à direita é azul, à baixo é preto e à

esquerda é amarelo. Assim como as cores, também as emoções podem se misturar umas com

as outras para formar outras emoções mais complexas e de diferentes intensidades. Essa

comparação de gradação das cores com as gradações das emoções é o ponto diferencial da

teoria de Plutchik para as demais teorias, sendo de grande aplicação na análise descritiva das

expressões de Sequenza III, possibilitando uma compreensão também visual.

Page 76: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

75

Figura 7. Esfera de Cores de Wundt desenvolvida em 1874.

Fonte: http://www.colorsystem.com/?page_id=828&lang=en

Figura 8. Representação esquemática da Esfera de Cores de Wundt. Fonte: (KUEHNI, 2008:234)

Plutchik elaborou dois tipos de modelos. Um em formato de cone em 3D onde pode-se

ver as graduações de intensidade (da maior para a menor) de algumas emoções: vigilância-

expectativa-interesse (vigilance-expectancy-set), repugnância-nojo-tédio (loathing-disgust-

boredom), angústia-tristeza-pensativo (grief-sadness-pensiveness), terror-medo-apreensão

(terror-fear-apprehension), assombro-surpresa-distração (amazement-surprise-distraction)

Page 77: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

76

Figura 9. Modelo em 3D da Roda das Emoções de Plutchik. (PLUTCHIK, 1991:111)

O outro modelo em 2D demonstra as oito emoções básicas representadas por

segmentos dentro do círculo, e a combinação dessas emoções diretamente vizinhas, chamadas

de díades primárias representadas fora do círculo. Dentro do círculo, em sentido horário:

aceitação, medo, surpresa, tristeza, nojo, raiva, alegria e antecipação. Fora do círculo, sentido

horário: amor, submissão, respeito, decepção, remorso, desprezo, agressividade e otimismo.

Figura 10. Modelo bidimensional da Roda das Emoções de Plutchik. (NEVID, 2007:318).

Page 78: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

77

Figura 11. Rodas das Emoções de Plutchik com díades primárias. (PLUTCHIK, 2002: capa).

Este modelo em forma do cone aberto demonstra graficamente de forma facilitada os

diversos níveis de intensidade e a formação das díades primárias, emoções resultantes da

mistura de emoções básicas. Dentro do cone, em sentido horário: êxtase-alegria-

serenidade, admiração-confiança-aceitação, terror-medo-apreensão, assombro-surpresa-

distração, angústia-tristeza-pensativo, repugnância-nojo-tédio, ira-raiva-hostilidade,

vigilância-expectativa-interesse. Fora do cone em sentido horário: amor

(alegria+confiança), submissão (confiança+medo), respeito (medo+surpresa), decepção

(supresa+tristeza), remorso (tristeza+nojo) desprezo (nojo+raiva), agressividade

(raiva+antecipação) e otimismo (antecipação+alegria).

Page 79: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

78

Plutchik, como já foi mencionado, baseia sua teoria de classificação de emoções não

só nas micro-expressões faciais, como também no movimento corporal. O gráfico a seguir é

baseado no modelo de Plutchik e demonstra de forma ilustrada a visualização dessas emoções

com as expressões corporais.

Figura 12. Roda das Emoções de Plutchik ilustrada.

Fonte: http:www.copypress.comblogyour-fragile-emotions-illustrated.

A mistura entre as emoções básicas próximas ou distantes dá origem às emoções

mais complexas, que apenas ocorrem no ser humano devido à sua capacidade de realizar

operações cognitivas. LeDoux (1996) explica que cada emoção básica ocupa uma posição na

roda e a formação de emoções mais complexas dependem da proximidade e combinação de

cada uma. A combinação de duas emoções básicas é chamada de díades que podem ser

primárias, secundárias e terciárias. As combinações envolvendo emoções adjacentes na roda

Page 80: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

79

formam as díades de primeiro grau, aquelas que envolvem emoções separadas por outra

emoção são as díades de segundo grau. No quadro 2, apresenta-se uma visão completa de

formação das díades, de acordo com as combinações descritas por Plutchik (Plutchik,

1980:162), porém elaborada de forma a demonstrar também as combinações das cores.

Quadro 2. Formação de díades, emoções opostas e suas cores.

DÍADES PRIMÁRIAS DÍADES SECUNDÁRIAS DÍADES TERCIÁRIAS OPOSTAS

Alegria + confiança

= amor

confiança + medo

= submissão

Medo + surpresa

=respeito

Surpresa + tristeza

= decepção

tristeza + nojo

= remorso

nojo + raiva

= desprezo

Raiva + expectativa

= agressividade

Expectativa + alegria

= otimismo

Alegria + medo

=culpa

confiança + surpresa

= curiosidade

medo + tristeza

= desespero

Surpresa + nojo

= ?

tristeza + raiva

= inveja

nojo + expectativa

= cinismo

Raiva + alegria

= orgulho

Expectativa + confiança

= fatalismo

Alegria + surpresa

= deleite

confiança + tristeza

= resignação

medo + nojo

= vergonha

Surpresa + raiva

= indiganação

tristeza + expectativa

= pessimismo

nojo + alegria

= morbidez

Raiva + confiança

= dominação

Expectativa + medo

= ansiedade

alegria

x

tristeza

confiança

x

nojo

medo

x

raiva

surpresa

x

expectativa

O estudo das nuances e graduações de emoção fundamentam a classificação das

emoções e através delas pode-se se compreender o seu gesto vocal e a relação com sua

representação musical, como se pode observar a seguir.

4.3 Classificações das emoções referentes às expressões de Sequenza III a partir do

modelo da Roda das Emoções de Plutchik

Os padrões de emoção e comportamentos vocais descritos por Berio em Sequenza III

correspondem a emoções de diferentes complexidades e intensidades. No quadro abaixo,

estão agrupados de acordo com a emoção correspondente e classificados a partir do modelo

da Roda das Emoções de Plutchik.

Page 81: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

80

Quadro 3. Níveis de emoções e comportamentos vocais e padrões de emoção.

Níveis de emoção Emoções Comportamentos vocais e padrões de emoção

EMOÇÕES BÁSICAS

E SUAS GRADUAÇÕES DE INTENSIDADE

(MAIOR PARA A MENOR)

Êxtase

Alegria

Serenidade

Extasiada, Intensa

Alegre, Risada, Risada Aberta, Engraçada

Serena, Calma

Admiração

Confiança

Aprovação

Terror

Medo

Apreensão

Risada Nervosa, Risada Tensa, Nervosa

Apreensiva

Assombro

Surpresa

Distração

Confusa

Perplexa

Distante

Angústia

Tristeza

Pensativo

Tensa, Sonhadora e Tensa

Melancólica, Languidez, Lamentando

Distante e Sonhadora, Sonhadora

Repugnância

Nojo

Tédio

Ira

Raiva

Hostilidade

Vigilância

Expectativa

Interesse

Extremamente Tensa, Muito Tensa e Tensa

DÍADES PRIMÁRIAS

Amor Amável

Submissão Ecoando

Respeito

Decepção

Remorso Murmurando, Tensa Murmurando, Gemendo

Desprezo

Agressividade

Otimismo Extremamente intensa

DÍADES SECUNDÁRIAS

Culpa

Curiosidade

Desespero Progressivamente Desesperada

Inveja

Cinismo

Orgulho Nobreza

Fatalismo

DÍADES TERCIÁRIAS

Deleite Alívio, Deleite

Resignação Enfraquecendo, Impassível, Acalmando-se

Vergonha Tímida

Indignação

Pessimismo

Morbidez Desmaiando

Dominação

Ansiedade Ansiosa, Frenética, Risada Frenética, Ofegante, Muito

Excitada, Muito Excitada e Frenética, Urgente, Tonta

Page 82: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

81

A partir do quadro 3, pode-se observar de forma prática e visual a relação dos

comportamentos vocais e padrões de emoção e as emoções correspondentes. Analisar os graus

de intensidade das emoções básicas auxilia a percepção da real relação das emoções com os

padrões emocionais de comportamentos vocais. Por exemplo, como se vê em tensa e

sonhadora, estas são pertencentes à mesma “cor”, azul, relativa à tristeza, alterando apenas a

intensidade (angústia e pensativo) embora possam parecer padrões de emoções opostos.

Desta forma segue-se a análise, comparando as semelhanças dos padrões de emoção e

comportamentos vocais a partir da sua correspondência com a emoção e como isso se

manifesta em música.

4.4 Gesto Vocal de Sequenza III e Emoções

Pode-se observar as diversas expressões do gesto vocal e sua mobilidade em função

das diferentes emoções propostas em Sequenza III, através de um esquema que remete ao

quadro das emoções de Plutchik. Tem-se que observar as semelhanças de texto e

representação gráfica na partitura do gesto vocal para entender sua relação com a emoção.

A seguir, agrupam-se os padrões de emoção e comportamentos vocais de acordo com

o nível de emoção (básica, díade primária, secundária e ternária) destacando sua

representação musical com uma descrição do seu gesto vocal e seu texto, com sua cor e

graduação correspondente.

4.4.1 Emoções Básicas

Pôde-se constatar um grande predomínio das emoções básicas alegria, medo, surpresa,

tristeza, raiva e expectativa na partitura. As emoções confiança e nojo não se encontram relacionadas

a qualquer padrão e emoção e comportamento vocal, mas se expressam em sua manifestação mais

complexa, estando na base da formação de emoções complexas, como por exemplo, em amor

(confiança + alegria), submissão (confiança + medo), remorso (tristeza + nojo), dentre outros.

Cada emoção e suas intensidades serão observadas de forma analítica, buscando-se

compreender sua relação com o gesto vocal, a partir dos quadros que se seguem.

Page 83: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

82

Quadro 4. Extasia- Alegria - Serenidade

Extasia-Alegria – Serenidade

INTENSA, SERENA, CALMA, ALEGRE,

EXTASIADA, ENGRAÇADA, RISADA ABERTA

PADRÕES DE EMOÇÃO E

REPRESENTAÇÃO NA

PARTITURA

TEXTO DESCRIÇÃO DO GESTO VOCAL

INTENSA

to

e

Uma nota curta com a mesma

representação de altura na região

média da voz.

Registros vocais: cantada.

SERENA

a/wo/n/bl/o

fo

to me

Notas cantadas em alturas na

região média predominantemente.

Em um momento uma das notas é

ligada a um grupo de notas

rápidas, articuladas como um

ornamento com o som [bl].

Registros vocais: voz cantada.

Page 84: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

83

CALMA

it/ before

Três notas: uma curta e duas

longas na região aguda.

Registros vocais: cantado.

ALEGRE

u/i/e

a

Notas executadas o mais rápido

possível em sucessão ascendente e

descendente.

Registros vocais: cantado.

EXTASIADA

be/fo/o /ore/

night

fo/ sin

me to give me

for/wo/u/man

Notas numa mesma região vocal,

longas e ligadas.

Registros vocais: voz cantada

alternada com efeito de tremolo

com a mandíbula ou batendo com

a mão na boca rapidamente.

Page 85: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

84

ENGRAÇADA

co

u ta ta

i

vogal de livre

escolha

u

Notas curtas e rápidas agrupadas

com desenho melódico ascendente

ou descendente.

Registros vocais: sussurrada,

cantada, falada, clique da boca,

risada e boca fechada.

RISADA ABERTA

vogal de livre

escolha,

a

Notas na região grave curtas.

Registros vocais: gargalhada e

cantado se aproximando da fala.

A emoção alegria corresponde aos padrões de emoção alegre e engraçada, e ao

comportamento vocal risada aberta. Em sua forma mais suave, serenidade, corresponde aos

padrões de emoção calma e serena. Em sua forma mais forte, o êxtase se manifesta através

dos padrões de emoção extasiada e intensa.

Page 86: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

85

Intensa, serena, calma e extasiada possuem uma grande semelhança no padrão rítmico

e melódico, basicamente uma altura sustentada em altura média ou aguda. Os padrões alegre,

engraçada e risada aberta possuem gestos vocais caracterizados por uma extrema mobilidade

vocal, sendo compatíveis com expressões emocionais de risadas, como mais uma variante

desse gesto vocal central de toda a obra. Serena é um padrão que, apesar de ser semelhante a

calma também demonstra uma inclinação aos padrões de alegre, engraçada e risada aberta,

pois, é representada por notas longas seguidas de notas com grande mobilidade rítmica.

Portanto, pode-se concluir que ela é o padrão de caráter de transição entre a alegria em sua

forma mais suave até a forma mais intensa, extasiada, que por sua vez transforma as

mobilidade rítmica do tremolo (com a mandíbula ou batendo com a mão na boca), retornando

a nota longa, porém com mobilidade do efeito vocal.

Quadro 5. Angústia – Tristeza - Pensativo

PADRÕES DE EMOÇÃO E REPRESENTAÇÃO NA

PARTITURA

TEXTO DESCRIÇÃO DO

GESTO VOCAL

DISTANTE E SONHADORA

a/e/ e/i/ uto/u

e/i/u/o

e

Notas ligadas na

mesma altura sem

acento na mudança

da sílaba na região

aguda.

Registros vocais:

voz cantada a maior

parte do tempo com

algumas inserções

de som com a boca

fechada ou no início

ou no fim da

melodia.

Angústia -Tristeza-Pensativo

SONHADORA, SONHADORA E TENSA, LAMENTANDO, MELANCOLIA,

LÂNGUIDA, DISTANTE E SONHADORA

Page 87: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

86

SONHADORA

a

a, i, us be

Mesma altura

aparecendo uma vez

rapidamente ou

duas vezes, mas de

forma ligada sem

acento com

mudança suave da

vogal ou sílaba.

Registros vocais:

cantado a maior

parte do tempo e

uma vez sussurrado

e boca fechada

transitando para

cantada.

SONHADORA E TENSA

i, a

wing/u/o/to

Notas ligadas, mas

articuladas na

região média da voz

com melodia de

alturas definidas

pela clave de sol.

Registros vocais:

sons com a boca

fechada e voz

cantada, alternados.

LAMENTANDO

me

fo

to

a

Duas representações

breves: uma

alternando risada

com notas de altura

aguda com boca

fechada e outra

como um contorno

melódico quase

estático.

Registros vocais:

gargalhada, boca

fechada, cantada.

Page 88: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

87

MELANCÓLICA

us

i/u/a /i

sing n

to u

give me a

o

a

before o

/l/

l / to sing

Melodias com

alturas definidas

sem grande salto

entre as notas e

ligadas.

Registros vocais:

cantado, boca

fechada e trilo com

a língua.

Page 89: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

88

LÂNGUIDA

a/i

Uma nota ligada na

região grave com

mudança suave da

vogal a para i.

Registros vocais:

cantada.

Todos os três padrões de emoção relativos a sonhadora são representados por notas

ligadas sem acentuação e numa mesma altura, com pouca ou nenhuma variação silábica e

registro vocal oscilando entre o som de boca fechada e cantado. Sonhadora e distante e

sonhadora são muito similares e estão relacionadas a mesma emoção: pensativo, com a

pequena diferença de intensidade expressa pelo efeito sussurrado. Em sonhadora e tensa, há

uma pequena variação das alturas musicais, mostrando que a indicação tensa atribuiu uma

origem de emoção diversa, no caso, medo.

Lamentando, ora se remete a um soluçar ora a um grito, mantendo como fio condutor

a região aguda. Melancólica permite diversas utilizações de gestos vocais, mas a voz cantada

e boca fechada predominam, assim como em lânguida e não por acaso, pertence à mesma

emoção tristeza.

Quadro 6. Terror – Medo - Apreensão

Terror - Medo - Apreensão

APREENSIVA, NERVOSA, RISADA NERVOSA, RISADA TENSA

PADRÕES DE EMOÇÃO E REPRESENTAÇÃO

NA PARTITURA

TEXTO DESCRIÇÃO DO GESTO

VOCAL

APREENSIVA

fo/i/be/

u/to/e/fo/i

to me to sing a

Notas longas, ligadas

articuladas por vogais e

notas curtas em desenho

ascendente.

Registros vocais:

tremolo dental, som

sussurrado.

Page 90: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

89

NERVOSA

Sucessão de notas

descendentes

executadas o mais

rápido possível.

Registros vocais:

boca fechada.

RISADA NERVOSA

vogal de

livre

escolha

Sucessão de notas

descendentes

executadas o mais

rápido possível.

Registros vocais:

gargalhada.

RISADA TENSA

vogal de

livre

escolha

Notas curtas

executadas

rapidamente num

desenho em geral

descendente na

região da voz falada.

Registros vocais:

gargalhada.

CONFUSA

]

u/me

few words;

words

a

Em 2 vezes aparece

com melodias com

notas longas na

região média da voz e

duas vezes de forma

articulada variando a

nota ou não.

Melodias com

duração curta.

Registros vocais:

sussurrado, cantado e

mão sobre a boca

Page 91: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

90

Nervosa, risada nervosa e risada tensa demonstram um desenho melódico

descendente e extremamente ágil. Apreensiva e nervosa possuem sons menos ruidosos como

as gargalhadas, sendo expressos por boca fechada, sussurros e som de tremolo dental. Porém

nervosa tem a mesma mobilidade vocal das risadas e também se encaixa na mesma

intensidade da emoção, medo, enquanto apreensiva está ligada a apreensão de uma forma

mais branda, contida da emoção básica medo. Essa forma contida denota menor

movimentação das alturas musicais.

Este exemplo demonstra bem a similaridade dos sons das emoções com os

movimentos corporais. A movimentação corporal associada a apreensão é menor comparada a

emoção de medo e terror (fig. 10) e da mesma forma o gesto vocal se expressa. Na

manifestação mais contida, menor amplitude sonora (sons de boca fechada, tremolos) e menor

mobilidade das alturas, e numa manifestação mais forte, a mobilidade e amplitude do som se

expressam através de risadas, gargalhas e grande agilidade das alturas musicais.

Quadro 7. Assombro - Surpresa - Distração

Assombro –Surpresa - Distração

DISTANTE, PERPLEXA

PADRÕES DE EMOÇÃO E REPRESENTAÇÃO

NA PARTITURA

TEXTO DESCRIÇÃO DO GESTO

VOCAL

DISTANTE

to be us before few

words

Duração de

tempo curta,

notas cantadas

em geral ligadas,

variando a altura

que pode ser

tanto numa

região muito

aguda ou grave

ou média.

Registros vocais:

voz cantada e

som não vocal da

mão ou dedos

batendo na boca

rapidamente.

Page 92: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

91

to sing to be

i

PERPLEXA

]

u/me

few words;

words

a

Em duas vezes

aparece como

melodias com

notas longas na

região média da

voz e duas vezes

de forma

articulada

variando a nota

ou não. Melodias

com duração

curta.

Registros vocais:

sussurrado,

cantado e mão

sobre a boca

Page 93: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

92

Em distante, relativa à emoção distração, a instrução de bater com os dedos na boca

rapidamente possui relação direta ao movimento corporal, como quando se faz um gesto

físico altístico enquanto presta-se a atenção em outro assunto ou objeto. Da mesma forma,

perplexa, relativa à emoção surpresa, possui instruções para a produção vocal que se remete

ao movimento do cotidiano, pois o ato de cobrir a boca com a mão é muito similar ao

movimento corporal de quando se toma um susto, principalmente quando acompanhado do

som sussurrado.

Quadro 8. Vigilância – Expectativa - Interesse

Vigilância–Expectativa-Interesse

EXTREMAMENTE TENSA, TENSA, MUITO TENSA

PADRÕES DE EMOÇÃO E REPRESENTAÇÃO

NA PARTITURA

TEXTO DESCRIÇÃO DO GESTO

VOCAL

TENSA

to

a few

u

for

us

na

Em geral, representado

por uma única nota

numa região média

podendo ter uma

ornamentação curta ou

não. Em três

momentos, porém

aparece representado

por um grupo de notas

articuladas e com

desenho descendente.

Registros vocais:

cantado a maior parte

do tempo com alguns

rápidos momentos de

boca fechada e um

único de voz

sussurrada associado a

um desenho melódico

rápido.

Page 94: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

93

to / a few to me

allowing us

a losing

i

MUITO TENSA

ta ka be

to be for ka

to co be lo u to

la

Notas rápidas e

contínuas.

Registros vocais: voz

falada.

Page 95: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

94

EXTREMAMENTE TENSA

be/lo

Diferentes velocidades

de sons periodicamente

articulados.

Registros vocais:

cantado rápido.

Tensa é um bom exemplo de como um padrão de emoção pode ganhar mobilidade

quando intensificado. Em tensa as notas são mais planas e sustentadas, mas tanto muito tensa

e extremamente tensa, ganham uma grande agilidade vocal, assim como amplitude através do

som cantado. São padrões que exigem uma grande habilidade do cantor.

4.4.2 Díades Primárias

Formadas pela soma de emoções adjacentes, as díades primárias podem apresentar

semelhança com as emoções básicas que a compõe, assim como entre as próprias díades de

formação semelhante.

Quadro 9. Amor

AMOR

PADRÕES DE EMOÇÃO E REPRESENTAÇÃO NA

PARTITURA

TEXTO DESCRIÇÃO DO GESTO

VOCAL

AMÁVEL

Aparece em três

momentos como um

grupo notas com

velocidades diferentes,

mas como sons

articulados de forma

periódica, sendo

alturas próximas

lembrando um trilo.

Registros vocais:

cantado, tremolos, e

boca fechada.

Page 96: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

95

wing

comes to

me/t/r/uth

wor/ o

few words to

u

to

al/lo/o/wing

ait

l

Page 97: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

96

Amável é relacionada ao amor (confiança + alegria), e assim como alegria possui

diversas representações, porém mantem a característica da predominância da voz cantada e

evita sons ruidosos como sussurros, risadas, cliques, estalos, dentre outros. Essa predileção

pela voz cantada e boca fechada como registro é coerente com o que pela escuta consideramos

sons amáveis, mantendo uma altura musical numa região média e sem grandes saltos.

Quadro 10. Submissão

SUBMISSÃO

PADRÕES DE EMOÇÃO E REPRESENTAÇÃO NA

PARTITURA

TEXTO DESCRIÇÃO DO

GESTO VOCAL

ECOANDO

be/ lo

bl

Diferentes velocidades de

sons periodicamente

articulados.

Registros vocais: cantado

Ecoando aparece na partitura duas vezes quase seguidas, como uma repetição mais

suave de extremamente tensa (2º sistema da 3ª página da partitura) separadas por uma nota

longa do padrão serena. Apesar de se assemelhar a extremamente tensa, esta não possui suas

próprias características, pois assume a do padrão que reproduz, por isso esta relacionada a

submissão. Se ecoando estivesse repetindo, por exemplo, murmurando assumiria a forma

idêntica deste padrão. A sugestão é de que se execute ecoando como uma repetição mais

fraca, sem a mesma carga emotiva de extremamente tensa.

Page 98: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

97

Quadro 11. Remorso

REMORSO

PADRÕES DE EMOÇÃO E REPRESENTAÇÃO

NA PARTITURA

TEXTO DESCRIÇÃO DO GESTO

VOCAL

MURMURANDO

a/tru/to me

allowing us

to be

Sílabas articuladas na

região da fala com notas

curtas e rápidas.

Registros vocais:

voz falada e um rápido

momento de boca

fechada.

TENSA MURMURANDO

to co us for

be

sing to me

to co be

words

ut a/be few

co

to be co for

us lo/

gi/me/ut

Notas curtas articuladas

o tempo no ritmo da

falar.

Registros vocais:

voz falada.

Page 99: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

98

GEMENDO

i

u

Diversas notas curtas e

rápidas em desenho que

sobe e desce como uma

onda ou em um momento

com velocidade diferente

mas periodicamente

articulada

Registros vocais: boca

fechada ou falada

acompanhada de clique

com a boca no segundo

caso melódico.

Tensa murmurando, murmurando e gemendo se utilizam de voz falada muito similar a

voz de um murmúrio ou resmungo ininteligível do cotidiano. Os cliques vocais estão

diretamente ligados a emoção de remorso, de “remoer” um pensamento ou uma tristeza,

sentimentos que estão na formação dessa díade primária.

Page 100: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

99

Quadro 12. Otimismo

OTIMISMO

PADRÕES DE EMOÇÃO E REPRESENTAÇÃO

NA PARTITURA

TEXTO DESCRIÇÃO DO

GESTO VOCAL

EXTREMAMENTE INTENSA

few words

before

to be

Notas longas

agudas ligadas

articuladas sem

acento na

mudança da

sílaba.

Registros vocais:

cantado.

Extremamente intensa nos remete a um grande grito de felicidade, agudo, cantado e

com palavras inteligíveis, geralmente que traduzam a razão da felicidade. É como um grito de

vitória “ganhei!”, representando a junção das emoções básicas alegria com expectativa.

4.4.3 Díades Secundárias

Quadro 13. Desespero

DESESPERO

PADRÕES DE EMOÇÃO E REPRESENTAÇÃO NA

PARTITURA

TEXTO DESCRIÇÃO DO

GESTO VOCAL

PROGRESSIVAMENTE DESESPERADA

me/ to/ co

lo /co/ me/ lo

be few

us be fore

give me to

É representado de duas

formas: notas rápidas e

contínuas em desenho

ascendente ou como

uma melodia aguda

cantada com notas

ligadas.

Registros vocais:

cantado.

Page 101: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

100

Por ser uma emoção resultante de medo somado a tristeza, desespero é expressa de

forma progressiva demonstra duas formas desta emoção se manifestar: intensificada pela

velocidade e pela ascendência da altura musical.

Quadro 14. Orgulho

ORGULHO

PADRÕES DE EMOÇÃO E REPRESENTAÇÃO

NA PARTITURA

TEXTO DESCRIÇÃO DO

GESTO VOCAL

NOBRE

a truth

Salto de nota em

médio-agudo para

grave profundo.

Registros vocais: inicia

cantado, segue

sussurrado e volta

cantado, se

assemelhando à voz

falada.

As palavras a truth - uma verdade – é o único texto deste padrão de emoção que só

surge uma única vez e é representado por um grande salto da região médio-aguda para muito

grave, em nota longamente prolongada, com uma interferência de voz sussurrada.

4.4.4 Díades Ternárias

Quadro 15. Aliviada

DELEITE

PADRÕES DE EMOÇÃO E REPRESENTAÇÃO

NA PARTITURA

TEXTO DESCRIÇÃO DO

GESTO VOCAL

ALIVIADA

a

Contorno melódico

descendente com a

mesma nota, como

um glissando.

Registros vocais:

sussurrado com a

vogal a.

Page 102: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

101

Aliviada possui uma representação melódica em glissando descendente, que executado

com a vogal a, se torna muito similar ao som vocal do cotidiano. Pode-se considerar que

aliviada é puro gesto vocal.

Quadro 16. Resignação

RESIGNAÇÃO

PADRÕES DE EMOÇÃO E REPRESENTAÇÃO

NA PARTITURA

TEXTO DESCRIÇÃO DO GESTO

VOCAL

ENFRAQUECENDO

Ausência de

melodia.

Registros vocais:

ausência de registro

vocal.

IMPASSÍVEL

a/wo/man

Duas notas

repetidas ligadas

sem acento na

região média da voz

seguida de outra na

região grave.

Registros vocais:

cantado e boca

fechada.

ACALMANDO-SE

sing be

fore/na

É representado de

duas formas bem

distintas: num

momento como

notas graves faladas

e sussurradas ou

como notas

cantadas numa

região aguda ou

notas iguais na

região média,

ligadas suavemente.

Page 103: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

102

l /be

u/bild/a

Registros vocais:

sussurrado, falada

ou cantado.

O padrão enfraquecendo é a representação do silêncio responsável por terminar a obra.

O silêncio é parte da obra, mesmo que inaudível e apesar de não produzir som vocal, entende-

se que é um gesto vocal, pois existem emoções como a resignação que resultam na ausência

do som. Em um nível menos resignado, acalmando-se e impassível produzem sons de textos

fragmentados falados, sussurrados e até de boca fechada, que poderiam anteceder a emoção

enfraquecendo. São os últimos esforços até a resignação completa representada pelo silêncio.

Quadro 17. Vergonha

VERGONHA

PADRÕES DE EMOÇÃO E REPRESENTAÇÃO

NA PARTITURA

TEXTO DESCRIÇÃO DO GESTO

VOCAL

TÍMIDA

tho/we build

Três notas repetidas

iguais com vogais

diferentes ligadas,

mas sem acento, na

região média da voz

Registros vocais:

cantado e ruído não

vocal: estalar de

dedos suave

Surgindo apenas uma única vez, tímida, possui uma similaridade com uma das

emoções de sua formação: medo.

Page 104: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

103

Quadro 18. Ansiedade

ANSIEDADE

PADRÕES DE EMOÇÃO E REPRESENTAÇÃO

NA PARTITURA

TEXTO DESCRIÇÃO DO GESTO

VOCAL

ANSIOSA

vogal de livre

escolha

Quatro notas cantadas

curtas rápidas e melodia de

desenho ascendente.

Registros vocais: explosão

de gargalhada quase

sussurrada.

OFEGANTE

ka

to/e

Notas curtas e rápidas.

Registros vocais: voz

ofegante alternada

rapidamente com voz

cantada, o que ganha

efeito de voz falada

ofegante, devido à

velocidade.

URGENTE

kd ta

be to be

Notas curtas rápidas

algumas devendo ser

executadas de forma

contínua e outras com

velocidade variada e

periódica na região da

voz falada.

Registros vocais: voz

falada, sussurrada,

sons de cliques da boca

e tosse.

Page 105: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

104

ta taka

to co

u to to co

for a woman

to build a

house

be co

be lo

to be to

to me to

e /a /a

give me a few

words

be/ to/ be

be/ lo/ a

Page 106: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

105

FRENÉTICA

l /r/wor

be-fore

a/r/for/u

u

Em três momentos

aparece como notas

agudas unidas por um

“contorno da

entonação” sempre em

desenho descendente,

acompanhado de

ornamentações

executadas o mais

rápido possível.

Em outro momento

aparece como um

contorno melódico

estático com duas

notas ligadas na região

aguda,

Registros vocais:

alternância entre voz

cantada, som de

inspiração ofegante e

efeito de tremolo e

tremolo com a

mandíbula.

MUITO EXCITADA E FRENÉTICA

To/co/be/ r/ l

e/lo/a/u/o/a

u i/vogal de

livre escolha/

b to co be lo me

/ i

Notas rápidas são

agrupadas, alternadas

com notas curtas com

saltos entre as regiões

graves e médias ou

com notas ligadas por

um contorno melódico

desenhado.

Registros vocais: voz

cantada, sussurrada,

ofegante, gargalhada,

boca fechada, tremolo

e tremolo de

mandíbula.

Page 107: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

106

r /

tru/be/lo/co/be/

lo/ me

RISADA FRENÉTICA

vogal de livre

escolha

Desenho ascendente.

Registros vocais:

gargalhada.

TONTA

gi

Seis notas curtas com

saltos e variações de

timbre em tempo curto.

Registros vocais:

cantado rápido, voz

sussurrada e boca

fechada.

Ansiosa e risada frenética possuem representações praticamente idênticas, com notas

curtas e rápidas e registro vocal de gargalhada. Já muito excitada e frenética, frenética e

urgente, são padrões de emoção de extrema agilidade e mobilidade vocal. O padrão ofegante

é mais um caso que, assim como aliviada, é puro gesto vocal, pois é idêntico ao som do

cotidiano da voz ofegante de uma pessoa ansiosa. Tonta se assemelha a ofegante por ter

propriedades semelhantes como o salto de alturas alternadas com sussurros e de forma rápida,

de forma a não se poder compreender o texto.

Page 108: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

107

Quadro 19. Morbidez

Morbidez

PADRÕES DE EMOÇÃO E REPRESENTAÇÃO

NA PARTITURA

TEXTO DESCRIÇÃO DO

GESTO VOCAL

DESMAIANDO

me

Nota parada na

região média

longa terminando

com ruído

(clique da boca).

Registros vocais:

voz cantada e

sussurrada.

A morbidez é uma emoção do padrão de emoção desmaiando e surge apenas uma

única vez, simulando a voz enfraquecida de alguém que está preste a desmaiar.

4.5 Comportamentos vocais

Conforme o próprio Berio analisa, o riso é o principal material de trabalhado na obra,

portanto, é o comportamento vocal mais utilizado em Sequenza III. Ele reorganizou os risos

de forma estilizada e virtuosística, com diversas gradações de intensidade, representados por

alturas aproximadas e executados com articulações rápidas de forma a simular

deliberadamente a fala. A intenção então era recriar em música o riso de forma orgânica,

conforme uma ação vocal do cotidiano. Para Berio, não há diferença entre uma mulher que ri

a plena voz e uma soprano coloratura, pois, apesar de no caso da cantora a voz possuir uma

emissão vocal profissional, o impulso e o mecanismo do aparelho fonatório são os mesmos.

(BERIO apud STOIANOVA, 1985).

Para analisarem-se os risos encontrados na partitura, pretendeu-se entender primeiro

como ocorre o processo físico, tanto do riso quanto do seu oposto, o choro, e também o

soluço, presente em ambos.

Lilia Nunes analisou o riso e o choro para uma perfeita execução vocal e descreve

como que esses sons ocorrem. Jane Celeste Guberfain (2012) explica que “segundo Lilia

Nunes, tanto o choro como o riso se manifestam por uma série de inspirações e expirações

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108

mais ou menos ruidosas, provocadas por uma contração espasmódica do diafragma.” Ou seja,

são emoções que apesar de opostas, provocam uma reação similar na reação física do corpo.

Sobre o riso, acrescenta: “pode ter uma sequência de sons ascendentes ou decrescentes,

cortando frases ou palavras. Pode ser emitido com qualquer vogal, prolongando a última

sílaba ou cortando sílabas de uma palavra. Conforme a intensidade da emoção, a vogal é

repetida três, quatro, cinco ou mais vezes até atingir a gargalhada, que corresponde a uma

série de oito vogais.” Descreve também as propriedades do soluço, expressão que acompanha

e entrecorta o riso e o choro, normalmente quando são acrescidos de intensidade. “os soluços

podem ser afônicos ou acompanhados de sons graves ou agudos, emitidos com diversas

vogais: às vezes cortam a frase ou prolongam as palavras.” (NUNES apud GUBERFAIN,

2012:45). Para Nunes, o que muda na execução do riso para choro é a intenção emocional.

Em Sequenza III, têm-se diversos comportamentos vocais referentes ao riso e também

ao choro. Do grupo do riso tem-se: riso frenética (frantic laughing), riso nervoso (nervous l.),

riso aberto (open l.), riso tenso (tense l.). Do grupo referente ao choro temos os

comportamentos vocais murmurando (muttering) e gemendo (whimpering). O soluço

corresponde ao ofegante (gasping).

Os risos são expressos pela partitura através da indicação de comportamento vocal

(open l., tense l., nervous l.) e reforçado pelo símbolo específico da bula (fig. 13). Apenas do

caso de frantic, frenética, sendo um padrão de emoção, a indicação de riso vem expressa

apenas pelo símbolo.

Figura13. Símbolo de explosão de riso (bursts of laughter) com o uso de vogal de livre escolha. (fonte:

partitura de Sequenza III de L. Berio)

Através das diversas risadas, Berio procurou explorar a dramaticidade dos contrastes

de emoção ressaltando a importância do gesto vocal na execução desta obra. Valente resume

desta forma o processo de assimilação do riso na música de Berio:

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109

O riso como ação vocal cotidiana, reorganizado de maneira virtuosística,

complexa, vale dizer, afastado de sua banalidade; o riso, segmentado em

suas múltiplas gradações, desenvolvido na escritura: estilizado, fixado em

alturas aproximadas; atacado em articulações rápidas, de modo a simular a

articulação da fala. A fixação de notas longas, em contrapartida, permite a

percepção das ínfimas mudanças de timbre, quando da passagem de uma

vogal para outra. Também a transcrição do riso em suas diversas

manifestações (sorriso, gargalhada, riso nervoso, etc.) guiadas não por signos

musicais (meio-forte, forte, piano), mas por comportamentos vocais

(langoroso, terno, tenso, sonhador...), permite à cantora engendrar gestos

vocais que, em si mesmos, destituídos de qualquer referência trágica,

contribuem, no seu conjunto, para a formação de uma imagem trágica

desesperada. (VALENTE, 1999:161).

A risada aberta é representada por notas graves sem muita variação de altura comum

a vogal de livre escolha, e como está disposta em uma única linha, a ação vocal deve ser

falada. Logo após, é seguida de um desenho ascendente e indicação de nota cantada com a

vogal a. É um comportamento vocal que só aparece uma única voz.

Exemplo musical 6. Riso aberto.

Já em riso nervoso o desenho ascendente e muito rápido, se assemelha ao desenho

melódico de riso tenso, descendente e rápido, demonstrando a semelhança na representação

entre esses dois padrões de emoções por seu caráter semelhante. Também há semelhança com

o exemplo musical frenético que neste caso é um riso frenético por estar acompanhado do

símbolo de riso.

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110

Ex. musical 7. Riso tenso, riso nervoso e frenética.

As transições de estados emocionais são reforçadas por uma mudança do gesto vocal

variando principalmente a sua altura. Pode acontecer de duas formas: contrastando quando

são dois padrões de emoções diferentes como no caso do ex. musical 7, onde tem-se a

transição de riso tenso para urgente, emoções próximas, contrastando com o padrão de

emoção aliviada. Urgente e riso tenso são representados de forma semelhante, com várias

notas articuladas de forma rápida em região aguda, enquanto aliviada encontra um repouso

num glissando na região grave.

Exemplo musical 8. Sequência de riso tenso, urgente, riso tenso, urgente e aliviada.

As representações de comportamentos vocais referentes ao choro estão presentes logo

no princípio da partitura com tensa murmurando. Murmurando e tensa murmurando são dois

comportamentos vocais semelhantes sendo que o segundo é acrescido do padrão de emoção

Page 112: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

111

tensa, diferenciando-os pelo grau de intensidade. Nestes dois casos existe um padrão

semelhante entre eles. As alturas são escritas numa região mais grave da voz, e no caso de

tensa murmurando um símbolo específico (o __) descrito na bula como “som de respiração,

quase sussurrado” ressalta o padrão de emoção tensa.

Exemplo musical 9. Tensa murmurando.

Exemplo musical 10. Murmurando.

O padrão de emoção gemendo vem acompanhado do símbolo (+) que indica “com a

boca fechada” numa região vocal média e de forma cantada.

Exemplo musical 11. Gemendo.

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112

Já a indicação ecoando é um comportamento vocal de repetição, como um eco, uma

reverberação do padrão de emoção anterior extremamente tensa.

Exemplo musical 12. Ecoando.

4.6 Padrões de emoção

As emoções, como já foi mencionado anteriormente, são dispostas num esquema

bipolar, ou seja, cada qual possui a sua correspondente oposta, e desta forma, a classificação

das emoções pode ser observada em dois grupos: as positivas e as negativas. Pode-se então,

agrupar-se os padrões emocionais a partir da sua emoção correspondente da seguinte forma:

Os positivos são: calma (calm), distante e sonhadora (distant and dreamy), extasiada

(ecstatic), extremamente intensa (extremely instense), frenética (frantic), intensa (intense),

extremamente intensa (extremely intense), intensa (intense), alegre (joyful), lânguida

(languorous), nobre (noble), aliviada (relieved), serena (serene), acalmando-se (subsiding),

amável (tender), muito excitada e frenética (very excited and frantic), engraçada (witty).

Os negativos são: ansiosa (anxious), apreensiva (appreehensive), confusa

(bewildered), tímida (tímida), sonhadora e tensa (dreamy and tense), extremamente tensa

(extremely tense), desmaiando (fading), tonta (giddy), progressivamente desesperada

(increasingly desperate), nervosa (nervous), tensa (tense), urgente (urgent), muito tensa (very

tense), lamentando (whining), melancólica (wistful) e tensa murmurando (tense muttering). Os

neutros: distante (distant), e impassível (impassive).

Existem muitas semelhanças na representação dos padrões de emoção positivos e

negativos, como se pode ver nos exemplos musicais: frenética e tensa.

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113

Exemplo musical 13. Frenética. Exemplo musical 14. Tensa.

Da mesma forma a indicação serena, associada à emoção positiva e representada por

nota longa, se assemelha ao seu oposto relativo à fraqueza como desmaiando. Serena é

representada musicalmente por uma nota cantada sustentada em região aguda, como se pode

ver no ex. musical 16, semelhante a desmaiando, pois também é uma voz cantada, com som

sustentado, mas devido ao seu potencial negativo de fraqueza, essa nota não é tão aguda,

encontrando-se numa região média-aguda além de o som cantado ser enfraquecido pelo som

sussurrado, terminando com o um clique, um ruído feito pela boca. Na mesma altura musical

de desmaiando tem-se amável, relativa à emoção amor, positiva, mas sem o som sussurrado e

se pronunciando a palavra wing seguida de som de boca fechada, conferindo uma doçura e

suavidade ao som. Também em lânguida vê-se uma nota sustentada cantada, mas em região

grave, em relação à serena e amável demonstrando seu caráter preguiçoso, sem esforço que

ao qual esse padrão de emoção se refere.

Exemplo musical 15. Serena Exemplo musical 16. Desmaiando.

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114

Exemplo musical 17. Amável. Exemplo musical 18. Lânguida.

Com a indicação sonhadora o compositor tende a manter alguns ou todos os

elementos musicais iguais, tais como a mesma região vocal, registro vocal e desenho

melódico. Sonhadora aparece quatro vezes sendo representada pela mesma altura como nota

cantada. Quando aparece com a altura repetida duas vezes, deve ser executada sem acento na

mudança da sílaba, o que dá o efeito de que é uma única altura.

Exemplo musical 19. Sonhadora com a vogal a. Exemplo musical 20. Sonhadora com vogal a.

Tem-se ainda a variação sonhadora e distante que é sempre representada por notas

ligadas numa mesma altura, variando apenas as vogais e numa região aguda.

Exemplo 21. Sonhadora e distante.

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115

Estes dois últimos padrões são muito semelhantes, com a diferença da duração, que

sugere que o caráter distante acrescente uma profundidade nesse padrão de emoção, mas

mantendo a semelhança de gestos vocais para padrões semelhantes.

Assim como as indicações serena e sonhadora são representados por notas sustentadas

e cantadas, tem-se o caso de aliviada que demonstra uma transição do final de um ritmo

acelerado a caminho do repouso numa nota sustentada. Como se pode ver aliviada

corresponde a uma vogal a sussurrada e falada glissando na direção descendente,

assemelhando-se ao som de um suspiro, gesto vocal resultante da emoção de alívio.

Exemplo 22. Aliviada.

Padrões de emoções negativos podem ser acrescidos de intensidade, como no caso de

muito tensa e extremamente tensa, onde no primeiro caso é representado notas rápidas numa

região média da voz numa direção ascendente, e no segundo caso, notas articuladas

igualmente velozes, mas com alturas mais contínuas.

Exemplo musical 23. Muito tensa. Exemplo musical 24. Extremamente tensa.

As emoções neutras representadas por impassível e distante são ambas as notas

cantadas, mas de representações bem distintas, não havendo relação entre si a não ser a pouca

mobilidade da velocidade de execução.

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116

Exemplo musical 25. Distante Exemplo musical 26. Impassível.

4.7 Conclusão

A principal constatação nesta análise é a de que as expressões (padrões de emoção e

comportamentos vocais) correspondem às reações emocionais que originam os gestos vocais,

e que a sua disposição espacial de alturas, ritmos, registros vocais e até movimentos corporais

como tapar a boca com a mão ou cênicos como andar pelo palco, foram elaborados de forma a

coincidir com o gesto vocal da emoção correspondente. Constatou-se também que a

representação dos padrões de emoção e comportamentos vocais não é apenas alusiva, mas

procura se aproximar ao máximo aos sons vocais do cotidiano e por vezes é idêntica,

confirmando o pressuposto de que o gesto vocal é a voz principal desta “invenção a três

vozes”.

As emoções estão dispostas de forma a comporem sequências de transições graduais

ou contrastes, curtas ou longas, dispostas a conferir maiores ou menores graus de tensão e

repouso.

Sequências de transições graduais longas estão presentes em diversos momentos,

como na p. 2 sist. 4, 5´, onde padrões semelhantes como frenética-urgente-ofegante, dispostas

sucessivamente, intensificam-se em muito tensa-progressivamente desesperada-

extremamente tensa, demonstrando um processo de intensificação emocional, onde os gestos

vocais são representados por diversas notas de grande agilidade associados a diversos

fonemas resultantes da fragmentação textual e diversos registros vocais diferentes. Logo após

essa longa sessão de um padrão emocional de caráter mais agitado, segue-se uma nova sessão

de sequência de expressões longas e calmas, retornando paulatinamente a um ritmo mais

lento, com gestos vocais representados por notas mais espaçadas, uma menor quantidade de

fonemas a ser pronunciado, proporcionando um registro vocal mais cantado (sist. 5). Se

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117

pensados enquanto um conjunto de emoções, pode-se considerar essas duas sessões distintas

como dois grandes momentos de contrastes.

Transições curtas contrastantes e repetidas, tais como o encontrado no sistema p.2,

sist. 2, 30´´, amável-tenso-amável-tenso se repetem em diversos momentos de Sequenza III.

Também sequencias curtas de padrões semelhantes e graduais são comuns, como neste

mesmo caso em que são precedidos dos padrões de emoção excitada, alegre e distante aos

20´´. Este mesmo último exemplo demonstra uma transição decrescente de excitada para

alegre, correspondentes à mesma emoção, sendo excitada uma graduação mais intensa da

principal alegria.

Para que todas as sequências contrastantes e graduais das emoções, seja entre

expressões ou entre grandes sessões, curtas ou longas, sejam facilmente visualizáveis, propõe-

se um gráfico de cores (fig. 14,15 e 16) elaborado da seguinte forma: traça-se uma linha ao

longo da partitura utilizando a cor correspondente à emoção relativa ao gesto vocal. Desta

forma as transições são demonstradas pelas mudanças de cores e podem ser analisadas de

forma mais eficiente e clara através de um gráfico colorido, feito a partir da partitura

Sequenza III.

Neste gráfico pode-se ver que no primeiro sistema da primeira página existe uma

predominância da cor azul, principalmente na tonalidade clara, com pequenas intervenções

das cores amarela e sua cor vizinha, a cor laranja. Estas intervenções continuam ocorrendo no

2º. sistema pela cor laranja e rapidamente verde. A cada intervenção, a cor azul tende a sofrer

alterações de tonalidade, chegando a um azul muito escuro ao final do 2º. sistema.

Progressivamente essas pequenas intervenções vão se tornando cada vez mais longas, como

vê-se no 4º. sistema, onde a cor amarela e violeta aparecem em longos trechos.

Na segunda página já é notadamente visível a predominância do amarelo em

tonalidades variadas e um verde muito claro, embora o azul, em tonalidades diversas, também

apareça, mas não de forma tão predominante.

Na terceira página têm-se alternância de momentos longos de azul e amarelo e laranja,

preparando para o momento final que é o retorno ao azul, passando antes por momentos em

verde claro.

Numa rápida leitura, observou-se que a obra se compõe de uma constante alternância

de emoções, representadas por dois grupos: emoções azuis e emoções amarelas. Estas cores se

encontram em oposição na Roda das Emoções de Plutchik: a cor amarela representando a

alegria no alto da Roda e a azul, a tristeza, abaixo da Roda. As emoções representadas pela

cor azul e suas tonalidades são perturbadas aos poucos pelas emoções representadas pela cor

Page 119: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

118

amarela. Na segunda página da obra, a cor amarela e o verde claro predominam,

demonstrando que as emoções representadas pela cor azul sofreram interferência da cor

amarela, resultando inclusive na mistura dessas emoções opostas, a cor verde, ora tendendo ao

azul (verde escuro), ora tendendo a cor amarela (verde claro). O principal gesto vocal de

alegria é o riso em suas diversas formas, seja riso tenso, nervoso ou risada aberta, dentre

outras.

Constatamos também que, conforme pretendia Berio, a obra tem como tema

fundamental a risada e ela toda pode ser resumida a forma como seus diversos tipos (risada

aberta, risada nervosa, etc.) se relacionam de forma gradual, contrastante ou semelhante aos

outros comportamentos vocais e padrões de emoção.

Inicialmente Berio havia proposto uma quantidade maior de tipos de risadas, mas

Cathy Berberian o alertou para o fato de que a diferença entre elas seria tão sutil que

impossibilitaria a execução. Na versão final, Berio restringiu o número de risadas a um

número menor para que fosse possível a percepção das transições entre cada uma delas.

A primeira versão de Sequenza III desenvolvia diversos tipos diferentes de

risadas. Eu descobri que, no fundo, eu não tinha uma boa risada e seria

muito, mas muito difícil diferenciar os risos convulsivo, histérica, doloroso,

ventríloquo, surdo, amarga, ironia, cruel, em branco, aberto, malicioso,

ameaçando... 42

(BERBERIAN apud STOIANOVA 1985:79)

Através deste gráfico colorido de Sequenza III, pode-se examinar o quanto e como o

riso interfere nas emoções humanas e está presente tanto nas emoções positivas quanto nas

negativas.

Espera-se com esse estudo de Sequenza III com um viés focalizado na classificação

das emoções, facilitar o entendimento do intérprete dos gestos vocais e corroborar a uma ação

vocal calcada nas possibilidades emotivas que a voz possa carregar, em todas as suas formas e

em todas as suas expressões. Aos ouvintes, que auxilie a escutar de forma mais profunda e

emocional não só esta obra, mas como todo o repertório que se utilize de gestos vocais.

42 “La première version de Sequenza III développait plusiers types différents de rire. J’ ai découvert

qu’au fond je n’avais pas um bom rire et qu’il était três difficile de différencier les rires convulsif,

hystérique, douloureux, ventriloque, sourd, ironique, cruel, inexpressif, ouvert, malicieux, amer,

menaçant...”

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Fig. 14. Gráfico de cores das emoções da partitura de Sequenza III página 1.

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Fig. 15. Gráfico de cores das emoções da partitura de Sequenza III página 2.

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Fig. 16. Gráfico de cores das emoções da partitura de Sequenza III, página 3.

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123

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verifica-se através desta pesquisa que o conceito de gesto vocal de Luciano Berio

coincide com a definição da psicolinguística, possibilitando gerar uma compreensão detalhada

e inequívoca para o termo aplicado no contexto da música vocal.

Chegou-se ao entendimento de que o ponto de partida para uma interpretação mais

expressiva de obras vocais contemporâneas que utilizem efeitos vocais é o conceito de gesto

vocal, pois o cantor explora a sua própria reação emocional espontânea para emiti-lo. A

teatralização artificial de risos, suspiros, gemidos, gritos não são gestos vocais e somente são

efeitos vocais. Cada intérprete encontrará sua própria interpretação de forma pensada, sentida

e expressa pela própria individualidade. A expressão orgânica e emocional do interprete para

com a obra se faz, portanto através dos gestos vocais e destes associados aos fragmentos de

textos, sons vocálicos e consonantais, que reforçam a expressividade musical.

Essa ligação intrínseca entre gesto vocal e emoção ficou evidenciada e facilmente

visualizável na análise de Sequenza III, através da classificação das emoções de Plutchik.

Pôde-se observar e comprovar a variedade das qualidades emocionais que podem ser

representadas através dos gestos vocais em música.

Pode-se também inferir que o gesto vocal, enquanto uma expressão vocal de uma

emoção que expressa também um significado intelectual, carrega consigo uma gama de

associações que permite ao indivíduo que o emite suscitar no emissor a mesma reação que

provoca nele mesmo, isto por que o gesto vocal é capaz de transmitir uma mensagem com um

sentido claro através do compartilhamento e interação do intérprete e ouvinte. Essa

peculiaridade permite ao intérprete elaborar um gesto vocal que provoque uma reação

previsível no ouvinte e desta forma tornar expressiva sua interpretação. Isto ocorre porque

não é preciso estar inserido num contexto social para se compreender um gesto vocal e nem

aprender a fazê-lo. Por exemplo, se alguém grita de repente, todos se assustam. Um deficiente

auditivo, apesar de não escutar uma risada, um choro, um suspiro, sabe fazê-los sem nunca os

ter escutado. E pelo mesmo motivo, igualmente choram todos os bebês que nascem. O gesto

vocal é uma ação vocal comum a todos os seres humanos que reagem emocionalmente.

Page 125: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

124

Da mesma forma, através do gesto vocal a música contemporânea pode provocar no

ouvinte reações emocionais específicas sem depender de um conhecimento a priori.

O ouvinte que é treinado a reconhecer as sutilezas de uma coloratura do bel canto, que

ora podem representar gargalhas, melancolia, suspiros e choros, talvez não atribua e perceba a

expressividade de uma obra vocal contemporânea por não encontrar os códigos tradicionais

de composição musical, mas inconscientemente responde instintivamente aos gestos vocais.

Não só na música, mas também no teatro e na poesia verifica-se essa nova estética da

voz, coincidindo com o conceito de gesto vocal de Mead. Diversas correntes

experimentalistas do século XX bus tornaram mais interligadas, podendo por vezes até ser

confundida uma com as outras.

O gesto vocal pode ser investigado de forma mais profunda em diversas áreas afins,

como o teatro e a poesia. Podem-se analisar obras específicas e observar a presença do gesto

vocal e classificá-lo de acordo com as emoções representadas através da classificação das

emoções de Plutchik, de forma análoga a que se propôs à obra Sequenza III. A pesquisa

também pode ser estendida a obras de repertórios de outros gêneros, tanto popular quanto

folclóricos, assim como a música de concerto tradicional, fazendo uma relação também com a

música onde a poesia não está fragmentada, ou seja, possua um discurso textual

compreensível semanticamente.

A compreensão do gesto vocal propicia um melhor entendimento das capacidades

expressivas da voz de representação das emoções humanas, para além das regras de

convenções tradicionais da música, contribuindo para uma escuta em um nível mais profundo

e sensível.

Page 126: O GESTO VOCAL EM MÚSICA WILLA SOANNE MARTINS

125

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