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Bulletin du centre d’études médiévales d’Auxerre | BUCEMA Hors-série n° 2 (2008) Le Moyen Âge vu d’ailleurs ................................................................................................................................................................................................................................................................................................ Hilário Franco Júnior Modelo e imagem. O pensamento analógico medieval ................................................................................................................................................................................................................................................................................................ Avertissement Le contenu de ce site relève de la législation française sur la propriété intellectuelle et est la propriété exclusive de l'éditeur. Les œuvres figurant sur ce site peuvent être consultées et reproduites sur un support papier ou numérique sous réserve qu'elles soient strictement réservées à un usage soit personnel, soit scientifique ou pédagogique excluant toute exploitation commerciale. La reproduction devra obligatoirement mentionner l'éditeur, le nom de la revue, l'auteur et la référence du document. Toute autre reproduction est interdite sauf accord préalable de l'éditeur, en dehors des cas prévus par la législation en vigueur en France. Revues.org est un portail de revues en sciences humaines et sociales développé par le Cléo, Centre pour l'édition électronique ouverte (CNRS, EHESS, UP, UAPV). ................................................................................................................................................................................................................................................................................................ Référence électronique Hilário Franco Júnior, « Modelo e imagem. O pensamento analógico medieval », Bulletin du centre d’études médiévales d’Auxerre | BUCEMA [En ligne], Hors-série n° 2 | 2008, mis en ligne le 28 février 2009, consulté le 06 juin 2015. URL : http://cem.revues.org/9152 ; DOI : 10.4000/cem.9152 Éditeur : Centre d'études médiévales Saint-Germain d'Auxerre http://cem.revues.org http://www.revues.org Document accessible en ligne sur : http://cem.revues.org/9152 Document généré automatiquement le 06 juin 2015. La pagination ne correspond pas à la pagination de l'édition papier. © Tous droits réservés

Bulletin du centre d’études médiévales d’Auxerre

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Franco Junio, Hilario.

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  • Bulletin du centre dtudesmdivales dAuxerre |BUCEMAHors-srie n 2 (2008)Le Moyen ge vu dailleurs

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    Hilrio Franco Jnior

    Modelo e imagem. O pensamentoanalgico medieval................................................................................................................................................................................................................................................................................................

    AvertissementLe contenu de ce site relve de la lgislation franaise sur la proprit intellectuelle et est la proprit exclusive del'diteur.Les uvres figurant sur ce site peuvent tre consultes et reproduites sur un support papier ou numrique sousrserve qu'elles soient strictement rserves un usage soit personnel, soit scientifique ou pdagogique excluanttoute exploitation commerciale. La reproduction devra obligatoirement mentionner l'diteur, le nom de la revue,l'auteur et la rfrence du document.Toute autre reproduction est interdite sauf accord pralable de l'diteur, en dehors des cas prvus par la lgislationen vigueur en France.

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    Rfrence lectroniqueHilrio Franco Jnior, Modelo e imagem. O pensamento analgico medieval, Bulletin du centre dtudesmdivales dAuxerre | BUCEMA [En ligne], Hors-srie n 2|2008, mis en ligne le 28 fvrier 2009, consult le 06juin 2015. URL: http://cem.revues.org/9152; DOI: 10.4000/cem.9152

    diteur : Centre d'tudes mdivales Saint-Germain d'Auxerrehttp://cem.revues.orghttp://www.revues.org

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  • Modelo e imagem. O pensamento analgico medieval 2

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    Hilrio Franco Jnior

    Modelo e imagem. O pensamentoanalgico medieval

    1 No debate historiogrfico conceitual das ltimas dcadas um elemento central e polmico temsido o imaginrio, sistema de imagens verbais e visuais articulado segundo lgica prpria.Esta, ao menos na Idade Mdia, era o pensamento analgico. De fato, ele foi o instrumentointelectual predominante na longussima durao histrica ocidental at o sculo XVII, quandosomente a partir de ento o pensamento lgico passou a ganhar cada vez mais terreno. Porexemplo, sabe-se hoje que a sociedade da Grcia antiga no foi to racional quanto j sepretendeu1. Sabe-se que as manifestaes do racionalismo medieval foram muito limitadas noespao, no tempo e nos segmentos sociais, no tendo desabrochado completamente antes dosculo XII2. Sabe-se que mesmo depois, ainda por muito tempo e para boa parte da populaocrist as conexes analgicas continuaram prevalecendo sobre as lgicas, pois uma lei quedomina, em grande escala, a vida da psique3.

    2 Aps os dois ltimos sculos de ditadura da lgica, recentemente pesquisas em diferentescampos passaram a considerar a reintegrao dos planos do conhecimento. Tangenciando oslimites do pensamento lgico, a cincia do sculo XX recorreu vrias vezes s potencialidadesdo pensamento analgico, tanto nas reas ditas exatas quanto nas humanas. No entanto aatual revalorizao do pensamento analgico 4 no levou ainda reconsiderao do papeldesempenhado por ele na sociedade medieval 5, a respeito da qual continua a ser estudadoapenas na teologia 6. A forte presena do pensamento analgico medieval no chamou aateno mesmo de historiadores pioneiros.

    3 Tomemos algumas pginas do famoso captulo de Marc Bloch sobre as maneiras de sentir ede pensar7. L, ele afirma que na poca feudal surgiram novas palavras por contaminaodo mecanismo lgico, e exemplifica com um vocbulo vernculo que deu origem a umlatino: hommage tornou-se homagium. Ora, este mecanismo lingstico conhecido na pocaem que escrevia seu livro e aceito atualmente como espontneo mesmo em crianas pequenas8

    tinha sido comum no latim clssico, por exemplo com honos/honoris/honorem tendo criadoo nominativo honor por analogia com casos como os de orator/oratoris/oratorem ou amor/amoris/amorem9. Ou seja, o pensamento analgico que poderia ter explicado a Bloch porqueo gosto pela exatido permanecia profundamente estranho aos espritos: simplesmenteporque prevalecia o gosto pelo semelhante, no pelo idntico.

    4 A recusa a constatar o pensamento analgico medieval deve-se, talvez, a duplo motivo. Deum lado, extremada reao inconsciente velha postura que via na Idade Mdia uma Idadedas Trevas ou uma Idade da F, entenda-se, nos dois casos, uma poca sem a luz da razo.De outro lado, aceitao literal da viso que o cristianismo medieval oficial tinha do mundoe de si prprio, e que tendia a no reconhecer a forma analgica de relacionar as partes seres humanos, animais, plantas, pedras, fenmenos naturais, etc. com o todo (Universo).Por exemplo, uma das mais importantes autoridades de ento, Isidoro de Sevilha, consideravaa lgica ao lado da natureza e da tica um dos fundamentos da Bblia. Ele no aceitava aanalogia naquele papel por definir tal forma de pensamento como comparao do duvidosocom algo semelhante que no oferece dvida, situao que no lhe parecia cabvel na Palavrade Deus10.

    5 Contudo, dado muito significativo, o que ele fez no seu principal trabalho considerado porErnst Curtius o livro fundamental de toda a Idade Mdia11 foi exatamente buscar pormeio de associaes analgicas a verdade ontolgica ao mesmo tempo escondida e reveladapelas palavras. Suas Etimologias sintetizavam duas prticas culturais anteriores, a helensticaque via laos causais entre as coisas e seus nomes e a exegese bblica de inspirao estico-platnica que encontrava em todo nome a essncia metafsica da coisa designada. Mesmocom tal concepo tendo recuado com os filsofos nominalistas (de Abelardo a Occam), que

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    defendiam o carter convencional das lnguas 12, o homem comum da Idade Mdia jamaisdeixou de ver laos afetivos e/ou formais entre as palavras e aquilo que elas indicam : oarbitrrio do signo proposto pela Lingstica moderna no faria sentido para eles13.

    6 Na Europa medieval, a viso analgica de mundo estava presente tanto na culturaerudita quanto na vulgar. E sobretudo no nvel cultural comum queles dois plos,zona que denominamos cultura intermediria, na qual clrigos e leigos encontravam ecriavam elementos compreensveis aos dois grupos, apesar de todas suas diferenas sociais,econmicas, polticas e funcionais.

    Similitude, me da verdade14

    7 Evidentemente, pensamento analgico aquele baseado em analogias, palavra de origemgrega ana, por meio de, legein, assemelhar que indica proporo matemtica identidade entre as relaes que unem os termos de dois ou mais conjuntos ecorrespondncia semelhana entre domnios heterogneos possibilitada pela percepode certa unidade entre eles. Analogia isomorfismo que leva transferncia de propriedadesde algo conhecido para outro menos conhecido, isto , gera conhecimento conectado comoutros, e no apenas cumulativo. Logo, o pensamento analgico mtodo extensivo quedepende mais das propriedades sintxicas do conhecimento do que de seu contedo especfico.Ele busca similitudes entre seres, coisas e fenmenos, todos conectados em uma totalidadeque os ultrapassa e comum a cada elemento. Tais pontos estruturais presentes em todocomponente do universo decorrem de uma realizao primordial, de uma unidade bsica detudo, escalonada por semelhanas dos termos anlogos entre si e por referncia deles ao termoprimeiro, ao prottipo.

    8 por isso que o pensamento analgico privilegia a busca de semelhanas, sem negar contudoas diferenas entre os elementos comparados, sejam eles sociais, naturais ou supranaturais. por isso igualmente que as sociedades pr-industriais, inclusive a do Ocidente medieval,fazem relativa indistino entre os eventos daquelas esferas 15. Como os membros dessatotalidade funcionam em rede, como as relaes so prioritrias sobre as propriedades dos serese objetos analogizados, a modificao de um dado provoca por contiguidade a modificaode muitos outros, algumas vezes do conjunto, como fez o Pecado Original na concepocrist de mundo. As correlaes estabelecidas pelo pensamento analgico entre dois oumais termos de um mesmo sistema ou entre sistemas diferentes podem ser diretas porsimilitude de caractersticas e/ou funes ou invertidas por contraste ou paradoxo . Sobquaisquer dessas formas, pensamento indutivo, comparativista e intuitivo, que automtica eespontaneamente constitui uma malha de conexes afetivas considerada capaz de exprimir eexplicar a integralidade do mundo, portanto de acalmar as dvidas existenciais.

    9 O papel central que o pensamento analgico desempenhou na Europa medieval bemcompreensvel, dada a predominncia dele nas trs heranas culturais que construram aeuropia a clssica, a bblica e a germnica. Sem ser aqui nosso objeto examinar essesambientes culturais, lembremos apenas que no greco-romano a modalidade analgica deraciocnio estava fortemente presente tanto na mitologia quanto na filosofia, manifestaesque exerceram grande influncia no cristianismo medieval. Havia analogias duais em termosmatemticos, A : B , como aquela que Anaximandro formulou e que como veremosseria muito popular na cultura crist a partir do sculo XII entre microcosmo (homem) emacrocosmo (universo)16. Das analogias de trs termos (A: B =B: C), a mais famosa a quePlato estabeleceu no relato sobre a caverna, no interior da qual os ocupantes vem apenassombras, plidos reflexos do mundo visvel, por sua vez somente reflexo do mundo das idias,a verdadeira realidade17. Aristteles, de seu lado, insistiu na analogia de quatro termos (A:B =C: D), exemplificando com o fato de haver uma mesma relao entre a taa e Dioniso eo escudo e Ares, de maneira que um poeta pode dizer que a taa o escudo de Dioniso eo escudo a taa de Ares. Ou, como a relao entre velhice e vida a mesma que existeentre dia e entardecer, pode-se afirmar que a tarde a velhice do dia e a velhice oentardecer da vida18.

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    10 Como so inmeras as analogias utilizadas na Bblia, ilustremos apenas com uns poucosexemplos dos Salmos, parte do Antigo Testamento citada mais de cem vezes no Novo e partedo livro sagrado mais apreciada pela Europa medieval. Do primeiro tipo (ou analogia deatribuio), lembremos que o homem justo como uma rvore plantada s margens de umcurso dgua, d frutos na poca certa e sua folhagem nunca seca; ele pede a Deus quetorne meus ps geis como os dos cervos e mantenha-me nas alturas; ele define o Senhorcomo meu abrigo, minha fortaleza, meu Deus em quem confio19. Do segundo tipo (ouanalogia de proporo), que sua misericrdia, Senhor, esteja conosco como nossa esperanaest consigo; como o cervo aspira s fontes puras, minha alma aspira a voc, meu Deus;mil anos so a seus [de Iav] olhos como [para os homens] o dia de ontem20. Especialmenteimportantes eram as passagens nas quais o cristianismo medieval via o salmista antecipandoeventos da Paixo e Ressurreio de Cristo21.

    11 No mbito da cultura germnica, tomemos dois casos. A natureza e o homem eram concebidoscomo anlogos, mostra um mito islands datado talvez do sculo VIII, embora tenha recebidoregistro escrito no sculo X : a deusa Frigg, me de Baldr, obteve da gua, das pedras,rvores, enfermidades, aves, bem como do fogo, dos metais, animais e venenos, o juramentoque jamais fariam mal a seu filho, mas deixou de lado um arbusto muito pequeno, julgadoinofensivo, do qual o maldoso Loki extraiu um ramo que matou o jovem deus22. O tempo e oespao, para a Fsica moderna categorias abstratas, separadas e com caractersticas prprias,eram vistas pelos antigos germanos como concretas e anlogas, razo pela qual estabeleciamcerta espacializao do tempo um dia era a trajetria do Sol entre o leste e o oeste ecerta temporalizao do espao medir uma distncia era determinar com quantos dias decaminhada ela podia ser coberta23.

    12 A diferena estrutural entre os pensamentos analgico reticulado, construdo de formasincrnica com elementos similares, comparveis, paralelos e entrecruzados e lgico linear, construdo com encadeamentos diacrnicos de elementos distintos que levam dacausa ao efeito, ou vice-versa no significa que em determinados perodos histricos umdesses instrumentos de deciframento do mundo exclusse o outro. Mesmo na Idade Mdia. Oracionalismo evidentemente no era desconhecido, e nem poderia s-lo, pois o cristianismoestimula uma viso de mundo lgica24. Mais importante, no era ento desconhecido porqueem toda sociedade o pensamento analgico e o pensamento lgico so complementares, noexcludentes. So inerentes ao ser humano de todas as pocas e todos os locais, so formasigualmente vlidas de conhecimento do mundo e de si mesmo.

    13 Como bem notou Edgar Morin, toda renncia ao conhecimento emprico/tcnico/racionalconduziria os humanos morte; toda renncia s suas crenas fundamentais desintegraria asociedade de que fazem parte25. Observao essencial, nem sempre levada em conta peloshistoriadores. Com efeito, desde o sculo I a.C. o racionalismo clssico passara a argumentarcom a relatividade de toda percepo sensvel e tornou-se ctico, viu o esgotamento deseu carter terico e especulativo26. O cristianismo, sntese da mstica oriental (Jesus) e dafilosofia grega (Paulo) pretendia superar esse impasse, oferecendo a possibilidade de conhecero incognoscvel (Deus) por meio do concreto (Criao). Alcanar o intangvel pelo sensveltornava-se possvel pela observao de um tecido de reflexos, de comparaes, de gradaes,de metforas, de smbolos. Em suma, de analogias.

    14 Nada estranho, portanto, que a afirmativa bblica segundo a qual Deus disps tudo commedida, nmero e peso, tenha sido entendida analogicamente tanto no sculo I a.C., poca desua formulao, quanto na Idade Mdia27. Nmero no era uma quantidade exata, e sim maisum instrumento de decodificao possvel do mundo28. Logo, natural que a linguagem dopensamento analgico seja a simblica, adjetivo vindo do substantivo sumbolon, por sua vezderivado do verbo sumballein, reaproximar algo conhecido o smbolo, o significante dealgo invisvel, misterioso (o significado). Reaproximao que exerccio analgico, operaomental que de uma semelhana imperfeita conclui outra(s), e desta(s) ainda outra(s) e assimsucessivamente. Isso levou alguns estudiosos a pensarem que analogia induo seguida de

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    deduo, e que portanto o tratamento simblico do mundo pressuporia um tratamento anteriorracional29.

    15 Tal considerao tem o mrito de negar o carter pretensamente pr-lgico das sociedadesditas arcaicas, mas para no se cair no exagero oposto preciso especificar que se trata nodo racionalismo lgico, e sim do racionalismo analgico, cujo resultado sempre hipottico.Observao essencial, para que no se despreze a distino entre smbolo e alegoria30. Esta,com efeito, uma espcie de metfora prolongada, uma comparao que funde dois termosem um nico, como no clssico exemplo aristotlico: j que Aquiles por sua coragem pareceum leo, pode-se dizer que Aquiles um leo. Diferentemente, o smbolo no funde oselementos em questo, preserva a identidade de ambos ainda que detectando pontos comuns,homologias (semelhana de estrutura) e analogias (semelhana de funo). Os smbolos soprefiguraes do mistrio no dizer de Isidoro de Sevilha31.

    16 Ver em Cristo o cordeiro de Deus que leva o pecado do mundo no confundi-lo com obode expiatrio das civilizaes orientais32, estabelecer uma analogia (levar o pecado)baseada numa homologia que adota como metfora outro animal o dcil e puro cordeiroe no o voraz e lbrico bode 33. Ou seja, o smbolo est para o sentimento assim como aalegoria para o pensamento: enquanto a analogia fundamento do smbolo e este expressoverbal e/ou visual daquela, constituindo-se ambos em formas complementares de entrever arealidade intangvel, a alegoria dedutiva, conceitual, construo de algo no lugar deoutro34. Expressando um conjunto mais amplo de transformaes histricas que aos poucosalargava a rea do pensamento lgico em detrimento do analgico, de Amalrio de Metz(c.775-853) a Jacopo de Varazze (1226-1298), os liturgistas e hagigrafos pretendendo tudoexplicar passaram cada vez mais do simbolismo ao alegorismo: na vela a cera o corpo deCristo, a mecha Sua alma, a chama Sua divindade35.

    17 Sendo religio do Verbo, o cristianismo v o mundo como imagem de modelos contidos namente de Deus e materializados atravs de suas palavras faa-se luz, que brote vegetaoda terra, etc. ou de seus gestos modelou o homem da argila, faam isso em minhamemria, etc.36. Para conhecer Deus, inalcanvel pelo homem de forma direta, os cristosmedievais observavam a natureza. Assim fazendo, seguiam a sugesto da prpria palavradivina: pela grandeza e beleza das criaturas conhece-se por analogia seu autor. Ou ainda,desde a criao do mundo, o invisvel de Deus, seu eterno poder e divindade, torna-se visvel inteligncia por meio de suas obras37. o que constatavam comentadores do texto sagrado.Para Dioniso Areopagita, Deus cognoscvel graas s analogias das quais Ele a causa; paraToms de Aquino, toda Revelao se d por analogia38. Observao da natureza, portanto,mas no em busca de leis naturais, causais, e sim de relaes comparativas e simultneas.

    18 O pensamento medieval no ficou, entretanto, imune s transformaes globais dos sculosXII-XIII, que levaram a um recuo da viso mtica e da correspondente forma analgicade interpretar o mundo. Desde ento as prticas da racionalidade lgica ganharam terreno.Na arquitetura, por exemplo, sabe-se desde o clssico estudo de Erwin Panofsky que ogtico e a escolstica apresentavam vrios pontos de contato, cujo denominador comum erao pensamento lgico 39. A escrita, contnua at o sculo X, passou a partir de ento cadavez mais a separar as palavras e a aperfeioar a pontuao, no sculo XII a usar ttulos,captulos com paragrafao e espaos vazios entre os pargrafos tornando o texto maisleve e possibilitando a insero de novas informaes e reflexes , em meados do sculoXV a organizar os nmeros em coluna. Alis, a lenta substituio iniciada no sculo XII,generalizada apenas em meados do XVI dos algarismos romanos, mais concretos, pelosarbicos, mais abstratos, tambm ia nessa direo. O mesmo fazia a difuso de diversosinstrumentos intelectuais, testemunhos da preocupao classificadora da poca. Desde osculo XII, antologias, glossrios, lxicos e sumas; desde a primeira metade do sculo XIII,ndices temticos, ndices alfabticos, numerao de pginas, concordncias, catlogos debibliotecas; desde o sculo XII, mas sobretudo do XIII, esquemas nas imagens visuais40.

    19 Essa mudana na linha tendencial do uso dos dois tipos de pensamento nos ltimos sculosmedievais no deve, evidentemente, ser entendido como evoluo no sentido valorativo

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    do termo. Tampouco podemos pensar que aquela nova tendncia levou destruio domtico/analgico pelo lgico/emprico, como defendem os historiadores que interpretamo Renascimento como oposto da Idade Mdia. Mesmo porque o movimento culturaltradicionalmente chamado de Renascimento no alcanou a maior parte da populao(campesinato) e do territrio europeu salvo algumas grandes cidades mercantis e sedes decortes monrquicas, eclesisticas e senhoriais. Ademais, as prprias elites culturais da pocacontinuaram a interpretar de forma analgica tanto fenmenos naturais (caso da magia) quantosociais (caso da heresia)41

    Os campos20 No que diz respeito Europa medieval, pensar por analogia significava estabelecer conexes

    entre o mundo divino e o mundo humano, entre o Modelo e suas imagens. O universoera visto como uma grande rede de analogias porque na cultura crist o ponto inauguraldaquelas relaes era evidentemente a Criao, que significa a presena, embora incompleta,de propriedades e formas do primum analogatum (Deus) nos secunda analogata, sobretudono homem, feito imagem e semelhana Daquele 42. Deus, de acordo com a definiode um monge em 1114-1115, era o bom fabricante de imagens cuja palavra registrada naBblia foi ao longo da Idade Mdia o grande modelo da literatura, da iconografia e em largamedida de toda a cultura crist43.

    21 Do ponto de vista cosmolgico, o conceito de relao analgica entre os humanos e o universo comum a vrias sociedades arcaicas 44, inclusive a dos cristos medievais, que tomaramcontato com o tema a partir das culturas clssica sobretudo o pensamento estico e judaica.Eles viam a si prprios como anlogos ao cosmo, acreditando que se Deus formara o homemdo limo da terra ao qual estava destinado a retornar45, cada parte do seu corpo assemelha-se a uma parte do universo. Sua cabea ao cu, seu peito ao ar, seu ventre ao mar, seus ps terra. Seus sentidos aproximam-se dos elementos, a vista do fogo, a audio e o olfato do ar,o paladar da gua, o tato da terra. Seu sangue corresponde gua, sua respirao ao ar, seucalor ao fogo. Seus ossos so como pedras, as unhas como rvores, os cabelos como ervas, ossentidos como animais46. O tema aparece na iconografia e mesmo no ambiente do naturalismofranciscano47.

    22 De acordo com um apcrifo do sculo I hoje conhecido a partir da verso eslava do sculoX , as correspondncias decorriam do prprio ato de criao, quando Deus ordenou suaSabedoria que fizesse o homem com sete elementos, Sua carne da terra, seu sangue doorvalho e do sol, seus olhos do abismo dos mares, seus ossos de pedra, sua racionalidade davelocidade anglica e das nuvens, suas veias e seus cabelos das ervas da terra, sua alma demeu prprio esprito e do vento48. Contudo o esquema mais difundido entre os sculos Ve XIII associava o corpo humano aos quatro elementos, ar, fogo, terra e gua49. O ponto departida para tanto estava no nome do Primeiro Homem, cujo acrstico sintetiza o universo A (de Anatol, leste em grego), D (de Diesis, oeste), A (de Arktis, norte), M(de Msembria, sul) para os meios judaicos alexandrinos50 e cristos primitivos51. Oscristos medievais aceitaram e desenvolveram essa relao52, cujo carter analgico aparecena prpria seqncia das letras no acrstico, embora por oposio: leste/oeste, norte/sul.

    23 Como o homem tem correspondncia com o restante da natureza, esta era pensada em termoshumanos. A primavera associada infncia, o vero adolescncia, o outono maturidade,o inverno velhice 53. Da mesma forma que o homem, o mundo tem umbigo, Jerusalm,prolongamento da tradio grega para qual a ilha sagrada de Delos era omphalos tes gs. Assimcomo o ser humano envelhece, o mundo tambm (mundus senescit). A rigor, cada momentoda Criao pode ser visto nos seres humanos. Para Geoffrey de Saint-Victor (c.1125-1196), acriao da luz corresponde aos sentidos que permitem ao homem perceber a realidade externa.A separao das guas superiores das guas inferiores comparvel separao da intelignciae da razo que correspondem aos elementos ativos, ar e fogo em relao imaginao e sensualidade correspondentes aos elementos passivos, terra e gua ; a separao entreterra e gua eqivale distino entre Bem e Mal; a criao dos astros, luz da f; a criao

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    dos peixes e das aves, aos sentimentos naturais ; a criao dos animais terrestres, aos atoscaritativos dos cristos54.

    24 Das projees e retroprojees entre macrocosmo e microcosmo decorriam outras analogias,conforme o contexto histrico. Isso pode ser exemplificado com a metfora antropomrficada sociedade, que via nos clrigos a alma do corpo social, no rei sua cabea, no conselho denobres o corao, nos funcionrios os costados, nos juizes e governadores de provncia osolhos, ouvidos e a lngua, nos guerreiros as mos, nos arrecadadores de impostos o ventre e osintestinos, nos camponeses os ps55. Exemplo mais expressivo a imagem que os medievaistinham do Criador. Apesar de o relato bblico falar em Ado sendo feito de terra56, at o sculoXII essa idia foi tratada com cuidado para evitar aproximaes com o Demiurgo platnicoque construra o mundo com material pr-existente e portanto eterno, concepo contrria crist. Mas com as transformaes socioeconmicas da Idade Mdia Central, passou-se aidentificar a atividade do Criador com a de um arteso. Na Bblia de Lambeth, de meadosdo sculo XII, uma iluminura mostra sem pudor Deus esculpindo Ado com as duas mos57.No claustro da catedral de Elne, no sul francs, cerca de trs dcadas depois uma esculturarepresenta o homem ainda incompleto, pernas mergulhadas na argila da qual est sendo feito.No sculo XIII, acompanhando os progressos da economia artesanal, tal analogia foi utilizadamais intensamente, como em um relevo de Chartres ou um vitral da Sainte-Chapelle de Paris.No sculo XIV, uma iluminura inglesa mostra um anjo modelando um bloco informe deargila assistido por Cristo, que na cena seguinte completa a criao do homem58, de maneirasemelhante a um mestre de corporao de ofcio que d acabamento final ao trabalho de umaprendiz.

    25 Do ponto de vista antropolgico, as analogias medievais entre Modelo e Imagem regiam-se pelas chamadas relaes simpticas59, quer dizer, de contgio coisas que estiveram emcontato continuam sempre a agir uma sobre a outra, mesmo distncia e de similitude o semelhante evoca o semelhante, agir sobre um agir sobre o outro60. A presena dessasrelaes est abundantemente testemunhada na Europa medieval.

    26 Na hagiografia, os milagres seguiam os modelos pelos quais Cristo havia curado, exorcizado,ressuscitado e alimentado. As duas primeiras modalidades baseavam-se no princpio docontgio : curar e exorcizar so gestos prximos, que decorrem da ao sagrada (ainterveno milagrosa) sobre agentes sagrados embora malficos (demnios). As duas ltimasmodalidades estavam fundamentadas no princpio da similitude: Cristo restitui a vida pois vida61, multiplica pes e peixes e por analogia de inverso transforma gua em vinho62.Tomando dois exemplos ao acaso, o primeiro de uma fonte de fins do sculo IV, outrode meados do XIII, vemos o fundamento analgico dos milagres medievais. Um caso decontgio encontra-se na cura realizada a distncia por So Martinho, que chamado por algumgravemente doente ps-se a caminho e depois de ter percorrido apenas metade da rota oenfermo recuperou-se ao perceber o poder de quem se aproxima63. Um caso de similitudeinteressante est na vida de So Nicolau, que mesmo diante da grande escassez alimentar pelaqual passava sua cidade no podia criar comida ex nihilo. Foi necessrio ali aportarem navioscarregados de trigo, cada um dos quais a pedido do santo deixou certa quantidade, que nofaltou na carga levada ao seu destino e que graas a outro milagre alimentou a populaopor dois anos e serviu ainda para a semeadura64. Isto , o santo s pde fazer o milagre dotrigo a partir do trigo, produzir algo a partir de seu anlogo.

    27 Na liturgia crist, os exemplos possveis so muitos porque toda ela est estruturada de maneiraanalgica para preservar em registros terrenos atos divinos. O ponto de partida foi dado peloprprio Modelo, cuja Encarnao e Paixo deveriam ser prolongadas, como explicado a seusdiscpulos na ltima Ceia ao dividir e entregar a eles o po : Isto o meu corpo dadopor vocs; faam isto em minha memria65. O fato antropolgico ganharia posteriormentefundamento filosfico, com Toms de Aquino explicando que os corpos naturais alteram-se quando se tocam66. Nascida de uma analogia arquetpica, a liturgia crist no poderiadeixar de ser desenvolvida e praticada por meio de analogias, regidas como aquela tanto peloprincpio de contgio quanto de similitude.

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    28 do primeiro tipo o anel que o bispo usa a partir da sagrao como smbolo de fidelidade sua esposa, a Igreja67, objeto colocado no quarto dedo da mo, denominado por isso anular,j que se acreditava que por ali passasse uma veia ligada diretamente ao corao68, smboloda inteligncia humana69. Outro exemplo o da gua benta, que resulta de um processo decontiguidade quando a graa do Esprito Santo toca o sacerdote e este por sua vez toca agua comum e nela mergulha uma vela acesa que simboliza o Esprito Santo, transformando-a70. Contagiada pelo poder divino, tal gua ganha poder de realizar curas71, purificar pessoas(como no batismo), espaos sejam laicos como casas ou religiosos como claustros , objetos(caso das benes de alimentos) e animais (como em determinadas festas). Devido ao atomodelar, o momento ritualmente adequado para esse contgio o Sbado Santo e a vsperado Pentecostes, que comemora justamente a descida do Esprito Santo sobre os apstolos. tambm um encadeamento desse gnero que fundamenta o sacramento da ordem. O poderrecebido pelos apstolos tinha sido transmitido por meio de imposio da mo aos bispos, queatravs de gesto semelhante podem sagrar outros bispos, estes ordenar diconos e padres, quepor sua vez exercem o mesmo poder pelo mesmo gesto em certos ritos voltados aos leigos.

    29 A presena do princpio de similitude pode ser ilustrada pelas vestes sacerdotais, usadas deacordo com cada prtica litrgica e cujas cores no expressavam apenas valores estticos,mas sobretudo o significado profundo delas : negro humildade, branco castidade, cinzadiscrio, amarelo sabedoria, verde f, azul esperana, vermelho caridade 72. Vrios gestosrituais, acompanhados por frmulas muito variadas, que compreendiam oraes e exorcismos,tambm se baseavam na similitude com gestos arquetpicos. o caso da consagrao de umaltar, quando o bispo derrama leo santo sobre a pedra e canta-se uma antfona que relembraJac vertendo leo na pedra sobre a qual dormira e tivera a viso do Senhor. o caso, de usomais amplo, da genuflexo como sinal de humilhao e venerao, como fez Salomo quandoda consagrao do Templo de Jerusalm e como o salmista ordena que se faa diante de Deus73.

    A expresso30 Do ponto de vista iconogrfico, em funo do carter analgico do pensamento medieval o

    homem daquela poca no se via apenas como imagem, mas tambm criador de imagenspara exaltar o Modelo. claro que tais imagens podiam ser literrias, como no caso de umaimagem divina especfica tornar-se um modelo (So Martinho) que entrega a prpria imagem(o texto da Vita Martini) a seu arteso (Sulpcio Severo)74. Mais freqentemente elas eramiconogrficas, mostrando um rei, um bispo ou um santo imagens humanas privilegiadas doCriador entregando a Cristo Modelo enquanto Deus, imagem enquanto homem a maquete(imagem da imagem) de uma igreja imagem do Modelo divino por sua planta cruciforme.Um mosaico de Monreale, de fins do sculo XII, mostra o rei oferecendo a maquete da igreja Virgem, imagem explcita enquanto ser humano e modelo implcito enquanto matriz doModelo-imagem que Cristo. Na sua efgie morturia, colocada diante do altar-mor da igrejade So Blaise, em Brunswick, entre 1235-1240, o duque Henrique, o Leo, segura a maqueteda igreja na qual est sepultado, criando assim intrincado jogo de modelos e imagens.

    31 Reflexo divino, uma imago no poderia ser destruda. Ao contrrio de todos os outros objetosfabricados fora das especificaes tcnicas determinadas pelas normas legais, no se deviaeliminar as efgies dos santos, mesmo quando mal feitas75. Se um texto de carter jurdicocomo o Livre des mtiers, elaborado para um contexto urbano e crescentemente monetarizado(Paris, 1258), preocupava-se com questes desse tipo, que elas respondiam a inquietaes dasensibilidade coletiva. Com mais razo, isso acontecera na Europa rural e romnica dos doissculos anteriores. A especificao tcnica que a historiografia sempre interpretou apenas nonvel material, parece na verdade ter estado no plano da relao modelo/imagem: toda esttuasagrada deveria ser esculpida em um s bloco de pedra, com exceo do crucifixo, compostopor trs peas76.

    32 J o II Conclio de Nicia, em 787, afirmara que a honra dedicada ao cone alcana oprottipo, e aquele que se prosterna diante do cone prosterna-se diante da hipstase daqueleque estcontido nele77. Se a imagem cumpre esse papel essencial de mediadora porquecontm alguma substncia do modelo, da a utilizao dela atender antes de tudo a necessidades

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    espirituais. bastante bem conhecida a passagem na qual Gregrio Magno, numa carta aobispo iconoclasta de Marselha, compara as imagens a livros destinados a quem no sabeler 78. Para a elite eclesistica medieval as imagens sem dvida sempre tiveram funopedaggica, porm esta no era a nica, talvez mesmo sequer a essencial. Quando o papafez seu clebre comentrio, tinha em mente um contexto especfico, no estava dando umadefinio ampla e completa de imagem. Alis, se ele insistiu sobre a faceta pedaggica, porque esta representava certa novidade para a poca. Ademais, como algumas imagensvisuais estavam ao alcance apenas de clrigos caso das iluminuras de manuscritos ouestavam colocadas a distncias muito longas para olhos humanos caso de certos capitise vitrais , pode-se com razo duvidar de sua finalidade supostamente pedaggica. Diversascenas pintadas ou esculpidas em locais pouco acessveis, pouco iluminados ou muito altos,no estariam ali como elementos apotropaicos, propiciatrios ou exorcsticos mais do queevangelizadores? As imagens no deveriam, antes de tudo, projetar no mundo terreno aspectosdo mundo arquetpico? No era essa crena que lhes dava grande poder de interiorizao, ques vezes gerava mesmo transformaes psicossomticas?

    33 No caso mais destacado, o Modelo imprimiu sua imagem viva (os estigmas) em outra imagemviva (Francisco de Assis), quando a fora emotiva da imagem do crucifixo da igreja de SoDamiano imprimiu-se no corao do santo e fez, anos depois, com que as feridas modelaresdo Senhor fossem representadas no corpo do seu fiel 79. O Modelo (Deus), fez-se imagem(o Filho) da sua prpria imagem (o homem em geral), tornando-se um novo Modelo (Deusencarnado) que assumiu uma nova imagem de si mesmo (o serafim) e projetou-se em outraimagem um homem especfico, Francisco que acabaria por se tornar outro modelo SoFrancisco, o alter Christus. Ou seja, desde que o Crucificado daquela pequena igreja rural faloua Francisco, desencadeou-se complexo jogo de espelhos no qual Modelo e Imagem acabarampor se confundir, por se fundir, por se tornar um s.

    34 Do ponto de vista lingstico, se o peso do pensamento analgico sempre forte80, com maisrazo na cultura medieval, da a intensa presena da metfora, da metonmia, da sindoque edo paradoxo verbais ou visuais. No caso especfico da metfora, Aristteles j notara queela relao analgica que deve ser extrada de coisas vizinhas por gnero e contudo desemelhana no bvia, assim como tambm em filosofia sinal de perspiccia perceber aanalogia mesmo entre coisas muito diferentes81. Na Idade Mdia, a analogia como principalinstrumento cognitivo era quase confundida com a metfora, e nesse sentido Umberto Eco temrazo ao falar na atitude pan-metafrica medieval82. No seio dessa atitude, uma das metforasmais utilizada, como veremos no prximo item, era a especular anjos e homens como espelhode Deus.

    35 Enquanto manifestao medieval de metonmia ou analogia de atribuio extrnseca 83, emprimeiro lugar estava obviamente a Criao : toda criatura metonmia do Criador, tantoquanto Criador metfora do Indizvel. Em segundo lugar, podemos lembrar como umadas metonmias de maior alcance sociolgico e psicolgico o culto s relquias. De fato, pelocarter de contiguidade prprio da metonmia, um pequeno fragmento de um corpo ou umobjeto considerado santo eqivalia no imaginrio cristo medieval totalidade daquele corpoou objeto, independentemente de quantos outros fragmentos houvesse ou onde estivessem.Da mesma forma, a hstia permitia ao cristo aceder totalidade de Cristo, contida naquelepequeno pedao circular de po consagrado. Mais do que um deslocamento de sentido depo para carne , era na expresso (metafrica) freudiana uma condensao 84, ouna expresso (literal) crist uma comunho. No se tratavam, nesses exemplos, apenas deinterpretao erudita, e sim de sentimento coletivo. Como Chaucer coloca na boca de umpersonagem, somente um tolo no sabe que todas as partes derivam desse todo [o MotorPrimeiro], uma vez que a natureza jamais poderia ter origem em um pedao ou poro dealguma coisa85.

    36 Como exemplo medieval de sindoque, ou analogia de atribuio intrnseca, podemos lembrardo calendrio litrgico, estruturado em quatro tempos, o do Desvio correspondendo ao inverno,o da Renovao primavera, o da Reconciliao ao vero e o da Peregrinao ao outono, ou,

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    em outra escala, respectivamente noite, manh, ao comeo da tarde e ao anoitecer86. J queo pensamento analgico uma grande rede conceitual, o que vale para o calendrio litrgicocomo um todo vale para suas partes constituintes. Os setenta dias do ciclo da Septuagsimacorrespondem aos setenta anos que os judeus estiveram cativos na Babilnia e s setentacentenas de anos que duraro o exlio humano na Terra. Os sessenta dias da Sexagsimareferem-se a duas coisas. Uma, a multiplicao das seis obras de misericrdia dar de comeraos famintos, de beber aos sedentos, visitar os enfermos, vestir os desnudos, hospedar ospereginos, enterrar os mortos pelas dez normas do Declogo. Outra, a multiplicao donmero dez designativo do homem quatro elementos no corpo, trs na alma, mais o amora cada uma das trs pessoas da Trindade pelo nmero seis que o redimiu Encarnao,Natividade, Paixo, Descida ao Inferno, Ressurreio, Ascenso87. O calendrio estabelecidopela Paz de Deus entre meados do sculo X e meados do XII proibia as lutas em parte dasemana porque Quinta-feira foi o dia do Perdo, Sexta o da Paixo, Sbado o da Aleluia eDomingo o da Ressurreio, isto , pelo mecanismo sinedquico todas as Quinta-feiras sode perdo e assim por diante.

    37 O paradoxo tambm no era apenas figura de linguagem. Em termos teolgicos e filosficos, coincidentia oppositorum que revela a essncia da viso analgica de mundo, da a forade smbolos como a Cruz que aponta para norte, sul, leste e oeste, sendo portanto sntesedo Universo , o homem microcsmico que o prprio macrocosmo em outra escala , oAndrgino primordial macho e fmea ao mesmo tempo, por excelncia o ser paradisacoanterior ao Pecado e sntese destas snteses o Cristo Deus e homem, celeste e terrestre,centro e circunferncia, alfa e mega. A mais popular suma hagiogrfica do sculo XIII, cujaargumentao deveria corresponder sensibilidade e forma de pensar mais difundida deento, no hesita em recorrer dezenas de vezes ao uso de paradoxos. Em uma delas, a ttulo deexemplo, o papa afirma que Cristo teve fome para saciar o gnero humano e sede para oferecera taa da vida, foi tentado para livrar das tentaes, detido para libertar das garras do demnio,zombado para isentar da derriso, amarrado para soltar das amarras do pecado, humilhado paraexaltar, despojado para cobrir a nudez do primeiro erro com o manto da indulgncia, coroadocom espinhos para restituir as flores do Paraso, pregado na rvore da cruz para desprender darvore da concupiscncia, obrigado a beber fel e vinagre para introduzir o homem na terra doleite e do mel, tornado mortal para dar imortalidade88.

    38 A pardia, formulao derrisria de um paradoxo, apesar de sua aparente negatividade tambmno deixava de revelar e confirmar os valores profundos da sociedade medieval. Mais doque crtica social destrutiva, era mensagem moralista que funcionava como instrumento deressocializao pela fora do riso. Da ter se manifestado tanto em ambiente monstico comono clebre Coena Cypriani do sculo IV, quanto na esfera burguesa dos fabliaux dos sculosXII-XIII. Ela podia ser tanto literria, como nesses exemplos, quanto gestual no caso das Festasdos Loucos. Interessante exemplo iconogrfico encontramos em uma iluminura francesa dociclo arturiano, que a partir de um jogo de palavras e de imagens entre singe (macaco) esigne (signo), parodia a Virgem com o Menino ao mostrar uma freira amamentando ummacaco.

    39 Cena forte que resulta, de acordo com Michael Camille, de uma deformao voluntria dotexto, admitida na margem do manuscrito porque as questes sexuais eram marginalizadas nasociedade medieval crist. Por isso aquela imagem mostra uma mulher que no virgem ecujo pecado inaceitvel (pois era freira) engendrou uma aberrao, um falso humano (macaco)que no imagem e semelhana (como o homem) de Deus (o menino Jesus). Se este ltimo imagem de si prprio (Deus-homem), o macaco simulacro Dele89.

    A interpretao40 Do ponto de vista teolgico, o recurso analogia reconhecidamente um dos procedimentos

    mais freqentes de conhecimento, linguagem e argumentao90. Na Idade Mdia, recorriama ela tanto os platnicos quanto os aristotlicos. Para Dioniso Areopagita, analogia acapacidade das criaturas de participarem das virtudes divinas 91. Para Toms de Aquino, forma de aproximar coisas que tm ao mesmo tempo significao igual (ou unvoca )

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    e diferente (ou equvoca ), quer dizer, que aproveita o sentido hierrquico caro aosneoplatnicos, e a causalidade aristotlica que inclui a exemplaridade. Se a relao entre Deuse tudo de causalidade, Ele causa anloga do mundo, no gerando iguais a si, como fazo homem, causa unvoca92. Logo, os nomes atribudos a Deus e aos outros seres no o sode forma unvoca ou equvoca, mas analgica por referncia a uma coisa nica93.

    41 Quando o ser humano, principal imagem divina, pecou, gerou necessidade de outra imagem,mais perfeita, da o prprio Criador ter assumido a forma da criatura: a Encarnao reveloucompletamente o modelo divino, pois Cristo imagem do Deus invisvel94, espelho do Pai95.Como, de certa forma, todo homem o . E sobretudo, mais do que os outros homens, o primeirodeles, Ado, que est acima de todo ser vivo96. Entretanto o pecado baixara um vu entreDeus e o homem. Este perdera o brilho, a beleza, a sabedoria, a imortalidade, tornando-seimagem opaca do Criador. Da precisar de Cristo, imagem perfeita da Divindade quem meviu, viu o Pai97 para atravessar aquele vu e poder se reconhecer novamente no reflexodivino. Somente ento o homem, imagem de Deus, pode outra vez partilhar as caractersticasdo Modelo: a glria da imagem a glria daquele que ela representa98.

    42 A diferena entre uma imagem e um dolo estava exatamente no fato de a primeirarefletir um prottipo que existe, enquanto o segundo falso por no partir de um modeloreal 99. No Ocidente, enquanto uma representao plstica de Cristo, da Virgem ou de umsanto era considerada imago, a de uma divindade pag era simulacrum. Se Bernardo deAngers, em 1013, num primeiro momento interpretou a esttua-relicrio de Santa Foy comosuperstio, costume idiota de gente simples, depois reviu sua posio graas aosmilagres realizados por interveno dela, passando ento a consider-la imagem sagradaem memria da reverenda mrtir em honra de Deus soberano100. Se a religiosidade popularaceitava a curiosa prtica de agredir imagens de santos que no haviam bem cumprido seupapel de intercessora101, era por considerar que assim se punia, atravs da imagem, o modelo.

    43 Fundamentada nesta cosmoviso associativa, a iconografia medieval colocava com freqnciacenas veterotestamentrias face a cenas neotestamentrias. Isso ocorreu principalmente naItlia central desde o sculo IV, como mostram os ciclos de afrescos de San Pietro Fuori-le-mura e San Paolo Fuori-le-mura. Mas isso tambm acontecia em outras regies, por exemplono Arago da primeira metade do sculo XII com os afrescos de Bags, nas proximidadesde Viena com as placas esmaltadas feitas em 1181 por Nicolau de Verdun para o mosteiro deKlosterneuburg, no sul francs das ltimas dcadas do sculo XII no claustro de Saint-Ponsde Thomires, um pouco por toda parte nas diversas verses feitas no sculo XIII da chamadaBible moralise e nos sculos XIV-XV da Biblia pauperum.

    44 Por influncia da religiosidade judaica e por medo idolatria, at o sculo XI foram raras asrepresentaes iconogrficas de Deus Pai, que aparecia apenas por intermdio de Cristo. Eeste, at o sculo VIII, tinha sido pouco figurado na Cruz. Com o crescente cristocentrismoocidental, o bom cristo, o homem perfeito, passou a ser visto como reflexo da glria divina,como imago Dei. o que mostra o fato de um rapaz que rejeitara o Diabo e permanecera fielescravo de Cristo ter merecido que na igreja a imagem do Salvador olhasse fixamente para elee o acompanhasse com os olhos quando mudava de lugar102. O significado dessa passagem,diz o mesmo texto em outro ponto, que Deus aeterno speculum e todo santo reflexo desseespelho103. Inversamente, o mau cristo ou o no-cristo era simulacrum, imago diaboli. Nopor acaso, os camponeses eram reiteradamente descritos pela literatura medieval como seresmuito feios, mais parecidos com animais do que com homens, longe de serem imagemde Deus.

    45 A ordem universal explicada e justificada pela teologia fundava-se igualmente em processoanalgico, com os poderes terrenos, do papa ou do imperador at aos pequenos senhores locais,nascendo por contiguidade com o de Deus, modelo de legislador (Dez Mandamentos), de juiz(Juzo Final) e mesmo em certo sentido de carrasco os demnios punem em nome Dele, socarrascos de Deus104. A prtica do ordlio, forma simblico-jurdica de conhecer a vontadede Deus, era claramente analgica, fosse por similitude o mal atrai o mal e revela o culpado fosse por inverso o bem e o mal repelem-se e revelam o inocente , baseando-se no princpio

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    de que causas iguais produzem fenmenos jurdicos e sociais iguais105. Presente no textobblico, o ordlio recuaria somente com a disseminao do pensamento lgico, da em 1215a Igreja desautorizar seu uso106. O que no eliminou o pensamento analgico da vida jurdicaocidental, como demonstra aquilo que se chama de jurisprudncia, e que nada mais do queum veredicto decidido por analogia com outro.

    46 Do ponto de vista semitico, sem dvida a forma de construo de significados do queera observado e imaginado dava-se na Idade Mdia muito mais por analogias do que pordedues107. Ou seja, por um pensamento que integra campos cognitivos e afetivos, que vo mundo como hipertexto organizado de modo fractal, no qual cada conexo da rede ela mesma composta por toda uma rede. o que acontecia entre a hierarquia do mundodivino Cristo, serafins, querubins, tronos, dominaes, potestades, virtudes, principados,arcanjos e anjos e a hierarquia feudal imperador, reis, prncipes, duques, marqueses,condes, viscondes, bares, casteles. o que tornava a simetria entre elementos arquitetnicosou iconogrficos um dado essencial da arte romnica. o que fundava e regulava as relaes deparentesco artificial, nas quais por exemplo uma madrinha do latim popular matrina, pequenamater, me passava a ter funes simbolicamente maternas em relao ao afilhado, oque estabelecia interditos incestuosos.

    47 Como na rede universal de significados tudo que existe sob forma material foi antes concebidoe depois criado por Deus, todos os seres e coisas so imagens, so reflexos, so espelhos. Tudose reporta a um Primeiro Modelo, cuja totalidade no pode ser colocada em fragmentos darealidade material. Partindo do texto bblico videmus nunc per speculum in aenigmate:tunc autem facie ad faciem108 tal metfora foi com insistncia utilizada no sentido de algoque revela, ainda que imperfeitamente, verdades difceis de serem alcanadas de forma diretaou ampla. Assim ela aparece em, dentre outros, Dioniso Areopagita, Cassiodoro, GregrioMagno, Adlhelm, Alcuno, Rbano Mauro, Hildeberto de Lavardin, So Bernardo, Alain deLille, Pseudo-Hugo de Saint-Victor, Hildegarda de Bingen, So Boaventura e Dante109. Para oclrigo secular Pedro Lombardo, sintetizando de certa maneira todos aqueles autores, a alma um espelho no qual de vrias formas conhecemos Deus110. Para o cisterciense Guilhermede Saint-Thierry, o espelho da f crist o instrumento de salvao do homem111. Para odominicano Jacopo de Varazze, a vida do apstolo Barnab foi espelho de santidade112.

    48 Como toda relao Modelo/Imagem especular, ganharam grande importncia no pensamentomedieval (prolongada no dos sculos posteriores) os termos do campo semntico de specio speculum, spectrum, spectator, specularius, specimen, prospicio, circumspicio, suspicio, etc.Portanto, no casual que tenha existido toda uma literatura medieval de speculum, com apalavra sendo aplicada ao ttulo de obras de diferentes tipos113. De maneira ampla, desde SantoAgostinho at o sculo XIII aceitou-se o neoplatonismo de Plotino, para quem o universo umespelho no qual a alma-mundo ou princpio inteligvel aparece refletido. Mesmo a literaturalaica adotou a idia, com a Epistola presbyter Johannis e com Dante Alighieri usando oespelho como metfora de Deus, com Le roman de la rose considerando Deus espelho daNatureza114. Entre os sculos XII e XVI, os poetas dedicados ao amor usaram o tema doespelho de forma cada vez mais introspectiva115, porque tal metfora no apenas aproximavaamantes terrenos como tambm associava o amor humano ao Amor divino.

    49 Especulares tambm eram os livros bblicos. Desenvolvendo e insistindo sobre sugestes dosprprios textos neotestamentrios, Agostinho via no Antigo Testamento o espelho do Novo evice-versa, e de forma geral na Bblia o espelho do conhecimento116. Essa idia tipicamenteanalgica da Concordantia Veteris et Novi Testamenti foi defendida por muitos, como Isidorode Sevilha, Walfrido Estrabo, Suger, o Speculum Humanae Salvationis. Mesmo no interiorde cada conjunto testamentrio, vetero ou neo, as passagens eram associadas analogicamente.Assim, o trabalho exegtico era, em ltima anlise, a busca dos significados profundos dapalavra divina pela aproximao de textos espacialmente afastados na Bblia. Para o homemmedieval, Deus falava por analogias.

    50 Por isso especular era tambm exemplo bastante conhecido mas que no se pode deixarde citar por ser muito expressivo a arquitetura eclesistica. Se o claustro, quase sempre

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    quadrangular e com uma fonte central, era imagem do Paraso terrestre117, o caso mais claro o da igreja romnica, baseada em uma analogia de proporo. Sua planta foi concebida a partirda conjugao de quatro termos revelados pela Bblia : Deus encarnou-se e foi crucificadopara salvar o gnero humano; Ele prprio anunciou sou a porta, quem entrar por mim sersalvo; o homem imagem de Deus; o corpo humano templo de Deus construdo compedras vivas118. O principal resultado desse jogo de similitudes foi a percepo de a igrejaser o corpo de Cristo. A abside, por onde se comea a construo, corresponde cabea voltada para Oriente, bero do sol salutis , muitas vezes com absidolas representando a coroade espinhos; a nave ao tronco e aos membros inferiores; o transepto aos braos abertos; ocruzeiro ao peito119. Nesse ltimo local que muitas vezes est o altar, sempre o ponto centralda igreja, porm outras vezes ele se encontra na abside120. De qualquer forma, o templo cristooptou pela planta cruciforme para indicar ao homem que ele ou deve estar crucificado para omundo ou deve seguir o Crucificado121.

    51 O cruzamento da nave com o transepto cria dois espaos, um quadrangular no solo (chorus) eoutro circular no teto (corona). Espaos que no eram meramente geomtricos ou estticos:o crculo est para o quadrado assim como o Cu est para a Terra122. significativo que noromnico o quadrado, analogia do terreno quatro pontos cardeais, quatro rios do den, quatroestaes, etc. , estivesse inscrito no crculo, analogia do celeste (abbada do cu, astros)123,enquanto no famoso desenho de Leonardo da Vinci sobre as propores humanas a conceposeria diversa, tributria de outro contexto intelectual e psicolgico. Ali o quadrado e o crculosobrepem-se parcialmente, sem predominncia de um deles, e no interior uma sobreposiode figuras humanas mantm interessante relao com aqueles smbolos: uma delas de pernasjuntas e braos abertos mostra-o tocando apenas o quadrado, outra de pernas separadase braos um pouco levantados coloca-o apoiado no crculo e com as mos encostadas noquadrado.

    52 Do ponto de vista psicolgico, analogia era uma leitura do mundo muito afetiva e dinmicaque superava os sentimentos de solido csmica e de insegurana buscando identificar elosentre os homens e deles com o universo. Exemplo marcante o da eucaristia124, que reneas duas formas de relaes simpticas. Como pela lei do contgio um alimento transmite suasqualidades ao consumidor da o princpio universal as pessoas so o que comem e pordecorrncia os tabus e as recomendaes alimentares o mesmo faz o alimento simblico dacomunho eucarstica. Pela lei da similitude invertida, esse alimento vegetariano (po zimo)transformado pelo rito em carne (o corpus Christi) da vtima sacrificial (hostia) introduz naboca no a morte como em qualquer refeio carnvora , mas a vida o Sacrificado eDevorado continua vivo, vivifica, o po da vida 125 , funde-se no com o corpo doconsumidor e sim com sua alma. Pela similitude direta, a ingesto da hstia diviniza o fiel, daa eucaristia ser para a liturgia romana opus redemptionis.

    53 As liturgias no oficiais, isto , as prticas culturais que a Igreja medieval chamava desupersties, tinham o mesmo fundamento que os ritos catlicos as relaes de analogiaque aproximavam, explicavam e tornavam operacionalizveis modelos sagrados e imagensterrenas. O uso apotropaico de anel com pedao de osso de avestruz, condenado por SantoAgostinho, no se diferenciava estruturalmente do uso ortodoxo de anel com relquia desanto126. Da mesma forma, portar no pescoo uma corrente com figa ou uma corrente comcrucifixo. Ambas prticas litrgicas eram vivenciadas de maneira inconsciente (analgica)e diferenciadas de maneira consciente (ideolgica). Da as freqentes passagens de umacondio litrgica a outra: o crio pascal era nos primeiros sculos cristos dividido depoisda cerimnia em pequenos pedaos que protegeriam os fiis de tempestades e demnios,mas depois passou a ser deixado na igreja127.

    54 A alta porosidade da fronteira entre aquelas duas formas litrgicas no podia impedir quea fora estruturante do analgico contaminasse a circunstancialidade do ideolgico. Porquea viso analgica de mundo era muito mais ampla e enraizada que a ideologia crist, amagia fazia parte do universo mental e cultural tanto dos leigos quanto dos eclesisticos. Aastrologia nunca foi descartada apesar das crticas antifatalistas que lhe eram dirigidas pelo

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    pensamento oficial desde os primeiros tempos do cristianismo, e no sculo XII muitos tratadosgregos e rabes sobre o tema foram traduzidos por clrigos e dedicados a bispos, que norecusavam essas homenagens. Medicina e astrologia estavam estreitamente associadas, talvezdesde Hipcrates, no sculo V a.C., pela analogia entre corpo humano e astros, pela concepode que o homem sntese do universo. Assim, a prtica decorrente desta concepo levava emconta no um diagnstico individual, e sim a combinao das quaternidades envolvidas nascaractersticas da pessoa, da doena e da elaborao e administrao dos medicamentos128.

    55 Considerava-se essencial a estao do ano em que se estava primavera, vero, outono,inverno , o grupo zodiacal que regia a pessoa fogo, composto pelos signos de ries-Leo-Sagitrio; terra, Touro-Virgem-Capricrnio; ar, Gmeos-Libra-Aqurio; gua, Cncer-Escorpio-Peixe , a fase da vida do indivduo infncia, adolescncia, maturidade, velhice ,seu temperamento sangneo, colrico, melanclico ou fleumtico , as qualidades essenciaisdo remdio (seco, mido, quente ou frio). Assim, levando em conta todos esses dados, porexemplo algum que sofresse de gota deveria pegar um pouco de ouro, minrio quente, denatureza semelhante ao sol e que se associa ao ar, aquec-lo para tirar qualquer impureza,depois reduzi-lo a p, mistur-lo com um pouco de farinha e gua e comer em jejum, fazendono dia seguinte com essa mesma massa biscoitos a tambm serem comidos em jejum e queprotegeriam de gota por um ano129.

    56 Naquele contexto de pensamento altamente afetivo, natural que fossem privilegiadasformas lingsticas afetivas, mais apropriadas para express-lo. Alm do uso de metforas,metonmias, sindoques e paradoxos, sobre os quais j chamamos a ateno, a atrao pelaetimologia tambm estava fundada no jogo especular modelo/imagem. Para os peregrinoscompostelanos vindos de alm-Pireneus, o contato com o Outro era com freqncia difcil,da o cronista explicar que o nome dos navarros (navarrus) vem de non verus, noverdadeiro130. De acordo com a Legenda urea, os anglos no poderiam ser chamados deoutra forma devido sua fisionomia de seres angelicos. O gafanhoto que rodeava o santo semparar, diz a mesma fonte, estava indicando para ele no sair daquele local, pois o nome doinseto, locusta, deriva de loco stare, ficar no lugar131.

    57 Especialmente importante era a etimologia antroponmica, baseada no princpio do bonumnomem, bonum omem, segundo o qual o prenome dava ao indivduo caractersticas do modelopatronmico. Outra vez a Legenda urea fornece ilustraes interessantes, pois para ela asvirtudes e histrias dos santos podem ser explicadas a partir dos nomes deles. Silvestrevem de sile (luz) e terra (terra) para mostrar que ele seria luz da terra pelo exemploe pela devoo, ou deriva de silva (floresta) e theos (Deus) porque ele atraiu para af homens silvestres, incultos. Juliano surge da associao de jubilus (alegria) comana (em cima), significando aquele que sobe ao Cu com jbilo, ou decorre de julius(incipiente) e anus (ancio), indicando nesse caso algum dedicado s obras divinastoda a vida, da juventude at a velhice. Ceclia deriva de coeli lilia (lrios do Cu) oude caecis via (guia de cegos) ou de coelo lya (presa ao Cu) ou ainda de caecitatecarens (sem cegueira)132.

    58 Enfim, como toda imagem imita, copia, reduplica e torna presente o modelo, por serdescendente de Ado todo homem mantm relao especular com Deus. Chega-se a Deusatravs dos homens e aos homens atravs de Deus. Conhecer o Um conhecer os Outros. NoUno estcontido o Diverso, neste se encontra aquele. Nos termos de uma tradio judaica,os homens so diferentes entre si porque so todos imagens de Deus133. Nessa linha, doistextos apcrifos, um de comeos do sculo II e outro da segunda metade do mesmo sculo,j tinham afirmado que Deus o espelho no qual o homem pode se conhecer134. Clemente deAlexandria, por sua vez, dizia no extremo fim do sculo II que ver seu irmo ver Deus135.Santo Agostinho, depois acompanhado, dentre outros, por So Bernardo, reconheceu que parao homem conhecer Deus preciso conhecer a si prprio, e para conhecer a si prprio precisoconhecer Deus136.

    59 A partir disso, o pensamento analgico medieval estabeleceu conexes interagentes do mundodivino com o mundo humano, do Modelo com sua Imagem. verdade que o evangelista

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    dissera apenas assim na Terra como no Cu137 mas a rigor a recproca era consideradaverdadeira, via-se as aes terrenas provocando reaes celestes, ou, formulando de outramaneira, a relao sagrado/profano era dialtica e no causal138. Ora, como qualquer formade pensamento, a analgica constri-se com imagens etimologicamente, idia, ideos, aquilo que se v , buscando entre elas laos que permitam entrever a realidade-matrizdaquelas imagens que so sempre nicas embora cada uma delas no exista seno em funode outras. Toda imago apresenta certa similitudo com a res que pretende expressar, mas sendotambm representatio, atualizao dessa res, signum, algo que estaqum do modelo, doarqutipo. Talvez pensando nisso, que Ruperto de Deutz dizia que imago liga-se unidadee similitudo multiplicidade139.

    60 No quadro sociocultural da Idade Mdia, o caminho do Modelo Imagem e desta queleera duplo, e ambos predominantemente analgicos. A segunda via passava por oraes,mortificaes, misticismo. A primeira, pela construo de variadas imagens. As verbaisdos exempla ou as visuais dos afrescos e das esculturas medievais faziam mais do quesimplesmente ilustrar pontos importantes da moral e da dogmtica crists. Clrigos e leigosconcordavam quanto ao fato de elas anunciarem realidades transcendentes. Sua grande funoera expressar no por imitao, mas por participao na essncia fatos fora do alcancedo observador, recuperando eventos do passado ou antecipando os do futuro. Ao contrrio dainterpretao lgica, elas no levavam aqueles elementos para o ouvinte ou o observador. Elaslevavam o ouvinte ou o observador at o tempo e a situao narrados.

    61 Reconhecia-se, alis, que a qualidade de um sermo ou de uma figurao plstica estava emrealizar a fuso entre aqueles que recebiam tais imagens e o modelo delas. Como Deus eternamente contemporneo de todos os homens, uma imagem plstica Dele tornava cadahomem contemporneo de Deus. Como Ele est em todas as partes, e sempre, a rigor nohaveria necessidade de figur-lo em pedra, parede, madeira, metal, vidro ou pergaminho, ano ser para colocar homem e Divindade num mesmo plano de comunicao possvel. Masna verdade Ele s assume sua funo modelar a partir do momento em que gera imagens, elasmesmas geradoras de outras imagens. A forma de sentir e pensar da Idade Mdia fazia comque tudo fosse imagem de um modelo, todo modelo tivesse imagem, toda imagem pudessefuncionar como modelo.

    62 A palavra humana, instrumento essencial da construo cultural, era considerada reflexo dopensamento do Criador materializado pela boca da criatura. Quando Ado deu nome aosanimais, ele apenas pronunciou aquilo que Deus incutira na sua mente. Significativamente,a primeira palavra dita por Ado foi Deus 140, o qual ganha identidade, destaca-se dainfinitude e atemporalidade que Ele prprio, apenas ao criar uma imagem que mesmo sendo sua semelhana no Ele, um Outro, que lhe d um nome. Ou seja, o Modelo eternogera uma Imagem que pela sua prpria existncia gera historicamente o prprio Modelo.A Imagem, por sua vez, torna-se ela mesma modelo e passa a funcionar como mediadorapara que todas as imagens alcancem o Modelo. Nessa relao que funde Modelo e Imagem,e que constantemente inverte e subverte toda tentativa doutrinria de causalidade, apenas opensamento analgico possibilitava o pleno mergulho, ao mesmo tempo emocional e racional,nas profundezas do mistrio cosmolgico.

    Notes

    1E. R.DODDS, The Greeks and the irrational, Berkeley, 1951; G.E. R.LLOYD, Polarity andanalogy. Two types of argumentation in early Greek thought, Cambridge, 1966; M.CAVEING,Irrationalit des mathmatiques grecques, Lille, 1998.2A. MURRAY, Razn y sociedad en la Edad Media [1978], trad., Madri, 1982.3C. G.JUNG, Aion. Estudo sobre o simbolismo do si-mesmo [1976], trad., Petrpolis, 1982(Obras completas, 9/2), p.249. M.FOUCAULT (Les mots et les choses. Une archologie dessciences humaines, Paris, 1966, p.32-40) considera o papel da similitude central at fins dosculo XVI, mas a rigor ele foi decisivo por mais tempo. o que indica o exemplo da Espanhade meados do sculo XVII, onde o sistema de pensamento analgico caracteriza o Sculo

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    de Ouro, cf. A.REDONDO, Introduction, in A.REDONDO, Le corps comme mtaphoredans lEspagne des XVIe et XVIIe sicles, Paris, 1992, p.5. o que demonstra o interessantecaso do fundador da Fsica moderna, Isaac Newton (1642-1727), que ainda tinha como mtodode deciframento dos segredos do Universo relacionar a palavra (Bblia) e a obra (natureza)divinas: M.WHITE, Isaac Newton, o ltimo dos feiticeiros, trad., Rio de Janeiro, 2000.4 Na Epistemologia, Edgar Morin reconhece que a analogia prpria a toda atividadecognitiva e a todo pensamento. Mais ainda, o esprito no se serve apenas de analogias :o objetivo mesmo da atividade cognitiva de simular o real percebido, construindo umanlogo mental (representao), e de simular o real concebido elaborando um anlogo ideal(teoria) , cf. O mtodo [1973], trad., Porto Alegre, 1999, t.3, p. 170 e 174. Na Fsico-qumica, Ilya Prigogine prope o paradigma da ordem por flutuao provando que o caosentrpico permite toda uma complexa srie de novas organizaes que lhe autoriza a falar emnova racionalidade cientfica, cf. La Nouvelle Alliance. Mtamorphose de la science, Paris,1979. Na Biologia celular, Henri Atlan critica o mito racional do Ocidente e demonstra aexistncia de mltiplas racionalidades, cf. tort et raison. Intercritique de la science et dumythe, Paris, 1986. Na Neurologia, Antnio Damsio demonstra a falsidade da tese cartesiana,cf. O erro de Descartes: emoo, razo e o crebro humano [1994], trad., So Paulo, 1996.Na confluncia da Matemtica com a Msica, Oscar Joo Abdounur prope a recuperaodo papel do pensamento analgico, cf. Matemtica e Msica. O pensamento analgico naconstruo de significados, So Paulo, 1999.5Ele quase sempre merece referncias apenas de passagem, por exemplo em A.J. GUREVITCH,As categorias da cultura medieval [1972], trad., Lisboa, 1991, p.76 e 104; A.J. GUREVITCH,Medieval popular culture, Cambridge/Paris, 1988, p.240; H.MARTIN, Mentalits mdivales,XIe-XVesicle, Paris, 1996, p.175.6 Como mostram os grandes dicionrios especializados : J. HASTINGS, Encyclopaedia ofReligion and Ethics, Edimburgo/Nova York, 1908, t.1, p.415-419; G.KRAUSE e G.MLLER,Theologische Realenzyklopdie, Berlim, 1978, t.2, p.625-650; A.VACANT, E.MANGENOTe E.AMANN, dir., Dictionnaire de thologie catholique, Paris, 1903, t.1, col.1142-1154;Lexikon des Mittelalters, Munique/Zurique, 1980, t.1, col.569-570; J.STRAYER, Dictionaryof the Middle Ages, Nova York, 1982, t.1, p.359-360; W.KASPER, dir., Lexikon fr Theologieund Kirche, Friburgo, 1993, t.1, col.577-582; A.VAUCHEZ, dir., Dictionnaire encyclopdiquedu Moyen ge, Paris, 1997, t.1, p.62-63; H.D. BETZ, D.S. BROWWNING, B.JANOWSKI eE.JNGEL, Religion in Geschichte und Gegenwart, Tbingen, 1998, t.1, col.446-451; J.LEGOFF e J.-C.SCHMITT, dir., Dicionrio temtico do ocidente medieval [1999], trad., Bauru,2002, p.497-499; C.GAVAUDAN, A.LIBERA e M.ZINK, dir., Dictionnaire du Moyen ge,Paris, 2002, p.52-54.7La socit fodale [1939-1940], Paris, 1973, p.120-124.8K. INAGAKI e G.HATANO, Young childrens spontaneous personification as analogy,Child Development, 58 (1987), p.1013-1020.9F. SAUSSURE, Curso de lingstica geral [1916], trad., So Paulo, 2000, p.187-192.10ISIDORO DE SEVILHA, Etimologas, II, 24, 8, ed. W.M. LINDSAY, trad. J.OROZ RETA eM.A. MARCOS CASQUERO, Madri, 1982, t.1, p.396-397; ISIDORO DE SEVILHA, Etimologas,I, 28, 1, ibid., p.320-321. Podemos ver aqui uma manifestao medieval de uma das oposiesdefinidas por E.Morin (O mtodo, op. cit., p.210) entre os dois tipos de pensamento: oemprico-racional exercendo forte controle lgico do analgico, enquanto o simblico-mticoexerce forte controle analgico do lgico.11E. R.CURTIUS, Literatura europia e Idade Mdia latina [1947], trad., So Paulo, 1996,p.607.12A. KLINCK, Die lateinische Etymologie des Mittelalters, Medium Aevum, 13 (1970),p.93-145. Isso no significa que os nominalistas no praticassem o pensamento analgico,como mostra o exemplo de Abelardo : G. ALLEGRO, Lanalogia nei trattati trinitari diPietro Abelardo, in Knowledge and the sciences in medieval philosophy, Helsinki, 1990,p.317-324.13F. SAUSSURE, Curso, op. cit., p.81-84.14Nonne similitudinem veritatis matrem: AGOSTINHO, Soliloquiorum, II, VII, 13, ed. PL,32, col.891.15Como mostrou H.de Lubac (Surnaturel. tudes historiques [1946], Paris, 1991, p.327,369-373 e 395-402) a palavra supernaturalis parece ser do sculo VI traduo latina das

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    cartas de Santo Isidoro de Pelusa , mas entrou no vocabulrio teolgico apenas no sculoIX traduo do Pseudo-Dioniso feita por Hilduno e por Ergena , e de forma tmida, poisfoi pouco usada at meados do sculo XIII, difundindo-se to somente a partir de Toms deAquino.16 P. ALLERS, Microcosmus from Anaximandros to Paracelsus , Traditio, 2 (1944),p.318-407; C.H. KAHN, Anaximander and the origins of Greek cosmology, Nova York, 1960.17La Rpublique, VII, 1-III, 514a-518b, ed. e trad. E.CHAMBRY, Paris, 1933, p.145-151.18Potique, 21, 1457b, ed. e trad. J.HARDY, Paris, 1932, p.62.19Salmo, I, 3; XVII, 34; XC, 2.20Salmo, XXXII, 22; XLI, 2; LXXXIX, 4.21No primeiro caso, Salmos, LXIX, 22; XXII, 8.19, contidos em Mateus, XXVII, 34.39.35.No segundo caso, Salmos, II, 1-2; XVI, 8-11; CXXXII, 11; CX, 1; CXVIII, 22, presentesem Atos dos apstolos, IV, 25; II, 25-28.30.34; IV, 11.26.22Vlusp, ee.31-33, em LEdda potique, trad. R.BOYER, Paris, 1992, p.540-541; Eddamayor. Poesia nordica siglos IX-XIII, trad. L.LERATE, Madri, 1986, p.29-30.23A. J.GUREVITCH, As categorias, op. cit., p.46-47.24 A. KOJEVE, Lorigine chrtienne de la science moderne , in Laventure de lesprit.Mlanges Alexandre Koyr, Paris, 1964, t.2, p.295-306.25E. MORIN, O mtodo, op. cit., p.186. Por esta razo no se pode concordar que a iluso filha da analogia [] o pensamento analgico cria uma dupla iluso [] de uma explicaofalsa e de uma ao imaginria do homem sobre o mundo e sobre si prprio: M.GODELIER,Mito e Histria : reflexes sobre os fundamentos do pensamento selvagem [1971], inM.GODELIER, Horizontes da Antropologia [1973], trad., Lisboa, s.d., p.356-360. De fato,o que parece ser ilusrio de um ponto de vista externo (lgico e emprico), bastante real de um prisma psicolgico e histrico devido relao inevitavelmente emotiva do homemcom o mundo, consigo mesmo e com o prprio pensamento. Raciocinar por analogia no negaa lgica, muitas vezes a alimenta. Este o caso, sugerido pelo fsico H.Bacry (La symtriedans tous ses tats, Paris, 2000, p.326-338), da teoria da relatividade, que segundo ele terianascido do argumento de simetria.26A. J.FESTUGIRE, La rvlation dHerms Trismgiste, Paris, 1944, t.1, p.5-66.27 Sabedoria, XI, 21. Um caso de analogia numrica iconogrfica estudamos em Acircularidade do quadrado. Uma hiptese interpretativa do claustro de Silos , TemasMedievales, 10 (2000-2001), p.135-160.28Um erudito medieval subscreveria perfeitamente a observao de seu colega moderno,segundo a qual o meio de conhecer as formas mortas a lei matemtica. O meio decompreender as formas vivas a analogia, O.SPENGLER, Le dclin de lOccident, esquissedune morphologie de lhistoire universelle [1923], trad., Paris, 1948, t.1, p.16.29E.RABIER, Leons de philosophie [1884], Paris, 1903, p.248; D.SPERBER, La pensesymbolique est-elle pr-rationnelle?, in M.IZARD e P.SMITH, La fonction symbolique, Paris,1979, p.17-42.30Segundo M.-D. Chenu (La mentalit symbolique, in M.-D. CHENU, La thologie audouzime sicle, Paris, 1976, p.190) o simbolismo emana de uma adeso do nosso ser, esua clareza esconde-se de certa forma, no decurso da experincia espiritual, no interior dasprprias imagens mediadoras do mistrio, da sua intensidade e seu valor, mesmo estticos.A alegoria, por sua vez, procede no dessa operao esttica em estado puro, mas de suaexplorao crtica, para extrair dela pensamentos abstratos e chegar a uma exposio didtica.No limite, a explicao submerge a significao.31 Mysticorum Expositiones Sacramentorum, ed. PL, 83, col. 207B. No acompanhamos,portanto, N.Jdice (Analogia e imagem do mundo no texto medieval, in H.GODINHO, Aimagem do mundo na Idade Mdia, Lisboa, 1992, p.103), que v na imaginao analgicauma forma de olhar e descrever o mundo que no interpretao como ocorre com aimaginao simblica, e sim uma aproximao de similitude das coisas e dos fatos.Ora, em primeiro lugar acreditamos que nenhum olhar e descrio possam ser neutros, tratam-se sempre de aes interpretativas sobre o mundo: por que olhar isto e no aquilo? por quese colocar a nfase descritiva neste e no naquele aspecto? Em segundo lugar, as coisas e osfatos vistos e descritos por analogia so sempre selecionados e aproximados de acordo como capital simblico da sociedade observada.

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    32Joo, I, 29. A tradio do bode expiatrio que recebe e leva para longe todo o mal dasociedade estava presente tanto entre os hebreus (Levtico, XVI, 5-28; Nmeros, XXVIII, 30)quanto entre os mesopotmicos. Para estes, pelo menos segundo um fragmento assrio citadopor H.Gressmann (Altorientalische Texte und Bilder zum Alten Testamente, Tbingen, 1909,t.1, p.101), um cordeiro podia servir de substituto para o sacrifcio de um homem. Veja-seainda o clssico e polmico R.GIRARD, A violncia e o sagrado [1972], trad., So Paulo, 1990.33Outra manifestao da mesma metfora est em Mateus, XXV, 33, onde se diz que quandodo Juzo Final o Senhor separar as ovelhas (oves) direita, os bodes (haedos) esquerda,imagem repetida por vrios autores medievais, dentre eles SO BERNARDO, Sermones sobreel Cantar de los Cantares, 35, I, 2, ed. J.LECLERCQ, trad. I.ARANGUREN, Madri, 1987 (Obrascompletas de San Bernardo, 5), p.506-507.34Na verdade os medievais no faziam conceitualmente tal distino (cf. U.ECO, Arte ebeleza na esttica medieval [1987], trad., Rio de Janeiro, 1989, p.76 e 82-101), mas ela podeser aplicada quela poca como recurso intelectual moderno que ajuda a compreender melhoras realidades psicolgicas do passado.35De ecclesiasticis officiis, I, 26, ed. PL, 105, col.1046; Legenda urea, 37, ed. Th. GRAESSE,trad. H.FRANCO JNIOR, So Paulo, 2003, p.250-251 (a propsito da Virgem).36Gnesis, I, 3.11; II, 7; Lucas XXII, 19.37 Respectivamente, Sabedoria, XIII, 5 ; Epstola aos romanos, I, 20. O peso dessapotencialidade explicativa na formao da cultura ocidental fica clara pela clebre frase deAlbert Einstein: a investigao cientifica, postulando a priori a inteligibilidade do Universo,pertence ao domnio da crena religiosa.38De divinis nominibus, VII, 3, ed. PG, 3, col.870D-871A; Suma Teolgica, I-I, q.1, a.9,ed. A.BLOT, trad. A.CORRA, Porto Alegre, 1980, t.1, p.11-12.39Architecture gothique et pense scolastique [1951], trad., Paris, 1981 ; R.BECHMANN,Villard de Honnecourt. La pense technique au XIIIe sicle et sa communication, Paris, 1991.No entanto Panofsky, seguindo a tendncia marcante de seu tempo, atribui um excessivocarter lgico ao pensamento escolstico, minimizando seu procedimento analgico, toimportante em determinado perodo da metafsica tomista, como mostra B.MONTAGNES, Ladoctrine de lanalogie de ltre daprs saint Thomas dAquin, Louvain/Paris, 1963.40P.SAENGER, The separation of words and the order of words: the genesis of medievalreading, Scrittura e civilt, 14 (1990), p.49-74; G.CAVALLO, Libri e lettori nel Medioevo.Guida storica e critica, Roma/Bari, 1989 ; R. H. ROUSE, La naissance des index , inH.-J. MARTIN e R. CHARTIER, Histoire de ldition franaise, Paris, 1982, t. 1, p. 77-85.Sobre o conjunto desses assuntos, M.B.PARKES, Scribes, scripts and readers. Studies in thecommunication, presentation and dissemination of medieval text, Londres, 1991. Sobre osalgarismos arbicos, o clssico L.C. KARPINSKI e D.E. SMITH, The Hindu-Arabic system ofnumerals, Boston, 1911. Sobre as imagens, J.-C.SCHMITT, Les images classificatrices,Bibliothque de lcole des chartes, 147 (1989), p.311-341.41F. A.YATES, Giordano Bruno e a tradio hermtica [1964], trad., So Paulo, 1987 ;M.KUNZE, A caminho da fogueira [1982], trad., Rio de Janeiro, 1989.42Gnesis, I, 26, cf. tambm Sabedoria, II, 23.43 GUIBERTO DE NOGENT, Autobiographie, I, 2, ed. e trad. E.-R. LABANDE, Paris, 1981,p.12-13; N.FRYE, The Great Code. The Bible and Literature, Nova York, 1981.44C.Lvi-Strauss (Sur quelques problmes poss par ltude des classifications primitives,in Laventure de lesprit, op. cit., t.2) mostra que a populao indgena norte-americana dosOsages reparte os seres e as coisas em trs categorias, associando-as ou ao cu ou gua ou terra, e classifica a guia como terrestre por lig-la ao raio, o raio ao fogo, o fogo ao carvo,o carvo terra (p.335-336). O belo e clssico estudo de E.E. Evans-Pritchard (Bruxaria,orculos e magia entre os Azande [1937], trad., Rio de Janeiro, 1978) descreve o mecanismoanalgico das relaes de uma sociedade africana com a natureza em geral.45Gnesis, II, 7; III, 19.46HONRIO AUGUSTODUNENSIS, Elucidarium, I, 59, ed. e trad. Y. LEFVRE, Paris, 1954,p.371; HONRIO AUGUSTODUNENSIS, Sacramentarium, 50, ed. PL, 172, col.773CD, e, demaneira um pouco diferente, De imagine mundi, I, 82, ed. PL, 172, col.140CD.47 Respectivamente, F. SAXL, Macrocosm and microcosm in mediaeval pictures , inF. SAXL, Lectures, Londres, 1957, t. 1, p. 58-72 ; J. MCEVORY, Microcosmus and

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    macrocosmus in the writing of St Bonaventure, in J.C. BOUGEROL, S.Bonaventure 2: Devita, mente, fontibus et operibus Bonaventure, Grottaferrata, 1974, p.309-347.482 (Slavonic Apocalypse of) Enoch, J 30, 8, trad. F.I. ANDERSEN, in J.H. CHARLESWORTH,The Old Testament Pseudepigrapha, Londres, 1983, t.1, p.150.49JERNIMO, Liber contra Joannis Hierosolomitanum, 25, ed. PL, 23, col.376B; AMBRSIO,Hexaemeron, VI, 9, ed. PL, 14, col.265; AGOSTINHO, De Genesi ad litteram / Del Genesis a laletra, III, 4, ed. e trad. B.MARTIN PREZ, Madri, 1969 (Obras de San Agustn, 15), p.548-549;ISIDORO DE SEVILHA, De natura rerum, IX, 1-2, ed. PL, 83, col.977-978; RBANO MAURO,De anima, 11, ed. PL, 110, col.1119; REMGIO DE AUXERRE, Commentarius in Genesim, 27,ed. PL, 131, col.57A; HILDEGARDA DE BINGEN, Causae et curae, II, 9-12, ed. P.KAISER,Leipzig, 1903, p.42; GEOFFREY DE SAINT-VICTOR, Microcosmus, 19, ed. Ph. DELHAYE, Lille/Grenoble, 1951, p.46-47.50O texto mais antigo que fala no acrstico admico o j citado (nota 49) apcrifo 2 Enoch,J 30, 13, p. 152 ; Sobre a influncia desse texto, J. M. EVANS, Microcosmic Adam ,Medium Aevum, 35 (1966), p.38-42. Tambm se referem ao acrstico alguns dos OrculosSibilinos: II, 195 (de poca desconhecida), III, 24-26 e VIII, 318-323 (ambos do sculo III),XI, 1-4 (posterior ao ano 226), trad. E.SUREZ DE LA TORRE, in A.DIEZ MACHO, Apocrifos delAntiguo Testamento, Madri, 1985, t.3, p.287-288, 355 e 360. Ainda durante a Idade Mdiaos judeus continuaram especulando sobre o tema, como demostra S.S. KOTTEK, Microcosmand Macrocosm according to some Jewish medieval works up to the 12th century, Janus, 64(1977), p.205-215.51Os mais antigos textos em ambiente cristo so: de incio do sculo III, De montibus Sinaet Sion, 4, ed. W.HARTEL, Viena, 1871 (CSEL, 3-III), p.108, l.10-12; de fins do mesmosculo, ZOZIMO, Livre de Soph, 11, traduzido e citado por A.J. FESTUGIRE, La rvlation,op. cit., p.269. Sobre tais textos, D.CERBELAUD, Le nom dAdam et les points cardinaux.Recherches sur un thme patristique, Vigiliae Christianae, 38 (1984), p.285-301.52 Em princpios do sculo V, JERNIMO, Expositio quatuor Evangeliorum, ed. PL, 30,col.533B; AGOSTINHO, Enarrationes en Psalmi / Enarraciones sobre los Salmos, XCV, 15,ed. e trad. B.MARTIN PREZ, op. cit., t.21, p.518-519. No comeo do sculo VIII, BEDA,In Pentateuchum commentarii, Gn 4, ed. PL, 91, col.216; In sancti Johannis EvangeliumExpositio, II, ed. PL, 92, col.666-667. Em fins do mesmo sculo, ALCUNO, Commentariain sancti Johannis Evangelium, II, 4, ed. PL, 100, col.777A.Na primeira metade do sculoseguinte, WALFRIDO ESTRABO, Expositio quatuor Evangeliorum, ed. PL, 114, col.861-862;AMALRIO DE METZ, De ecclesiasticis officiis, I, 7, ed. PL, 105, col.1004B; RBANO MAURO,De laudibus sanctae crucis, I, 12, ed. PL, 107, col.197-198. Em princpios do sculo XII,HONRIO AUGUSTODUNENSIS, Elucidarium, op. cit., I, 64, p.372.53E.SEARS, The ages of man. Medieval interpretation of the life cycle, Princeton, 1986.54 Ph. DELHAYE, Le sens littral et les sens allgoriques du Microcosmus de Geoffreyde Saint-Victor, Recherches de thologie ancienne et mdivale, 16 (1949), p.155-160.Para o uso dessa analogia em Bernardo Silvestre, Alain de Lille, Hildegarda de Bingen eGottfried von Strassburg, dentre outros, ver R.FINCKH, Minor Mundus Homo. Studien zurMikrokosmos-Idee in der mittelalterlichen Literatur, Gttingen, 1999, p.116-155, 159-199,200-250 e 280-320.55 A formulao clssica desse conceito evidentemente a de JOO DE SALISBURY,Policraticus, V, 2, ed. PL, 199, col.540BD.56Gnesis, II, 7.57 LONDON, Lambeth Palace Library, fol. 6v. Sobre a iconografia deste manuscrito,D.DENNY, Notes on the Lambeth Bible, Gesta, 16 (1977), p.51-64.58Saltrio de Canterbury, PARIS, BnF, lat. 8846, fol.166.59 Descritas desde E. B. TYLOR, Primitive culture : researches into the development ofMythology, Philosophy, Religion, Art and Custom, Londres, 1871, 2 vol.; J.G. FRAZER, TheGolden Bough, Londres, 1898, 2 vol. (3 ed. 1911-1915, 12 vol.) ; M. MAUSS, Thoriegnrale de la magie [1902-1903], in M.MAUSS, Sociologie et anthropologie, Paris, 1950,p.3-141, at P.ROZIN e C.NEMEROFF, The laws of sympathetic magic: a psychologicalanalysis of similarity and contagion, in J.STIGLER, G.HERDT e R.A. SHWEDER, CulturalPsychology : essays on comparative human development, Cambridge, 1990, p. 205-232 ;P.ROZIN, La magie sympathique, in C.FISCHLER, dir., Manger magique. Aliments sorciers,croyances comestibles, Paris, 1994, p.22-37.

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    60O estabelecimento dessa lei no apenas produto da observao da cincia moderna sobreoutras culturas, tendo sido explicitada pelos prprios medievais, por exemplo na afirmao deque res similes sibi sunt habiles: Legenda aurea, 45, ed. Th. GRAESSE, Osnabruck, reed.1969, p.184 (trad. bras. p.275).61Joo, I, 4; III, 15-16. 36; V, 24.40; VI, 35. 48; X, 10; XI, 25; XIV, 6; Epstola aoscolossenses, III, 4; I Joo, V, 12.62No primeiro caso, Mateus, XIV, 19-21; XV, 36-38; Marcos, VI, 41-44; VIII, 6-9; Lucas,IX, 16-17 No segundo, Joo, II, 7-9; IV, 46.63SULPCIO SEVERO, Dialogos, II, 2, 3, ed. C.HALM, trad. C.CODOER, em Obras completas,Madri, 1987, p.224-225.64Legenda, 3, 4, p.71.65Lucas, XXII, 19, conforme tambm Mateus, XXVI, 26; Marcos, XIV, 22.66Summa contra gentiles, II, 56, ed. Leonina, Roma, 1934, p.150 (corpora enim naturaliatangendo se alterant).67 INOCNCIO III, De sacro altaris mysterio, I, 61, ed. PL, 217, col.796BC ; GUILHERMEDURAND DE MENDE, Rationale Divinorvm Officiorvm, III, XIV, 1, ed. A.DAVRIL e T.M.THIBODEAU, CCCM, 140, p.213-214.68HONRIO AUGUSTODUNENSIS, Gemma animae, I, 166, ed. PL, 172, col.609CD; GUILHERMEDURAND, Rationale, I, IX, 10, p.116. Enquanto as esposas usavam o anel na mo esquerda, osesposos e os bispos podiam faz-lo tanto numa quanto noutra mo, cf. J.GAUDEMENT, Notesur le symbolisme mdival. Le mariage de lvque [1978], in J.GAUDEMENT, La socitecclsiastique dans lOccident mdival, Londres, 1980, p.77, n.34. O anel usado pelos bispose prelados quando celebram pontificalmente chamado pelo Missal de annulus cordis.69Dentre muitos outros, ISIDORO DE SEVILHA, Etimologas, XI, I, 118.127, t.2, p.32 e 35;HILDEGARDA DE BINGEN, Causae et curae, op. cit., II, 1-2, p.43.70 Por isso a graa do Esprito Santo gua viva de acordo com Ruperto de Deutz(Commentaria in Evangelium S. Joannis, IV, 4, ed. PL, 169, col. 353B) gua que fluido Esprito Santo conforme Bruno de Wrzburg (Expositio psalmorum, 77, ed. PL, 142,col.293B).Sobre isso, J.MAGNE, La bndiction romaine de leau baptismale: prhistoiredu texte, Revue de lhistoire des religions, 156 (1959), p.25-63.71Durante a Idade Mdia as virtudes milagrosas da gua benta no se diferenciavam da guabenzida ou utilizada por um santo, ainda que sem carter litrgico, cf. F.CABROL, Eau, inDictionnaire darchologie chrtienne et de liturgie, Paris, 1921, t.IV/2, col.1685-1686. Acapacidade curativa desta gua tambm decorria de um contgio, no caso as virtudes do santo,mesmo leigo: a gua com que se lavara So Geraldo de Aurillac curou diversos doentes (ODODE CLUNY, De vita sancti Geraldi Auriliacensis comitis, II, 10, ed. PL, 133, col.676C-677A);o contato com a gua usada por um piedoso monarca cristo devolveu a viso a um cego(HELGAUD, Vie de Robert le Pieux / Epitoma vitae regis Rotbertis Pii, 11, ed. e trad. R.H.BAUTIER e G.LABORY, Paris, 1965, p.76-77).72 HONRIO AUGUSTODUNENSIS, Sacramentarium, 29, ed. PL, 172, col. 762D-763A ;GUILHERME DURAND, Rationale, III, XVIII, p.224-229.73Respectivamente, Gnesis, XXVIII, 11-18; 1 Reis, VIII, 54; Salmos, XCIV, 6.74SULPCIO SEVERO, Epistola, II, 3, in Obras completas, op. cit., p.179-180.75TIENNE BOILEAU, Le livre des mtiers, 62, 8, ed. R.de LESPINASSE e F.BONNARDOT,Paris, 1879, p.130.76TIENNE BOILEAU, ibid., 61, 9, p.128. Na Itlia os crucifixos eram feitos em cinco partes,cf. P.WILLIANSON, Gothic Sculpture, 1140-1300, New Haven/Londres, 1995, p.7.77Horos du Concile de Nice II, trad. M.-F. AUZPY, in F.BOESPFLUG e N.LOSSKY, NiceII, 787-1987. Douze sicles dimages religieuses, Paris, 1987, p.33.78GREGRIO MAGNO, Epistolae, 13, ed. PL, 77, col.1128-1130. Sete sculos depois, umbispo e liturgista ainda repetia a idia: GUILHERME DURAND, Rationale, I, III, 4, p.36, l.57-58.Sobre a evoluo da postura ocidental em relao imagem, J.-C.SCHMITT, LOccident,Nice II et les images du VIIIe au XIIIesicle, in F.BOESPFLUG e N.LOSSKY, Nice, ibid.,p.271-301.79 TOMS DE CELANO, Vita seconda di San Francesco dAssisi, I, VI, 10, trad.S.COLOMBARINI, in Fonti francescane, Pdua/Assis, 1990, 4e ed., p.562; TOMS DE CELANO,Trattato dei miracoli, II, 2, ibid., p.739. Sobre a histria dos estigmas, C.FRUGONI, Francesco

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    e linvenzione delle stimmate. Una storia per parole e immagini fino a Bonaventura e Giotto,Turim, 1993.80A atribuio da criatividade de toda lngua analogia vem desde H.PAUL, Prinzipiender Sprachgeschichte, Halle, 1880, p.100 ; passando por F.SAUSSURE, Curso, op. cit.,p.191-195, J.O. JESPERSEN, Language, its nature, development and origin [1922], Nova York,1949, p.92, L.BLOOMFIELD, Language [1933], Londres, 1958, p.275; C.HOCKETT, A coursein modern linguistics, Nova York, 1958, p.36 e 50. 81Rthorique, III, 11, 1412a, ed. e trad. M.DUFOUR e A.WARTELLE, Paris, 1973, p.68. ParaTOMS DE AQUINO, Suma teolgica, op. cit., I-I, q.1, a.9, t.1, p.12, apresentar uma verdadesob a forma de similitudes usar metforas, o que convm doutrina sagrada.82U.ECO, Metfora [1980], in Enciclopdia Einaudi, trad., Lisboa, 1994, t.31, p.222. Abibliografia reunida por W.A. SHIBLES, Metaphor: an annotated bibliography and history,Whitewater (Wisconsin), 1971, lista 61 ttulos que estudam a metfora como sendo analgica.83 A. CHOLLET, Analogie , in Dictionnaire de thologie catholique, op. cit., t. 1,col.1144.84Pode-se sintetizar o deslocamento freudiano como a passagem do interesse e da intensidadede uma representao para outras representaes originariamente pouco intensas, ligadas primeira por uma cadeia associativa. A condensao a interseco de vrias cadeiasassociativas reunidas em uma nica representao. Cf. J. LAPLANCHE e J.-B. PONTALIS,Vocabulrio da psicanlise [1987], trad., So Paulo, 2001, s. v. A aproximao entremetonmia e os conceitos psicanalticos foi sugerida por U.ECO, Metfora, op. cit.,p.231.85 The Canterbury tales, em The Portable Chaucer, trad. T. MORRISON, Harmondsworth,1977, p.120.86Legenda, Prlogo, p.41-42.87Legenda, 31, p.226; 32, p.229. Analogias numricas semelhantes so feitas nos captulosseguintes deste texto, sobre a Qinquagsima (33) e a Quaresma (34).88Legenda, 12, 3, p.77. O mesmo autor ao expor a Paixo esclarece seu mtodo, examinaros fatos sagrados pelos semelhantes e pelos contrrios : 51, p.326 (per similia et percontraria, ed. GRAESSE, p.229). A grande freqncia de analogias na Legenda urea devia-seao fato de ter sido concebida por um dominicano para servir de repertrio para a pregao deseus confrades. Com efeito, para bem veicular suas mensagens os sermes recorriam bastantes analogias, como mostram N.BRIOU, Lart de convaincre dans la prdication de RanulphedHomblires, in Fair